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MAXIMALIZAÇÃO SONORA: MEANDROS DA ESTÉTICA MUSICAL

CONTEMPORÂNEA
Daiane Solange Stoeberl da Cunha
DEART-UNICENTRO

Tão numerosas quanto as produções musicais surgidas no século XX são as


teorias que as tentam explicar. Compreender o movimento da arte, em suas diferentes
características e formas, exige uma busca dos olhares já direcionados a ela, tanto da
estética, quanto da história, da semiologia, da sociologia. Desta forma, a compreensão
artística é também social, histórica, filosófica.
A arte, a história e a filosofia ocupam-se de um objeto em comum: a produção
humana. Não é de hoje que as pesquisas nestas áreas se interligam de tal forma que, por
exemplo, ao se tomar a música do século XX como foco deste estudo, tem de se
considerar o conhecimento advindo das mesmas. Assim, a fim de realizar um estudo
integrado, toma-se como fonte os estudos realizados sobre a trajetória da música na
história da humanidade, principalmente do século XX, o conhecimento sobre estética
desenvolvido nas pesquisas que integram a filosofia e a arte, e assim a música e as
análises sociológicas realizadas pelos frankfurtianos na problematização da estrutura
socioeconômica capitalista, abordando questões referentes à arte-estética.
Refletir sobre a música numa perspectiva da época e do homem na nova ordem
social do mundo contemporâneo, nos leva, obrigatoriamente, a problematizar a
produção musical em suas diferentes perspectivas, as quais assumem posturas
dicotômicas frente a realidade social imposta no mundo capitalista. Tomamos como
ponto de partida para esta análise o pensamento de Adorno, que se constitui num marco
teórico no campo da sociologia da música.

Estética musical em transformação

A música, como uma criação social, com função estética, com elementos, formas
e técnicas específicas, sempre se apresentou como manifestação coletiva. A música do
século XX é intimamente marcada pelos avanços tecnológicos produzidos por esta
mesma sociedade.

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Não é correta a idéia de que a tecnologia só esteve próxima da música a
partir do dinamismo e velocidade do século XX. Como vimos, muitas foram
as conquistas tecnológicas que permitiram o desenvolvimento da produção
musical até os dias de hoje. Muito embora apenas o presente nos dê a
impressão de modernidade e complexidade, a arte de se fazer música no
Ocidente sempre esteve associada à tecnologia. Mas, mesmo assim, não
podemos deixar de afirmar que as grandes transformações e avanços
científicos do século XX, foram fundamentais para uma maior aproximação
entre a idéia de tecnologia e a música (ZUBEN, 2004, p 10).

Desde a antiguidade, a tecnologia e a cultura disponível determinaram a


sonoridade produzida. Nas composições musicais do século XX, somam-se aos
instrumentos musicais a produção de sons eletrônicos. A música eletroacústica1 é
composta com recursos tecnológicos “...desde o surgimento do gênero em 1948”
(MENEZES, 2006, p.401). O músico da contemporaneidade não precisa,
necessariamente, possuir a técnica de um instrumento musical. A compreensão
tradicional de músico, como aquela pessoa com habilidade para executar obras musicais
utilizando-se da voz e/ou de um instrumento musical da classificação padrão orquestral,
não é, mais, a única aceita.
A utilização da tecnologia disponível nas composições musicais passa a ser
ainda mais comum nas últimas décadas. É claro que, em toda a história da humanidade
o homem apropriou-se da tecnologia para a produção musical. Na música primitiva a
música era equivalente às possibilidades sonoras possíveis a partir do manuseio dos
aparatos tecnológicos disponíveis, assim a presença do ruído, da música vocal, dos sons
corporais, da sonoridade atonal ligada aos rituais sagrados a caracterizam. Passando
pela antiguidade e chegando à música medieval, observa-se, na música profana um rico
berço musical no que se refere à instrumentos, ritmos e estrutura, já na música sacra
medieval a influência cultural suprimiu as possibilidades tecnológicas da época, pois a
seleção dos sons vocais em detrimento dos instrumentais e ainda, a exclusão do ruído,
acabaram por delimitar a música ao aprimoramento estrutural, do cantochão ao
contraponto, culminando nas inúmeras vozes corais do renascimento. A música barroca
é um ótimo exemplo da exploração tecnológica utilizada a favor da produção artística, o
temperamento instrumental, a efetivação da tonalidade e ainda, por outro lado, a estética
do dualismo: consonância e dissonância, melodia e harmonia, som e ruído...

