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REVISTA LITTERIS No 2 ISSN: 1982-7429 www.revistaliteris.com.

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Maio 2009

Moralidade e fantasia: as versões clássicas de “Chapeuzinho Vermelho” e seus


leitores pressupostos

André Bozzetto Junior1


(UNISC)

Resumo: Este trabalho tem por objetivo abordar o conto infantil “Chapeuzinho
Vermelho” em suas versões clássicas, publicadas por Charles Perrault e pelos irmãos
Grimm, em 1697 e 1812 respectivamente, e através da análise do contexto em que
foram concebidas, delinear os leitores pressupostos a que se destinava cada uma dessas
versões. Através deste estudo, buscamos identificar as concepções de educação e
moralidade que vigoravam em cada um dos períodos em que as obras foram publicadas
e, consequentemente, a maneira com que tais concepções eram transmitidas ao público
infantil através dos contos de fadas e em especial de “Chapeuzinho Vermelho”.
Palavras-chave: “Chapeuzinho Vermelho”. Moralidade. Educação. Leitor. Infância.

Abstract: This paper aims to address the childhood tale "Little Red Riding Hood" in its
classic version, published by Charles Perrault and the Grimm brothers in 1697 and 1812
respectively, and by examining the context in which they were designed, draw the
readers assumptions that was intended each of these versions. Through this study, we
sought to identify the conceptions of education and morality that applied in each of the
periods in which the works were published and therefore the way in which such
concepts were transmitted to the public through the infant fairy tales and in particular
“Little Red Riding Hood".
Keywords: “Little Red Riding Hood". Morality. Education. Reader. Childhood.

1
Possui graduação em Estudos Sociais - História pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. É
mestrando em Letras - Leitura e cognição também pela UNISC (bolsista PROSUP/CAPES). Durante os
anos de 2006 e 2007 atuou como Professor-tutor do curso de Pedagogia à distância da ULBRA - RS, na
unidade de Ilópolis - RS. Também atuou como professor na Escola Agrícola Florestal e Ambiental -
EMAFA de Ilópolis - RS onde, entre os anos de 1999 e 2007, ministrou para turmas do Ensino
Fundametal disciplinas como História, Geografia, Educação Ambiental e Zootécnicas. É autor do
romance "Odisséia nas Sombras" (1998) e dos livros de temática histórica "Ilópolis - Origens e raizes"
(2004) e "Anta Gorda - 40 Anos" (2004). Foi membro do colegiado do Programa de Pós-Graduação em
Letras da UNISC durante o ano de 2008 e atuou como professor-assistente da disciplina Literaturas de
Lingua Portuguesa I da graduação em Letras da mesma instituição, ministrada pela Profa. Dra. Eunice
Terezinha Piazza Gai.
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/5299050617605362
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INTRODUÇÃO

Hoje em dia, quando se fala em contos de fadas, geralmente nos vêm à mente a
lembrança de obras universalmente conhecidas como “A Bela Adormecida”, “O
Pequeno Polegar”, “Barba Azul”, “Chapeuzinho Vermelho” e outras tantas que nos
foram contadas na infância por nossos pais, babás ou professores, com a intenção
primordial de mediar nossos primeiros contatos com a literatura e assegurar momentos
de ludicidade e entretenimento.
_____________________________________

