Vous êtes sur la page 1sur 24

CRÔNICA DO NOVO DESENVOLVIMENTISMO

E DE SUA MACROECONOMIA ESTRUTURALISTA

Luiz Carlos Bresser-Pereira

Versão de 22 de fevereiro de 2011.

Nos últimos dez anos, em colaboração com um competente grupo de


economistas keynesianos e estruturalistas, venho desenvolvendo uma
macroeconomia estruturalista do desenvolvimento, ou seja, uma teoria do
desenvolvimento do lado da demanda baseada em tendências estruturais que
limitam as oportunidades de investimentos e impedem que a economia brasileira
cresça à taxas elevadas que seus recursos humanos, materiais e institucionais
possibilitam. Por outro lado, a partir da experiência do Brasil com o nacional-
desenvolvimentismo (1930-1980) e com a experiência dos países asiáticos
dinâmicos dos últimos 20 anos, vimos definindo uma estratégia nacional de
desenvolvimento ou de competição internacional que denominamos novo
desenvolvimentismo. Essas ideias estão sendo elaboradas por vários economistas
em diversos países, e foram por mim sistematizadas em um livro, Globalização e
Competição (2009) e em um artigo com Paulo Gala, “Macroeconomia
estruturalista do desenvolvimento” (2010).

Um pouco de história do pensamento

Antes de apresentar de forma resumida o novo desenvolvimentismo e sua


macroeconomia estruturalista do desenvolvimento, creio valer a pena fazer um
breve histórico da evolução dessas ideias. Depois do êxito extraordinário do
Plano Real, no qual as teses da teoria da inflação inercial haviam sido aplicadas,
eu me desapontara com as políticas econômicas adotadas pelo governo Fernando
Henrique Cardoso, do qual participei. Dada minha experiência no governo e
____________
Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor emérito da Fundação Getúlio Vargas e doutor honoris
causa pela Universidade de Buenos Aires
bresserpereira@gmail.com www.bresserpereira.org.br
minha formação estruturalista e keynesiana, eu discordara dessa política ortodoxa
desde o início do governo, e transmiti meu desacordo ao presidente. Por outro
lado, renovou-se e consolidou-se então minha convicção sobre a importância da
autonomia nacional no processo de desenvolvimento e sobre o papel não menos
mas mais estratégico do Estado-nação na globalização – na grande competição
que é hoje o desenvolvimento das nações.

O primeiro trabalho critico que escrevi sobre o tema, ainda em 1999, em Oxford,
abrangeu os 20 anos anteriores e toda a América Latina: “Incompetência e
confidence building por trás de 20 anos de quase-estagnação da América Latina”
(2001). Nele não havia ainda uma teoria nova. Usando a teoria disponível, eu
mostrava o mau desempenho das economias latino-americanas naquele período e
criticava as políticas econômicas adotadas. Na minha volta ao Brasil, e,
profundamente insatisfeito com a política macroeconômica do governo escrevi
com Yoshiaki Nakano, meu companheiro de muitas lutas acadêmicas, “Uma
estratégia de desenvolvimento com estabilidade” (2002), onde fizemos pela
primeira vez uma crítica sistemática da política de juros do Banco Central,
mostrando que esta taxa não correspondia ao “risco Brasil”, ou à participação da
dívida pública brasileira no PIB, mas à política econômica de juros altos que se
tornara aceita pela sociedade. E acrescentávamos uma ideia que ficou conhecida
por “hipótese Bresser-Nakano sobre a taxa de juros”: a relação de causalidade
entre o risco-país e a taxa de juros se invertia a partir de um certo patamar como
acontecera ao Brasil: os juros se tornariam um fator determinante do risco de
default, ao aumentar a despesa com o serviço da dívida. O trabalho provocou
grande debate, obrigando economistas como Edmar Bacha, Francisco Lopes e
Pérsio Arida a reagirem.

Entretanto, eu estava convencido que além da fazer a crítica da política da taxa


de juros, era preciso rever a política de câmbio, e, mais do que isto, a teoria em
torno dela. Há muito eu estava convencido que uma taxa de câmbio
“relativamente depreciada” era fundamental para o desenvolvimento econômico.
Em 2001, participando de uma reunião do Fórum Nacional organizado por João

2
Paulo dos Reis Velloso, ficou subitamente claro para mim que a taxa de câmbio
era mantida cronicamente apreciada devido à política de crescimento com
poupança externa ou seja, com déficits em conta corrente e este fato impedia o
desenvolvimento econômico. Neste caso, eu, em primeiro lugar, invertia a
relação entre taxa de câmbio e déficit em conta corrente. Afirmava que a
sobreapreciação da taxa de câmbio era causada pela política de crescimento com
“poupança externa”, ou seja, pela política de incorrer em déficits em conta
corrente e financiá-los externamente. A política econômica era a variável
independente, e a taxa de câmbio, a dependente. Em segundo lugar, estabelecia a
relação entre o câmbio e o crescimento. O câmbio sobreapreciado estimulava o
consumo através do aumento artificial dos salários, de um lado e, de outro,
reduzia as oportunidades de investimentos lucrativos voltados para as
exportações. Em consequência reduzia-se a taxa de crescimento. A taxa de
câmbio é, portanto, um fator do lado da demanda do desenvolvimento
econômico. Se a taxa de câmbio for competitiva, suas empresas utilizando
tecnologia moderna terão acesso a toda a demanda externa; se estiver apreciada,
esse acesso é cortado. Convidei, no início de 2002, Yoshiaki Nakano para
escrever um segundo paper, agora sobre a taxa de câmbio, “Economic growth
with foreign savings?” (2003), que é para mim um marco das novas ideias. Ainda
em 2002, mais de três anos depois de sair do governo, eu apliquei as novas ideias
para fazer pela primeira vez a crítica da política econômica do governo Fernando
Henrique Cardoso em um paper apresentado na comemoração dos 50 anos do
BNDES nesse mesmo ano de 2002.