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A música eletroacústica “... é a composição especulativa realizada em estúdio eletrônicos cujos traços
principais são a espacialidade sonora ( a forma como os sons são dispostos no espaço) e a investigação
harmônica e espectral”. (MENEZES, 2006, p. 403)

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A história dos instrumentos musicais nos revela claramente o caminho paralelo
entre a música a as invenções tecnológicas, a utilização de diferentes materiais e
técnicas para a confecção dos instrumentos musicais é notável no romantismo e no
classicismo onde os instrumentos sinfônicos são estabelecidos enquanto componentes
da orquestra. O aprimoramento de materiais e também das construções civis, nos
ambientes de concerto, passam a fazer parte da intenção do compositor.
Tão importante quanto as descobertas da Física e da Informática, é a utilização
destas descobertas para construção de uma nova produção artística. O período de
transição que separa os séculos XIX e XX é marcado por inúmeras transformações
praticamente em todas as áreas da vida social, conceituais e culturais, científicas e
artísticas, trata-se da era da informação, da aceleração do desenvolvimento tecnológico,
das quais as produções artísticas não poderiam ficar aquém. Tanto a ciência quanto a
arte desenvolvem-se a passos largos. A acústica, a física quântica, a eletrônica,
contribuem, e são suporte para as composições musicais contemporâneas.

A música de nossos dias deve ser compreendida como configuração de


relacionamentos, definida em termos de multidirecionalidade e
multidimensionalidade e em termos qualitativos também. Pois é o reflexo de
nossa vida cotidiana, e a vida é transformação constante, um processo que
não se permite se prender em objetivos específicos ou interpretações. É
preciso compreender que a humanidade deve concentrar todos os seus
esforços nesse processo de transformação constante, pois é este que constitui
o único aspecto inalterável de nossa existência. (KOELLREUTTER, 1990,
p.10)

Para compreender melhor as modificações estéticas na música ocidental, toma-


se a sistematização realizada por Koeullreutter (apud ZAGONEL, 1987), nesta sinopse
das fases estéticas na música ocidental, este músico, define quatro períodos distintos:
primeiro período (séc.IV-XIV); segundo período (século X-XIX); terceiro período
(século XX) e quarto período (século XX).
O primeiro período apresenta uma estética musical pré-racional, como principais
estilos o romântico e gótico, com tendência espiritual de comunicação entre homem e
Deus, tendo como idioma musical o modalismo, com caráter dominantemente
ftegmático, quanto a estruturação mono e bidimensional, utilizava a escrita neumática e
tinha forma poética, circular. Os predominantes são o gótico e o romântico.

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O segundo período é caracterizado por um pensar racional, uma vivência
discernente com tendência materialista. Utiliza-se o idioma musical tonal, com caráter
clagal de estruturação tridimensional. A conceitualização de tempo é cronométrica e de
espaço é perspectívica e tinha forma discursiva, triangular. Com a utilização da notação
precisa e estilos predominantes Barroco, Classicismo e Impressionismo.
O terceiro período diferencia-se do segundo no que se refere: ao idioma atonal
de caráter clagal e à estrutura quadridimensional; o conceito de tempo é acrônico e de
espaço é aperspectívico; os estilos predominantes são o expressionismo e as tendências
restaurativas: neoclassicismo e o nacionalismo.
Ainda no século XX, a partir da sua segunda metade, estrutura-se o quarto
período da estética musical ocidental, no qual o pensamento é arracional, a vivência
musical é integrante e a tendência é intelectual. O idioma musical é elemental de caráter
psofal e estruturação multidimensional. O conceito de tempo e de espaço é perceptivo, a
forma é sinerética, esférica. Utiliza-se a notação aproximada, roteiro ou gráfica para
registro dos estilos: concretismo, ruidismo, minimalismo, estruturalimo, neotoalismo,
reducismo e simplicidade nova.
Nota-se que as transformações estéticas da músicas apresentam uma crescente
ampliação de possibilidades e estruturas.
Ainda, de acordo com Koellreutter, dentre os vários tipos de estética, destacam-
se a Estética Fenomenológica, a estética descritiva, a Informacional e a Normativa:

A Estética Fenomenológica é estudo subjetivo e interpretativo de ocorrência


ou fenômenos artísticos que se definem como manifestações de caráter
emocional, percebidos pelos sentidos, conscientizados ou não. Entende-se,
aqui, por Fenomenologia, o estudo analítico e detalhado de um fenômeno ou
de um conjunto de fenômenos em que estes definem por oposição às leis
abstratas, ou às realidades de que seriam a manifestação. Estética Descritiva:
aquela que descreve os fatos observados e averiguados. Estética
Informacional: estuda as estruturas das artes sob o ponto de vista de um
sistema de signos, ou seja, de uma linguagem. Estética Normativa: estabelece
critérios e normas para o julgamento e a apreciação da atividade artística.
(apud ZAGONEL, 1987, p.14)

Partilhando do ponto de vista do musicólogo alemão Carl Dahlhaus,


consideramos que não há separação entre História da Música e a valorização estética da
própria música, pois toda atividade musical é baseada em pressupostos estético-
filosóficos. Assim:

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... a Estética Musical não é tão-somente um campo que se restringe ao estudo
comparativoe cronológico de obras, de gêneros musicais u mesmo das
histórias da Filosofia e da Música; la é uma área que propãe uma
interpretação histórica dos problemas da Estética Musical, valendo-se para
tanto, de todo o campo de escritos possíveis da Música (...) buscando criar
um campo intermediário e tradutor entre a História da Filosofia e a História
da Música. (CASNOK, 2005, 43)

Na obra intitulada Terminologia de uma Estética da Música (1990),


Koellreutter afirma que a nova imagem do mundo, resultante de descobertas na área da
física e a reviravolta radical do pensamento humano, levam constantemente à revisão
profunda e pormenorizada da estética da arte e, principalmente, da terminologia de que
esta se serve. Surge no século XX uma estética musical nova, a negação de quase todos
os conceitos estéticos tradicionais. Desaparece, gradativamente, o dualismo, assim
como a consonância e a dissonância, tempo forte e fraco, tônica e dominante, melodia e
acorde. “...surge um novo repertório de signos musicais que compreende ruídos e
mesclas, natural e artificialmente produzidos. Revela-se um novo conceito de tempo, e
nega o conceito de tempo absoluto...” (1990, p.6)
A música contemporânea apresenta uma nova estética, na qual o som é nada
mais do que um feixe de energia, escolhido e selecionado pela mente humana naquela
parte do universo sonoro, acessível ao ouvido. A música atual aproxima-se de um todo
sonoro, a partitura mostra, cada vez mais, os chamados ‘campos sonoros’, frutos de uma
estética relativista cujos conceitos fundamentais são o impreciso e o paradoxal, onde os
valores complementares de uma estrutura musical definida e indefinida ao mesmo
tempo, os elementos são perceptíveis e imperceptíveis, contínuos e descontínuos.
O conceito de silêncio diferencia-se da pausa tradicional, se torna tão relevante
para a composição musical como próprio som. Há um intercâmbio entre o som e o
silêncio.

Para o compositor de hoje o silêncio è primordial, porque ele está se


perdendo na paisagem sonora. Assim sendo, o silêncio é matéria-prima da
música, um construto tão importante como qualquer outro parâmetro, o que
leva uma quantidade expressiva dos compositores importante da atualidade a
considerarem-no como centro de suas preocupações...(VALENTE, 1999, p.
79)

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A Indústria cultural e a “coisificação” da música