Porém, em suas origens - que nos remetem ao final do século XVII - os contos
de fadas, ao serem compilados pela primeira vez em livro pelo francês Charles Perrault,
tinham uma proposta vista pelo autor como mais “grandiosa”, uma vez que além de
entreter as crianças, se propunham também a transmitir lições de moral, vistas como
importantes para sua formação pessoal. Segundo Tatar (2004), citada por Hillesheim e
Guareschi (2006, p. 109) os contos de Perrault pretendem “conter uma moralidade
louvável e instrutiva, mostrando que a virtude é sempre recompensada e o vício é
sempre punido, estabelecendo uma relação direta entre a obediência e a possibilidade de
uma boa vida”, afirmação que consta no prefácio de Contos de Mamãe Gansa, livro
publicado pelo autor em 1697.
Mais de um século depois, mais especificamente em 1812, os irmãos Jacob e
Wilhelm Grimm publicam na Alemanha o livro Contos da infância e do lar, que
também compila uma série de contos de fadas, sendo que alguns deles já constavam na
obra de Perrault, e a exemplo do autor francês, também se propõe a fazer com que suas
pequenas histórias fantasiosas consorciem entretenimento com lições de moral.
Contudo, Perrault e os Irmãos Grimm viveram em lugares e épocas diferentes, cujos
contextos históricos, culturais e sociais eram distintos, de forma que seus leitores
pressupostos, aqueles a quem dirigiam suas obras, também não eram iguais. A proposta
deste artigo é abordar o conto “Chapeuzinho Vermelho” nas versões de Perrault e dos
Irmãos Grimm, e através da análise do contexto em que foram elaboradas, delinear os
seus respectivos leitores pressupostos.
De acordo Nunes (1981), uma das características mais marcantes da França no
século XVII foi o Renascimento Católico, que após muitos anos de conflitos com as
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emergentes correntes protestantes, acabou por fazer prevalecer seu pensamento e visão
de mundo em meio aos mais diversos estratos sociais. Essa supremacia da mentalidade
católica foi tão significativa que praticamente todas as iniciativas relacionadas à
educação estavam vinculadas a essa ordem religiosa. As crianças oriundas das classes
populares recebiam aulas organizadas e ministradas pelo Instituto dos Irmãos das
Escolas Cristãs, enquanto os filhos dos nobres freqüentavam os colégios jesuíticos e
oratorianos, e mesmo nas ocasiões em que as aulas eram ministradas por preceptores
particulares, estes eram clérigos, ou pelo menos pessoas indicadas pelos religiosos.
Contudo, o mesmo autor argumenta que, apesar da predominância do pensamento
religioso, o século XVII também foi marcado pelo surgimento de novas linhas de
pensamento, que progressivamente iam se confrontando com a ideologia católica,
gerando uma situação de oposição entre “o saber tradicional e o aparecimento de novas
ciências”, entre “o patrimônio filosófico tradicional e as novas escolas filosóficas”,
entre “a crença na estabilidade dos conhecimentos e a renovação científica, filosófica e
literária” (p. 13).
Porém, entre essas novas linhas de pensamento emergentes na França e em
outras partes da Europa, nem todas se opunham à ideologia católica. Nunes (1981)
menciona que John Locke, filósofo inglês autor de obras como Ensaio sobre o
Entendimento Humano e Pensamentos sobre a Educação, defendia a idéia de que o
homem deveria ser virtuoso, sendo que a virtude se expressava de forma mais plena em
meio à educação e a religião. Por defender a prática das orações e o cultivo das boas
maneiras, as idéias de Locke foram bem aceitas na França, onde educação e religião
tinham uma ligação muito estreita, andando sempre juntas. O excerto transcrito a seguir
complementa a visão que o teórico inglês possuía a cerca da educação:

Locke acha que as crianças possuem a mesma estrutura mental que os adultos, e que
as diferenças entre os homens são devidas só à educação, que consiste na aquisição
de bons hábitos ou das virtudes e na formação do bom caráter, desprovido de
afetação, e também na posse de boas maneiras. Por isso, ela consiste mais na
formação moral do que na instrução ou na formação intelectual (NUNES, 1981, p.
90).

