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CONTEMPORÂNEA
Daiane Solange Stoeberl da Cunha
DEART-UNICENTRO
A música, como uma criação social, com função estética, com elementos, formas
e técnicas específicas, sempre se apresentou como manifestação coletiva. A música do
século XX é intimamente marcada pelos avanços tecnológicos produzidos por esta
mesma sociedade.
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Não é correta a idéia de que a tecnologia só esteve próxima da música a
partir do dinamismo e velocidade do século XX. Como vimos, muitas foram
as conquistas tecnológicas que permitiram o desenvolvimento da produção
musical até os dias de hoje. Muito embora apenas o presente nos dê a
impressão de modernidade e complexidade, a arte de se fazer música no
Ocidente sempre esteve associada à tecnologia. Mas, mesmo assim, não
podemos deixar de afirmar que as grandes transformações e avanços
científicos do século XX, foram fundamentais para uma maior aproximação
entre a idéia de tecnologia e a música (ZUBEN, 2004, p 10).
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A música eletroacústica “... é a composição especulativa realizada em estúdio eletrônicos cujos traços
principais são a espacialidade sonora ( a forma como os sons são dispostos no espaço) e a investigação
harmônica e espectral”. (MENEZES, 2006, p. 403)
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A história dos instrumentos musicais nos revela claramente o caminho paralelo
entre a música a as invenções tecnológicas, a utilização de diferentes materiais e
técnicas para a confecção dos instrumentos musicais é notável no romantismo e no
classicismo onde os instrumentos sinfônicos são estabelecidos enquanto componentes
da orquestra. O aprimoramento de materiais e também das construções civis, nos
ambientes de concerto, passam a fazer parte da intenção do compositor.
Tão importante quanto as descobertas da Física e da Informática, é a utilização
destas descobertas para construção de uma nova produção artística. O período de
transição que separa os séculos XIX e XX é marcado por inúmeras transformações
praticamente em todas as áreas da vida social, conceituais e culturais, científicas e
artísticas, trata-se da era da informação, da aceleração do desenvolvimento tecnológico,
das quais as produções artísticas não poderiam ficar aquém. Tanto a ciência quanto a
arte desenvolvem-se a passos largos. A acústica, a física quântica, a eletrônica,
contribuem, e são suporte para as composições musicais contemporâneas.
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O segundo período é caracterizado por um pensar racional, uma vivência
discernente com tendência materialista. Utiliza-se o idioma musical tonal, com caráter
clagal de estruturação tridimensional. A conceitualização de tempo é cronométrica e de
espaço é perspectívica e tinha forma discursiva, triangular. Com a utilização da notação
precisa e estilos predominantes Barroco, Classicismo e Impressionismo.
O terceiro período diferencia-se do segundo no que se refere: ao idioma atonal
de caráter clagal e à estrutura quadridimensional; o conceito de tempo é acrônico e de
espaço é aperspectívico; os estilos predominantes são o expressionismo e as tendências
restaurativas: neoclassicismo e o nacionalismo.
Ainda no século XX, a partir da sua segunda metade, estrutura-se o quarto
período da estética musical ocidental, no qual o pensamento é arracional, a vivência
musical é integrante e a tendência é intelectual. O idioma musical é elemental de caráter
psofal e estruturação multidimensional. O conceito de tempo e de espaço é perceptivo, a
forma é sinerética, esférica. Utiliza-se a notação aproximada, roteiro ou gráfica para
registro dos estilos: concretismo, ruidismo, minimalismo, estruturalimo, neotoalismo,
reducismo e simplicidade nova.
Nota-se que as transformações estéticas da músicas apresentam uma crescente
ampliação de possibilidades e estruturas.
Ainda, de acordo com Koellreutter, dentre os vários tipos de estética, destacam-
se a Estética Fenomenológica, a estética descritiva, a Informacional e a Normativa:
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... a Estética Musical não é tão-somente um campo que se restringe ao estudo
comparativoe cronológico de obras, de gêneros musicais u mesmo das
histórias da Filosofia e da Música; la é uma área que propãe uma
interpretação histórica dos problemas da Estética Musical, valendo-se para
tanto, de todo o campo de escritos possíveis da Música (...) buscando criar
um campo intermediário e tradutor entre a História da Filosofia e a História
da Música. (CASNOK, 2005, 43)
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A Indústria cultural e a “coisificação” da música
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A industrialização vivenciada por Adorno e Horkheimer, introduzia-se também
nas artes, com a invenção do fonógrafo e do cinematógrafo, “...foi, portanto, a utilização
de meios mecânicos para multiplicar as possibilidades de audição de um concerto que
lhe sugeriu a utilização do termo indústria cultural” (PUTERMAN, 1994, p. 10).