Ao analisar a estética musical no século XX, não se pode desconsiderar o fato de


que a arte está inserida no ambiente capitalista, no qual não pode estar alheia às
influências da indústria cultural. A arte é submetida a uma servidão: as regras do
mercado capitalista e a ideologia da indústria cultural, baseada na idéia e na prática do
consumo de “produtos culturais” fabricados em série.
Numa perspectiva econômica, os chamados produtores musicais, pois não há
como considerá-los artistas, produzem música para vender. A fama e o sucesso gerado
pelos meios de comunicação de massa, associados à lógica do lucro determinam a
estética musical para tal objetivo. São as relações de poder e saber que se manifestam
nesta cultura e o que antes era usado para expressão diferenciada, agora, atende às
demandas de um padrão musical medíocre, incluindo-se numa homogeneidade massiva.
As pessoas deixam de valorizar o diferente, a música de qualidade, a criatividade e
acabam preferindo o produto musical que incita aos discursos sobre o sexo e produz as
condições de disciplinarização padronizada dos corpos que se agitam sob os mesmos
sons e ritmos. É a industrialização da própria arte, a cultura convertendo-se em
semicultura, a formação convertendo-se em semiformação.
Ao refletir sobre as influências filosóficas nos textos musicais de Adorno (1903-
1969) nota-se que a música exerce um papel essencial na construção teórica do filósofo
alemão. Sua crítica social é traçada mediante uma análise sociofilosófica da música de
seu tempo, é possível compreender que o filósofo tem o elemento musical como
indicativo para verificar as transformações no pensamento, nas ações e nas relações
sociais que se moldam à ideologia burguesa. Ao considerar a música e a arte em geral
como forma de conhecimento, como um elemento cognitivo, Adorno nunca deixou de
conceber a música como um instrumento criativo de denúncia, formação e experiência
estética, em face da transformação social e da barbárie que se instalou no mundo
contemporâneo, responsável por horrores como Auschwitz e Hiroshima.
A teoria crítica da Escola de Frankfurt se tornou muito conhecida pela sua crítica
à cultura de massa. O termo Indústria Cultural foi originalmente formulado por Adorno
e Horkheimer na década de 30, momento em que ambos estavam muito impressionados
com o desenvolvimento das indústrias fonográfica e do cinema.

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A industrialização vivenciada por Adorno e Horkheimer, introduzia-se também
nas artes, com a invenção do fonógrafo e do cinematógrafo, “...foi, portanto, a utilização
de meios mecânicos para multiplicar as possibilidades de audição de um concerto que
lhe sugeriu a utilização do termo indústria cultural” (PUTERMAN, 1994, p. 10).
Algumas das principais idéias dessa crítica estão ligadas à música e estão
inseridas numa análise ainda maior das relações de produção e reprodução inerentes às
classes na sociedade das massas que foi, desde o início, objeto do Instituto para
Pesquisa Social2. Como afirma FREITAG (1990, p. 71)

Ao mesmo tempo que a obra de arte e a cultura em geral se fechavam ao


consumo da classe trabalhadora, por serem considerados bens de consumo
reservados a uma elite, representavam em sua própria estrutura um protesto
contra a injustiça, mas esta só poderia ser superada no futuro. (...) Os bens
culturais, concretizados em obras literárias, sistemas filosóficos e obras de
arte são derrubados dos seus pedestais, deixam de ser bens de consumo de
luxo, destinados a uma elite burguesa, para se converterem em bens de
consumo de massa (...) o que é viabilizado pela revolução tecnológica-
industrial, que permitiu promover a reprodução em série da obra de arte ou
da sua cópia (...) transforma a cultura de elite em cultura de massa.

Neste processo da Indústria Cultural, acontece uma falsa democratização, onde a


obra de arte se torna mercadoria do sistema capitalista. Assim, uma falsa reconciliação
entre cultura e civilização transforma o produto cultural, que deixa de ser apenas cultura
e passa a ter um valor de troca, o qual se denomina indústria cultural, a qual pode ser
definida como a cultura produzida para o consumo de massa, atendendo às necessidades
de valor de troca, em que o produto cultural deixa de ter caráter único para ser um bem
de consumo coletivo, avaliado segundo sua aceitação e lucratividade. Esse processo é
cada vez mais aprimorado pelas condições modernas de produção, que com o auxílio da
ciência e da técnica, facilitam a reprodução e disseminação dos produtos, consolidando
e perpetuando a produção capitalista, de tal forma que essa passa a ser fundamental para
a sobrevivência do sistema. Essa nova produção cultural tem função de lazer, ocupando
o tempo livre do trabalhador de forma que ele não reflita sobre sua realidade,
eliminando a dimensão crítica da sociedade. Na escola, na rua, nas festas, a música –
massificada – posiciona-se em lugar privilegiado, criando uma ilusão de acesso à arte,
incentivando o consumo cada vez mais intenso, o qual traz a falsa sensação de
realização social.
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O Instituto de Pesquisa Social, da Universidade de Frankfurt – Alemanha, era formado por um grupo de
filósofos e cientistas sociais que deram origem à Teoria Crítica da chamada Escola de Frankfurt.