A VERSÃO DE PERRAULT

Assim, foi nesse contexto histórico e sociocultural - onde predominava o


pensamento religioso e se acreditava que a educação consistia primeiramente na
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formação moral e comportamental da criança - que Perrault escreveu a sua versão para o
conto “Chapeuzinho Vermelho”. A história já é do conhecimento de todos: uma
menina, que veste um capuz vermelho que lhe rendeu o apelido, é encarregada pela mãe
de atravessar a floresta e levar alguns doces para a avó que está doente. No caminho, ela
é assediada por um lobo, que a induz a pegar o caminho mais longo para a casa da vovó
enquanto ele segue por um atalho. Ao chegar à casa da velha senhora, o lobo a devora e
se oculta em sua cama. Quando a menina aparece, também acaba sendo devorada.
Oriunda da tradição oral camponesa, onde originalmente não fora pensada para
ser dirigida ao público infantil, à versão de Perrault possui um flagrante teor erótico, que
fica evidente em algumas passagens como o momento em que a menina “tira a roupa” e
“deita-se” com o lobo, e também na parte em que ela vai explorando o corpo do outro e
mencionando: “que braços, grandes você tem; que pernas grandes você tem...”, até que
acaba cedendo ao assédio sedutor deste. Por fim, o fato de a menina acabar sendo
devorada corresponde a um castigo por ter se deixado seduzir. Assim, o conto de
Perrault evidencia o cuidado que as “moças” devem ter para não se deixarem levar pelos
galanteios de lobos “gentis e aduladores”, sob a pena de acabarem “devoradas”. Coelho
(1991, p. 90-91) reforça essa idéia argumentando que neste conto “a intenção de alertar
as meninas contra a sedução amorosa está bem clara” e que elas devem, portanto “ser
rigorosamente obedientes aos conselhos dos mais velhos”.
Darnton (1986) afirma que a tradição oral - de onde Perrault retirou o material
para sua compilação literária – também se valia dos contos para ilustrar argumentos
morais, que circulavam entre qualquer faixa etária. Porém, a carga de violência e
erotismo existente nesses contos era muito maior do que aquela evidenciada na versão
de Perrault. No caso da história que inspirou “Chapeuzinho Vermelho”, a menina (que
ainda não era descrita como portadora do capuz rubro) era induzida pelo lobo a comer
fatias de carne e a beber o sangue da avó antes de se despir em uma espécie de ritual
erótico e, por fim, ser devorada por seu algoz. Para Darnton, o conteúdo extremamente
explícito dos contos difundidos por meio da oralidade era reflexo do próprio meio de
vida dos seus principais propagadores, que eram os camponeses pobres, sobretudo os
franceses. O excerto transcrito a seguir ilustra de maneira mais eficiente essa afirmação:

Famílias inteiras se apinhavam em uma ou duas camas e se cercavam de animais


domésticos, para se manterem aquecidos. Assim, as crianças se tornavam
observadoras participantes das atividades sexuais de seus pais. Ninguém pensava
nelas como criaturas inocentes, nem na própria infância como uma fase diferente da
vida, claramente distinta da adolescência, da juventude e da fase adulta por estilos
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especiais de vestir e de se comportar (1986, p. 47).

Apesar de menos explícita em termos de violência, Hillesheim e Guareschi


(2006) argumentam que a versão de Perrault continua tratando da questão da
sexualidade porque foi escrita em um momento em que esse tipo de assunto era
abordado meio que indiscriminadamente entre adultos e crianças, uma vez que ambas as
faixas etárias conviviam quase que indistintamente. Mas, além disso, na visão das
autoras, a punição irrecorrível da menina estaria também relacionada ao seu pecado,
pois a mentalidade da época ainda estava muito apegada aos preceitos religiosos.
Tendo em vista essas observações, podemos propor um perfil do leitor
pressuposto a quem Perrault destinou a sua versão de “Chapeuzinho Vermelho”. Para
tanto, ainda devemos levar em consideração que a concepção de “infância” como sendo
uma fase da vida humana com características próprias e específicas ainda não estava
completamente consolidada, permanecendo uma tendência de tratar a criança como um
mini-adulto, só que mais fraco, ingênuo e inexperiente, que deve ser educado em meio à
moralidade e a religiosidade. Para tanto, deve ser disciplinado, atento ao contato com os
mais velhos e com os estranhos, e ciente de que deve resistir à tentação e a curiosidade
do sexo, não se deixando seduzir por algum possível aproveitador, e dessa forma, se
mantendo longe do pecado. Enfim, como sintetiza a supracitada afirmação de Perrault, a
criança deve desenvolver a noção de que “a virtude é sempre recompensada e o vicio é
sempre punido”.