Estava claro para mim que uma nova teoria e um novo conjunto de propostas de
política econômica estavam em gestação. Eram ideias na área pouco
desenvolvida da macroeconomia do desenvolvimento com ênfase na taxa de
câmbio. Por outro lado, a experiência frustrante no governo Cardoso me havia
levado de volta ao nacionalismo econômico que aprendera com Celso Furtado,
Ignácio Rangel, Helio Jaguaribe e Guerreiro Ramos. A causa política da quase-
estagnação da economia brasileira nos últimos 20 anos fora a perda da ideia de
nação, fora a submissão, desde o governo Collor, a Washington e Nova York. Na
3
aula magna da ANPEC de 1990, eu havia sido provavelmente o autor da primeira
crítica ao Consenso de Washington (1991). Mas foi só no início dos anos 2000
que se tornou claro para mim que o imperialismo dos países ricos e sua prática
secular de neutralizar as tentativas dos países retardatários de recuperar o tempo
perdido continuavam agressivos como sempre. A leitura do livro de Ha-Joon
Chang, Kicking Away the Lader (2002), no qual ele reviveu a frase de Friedrich
List e mostrou como os países ricos, através de suas propostas neoliberais,
continuavam a fazer recomendações e pressões para que os países em
desenvolvimento adotassem políticas opostas às que eles próprios haviam
adotado na mesmo estágio de desenvolvimento, convenceram-me
definitivamente que sem recusar o Consenso de Washington e adotar uma
verdadeira estratégia nacional de competição é impossível alcançar o
desenvolvimento econômico.

No início de 2003 Nakano e eu já havíamos reunido um conjunto de ideias que


justificavam uma denominação específica para as propostas que estávamos
fazendo. Perguntei a ele que nome poderíamos dar-lhes, e aceitei imediatamente
sua sugestão, “novo desenvolvimentismo”. Escrevia, então, a quinta edição de
Desenvolvimento e Crise no Brasil (2003) e no seu capítulo final, “A retomada
da revolução nacional e o novo desenvolvimentismo”, resumi pela primeira vez
as novas ideias. O novo desenvolvimentismo estava baseado em um papel
estratégico para o Estado, no crescimento com poupança interna, no equilíbrio
fiscal, em uma taxa de câmbio competitiva, e no desenvolvimento de um
mercado interno de consumo de massa.

Ao mesmo tempo eu procurava reunir em torno das novas idéias os


macroeconomistas mais jovens, tanto os pós-keynesianos como Luiz Fernando
de Paula, José Luiz Oreiro, Fernando Ferrari e João Sicsú, quanto os
estruturalistas como Ricardo Carneiro, Daniela Prates e Franklin Serrano. Os
encontros anuais da Sociedade de Economia Política foram importantes para isso.
Em 2005 um passo importante foi dado com a publicação do livro organizado por
Sicsú, Paula e Renaut Michel, Novo-desenvolvimentismo (2005: xxxv), em cuja

4
introdução os organizadores definiram o novo desenvolvimentismo como
caracterizado pelas seguintes orientações “(1) não há mercado forte sem Estado
forte; (2) não haverá crescimento sustentado ... sem o fortalecimento ... do Estado
e do mercado e sem implementação de políticas macroeconômicas adequadas;
(3) mercado e Estados fortes somente serão construídos por um projeto nacional
de desenvolvimento que compatibilize crescimento ... com equidade social; e (4)
não é possível [reduzir] a desigualdade sem crescimento econômico a taxas
elevadas e continuadas”.

Em 2006 escrevi meu artigo mais sistemático sobre o novo desenvolvimentismo,


“O novo desenvolvimentismo e a ortodoxia convencional” (2006). Nele
argumento que entre 1930 e 1980 os países latino-americanos e principalmente o
Brasil e o México haviam crescido de maneira extraordinária com base nas ideias
estruturalistas e no nacional-desenvolvimentismo, mas, nos anos 1980, sofreram
a crise da dívida externa, e, a partir do final dessa década, se submeteram à
ortodoxia neoliberal. Em seguida, comparo o novo desenvolvimentismo com o
nacional-desenvolvimentismo e com a ortodoxia convencional procurando
mostrar como as políticas de desenvolvimento e as políticas macroeconômicas
novo-desenvolvimentistas são mais responsáveis do que as políticas neoliberais.

Nesse momento estava já definido o novo desenvolvimentismo, mas para a


formulação das bases de uma macroeconomia do desenvolvimento era preciso
mostrar empiricamente a relação entre a taxa de câmbio e crescimento a que me
referi acima. Essa tarefa será a do meu jovem orientado, Paulo Gala que, em
2006, defende uma excelente tese, Política Cambial e Macroeconomia do
Desenvolvimento na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio
Vargas, mostrando a clara relação entre uma taxa de câmbio competitiva e o
crescimento. Em seguida publicamos juntos o paper “Por que a poupança externa
não promove o crescimento” (2007) no qual fazemos a formalização da crítica à
política de crescimento com poupança externa que eu originalmente elaborara
com Nakano. Era preciso, porém, mostrar que essa política era também
causadora de crises de balanço de pagamentos. Será a tarefa de outro orientado,

5
Lauro González, que no ano seguinte defende a tese de doutorado Crises
Financeiras Recentes: Revisitando as Experiências da América Latina e da Ásia
(2007) no qual ele mostra que as crises financeiras que os países em
desenvolvimento enfrentaram nos anos 1990 não foram causadas por déficit
público excessivo, mas por déficits em conta corrente, ou seja, pela política de
crescimento com poupança externa.