Algumas das principais idéias dessa crítica estão ligadas à música e estão
inseridas numa análise ainda maior das relações de produção e reprodução inerentes às
classes na sociedade das massas que foi, desde o início, objeto do Instituto para
Pesquisa Social2. Como afirma FREITAG (1990, p. 71)
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A supervalorização da dimensão instrumental da razão significa a negação de
uma dimensão emancipatória que também aparece sob a forma de negação da arte.
A arte significativa para a transformação social e política seria aquela não-
repetitiva, caracterizada pela dimensão do novo, que preserva o que lhe é próprio e se
afasta do controle racional. Contudo a arte, assim como a educação, os meios de
comunicação, o não trabalho, passa pelo filtro da Indústria Cultural que é uma
manifestação exemplar da Razão Instrumental.
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exprima em termos de gostar e não gostar. Ao invés do valor da própria
coisa, o critério de julgamento é o fato de a canção de sucesso ser conhecida
de todos; gostar de um disco de sucesso é quase exatamente o mesmo que
reconhecê-lo. (ADORNO, 1983, p.165)
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No texto, Sobre música popular (1941), Adorno faz uma reflexão sobre o
conceito de estandartização da música popular, procura enterrar o mito de que a
diferença entre a música “séria” ou erudita com a música de entretenimento ou popular
pode ser analisada sob o aspecto de “níveis musicais”, em termos de complexidade ou
simplicidade das composições. Para o filósofo, o problema é muito diferente dessa
tradicional discussão. A diferença entre as esferas musicais não pode ser adequadamente
expressa unicamente em termos de complexidade e simplicidade. Todas as obras do
primeiro classicismo vienense são, sem exceção, ritmicamente mais simples do que
arranjos rotineiros de jazz (ADORNO, 1994, p. 119). O filósofo procura mostrar que, na
verdade, os músicos são neutralizados e reorientados para satisfazer às funções do
monopólio cultural, no sentido de que os elementos musicais devam ser estandartizados,
com detalhes atrativos, para proporcionar lucro e garantia do status quo.
Para Adorno, quando a obra de arte perde sua aura, acontece o desvirtuamento
da obra, a dissolução na realidade banal e a despolitização do seu destinatário. Adorno,
Marcuse, Horkheimer e Benjamin concordam ao atribuir à cultura, e à obra de arte em
especial, uma dupla função:
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A música maximalista: a nova estética musical
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conceito marxista de fetiche, atribuído ao produto musical, e logo depois estuda sua
apreciação pelo público, enquanto mercadoria. Em Sobre Música Popular o filósofo
investiga com mais profundidade o fenômeno da música de massas e suas diferenças
explícitas da música “séria” e mais radical.
O título Fetichismo na música já fornece dicas sobre o que trata a obra: uma
dupla abordagem da música em seus aspectos objetivo e subjetivo de um mesmo
processo. Tanto a música séria quanto a música leve exerciam papéis ao mesmo tempo
idênticos e diferentes. Mas Adorno percebe que essa situação de contradição aberta só
poderá ser resolvida não no plano das elaborações formais da linguagem musical, e sim
de uma total supressão das condições sociais que causaram e sedimentaram tal
contradição: Se as duas esferas da música se movem na unidade da sua contradição
recíproca, a linha de demarcação que as separa é variável. A produção musical avançada
se independentizou do consumo. O resto da música séria é submetido à lei do consumo,
pelo preço de seu conteúdo. Ouve-se tal música séria como se consome uma mercadoria
adquirida no mercado. Carecem totalmente de significado real as distinções entre a
audição da música “clássica” oficial e da música ligeira. (ADORNO, 1983, p. 170)
O fator polêmico que envolve as duas esferas da música é a transformação
radical de ambas em mercadoria. Para explicar esse fenômeno Adorno apropria-se do
conceito marxista de fetichismo da mercadoria, uma contribuição essencial para a
elaboração posterior de sua crítica à indústria cultural. A utilização do conceito marxista
de fetichismo compreende especificamente o âmbito das mercadorias culturais.