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A supervalorização da dimensão instrumental da razão significa a negação de
uma dimensão emancipatória que também aparece sob a forma de negação da arte.
A arte significativa para a transformação social e política seria aquela não-
repetitiva, caracterizada pela dimensão do novo, que preserva o que lhe é próprio e se
afasta do controle racional. Contudo a arte, assim como a educação, os meios de
comunicação, o não trabalho, passa pelo filtro da Indústria Cultural que é uma
manifestação exemplar da Razão Instrumental.

(...) a Indústria Cultural cumpre perfeitamente duas funções particularmente


úteis ao capital: reproduz a ideologia dominante ao ocupar continuamente
com sua programação o espaço de descanso e de lazer do trabalhador; vende-
lhe os produtos culturais da mesma maneira que lhe vende os bens de
consumo. (PUCCI, 1994, p.27)

Para os frankfurtianos a vida, com a industrialização, passa a ser padronizada,


isto é, as produções parecem ser semelhantes, como conseqüência, o poder de crítica e
de opção se esvai, restando apenas a adaptação aos esquemas de dominação progressiva,
contribuindo para a reiteração do sistema vigente.
Na música observamos a entrada dos meios de captação, fixação e remodelagem
do som. “A fixação do som em discos e fitas permitiu ao ouvinte misturar repertórios
de tempos e espaços dessemelhantes, prática que, até o século passado, consistiria em
justaposição inassimilável e absurda” (VALENTE, 1999, p.80)
Para SCHAFER (1991) com o advento do telefone e do rádio, teve início a
esquizofonia, neologismo que designa o som que tem sua origem num local e sua
audição em outro,

Desde a invenção dos equipamentos eletrônicos de transmissão e estocagem


de sons, qualquer som natural, não importa quão pequeno seja, pode ser
expedido e propagado ao redor do mundo, ou empacotado em fita ou em
disco, para as gerações do futuro. Separamos o som da fonte que o produz
(SCHAFER, 1991, p. 172)

Neste contexto, ainda existe a problemática do gosto, como prerrogativa pessoal


ou ainda como construção social. Em relação a esta problemática Adorno afirma:

Se perguntarmos a alguém se gosta de uma música de sucesso lançada no


mercado, não conseguiremos furtar-nos à suspeita de que o gostar e o não
gostar já não correspondem ao estado real, ainda que a pessoa interrogada se

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exprima em termos de gostar e não gostar. Ao invés do valor da própria
coisa, o critério de julgamento é o fato de a canção de sucesso ser conhecida
de todos; gostar de um disco de sucesso é quase exatamente o mesmo que
reconhecê-lo. (ADORNO, 1983, p.165)

A Indústria Cultural, para os frankfurtianos é exploração, que por sua vez é


alienante, pois os homens transferem cada vez mais para o futuro seus desejos de
felicidade e realização, na medida em que se ajustam às formas desumanas de
organização da sociedade.
Assim, por um pensar crítico sobre a Indústria Cultural, esta é identificada como
forma de manipulação das consciências, já que se utiliza da própria cultura para se
estabelecer. Com essa transformação da cultura em semicultura, restam poucas maneiras
de se realizar uma auto-reflexão crítica, uma delas seria a estética e, mais
especificamente, a música, que segundo Adorno, preserva a utopia de um mundo
melhor.
Percebe-se, nos trabalhos de Adorno, principalmente, que em certo momento, há
uma passagem de uma análise mais sociológica para uma análise mais ligada à estética.
Esse autor é o principal responsável pelo surgimento da chamada Teoria Estética,
inserida na Teoria Crítica, para ele é uma teorização crítica da realidade, uma única
forma consistente de negar e criticar as condições materiais e sociais da vida social.
Adorno em seu ensaio sobre a regressão da audição (ADORNO, 1983) afirma
que a música está sujeita à transformação em mercadoria, principalmente, a música
considerada leve, contudo, ressalta que certas músicas eruditas (cita a dodecafônica) não
são tão acessíveis às massas, assim se preservam fora da indústria cultural, suas formas
não se prestam a reprodução e ao consumo.
A Teoria Estética interpreta, decifra a representação musical, revelando os seus
elementos críticos contestadores, o que permite uma análise e uma crítica das formas
materiais de organização da sociedade. Como afirma Freitag “O fato de que a arte não
reificada se fecha a toda e qualquer conceituação é a garantia de sua conservação como
forma de representar criticamente a realidade alienada” (1990, p. 83).
A tecnificação do mundo e a reprodutividade técnica da arte, resultam na perda
da aura da obra de arte, que é massificada e transformada em consumo de bens
artísticos. Isso tudo é resultado da modernização da sociedade burguesa no século XIX
e XX.