Nesse ano de 2007 eu já estava trabalhando em um outro ponto essencial da


relação entre câmbio e desenvolvimento econômico: o problema da doença
holandesa. Em 2005 um pequeno artigo meu na Folha de S. Paulo sobre o
assunto havia iniciado uma ampla discussão sobre se haveria ou não doença
holandesa no Brasil. Percebendo que tinha ideias novas sobre o tema, decidi
então escrever um trabalho teórico, “The Dutch disease and its neutralization: a
Ricardian approach” (2008), ao mesmo tempo em que, com Nelson Marconi, eu
escrevia um trabalho sobre a doença holandesa no Brasil (2007). Estava
motivado pelas ideias novas e espicaçado pelas dúvidas de meu grande e velho
amigo, Fernão Bracher, sobre minhas ideias heterodoxas. Embora estivesse
convencido que o Brasil sempre sofrera a doença holandesa, eu me perguntava
como havia sido possível que o país tivesse se desenvolvido tanto entre 1930 e
1980 sem reconhecê-la. Fiz esta pergunta a Gabriel Palma que me respondeu de
pronto, “mas Bresser, nós na América Latina não fizemos outra coisa durante
esse período senão neutralizar a doença holandesa”. Não foi preciso que me
dissesse mais nada. Lembrei-me imediatamente de todo o controle que o Brasil
fez da taxa de câmbio e da imposição de um imposto sobre as exportações de
café, o chamado “confisco cambial”, e tratei de escrever meu artigo. Escrevê-lo
foi uma grande aventura teórica, foi uma sucessão de descobertas. Defini a
doença holandesa de um país como a sobreapreciação a longo prazo de sua taxa
de câmbio causada por rendas ricardianas associadas a uma ou mais commodities
que, por originarem essas rendas, podem ser exportadas a uma taxa de câmbio
mais apreciada (que equilibra intemporalmente a conta corrente do país) do que a
taxa de câmbio necessária para que suas empresas industriais utilizando
tecnologia no estado da arte mundial fossem competitivas – chamei essa taxa de
6
taxa de câmbio “de equilíbrio industrial”. Mostrei que a doença holandesa é uma
falha de mercado permanente já que o país não se industrializava mas conservava
o equilíbrio de suas contas externas. Mostrei que sua gravidade varia de acordo
com a distancia entre a taxa de equilíbrio industrial e a de equilíbrio corrente.
Mostrei que países como a China, que têm mão-de-obra barata e um leque
salarial grande, precisam também neutralizar sua doença holandesa. Mostrei que
essa neutralização se faz, principalmente, através da imposição de um imposto
sobre a exportação das commodities que dão origem à doença holandesa,
preferivelmente acompanhada de um fundo soberano para que os recursos do
imposto não sejam internalizados. Mostrei que os países que a neutralizavam
apresentavam superávits em conta corrente e, em princípio, também superávits
fiscais. Rejeitei a diferença entre doença holandesa e “maldição dos recursos
naturais” que permite a seus defensores de “se esquecer” da sobreapreciação
cambial e atribuírem o atraso do país à corrupção que impostos (geralmente
insuficientes) provocam entre os políticos e burocratas locais. Ainda que esse
problema ético-político exista, não deve ser usado para se deixar de lado o
problema econômico que é a sobreapreciação. Depois de escrever esse artigo,
deixei definitivamente de dizer que para o desenvolvimento econômico é
necessária uma taxa de câmbio “relativamente depreciada” e ouvir a crítica
ortodoxa de que estava sendo “mercantilista”. Passei a afirmar que para fazer o
catching up o país precisa de uma taxa de câmbio “competitiva” ou de equilíbrio,
mas não de equilíbrio “corrente” e, sim, de equilíbrio “industrial”.

As bases da macroeconomia estruturalista do desenvolvimento se completaram


no ano seguinte quando defini as duas tendências estruturais que caracterizam os
países em desenvolvimento: a tendência a sobreapreciação cíclica da taxa de
câmbio e a tendência dos salários a crescerem menos do que a produtividade. As
duas tendências rebaixam a demanda, no primeiro caso, externa, e, no segundo,
interna, e, em consequência, reduzem as oportunidades de investimento lucrativo
e os próprios investimentos. Sobre o primeiro tema ainda escrevi um trabalho, “A
tendência à sobreapreciação da taxa de câmbio” (2009), enquanto o segundo foi
analisado, ainda que brevemente, em Globalização em Competição (2009),
7
publicado originalmente em francês com um prefácio de Robert Boyer no qual
ele fala que está surgindo uma escola de pensamento no Brasil. Nesse livro que é
publicado também em francês, inglês e espanhol, faço uma síntese das novas
ideias. Ainda que a demanda interna seja fundamental para o desenvolvimento
econômico, não me estendi na discussão da tendência aos salários de crescerem
abaixo da taxa de produtividade, porque outros economistas, principalmente
Celso Furtado, já haviam discutido suficientemente o problema, e porque o livro
estava focado na taxa de câmbio – onde havia ainda muita teoria por
desenvolver.

Nesse livro eu havia procurado estabelecer as bases de uma macroeconomia do


desenvolvimento, mas só ficou claro para mim que se tratava de uma
macroeconomia estruturalista em 2009, após a publicação do livro, inicialmente
na França. No começo desse ano eu havia recebido um convite de José Antônio
Ocampo para escrever um trabalho sobre o novo desenvolvimentismo para o
Handbook on Latin American Economics que ele estava organizando com Jaime
Ross. Escrevi. Logo em seguida, porém, Osvaldo Sunkel me convidou para
escrever um paper também sobre o novo desenvolvimentismo para a Revista de
la Cepal. Foi então que conversando com Paulo Gala percebi que as novas ideias
que estavam surgindo poderiam constituir um segundo momento na teoria
estruturalista do desenvolvimento. O primeiro momento fora o dos anos 1940 a
1960s, esgotando-se nos anos 1970, inicialmente, sob a crítica equivocada da
“teoria da dependência” e, depois, a partir dos anos 1980, sob a crítica da
ortodoxia neoclássica dominante. Agora, entretanto, surgia um corpo de ideias
que poderia complementar e atualizar o pensamento estruturalista – não apenas o
pensamento latino-americano mas o pensamento geral da development economics
que, conforme Albert Hirschman (1981) assinalou, também entrara em crise a
partir dos anos 1970. De acordo com o convite de Sunkel feito em 2009, o artigo
deveria ser publicado no número 100 da revista, mas atrasei cerca de 20 dias sua
entrega, de forma que foi programado para o número seguinte, e, afinal,
traduzido e pronto para ser publicado no número 102. Entrementes, foi publicada
no Brasil, no último número de 2010 da Revista de Economia Política, sua
8
versão em português, “Macroeconomia estruturalista do desenvolvimento”. Por
esse motivo formal, e não obstante o desacordo de Osvaldo Sunkel, a burocracia
cepalina deixou de publicá-lo.

Enquanto isso, independentemente da burocracia cepalina, o novo


desenvolvimentismo e a macroeconomia estruturalista do desenvolvimento
continuavam a avançar. Em maio de 2010 organizei em São Paulo, com o apoio
da Ford Foundation, um workshop internacional sobre as 10 Teses sobre o Novo
Desenvolvimentismo – uma alternativa clara ao Consenso de Washington.
Aprovadas nos meses seguintes e subscritas por um grande número de iminentes
economistas e cientistas políticos de todo o mundo, o documento Ten Theses on
New Developmentalism tem hoje um website próprio com sua publicação em
várias línguas para permitir que outros economistas e cidadãos interessados as
possam também subscrever, e para que possam postar artigos. O novo
desenvolvimentismo transformava-se, assim, em uma instituição. Hoje, no início
de 2011, a macroeconomia estruturalista do desenvolvimento está aberta para
mais contribuições de economistas keynesiano-estruturalistas que recusam
qualquer ortodoxia, porque a ortodoxia é sempre uma recusa arrogante ao
pensamento e à crítica.