Em relação ao processo de transformação da arte em mercadoria, consiste na
perda de autonomia. A música, enquanto obra, é um objeto, mas como arte possuía certa
determinação histórica. Ao longo desse devir histórico, a música foi se emancipando de
qualquer funcionalidade. O artista era livre para criar, sem a tutela de reis ou clérigos.
No capitalismo, ela passa a assumir outra função específica: ser vendável.
Nas palavras de Adorno,
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Pode-se afirmar que esta análise da situação social da música apontada por
Adorno no texto do Fetichismo na música e a regressão da audição pode ser
encontrada em todos os produtos do mercado, não só na música, ou ainda nas artes
visuais, como é mais comum, mas toda arte está sujeita aos mecanismos da Indústria
Cultural.
No entanto, a produção musical contemporânea de vanguarda, radical e
especulativa demonstra a maximalização sonora enquanto a sociedade de massas,
prenunciada por Theodor Adorno, decorre da crescente decadência musical da
contemporaneidade promovida pela Indústria Cultural. O século XX é marcado pelo
início de uma verdadeira revolução musical. De maneira acelerada o grau de avanço e
complexidade da invenção artística passou a ser cada vez mais intenso. Enquanto para a
Idade Média o século é a unidade de medida temporal para a descrição do avanço
histórico-musical, temos que para a história da música do século XX passam a ser a
década, o ano e o mês as unidades de medida de tempo que permitem estudar a
evolução estética e técnica.
Desta maneira, o marco traçado por Schoenberg na transformação estética
musical, apontam para uma infinidade de compositores, da chamada música
contemporânea, com novas regras e procedimentos emergentes de estruturação musical.
“...talvez Schoenberg seja um caso atípico de criador que foi, à sua maneira, um pouco
de cada coisa: um grande mestre, um importante inventor e, de certa forma, um diluidor
em menor medida”. (MENEZES, 2006, p.14). Schoenberg foi o maior evolucionário,
responsável pela ruptura do sistema tonal, ocupando o papel de protagonista do
atonalismo livre. Pierrot Lunaire Op.21, composta por este músico ainda em 1912, é
atonal, rompendo com o idioma tonal dos últimos quatro séculos, na música ocidental.
Esta composição é contemporânea de outro marco histórico, A Sagração da Primavera
(1911-1913) de Igor Stravinsky.
Tanto Schoenberg quanto Stravinsky são vistos como antípodas por Adorno, em
um sentido de que o primeiro representa uma recusa em pactuar com o sistema de
industrialização e comercialização da música erudita, custando o próprio isolamento do
compositor e de conseqüências na própria qualidade de suas composições, e o segundo
como um brilhante criador que se entrega ao sistema que Schoenberg recusara, ao preço
de um enfraquecimento progressivo de suas composições e na decadência de escrever
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trilhas sonoras para filmes de Hollywood, com qualidade inferior ao melhor de sua
produção.
O procedimento diametralmente oposto de Stravinski se impõe ao exame e à
interpretação, não somente por sua validez pública e oficial e seu nível de
composição – já que o próprio conceito de nível não pode ser postulado de
maneira dogmática e, assim como o do “gosto”, está sujeito a discussão –
mas, sobretudo, porque destrói a cômoda escapatória segundo a qual se o
progresso coerente da música conduz a antinomias, deve-se esperar alguma
coisa da restauração do passado, da revocação autoconsciente da ratio
musical. (ADORNO, 2004, p. 10)
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configurando não o público musical, mas um público dentre os possíveis numa
sociedade multicultural.
A arte contemporânea, assim como o ser humano contemporâneo, é
imprevisível, ousada e diversificada, ampliando olhares, percursos e conceitos. Assim, a
diversidade de caminhos emaranhados no percurso artístico hodierno, revela, ainda que,
diante dos mecanismos da Indústria Cultural, a maximalização musical.
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