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No texto, Sobre música popular (1941), Adorno faz uma reflexão sobre o
conceito de estandartização da música popular, procura enterrar o mito de que a
diferença entre a música “séria” ou erudita com a música de entretenimento ou popular
pode ser analisada sob o aspecto de “níveis musicais”, em termos de complexidade ou
simplicidade das composições. Para o filósofo, o problema é muito diferente dessa
tradicional discussão. A diferença entre as esferas musicais não pode ser adequadamente
expressa unicamente em termos de complexidade e simplicidade. Todas as obras do
primeiro classicismo vienense são, sem exceção, ritmicamente mais simples do que
arranjos rotineiros de jazz (ADORNO, 1994, p. 119). O filósofo procura mostrar que, na
verdade, os músicos são neutralizados e reorientados para satisfazer às funções do
monopólio cultural, no sentido de que os elementos musicais devam ser estandartizados,
com detalhes atrativos, para proporcionar lucro e garantia do status quo.
Para Adorno, quando a obra de arte perde sua aura, acontece o desvirtuamento
da obra, a dissolução na realidade banal e a despolitização do seu destinatário. Adorno,
Marcuse, Horkheimer e Benjamin concordam ao atribuir à cultura, e à obra de arte em
especial, uma dupla função:

... a de representar e consolidar a ordem existente e ao mesmo tempo a de


criticá-la, denunciá-la como imperfeita e contraditória. (...) ela critica o
presente e remete o futuro. A dimensão conservadora e emancipatória da
cultura e da obra de arte encontram-se, pois, de mãos dadas. (FREITAG,
1990, p. 77)

Assim, a Teoria Estética assume a posição de herdeira da teoria crítica, sendo


uma forma de opor-se ao presente instituído, pois por meio dela, segundo Adorno, é
possível evitar a unidimensionalização da arte, situada diante de uma sociedade em que
suas relações suplicam pela reprodução do sempre idêntico, a mesmice caminha de
mãos dadas com o conformismo. Isso não significa que tenha que ser sempre assim, a
educação, que não se limita à esfera formal, mas está presente também em todas as
outras relações sociais que necessitam de algum tipo de processo de aprendizagem, tem
em si um importante papel para aceitação de um estado de coisas contraditório em si
mesmo. Assim, a diversidade de caminhos emaranhados no percurso artístico hodierno
revela, ainda que, diante dos mecanismos da Indústria Cultural, a maximalização
musical.

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A música maximalista: a nova estética musical

Se a cultura de massas é definida por Adorno e Horkheimer como uma falsa


identidade entre o universal e o particular, a música maximalista, contrapõe-se a cultura
de massas, pois insere-se na trajetória estética musical pós-tonalista, no século XX,
ampliando as possibilidades de escuta e produção sonora, configurando não o público
musical, mas um público dentre os possíveis numa sociedade multicultural. A arte
contemporânea, assim como o ser humano contemporâneo, é imprevisível, ousada e
diversificada, ampliando olhares, percursos e conceitos.
Os frankfurtianos já chamavam atenção qualidade das composições musicais,
quando destacam que a substituição dos detalhes no todo da composição musical, é
notável em uma composição mais aprimorada, o qu ao ocorre numa composição
simplista. Na música mais radical, segundo a Dialética do Esclarecimento (1947), um
elemento particular se relaciona criticamente com o todo. “Emancipando-se, o detalhe
torna-se rebelde e, do romantismo ao expressionismo, afirmara-se como expressão
indômita, como veículo de protesto contra a organização” (ADORNO &
HORKHEIMER, 1985, p. 118). Na música de massas isso não acontece, pois o detalhe
funciona como simples enfeite atrativo para o consumo, não possuindo nenhuma
articulação dialética com a totalidade da composição. Isso fica claro nesta citação de
Sobre Música Popular: Em Beethoven, a posição é importante só numa relação viva
entre uma totalidade concreta e suas partes concretas. Na música popular, a posição é
algo absoluto. Cada detalhe é substituível; serve a sua função apenas como uma
engrenagem numa máquina”. (ADORNO, 1994, p. 118)
Dentre as abordagens musicais de Adorno além da Dialética do Esclarecimento
estão os textos O Fetichismo na Música e a regressão da audição (1938) e Sobre
música Popular (1941). Nesses, Adorno segue uma análise da situação social da música
na era do capitalismo avançado. Anteriormente, o filósofo já havia analisado o
fenômeno do jazz como música de consumo e negócio, em um artigo de 1936. Já no
texto de 1938 sua abordagem se volta para toda a mudança estrutural da música.
Segundo uma análise do pensamento adorniano, realizada por Valls (2002, p. 118),
“Sua tese não soa mais: a música de Jazz é mercadoria, (...) e sim: “...[a] música se
tornou mercadoria”. Dessa forma, em uma primeira abordagem, Adorno retoma o