Macroeconomia estruturalista do desenvolvimento

Terminada esta breve crônica ou história pessoal do novo desenvolvimentismo


que será sempre uma prática em progresso, e da macroeconomia estruturalista do
desenvolvimento que está aberta para novos desenvolvimentos e para
comprovação empírica, resumirei agora, da forma a mais sistemática possível, as
principais ideias envolvidas. Embora o desenvolvimento econômico dependa
também de fatores do lado da oferta (educação, progresso técnico e científico,
investimentos na infraestrutura, boas instituições), a macroeconomia
estruturalista do desenvolvimento afirma que seu ponto de estrangulamento está
no lado da demanda. O desenvolvimento econômico depende de uma taxa de
investimento elevada, que depende da existência de oportunidades de

9
investimentos lucrativos para as empresas, que, por sua vez, dependem da
existência de demanda interna e demanda externa. Entretanto, estas duas
demandas tendem a ser insuficientes nos países em desenvolvimento devido a
duas tendências estruturais: a tendência dos salários crescerem menos do que a
produtividade (que deprime a demanda interna) e a tendência à sobrevalorização
cíclica da taxa de câmbio, que coloca toda a demanda externa fora do alcance das
empresas nacionais mesmo que elas sejam eficientes ou competentes.

A primeira tendência decorre da oferta ilimitada de mão-de-obra nos países em


desenvolvimento. A grande vantagem desses países em relação aos países ricos
está em sua mão-de-obra barata, mas, como ela é abundante, tende a ser mal
remunerada, o que cria um problema de insuficiência de mercado interno.
Conforme Celso Furtado sempre salientou, a política de desenvolvimento deve
estar sempre preocupada em enfrentar esse problema, não apenas por uma
questão de justiça social, mas porque um desenvolvimento sadio e sustentado não
se coaduna com o aumento da desigualdade em países nos quais essa
desigualdade já é muito grande.

A segunda tendência – a tendência à sobrevalorização cíclica da taxa de câmbio –


é nova na literatura econômica. É uma crítica tanto à teoria neoclássica ou
ortodoxa, que afirma que a taxa de câmbio flutua suavemente em torno da taxa
que equilibra intertemporalmente a conta corrente do país, quanto à teoria
keynesiana que afirma que ela flutua de forma volátil em torno desse mesmo
equilíbrio. Ao invés, o que afirma a macroeconomia estruturalista do
desenvolvimento é que, nos países em desenvolvimento, a taxa de câmbio não é
controlada pelo mercado, mas pelas crises cíclicas de balanço de pagamentos. O
ciclo começa com uma crise de balanço de pagamentos, ou seja, com a súbita
suspensão da rolagem da dívida externa em moeda estrangeira pelos credores
externos e, em consequência, a forte desvalorização da moeda local. Em seguida,
depois do inevitável ajuste que o país é obrigado a fazer, a taxa de câmbio volta a
se apreciar gradualmente, puxada pela doença holandesa e, depois de algum
tempo, por déficits em conta corrente causados pela política de crescimento com

10
poupança externa e pela tentativa de segurar a inflação com o câmbio. A dívida
externa volta a aumentar, e, afinal, de repente, os credores externos perdem a
confiança, suspendem a rolagem da dívida externa, e acontece nova crise de
balanço de pagamentos ou novo sudden stop que leva a moeda nacional a se
desvalorizar violentamente.

Há quatro causas fundamentais para essa tendência: (1) a doença holandesa, que
atinge quase todos os países em desenvolvimento, (2) o “fetiche da poupança
externa” – a crença de que os países devem incorrer em déficit em conta corrente
financiado e financiá-lo por entradas de capitais para crescer, (3) a estratégia
perversa de procurar reduzir a inflação à custa da apreciação da moeda nacional,
e (4) o “populismo cambial”, ou seja, a estratégia política de apreciar o câmbio
para aumentar os salários reais e lograr reeleição. No quadro da macroeconomia
estruturalista do desenvolvimento, o modelo da doença holandesa explica porque
a taxa de câmbio de mercado tende para o equilíbrio corrente que já é um
equilíbrio sobreapreciado, já que não viabiliza indústrias utilizando tecnologia no
estado da arte mundial; o modelo da taxa de substituição da poupança interna
pela externa mostra quão equivocado é o fetiche da poupança externa; as duas
últimas causas da tendência à sobreapreciação cíclica da taxa de câmbio não
exigem explicação adicional àquela presente em sua enunciação.

A doença holandesa caracteriza-se pela existência de duas taxas de câmbio de


equilíbrio, podendo ser definida como uma sobreapreciação permanente da taxa
de câmbio causada pelas rendas ricardianas (Ricardian rents) derivadas de
recursos naturais abundantes ou de mão-de-obra barata, esta última quando
acompanhada por elevada diferença entre os salários dos engenheiros de fábrica e
os trabalhadores. A produção e exportação de commodities que dão origem à
doença holandesa é economicamente viável a uma taxa de câmbio
substancialmente mais apreciada do que aquela necessária para os outros setores
da economia produtores de bens comercializáveis internacionalmente que
utilizam tecnologia no estado da arte mundial sejam igualmente viáveis. Essa
taxa, que é determinada pelo mercado, e mantém equilibrada a conta corrente do

11
país ; denomino taxa de câmbio de “equilíbrio corrente”. A segunda taxa de
equilíbrio, mais depreciada que a primeira – a taxa de câmbio necessária para que
sejam competitivas as empresas que utilizam tecnologia avançada – é a taxa de
câmbio de “equilíbrio industrial".

A diferença entre essas duas taxas indica a gravidade da doença holandesa. Em


um país produtor de petróleo essa diferença é geralmente muito grande. Se, por
exemplo, a taxa de câmbio de equilíbrio corrente nesse país for de #2 moedas do
país por dólar e a taxa de câmbio de equilíbrio industrial for de #10 moedas do
país por dólar, esse país terá uma doença muito mais grave do que, por exemplo,
um país produtor de soja, cuja taxa de câmbio de equilíbrio corrente for
igualmente de #2 moedas do país por dólar, mas com uma taxa de câmbio de
equilíbrio industrial de #3 moedas por dólar. No primeiro país, a gravidade da
doença holandesa (que pode ser definida como a diferença entre as duas taxas
dividida pela taxa de equilíbrio industrial) será de 80%, enquanto que no segundo
país será de 33%. No primeiro país os investimentos em outras indústrias de bens
comercializáveis serão completamente inviáveis se o país não neutralizar a
doença holandesa, no segundo caso algumas indústrias mais eficientes e com
alguma proteção tarifária poderão sobreviver no mercado interno, mas não
poderão exportar. O primeiro caso é típico de países como a Venezuela e a
Arábia Saudita, o segundo, de países como o Brasil desde que fez sua abertura
comercial e financeira (1990-91) e deixou de administrar sua taxa de câmbio.
 
Tendência à sobreapreciação cíclica da taxa de câmbio   

12
ε

ε1 Tx câmbio equilíbrio industrial

doença holandesa

Tx câmbio equilíbrio
ε2 corrente

deficit em conta
corrente

c c
r r
i i
s s
e e

ortodoxos keynesianos

O gráfico que apresento neste artigo torna mais fácil compreender o ciclo de
sobreapreciação e crise a que estão sujeitos os países em desenvolvimento que
seguem os preceitos da ortodoxia convencional. Nele temos as duas taxas de
equilíbrio e a tendência cíclica à sobreapreciação da taxa de câmbio, em azul
escuro. Temos ainda as duas alternativas a essa tendência que, na verdade, não se
aplicam às economias em desenvolvimento: em azul claro, a flutuação suave e
bem comportada suposta pela teoria ortodoxa, e em roxo, a flutuação volátil
suposta pelos keynesianos. Como vemos no gráfico, o ciclo começa com uma
crise de balanço de pagamentos e uma violenta depreciação, que leva a taxa de
câmbio acima (mais depreciada) do equilíbrio industrial. Em seguida, a doença
holandesa “puxa” a taxa de câmbio para o equilíbrio corrente – o nível com a
qual essa grave falha de mercado é compatível.

Para entender por que a taxa de câmbio continua a se apreciar, entra na área de
déficit em conta corrente, e termina por levar o país à crise de balanço de
pagamentos é preciso considerar a crítica da política de crescimento com
poupança externa, ou seja, com déficits em conta corrente. Esta política dos
13
países ricos, proposta e aceita pelos países em desenvolvimento, afirma que (1)
os países em desenvolvimento devem incorrer em déficits em conta corrente e
financiá-los com entradas de capitais “para aumentar a poupança total”, e que (2)
podem e devem aumentar juros para atrair capitais, apreciar a taxa de câmbio e,
assim, atingir uma meta de inflação. As duas estratégias implicam atração de
capitais externos. A primeira é o incentivo à busca de financiamento externo e a
deliberada incursão em déficits em conta corrente (que, na literatura econômica,
são chamados de forma eufemística de “poupança externa”) para aumentar a taxa
de poupança do país e, assim, sua taxa de investimento sobre o PIB; a segunda,
uma clássica distorção do regime de metas de inflação. Entretanto, conforme
demonstra o modelo de substituição da poupança interna pela externa que
desenvolvi, as entradas de capitais não causam, principalmente, o aumento da
poupança total e do investimento, e, sim, o aumento do consumo e a diminuição
da poupança interna, ocorrendo, desta forma, uma elevada taxa de substituição da
poupança interna pela externa. Os déficits em conta corrente almejados pela
política econômica exigem entradas de capitais que apreciam a moeda local. Em
consequência, de um lado, os salários aumentam artificialmente, o consumo
também aumenta artificialmente (dada a existência de uma elevada propensão
marginal a consumir), a poupança interna cai, e a poupança externa limita-se a
substituir a interna. De outro lado, em termos mais keynesianos, a apreciação da
moeda nacional, depois de um rápido período de estímulo ao investimento
devido ao barateamento dos equipamentos importados, caem porque
desaparecem as oportunidades de investimentos voltados para exportação e
porque bens importados passam a inundar o mercado interno. O resultado, tanto
de acordo com o primeiro quanto com o segundo raciocínio, é pouco ou nenhum
aumento da taxa de investimento e de poupança total do país; ao invés,
aumentam o consumo e a dívida externa. Só em momentos excepcionais, quando
o país já está crescendo aceleradamente e a propensão marginal a consumir se
torna pequena, uma política de crescimento com poupança externa é benéfica
para o país. Na maioria das vezes, mesmo que se trate de investimento em capital
físico, beneficia principalmente o investidor externo que recebe altos juros ou

14
tem acesso sem reciprocidade ao mercado interno do país.

Isto não significa que todo investimento de empresas multinacionais seja


prejudicial ao país. Quando as entradas de capitais que o acompanham não vêm
para financiar déficit em conta corrente e apreciar o câmbio, mas para trazer
tecnologia, não há nada a objetar. Este é o caso da China, que há muitos anos
apresenta superávit em conta corrente, mas admite a entrada de capitais
estrangeiros desde que tragam tecnologia. A China não precisa dos capitais,
porque cresce com despoupança externa; a entrada de capitais não preenche
rombo externo, mas apenas aumenta as reservas internacionais do país.

A rejeição ao financiamento externo também não significa que um sistema


financeiro nacional bem desenvolvido deixe de ser considerado fundamental para
o desenvolvimento. Seu papel é financiar o investimento e, assim, viabilizar o
aumento da poupança. Mas o financiamento é interno, é concedido pelo sistema
financeiro nacional que faz empréstimos na moeda do país às empresas que estão
investindo, e, dessa forma, não aprecia a taxa de câmbio como acontece quando o
empréstimo externo é feito em divisa forte.

Como fica o argumento neoclássico e neoliberal segundo o qual os países em


desenvolvimento precisam de capitais externos para aumentar sua taxa de
investimento? No caso de países de renda média como o Brasil essa “falta” não
existe. O que falta são oportunidades de investimentos lucrativos. Quando a taxa
de câmbio se torna competitiva (no equilíbrio industrial), essas oportunidades
passam a existir, e, havendo crédito (coisa que existe no Brasil graças ao
BNDES, ao mercado de ações, e, crescentemente, graças aos grandes bancos
brasileiros), os empresários inovadores obtêm esse crédito, investem, e, em
consequência, keynesianamente, a taxa de poupança cresce.

Em síntese, uma taxa de câmbio equilibrada ou competitiva é essencial para o


desenvolvimento econômico porque ela coloca ao alcance das empresas
nacionais que utilizam tecnologia no estado da arte mundial toda a demanda
externa mundial. Dada a vantagem de ter uma mão-de-obra barata, os países em

15
desenvolvimento que mantiverem sua taxa de câmbio estável e no equilíbrio
industrial, que é o verdadeiro câmbio de equilíbrio do país, crescerão de forma
acelerada realizando o catching up. Mas para isto precisam adotar a política de
crescimento com poupança interna e neutralizar a doença holandesa.

Novo desenvolvimentismo

No quadro da globalização os países competem entre si. Por isso, precisam de


uma estratégia nacional de desenvolvimento. Novo desenvolvimentismo é o
nome dessa estratégia, cujo fundamento teórico é a macroeconomia estruturalista
do desenvolvimento que acabei de resumir. O essencial desta estratégia é
neutralizar as duas tendências estruturais – a tendência dos salários crescerem
menos do que a produtividade e a tendência à sobrevalorização cíclica da taxa de
câmbio. Resumi as políticas do novo desenvolvimentismo no Quadro 1,
comparando-as com as políticas da ortodoxia convencional ou consenso de
Washington. Creio que são auto-explicativas. Para a perspectiva neoliberal basta
que o Estado garanta o bom funcionamento do mercado; para o novo
desenvolvimentista o Estado já não tem o papel de Estado produtor que tinha no
velho desenvolvimentismo, mas continua a ter um papel estratégico em criar
oportunidades de investimentos lucrativos, e em garantir a neutralização da
tendência dos salários a crescerem menos que a produtividade.