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conceito marxista de fetiche, atribuído ao produto musical, e logo depois estuda sua
apreciação pelo público, enquanto mercadoria. Em Sobre Música Popular o filósofo
investiga com mais profundidade o fenômeno da música de massas e suas diferenças
explícitas da música “séria” e mais radical.
O título Fetichismo na música já fornece dicas sobre o que trata a obra: uma
dupla abordagem da música em seus aspectos objetivo e subjetivo de um mesmo
processo. Tanto a música séria quanto a música leve exerciam papéis ao mesmo tempo
idênticos e diferentes. Mas Adorno percebe que essa situação de contradição aberta só
poderá ser resolvida não no plano das elaborações formais da linguagem musical, e sim
de uma total supressão das condições sociais que causaram e sedimentaram tal
contradição: Se as duas esferas da música se movem na unidade da sua contradição
recíproca, a linha de demarcação que as separa é variável. A produção musical avançada
se independentizou do consumo. O resto da música séria é submetido à lei do consumo,
pelo preço de seu conteúdo. Ouve-se tal música séria como se consome uma mercadoria
adquirida no mercado. Carecem totalmente de significado real as distinções entre a
audição da música “clássica” oficial e da música ligeira. (ADORNO, 1983, p. 170)
O fator polêmico que envolve as duas esferas da música é a transformação
radical de ambas em mercadoria. Para explicar esse fenômeno Adorno apropria-se do
conceito marxista de fetichismo da mercadoria, uma contribuição essencial para a
elaboração posterior de sua crítica à indústria cultural. A utilização do conceito marxista
de fetichismo compreende especificamente o âmbito das mercadorias culturais.
Em relação ao processo de transformação da arte em mercadoria, consiste na
perda de autonomia. A música, enquanto obra, é um objeto, mas como arte possuía certa
determinação histórica. Ao longo desse devir histórico, a música foi se emancipando de
qualquer funcionalidade. O artista era livre para criar, sem a tutela de reis ou clérigos.
No capitalismo, ela passa a assumir outra função específica: ser vendável.
Nas palavras de Adorno,

se a mercadoria se compõe sempre do valor de troca e do valor de uso, o


mero valor de uso – aparência ilusória, que os bens da cultura devem
conservar, na sociedade capitalista – é substituído pelo mero valor de troca, o
qual, precisamente enquanto valor de troca, assume ficticiamente a função de
valor de uso. (ADORNO, 1983, p. 173)