Quadro 1: Novo Desenvolvimentismo e Consenso de Washington

Ortodoxia convencional Novo desenvolvimentismo


Estado garante a propriedade e os contratos Papel estratégico para o Estado no
desenvolvimento econômico
Responsabilidade fiscal: superávit primário Responsabilidade fiscal: superávit primário e
poupança pública positiva
Irresponsabilidade cambial: crescimento com Responsabilidade cambial: poupança interna e
poupança externa doença holandesa neutralizada
Política monetária: objetivo único: controlar Política monetária: controlar inflação, evitar
inflação crises financeiras, e garantir câmbio competitivo
Política salarial e de rendas: nenhuma Política salarial e de rendas: neutralizar tendência
a salários crescerem menos que produtividade

Tanto a ortodoxia convencional quanto o novo desenvolvimentismo são

16
responsáveis no plano fiscal, mas a primeira se limita a assegurar um superávit
primário que mantenha a relação dívida / PIB constante, enquanto que o novo
desenvolvimentismo quer, além disso, uma poupança pública que permita ao
Estado investir complementarmente ao setor privado.

Em termos cambiais, a ortodoxia convencional é pateticamente populista e


contraditória, na medida em que defende déficits em conta corrente. Se, como o
novo desenvolvimentismo, é contra déficits públicos elevados, porque isto
significa que o Estado gasta mais do que arrecada, por que defende déficits em
conta corrente que significam que o Estado-nação gasta mais que arrecada?
Embora o economista convencional não goste de confessá-lo, ele está advogando
a favor de dois déficits – o déficit em conta corrente e o déficit público. Atende,
assim, ao modelo ou teoria dos déficits gêmeos: quando temos um déficit,
tendemos a ter o outro. Mas inverte a relação usualmente suposta nesse modelo:
não é o déficit público desejado pelo político populista que causa o déficit em
conta corrente, mas é o déficit em conta corrente desejado pelo economista
ortodoxo que causa ou requer o déficit público.

Já o novo desenvolvimentismo defende uma política de crescimento ou poupança


interna e tem propostas claras para neutralizar a doença holandesa. Na verdade,
para um país que tem doença holandesa, déficits em conta corrente e déficits
públicos significam irresponsabilidade cambial e pouca seriedade fiscal. Um país
que tem doença holandesa pode e deve ter superávit em conta corrente. Se o país
consegue neutralizar sua doença holandesa, isto significa que deslocou sua taxa
de câmbio do equilíbrio corrente para o equilíbrio industrial, e, portanto, que
passou a ter superávit em conta corrente. A lógica do modelo é claríssima a
respeito.

Além disso, esse país que neutraliza sua doença holandesa pode ter superávit
fiscal, e deve, pelo menos, praticar déficit público zero. Para entender isto sem
recorrer ao raciocínio inverso dos déficits gêmeos é preciso entender como é que
se neutraliza a doença holandesa. Isto se faz, essencialmente (como faz hoje a

17
Noruega em relação a seu petróleo, o Chile em relação ao cobre, e a Argentina
em relação à soja) impondo um imposto ou retenção sobre a exportação desse
bem correspondente à diferença entre o equilíbrio industrial e o equilíbrio
corrente. Ao se estabelecer essa retenção, a oferta do bem em relação à taxa de
câmbio se deslocará para cima, o que causará a depreciação da moeda nacional e
resultará na mudança do equilíbrio corrente do país, que se equalizará ao
equilíbrio industrial. Esta depreciação ocorrerá porque, a partir do imposto, o
produtor da commodity que origina a doença holandesa não estará mais disposto
a oferecer seu produto pela taxa de câmbio anterior ao imposto; condicionará sua
produção a uma depreciação que compense o imposto pago. No exemplo do país
exportador de soja, se o governo impõe uma retenção de #1 moeda nacional por
dólar exportado de soja, os produtores de soja só continuarão a oferecer a soja,
ou seja, a produzi-la, se a taxa de câmbio mudar de #2 para #3 moedas nacionais
por dólar, e é para esse nível que o mercado funcionando livremente levará a taxa
de câmbio. Há, certamente, um processo de transição que precisa ser cuidado
pelo governo, mas, afinal, não é o produtor de soja que paga o imposto; ele fica
exatamente na mesma posição, com a mesma rentabilidade: antes do imposto
recebia #2 moedas por dólar exportado, depois, recebe #3 moedas por dólar
exportado, mas paga #1 moeda de retenção. Quem paga o imposto é todo o povo
do país, porque com a desvalorização os preços dos bens comercializáveis sobem
e os salários reais caem. Mas, em seguida, a economia passa a crescer
aceleradamente e esse prejuízo é em pouco tempo compensado.

O que deve fazer o governo com a receita do imposto? Em princípio deve seguir
o exemplo da Noruega. Ao invés de gastá-lo, o investe em um fundo soberano.
Supondo-se que o orçamento do Estado, desconsiderado o imposto, está
equilibrado, o imposto de exportação deverá constituir superávit público. Se,
mais realisticamente, supusermos que, sem considerar a doença holandesa e o
imposto que a neutraliza, é razoável que o país incorra em um déficit público
moderado (que mantém constante a dívida pública do país em relação ao PIB), a
adição do imposto de exportação à receita do Estado deverá reduzir esse déficit
público para próximo de zero. Se o Estado decidir gastar os recursos do imposto,
18
deverá e poderá fazê-lo moderadamente de forma a não ficar longe do déficit
público zero.

Quanto à política monetária, o único objetivo da ortodoxia convencional é


controlar a inflação, enquanto que o novo desenvolvimentismo quer,
adicionalmente, manter a taxa de câmbio competitiva, no nível do equilíbrio
industrial, e evitar crises financeiras que, nos países em desenvolvimento, são
crise de balanço de pagamentos.

Finalmente, já que existe a tendência dos salários crescerem menos que a


produtividade, é necessária uma política para compensá-la. O novo
desenvolvimentismo defende políticas de salário e de renda nessa direção,
enquanto que a ortodoxia convencional está apenas preocupada em “flexibilizar”
o mercado de trabalho, ou seja, baixar os salários.

Em síntese, o novo desenvolvimentismo é mais seguro e responsável do que a


ortodoxia convencional. A ortodoxia convencional propõe déficits em conta
corrente (poupança externa) e, apesar de toda a sua retórica austera que leva o
economista convencional a resolver todos os problemas com a diminuição do
gasto público, está também baseada na manutenção do déficit público, quando o
correto é zerar esse déficit quando o país tem doença holandesa. Ao invés disso,
a ortodoxia convencional propõe taxa de juros real alta “para combater a
inflação”. Como, porém, o grande devedor é o Estado, a ortodoxia convencional
sabe que esses juros impactarão sobre o déficit público, de forma que,
coerentemente, e para manter o grau de endividamento estável (afinal ela não
pode por em risco a dívida pública, que é a galinha dos ovos de ouro para os
rentistas), ela propõe superávit primário inferior ao total de juros pagos pelo
Estado, o que significa déficit público. No Brasil, enquanto o total de juros pagos
pelo Estado tem girado em torno de 7%, o superávit primário ficou em 4%, de
forma que continua a haver um déficit público de 3% do PIB.

Mas falta responder uma pergunta básica: através desta estratégia de crescimento
com poupança interna e neutralização da doença holandesa, como o país
19
conseguirá aumentar sua taxa de investimento e de poupança, já que o novo
desenvolvimentismo rejeita a proposta equivocada de tentar adicionar a poupança
externa à interna , porque seu resultado é antes aumento do consumo e da dívida
externa do que do investimento? A resposta está em administrar a taxa de
câmbio, ainda que no quadro de um câmbio flutuante, para que ela não se aprecie
e seja competitiva, permaneça em torno do equilíbrio industrial. Para isto, será
necessário neutralizar a doença holandesa e rejeitar o fetiche da poupança externa
ou, em outras palavras, buscar crescer com base na poupança interna. Graças a
uma taxa de câmbio competitiva as oportunidades de investimento aumentarão
imediatamente para as empresas eficientes. Aumentarão em relação ao mercado
externo porque toda a demanda externa ficará ao alcance dessas empresas, e em
relação ao mercado interno porque diminuirá para elas a competição dos bens
importados. Ao aumentar a taxa de investimento, aumentará a renda, e, como
demonstrou Keynes, aumentará a taxa de poupança. Não se aumenta, portanto, a
taxa de poupança do país recorrendo a uma ilusória poupança externa, mas
garantindo demanda para as empresas e investindo. Para que as empresas
invistam basta, em termos de Schumpeter, que o sistema financeiro nacional
disponibilize crédito para as empresas inovadoras; desta forma estarão inovando,
obtendo lucros, e promovendo o desenvolvimento econômico do país.

Além de desempenhar o papel indutor de oportunidades de investimento, o


Estado deve, de um lado, aumentar a eficiência de seu gasto na área dos serviços
sociais e culturais, e, assim, obter recurso para, sem aumentar a carga tributária,
poder aumentar seus próprios investimentos. Sem, naturalmente, concorrer com
os investimentos privados, mas complementando-os e incentivando-os. Se, por
exemplo, o objetivo no médio prazo no Brasil for aumentar a taxa de
investimento de 18 para 25% do PIB, o Estado deverá aumentar seu investimento
dos atuais 2% para cerca de 5% (cerca de 20% do total), ficando o setor privado
responsável por investimentos equivalentes a 20% do PIB. Enquanto para o
velho desenvolvimentismo o Estado devia ser também produtor, porque o setor
privado não tinha capacidade de investir, hoje, no quadro do novo
desenvolvimentismo, em um país que já realizou sua revolução capitalista, o
20
papel do Estado na área econômica deve ser apenas estratégico ou indutor.

Em síntese, o novo desenvolvimentismo defende superávit em conta corrente e


déficit público em torno de zero, porque a neutralização da doença holandesa
leva a economia do país nessa direção, e rejeita a proposta dos países ricos de
que os países em desenvolvimento cresçam com poupança externa, porque essa
tese não se sustenta nem lógica nem empiricamente (já há muitas pesquisas
comprovando esse fato). Através da neutralização da doença holandesa e da
política de crescimento com poupança interna o país aumenta sua taxa de
investimento e de poupança e cresce aceleradamente com estabilidade de preços
e sem ficar sujeito a crises cíclicas de balanço de pagamentos. É, portanto, uma
estratégia muito mais segura e responsável do que a ortodoxia convencional que
defende déficit em conta corrente e aceita déficit público para financiar juros
altos pagos pelo Estado.

É possível mudar a política macroeconômica?

Para tornar o novo desenvolvimentismo a política econômica do país é


fundamental convencer sua sociedade civil – ou seja, a sociedade politicamente
organizada formada por empresários, classes médias intelectuais, organizações
corporativas e organizações de advocacia política. A rigor seria preciso
convencer o povo – a massa dos eleitores – mas nas democracias imperfeitas de
que dispõem os países esse povo tem pouco poder, e o fundamental para os
políticos que tomam as decisões no governo é a legitimidade da política
econômica assegurada pelo apoio da sociedade civil.

Não é fácil convencer a sociedade civil dos países de renda média sobre a
superioridade da macroeconomia do desenvolvimento em relação à
macroeconomia convencional e do novo desenvolvimentismo sobre a ortodoxia
convencional. Ideias novas demoram a se estabelecer. Nos anos 1990 a
hegemonia ideológica do império foi quase absoluta, de forma que não havia
espaço para alternativas teóricas ou práticas. Entretanto, o quadro mudou já no
início dos anos 2000, quando começou a ficar evidente o fracasso do consenso de

21
Washington em promover o desenvolvimento econômico e garantir a estabilidade
financeira. Mudou definitivamente quando a crise financeira global mostrou que
mesmo para os países ricos a receita de desregulação dos mercados era um
grande equívoco. O mercado é uma maravilhosa instituição de coordenação de
economias complexas, mas desde que devida e cuidadosamente regulado.

Hoje a ortodoxia convencional já não é mais hegemônica, mas a macroeconomia


estruturalista do desenvolvimento e o novo desenvolvimentismo ainda não
lograram substituí-la. Principalmente porque a macroeconomia estruturalista do
desenvolvimento é constituída por um conjunto de modelos e o novo
desenvolvimentismo, por um conjunto de propostas de política, que só
recentemente se consolidaram do ponto de vista teórico. Mas já se avançou muito
nessa direção, como ficou demonstrado quando 25 economistas e cientistas
políticos de diversos países se reuniram em um workshop em São Paulo em maio
de 2010, e propuseram e aprovaram as “Dez Teses sobre o Novo
Desenvolvimentismo” (“Ten Theses on New Developmentalism”). A esses
economistas se juntaram 55 outros importantes economistas e cientistas políticos
que foram convidados para serem também “subscritores originais” do
documento. Estas “Ten Theses” que estão agora abertas à subscrição de outros
economistas (www.tenthesesonnewdevelopmentalism.org) podem ser vistas
como uma alternativa concreta à macroeconomia neoclássica e ao consenso de
Washington.