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Pode-se afirmar que esta análise da situação social da música apontada por
Adorno no texto do Fetichismo na música e a regressão da audição pode ser
encontrada em todos os produtos do mercado, não só na música, ou ainda nas artes
visuais, como é mais comum, mas toda arte está sujeita aos mecanismos da Indústria
Cultural.
No entanto, a produção musical contemporânea de vanguarda, radical e
especulativa demonstra a maximalização sonora enquanto a sociedade de massas,
prenunciada por Theodor Adorno, decorre da crescente decadência musical da
contemporaneidade promovida pela Indústria Cultural. O século XX é marcado pelo
início de uma verdadeira revolução musical. De maneira acelerada o grau de avanço e
complexidade da invenção artística passou a ser cada vez mais intenso. Enquanto para a
Idade Média o século é a unidade de medida temporal para a descrição do avanço
histórico-musical, temos que para a história da música do século XX passam a ser a
década, o ano e o mês as unidades de medida de tempo que permitem estudar a
evolução estética e técnica.
Desta maneira, o marco traçado por Schoenberg na transformação estética
musical, apontam para uma infinidade de compositores, da chamada música
contemporânea, com novas regras e procedimentos emergentes de estruturação musical.
“...talvez Schoenberg seja um caso atípico de criador que foi, à sua maneira, um pouco
de cada coisa: um grande mestre, um importante inventor e, de certa forma, um diluidor
em menor medida”. (MENEZES, 2006, p.14). Schoenberg foi o maior evolucionário,
responsável pela ruptura do sistema tonal, ocupando o papel de protagonista do
atonalismo livre. Pierrot Lunaire Op.21, composta por este músico ainda em 1912, é
atonal, rompendo com o idioma tonal dos últimos quatro séculos, na música ocidental.
Esta composição é contemporânea de outro marco histórico, A Sagração da Primavera
(1911-1913) de Igor Stravinsky.
Tanto Schoenberg quanto Stravinsky são vistos como antípodas por Adorno, em
um sentido de que o primeiro representa uma recusa em pactuar com o sistema de
industrialização e comercialização da música erudita, custando o próprio isolamento do
compositor e de conseqüências na própria qualidade de suas composições, e o segundo
como um brilhante criador que se entrega ao sistema que Schoenberg recusara, ao preço
de um enfraquecimento progressivo de suas composições e na decadência de escrever

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trilhas sonoras para filmes de Hollywood, com qualidade inferior ao melhor de sua
produção.
O procedimento diametralmente oposto de Stravinski se impõe ao exame e à
interpretação, não somente por sua validez pública e oficial e seu nível de
composição – já que o próprio conceito de nível não pode ser postulado de
maneira dogmática e, assim como o do “gosto”, está sujeito a discussão –
mas, sobretudo, porque destrói a cômoda escapatória segundo a qual se o
progresso coerente da música conduz a antinomias, deve-se esperar alguma
coisa da restauração do passado, da revocação autoconsciente da ratio
musical. (ADORNO, 2004, p. 10)

Schoenberg marcou a história da música, com suas composições musicais


inovadoras, as quais rompiam com a estética musical tonal, e também com suas
publicações como por exemplo Harmonia, na qual é possível compreender com
profundidade o funcionamento do sistema tonal, suas leis e suas propriedades, assim
como se dar conta de suas limitações e do porquê de sua superação histórica.
A partir, deste marcante músico, amplia-se aceleradamente o panorama da
música que impregnou a escuta contemporânea, a partir do final dos anos 40, A fim de
enriquecer esta abordagem da maximalização da música, citamos referências que
constituem produções musicais importantíssimos da segunda metade do século XX,
comparados aos de Schoenberg na primeira metade desse mesmo século: Pierre Boulez
(1925), Henri Pousseur(1929), Karlheinz Stockhausen (1928), Luciano Berio (1925-
2003), Olivier Messiaen (1908-1992), John Cage (1912-1992), György Ligeti (1923-
2006), Iannis Xenakis (1922-2001), Michel Phillipot (1925-1996), Pierre Henry (1927),
Philippe Manoury (1952), Alban Berg (1885-1935), Willy Corrêa de Oliveira (1938),
Robert Schumann (1810-1856) Lívio Tragtenberg (1961), Gilberto Mendes (1922),
Erhard Karkoschka (1923), Mesias Maiguashca (1938), Humpert (1940), entre outros...
Em tempo, a compreensão da arte musical numa perspectiva da época e do
homem na nova ordem social do mundo contemporâneo, remete aos elementos sociais
como cultura de massa, o poder dos meios de comunicação e as novas manifestações
estéticas na área musical evidenciam a pluralidade de estilos e de técnicas
composicionais. A produção musical contemporânea de vanguarda, radical e
especulativa demonstra a maximalização sonora enquanto a sociedade de massas,
prenunciada por Theodor Adorno, decorre da crescente desqualificação musical da
contemporaneidade. A música maximalista insere-se na trajetória estética musical pós-
tonalista, no século XX, ampliando as possibilidades de escuta e produção sonora,

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configurando não o público musical, mas um público dentre os possíveis numa
sociedade multicultural.
A arte contemporânea, assim como o ser humano contemporâneo, é
imprevisível, ousada e diversificada, ampliando olhares, percursos e conceitos. Assim, a
diversidade de caminhos emaranhados no percurso artístico hodierno, revela, ainda que,
diante dos mecanismos da Indústria Cultural, a maximalização musical.

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