No processo de transição em curso do novo desenvolvimentismo para a condição


hegemônica seus propositores enfrentam ainda uma questão colocada por seus
interlocutores na sociedade civil. Eles concordam que suas teorias e suas
propostas fazem sentido, mas que não é possível pô-las em prática, não é possível
administrar a taxa de câmbio. Esta “impossibilidade” é, assim, o último bastião
da ortodoxia convencional. Mas um bastião frágil. Seus defensores neoliberais
dizem que na globalização é impossível estabelecer controles à entrada de
capitais, mas a experiência histórica mostra que isto não é verdade. O novo
desenvolvimentismo defende controles à entrada de capitais, não à sua saída,

22
porque como crises de balanço de pagamentos deixam de ser a “condição
natural” dos países de renda média, não haverá razão para fugas de capitais. Por
outro lado, embora haja problemas políticos internos em se estabelecer um
imposto sobre as exportações de bens que dão origem à doença holandesa, está
claro que isto é possível desde que fique claro que os exportadores não serão
prejudicados, porque a depreciação cambial compensará o valor do imposto
pago. Na verdade, os produtores de bens primários serão beneficiados desde que
o governo use parte dos recursos para estabelecer um fundo de estabilização que
os socorra nos casos de queda violenta dos preços internacionais da commodity.
Finalmente, há duas dificuldades causadas temporariamente pelo deslocamento
da taxa de câmbio do equilíbrio corrente para o industrial: haverá um choque de
custos que aumentará apenas uma vez a inflação, e diminuirá um pouco os
salários reais. A inflação, porém, logo voltará a cair desde que não haja qualquer
indexação de preços. E os salários logo voltarão a subir, agora de forma
sustentada, graças ao aumento da taxa de investimento e da aceleração do
crescimento.

Referências
Bresser-Pereira, Luiz Carlos (1991) "A crise da América Latina: Consenso de
Washington ou crise fiscal?”, Pesquisa e Planejamento Econômico 21(1): 3-23.
Bresser-Pereira, Luiz Carlos (2001) “Incompetência e confidence building por trás de 20
anos de quase-estagnação da América Latina”, Revista de Economia Política 21(1)
2001: 141-166.
Bresser-Pereira, Luiz Carlos (2002) “Financiamento para o subdesenvolvimento: o
Brasil e o Segundo Consenso de Washington”, In Ana Célia Castro, org.
Desenvolvimento em Debate: Painéis do Desenvolvimento Brasileiro Vol. 2. Rio de
Janeiro: Mauad/BNDES: 359-398.
Bresser-Pereira, Luiz Carlos (2005) “Macroeconomia pós-Plano Real: as relações
básicas”, in J. Sicsú, L. F. de Paula e R. Michel (orgs.) Novo-Desenvolvimentismo:
um Projeto Nacional de Crescimentos com Eqüidade Social, Barueri: Manole.
Bresser-Pereira, Luiz Carlos (2007) Macroeconomia da Estagnação, São Paulo: Editora
34.
Bresser-Pereira, Luiz Carlos (2008) “Dutch disease and its neutralization: a Ricardian
approach”, Brazilian Journal of Political Economy 28 (1) January: 47-71.

23
Bresser-Pereira, Luiz Carlos (2009) “A tendência à sobreapreciação da taxa de câmbio”.
Econômica 11 (1), junho: 7-30.
Bresser-Pereira, Luiz Carlos (2009) Globalização e Competição, Rio de Janeiro:
Elsevier-Campus. Originalmente publicado em francês, 2009.
Bresser-Pereira, Luiz Carlos e Nelson Marconi (2007 [2010]) “Existe doença holandesa
no Brasil?” [Does Dutch disease exist in Brazil?], in Bresser-Pereira org. (2008)
Doença Holandesa e Indústria. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas:
207-230. Paper presented in Getulio Vargas Foundation’s Fourth Economic Forum,
São Paulo, September 2007.
Bresser-Pereira, Luiz Carlos e Paulo Gala (2007) “Por que a poupança externa não
promove o crescimento”, Revista de Economia Política 27 (1): janeiro: 3-19.
Bresser-Pereira, Luiz Carlos e Paulo Gala (2010) “Macroeconomia estruturalista do
desenvolvimento”, Revista de Economia Política, 30 (4) outubro: 663-686.
Bresser-Pereira, Luiz Carlos e Yoshiaki Nakano (2002a) “Uma estratégia de
desenvolvimento com estabilidade.” [A strategy of development with stability]
Revista de Economia Política 21(3): 146–177.
Bresser-Pereira, Luiz Carlos e Yoshiaki Nakano (2003) "Economic growth with foreign
savings?" Brazilian Journal of Political Economy 22(2) April 2003: 3-27. In
Portuguese, in the printed edition; in English, in the journal’s website:
www.rep.org.br.
Gala, Paulo (2006) Política Cambial e Macroeconomia do Desenvolvimento [Exchange
Rate Policy and Development Macroeconomics], São Paulo: Escola de Economia de
São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, Tese de doutorado, maio 2006.
Gonzalez, Lauro (2007) Crises Financeiras Recentes: Revisitando as Experiências da
América Latina e da Ásia, São Paulo: Escola de Economia de São Paulo da
Fundação Getúlio Vargas, junho 2007.
Hirschman, Albert O. (1981) "The rise and decline of development economics”, in
Essays in Trespassing, Cambridge: Cambridge University Press.
Sicsú, J., L. F. de Paula; e R. Michel (2005) ‘Introdução’, in J. Sicsú, L. F. de Paula e R.
Michel (orgs.).
Sicsú, João. Luiz Fernando de Paula e Renaut Michel, orgs. (2005) Novo-
Desenvolvimentismo: Um Projeto Nacional de Crescimento com Eqüidade Social.
Barueri: Editora Manole e Fundação Konrad Adenauer.
Sicsú, João, Luiz Fernando de Paula e Renaut Michel (2005) “Introdução: Por que
Novo-desenvolvimentismo?”. In Sicsú, Paula e Michel, orgs. (2005): xxiii-lii.
Sicsú, João, Luiz Fernando de Paula e Renaut Michel (2007) “Por que novo-
desenvolvimentismo?” Revista de Economia Política 27 (4): 507-524.

24

Vous aimerez peut-être aussi