A VERSÃO DOS IRMÃOS GRIMM

A outra versão de “Chapeuzinho Vermelho” que abordaremos neste texto é tão,


ou provavelmente ainda mais conhecida que a de Perrault, e foi aquela publicada pelos
Irmãos Grimm na Alemanha, mais de um século depois, e também tendo o folclore oral
europeu como referência. O diferencial da versão dos irmãos germânicos é que a
história acaba sendo suavizada, com a omissão dos detalhes eróticos e com o acréscimo
de um desfecho bem menos sombrio, onde a menina e sua avó são salvas por um
caçador que dá cabo do lobo malvado. Neste caso, a lição de moral é igualmente mais
amena, e de acordo com Hillesheim e Guareschi (2006, p. 113) pode ser traduzível
como “nunca se desvie do caminho e nunca entre na mata quando sua mãe proibir”.
Essa suavização que o conto recebeu na versão dos Irmãos Grimm também é um
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reflexo do contexto histórico e sociocultural do período em que a obra foi publicada. No


início do século XIX ainda vigoravam muitas formas de pensar decorrentes do
movimento iluminista, onde o pensamento científico e racional se contrapunha cada vez
mais ao pensamento religioso. Conforme Coelho (1991) foi também nesse período que
o Romantismo atingiu seu apogeu, propondo novas idéias, novos valores e novas
formas de encarar o mundo:

Dentro desse processo renovador, a criança é descoberta como um ser que precisava
de cuidados específicos para sua formação humanística, cívica, espiritual, ética e
intelectual. E os novos conceitos de Vida, Educação e Cultura abrem caminho para os
novos e ainda tateantes procedimentos na área pedagógica e na literatura. Pode-se
dizer que é nesse momento que a criança entra como um valor a ser levado em
consideração no processo social e no contexto humano (COELHO, 1991, p. 139).

Tendo isso em vista, podemos supor que as referências sexuais do conto são
omitidas em virtude da visão que passa a vigorar no período, onde os assuntos de
adultos e crianças não deviam mais se misturar, e, como afirmam Hillesheim e
Guareschi (2006), tais elementos deixam de ser considerados adequados ao universo
infantil. Da mesma forma, o final redentor - onde a menina e a avó são salvas - está
igualmente relacionado com a mentalidade da época, que prega que a Chapeuzinho
Vermelho pode aprender a lição e ter a sua recuperação. Coelho (1991, p. 142) afirma
que isso corresponde a uma nova noção de “humanismo”, onde predomina sempre “a
esperança e a confiança na vida”. Além dos aspectos já mencionados, Lyons (1999, p.
183) ainda destaca que através de seus contos “os Grimm reforçavam a mensagem
moral e os valores da família”.
Portanto, com base nesses elementos, podemos observar que o leitor pressuposto
a quem os Irmãos Grimm direcionaram sua versão de “Chapeuzinho Vermelho”
apresenta características diferentes daquele da obra de Perrault. A criança permanece
sendo vista como um ser fraco, ingênuo e inocente, mas que por isso mesmo deve ser
educado, protegido e preservado de certos tipos de experiências – como a sexualidade –
que agora passam a ser vistas como algo pertinente apenas aos adultos. A criança
também deve ser disciplinada e bondosa para assim ser recompensada, pois se for
desobediente e maldosa deve ser punida. Também deve cultivar os bons hábitos, as
virtudes e a razão. Coelho (1991, p. 147) ainda traz um complemento, ao afirmar que os
Irmãos Grimm procuram transmitir em sua obra a noção de que devem prevalecer “os
valores humanistas”, onde a criança deve aprender a se preocupar com as necessidades
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básicas fundamentais do indivíduo, como: “fome, sede, agasalho” e também “caridade,


solidariedade”, além da consciência de que “a palavra dada em hipótese alguma poderá
ser quebrada”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista as observações desenvolvidas ao longo deste texto, podemos


concluir que, desde o momento em que passaram a ser compilados em livro, os contos
de fadas se destinaram não apenas ao entretenimento da criança, mas também a sua
educação. Nos diferentes momentos históricos aqui abordados - final do século XVII e
início do século XIX – os seus respectivos contextos socioculturais eram perpassados
por mentalidades e visões de mundo distintas, o que fez com que as versões do conto
“Chapeuzinho Vermelho” de Perrault e dos Irmãos Grimm também se destinassem a
leitores pressupostos diferentes. Uma similaridade entre esses dois momentos, e que de
certa forma perdura até os dias atuais, é justamente a visão do conto de fadas como um
instrumento para a educação da criança, com o diferencial de que no passado a
concepção de educação estava fundamentada muito mais nos aspectos morais e
comportamentais dos indivíduos do que propriamente nos intelectuais, enquanto hoje
em dia o conto de fadas é visto como algo que não precisa ter necessariamente a função
de moralizar, mas sim proporcionar momentos de lazer e ludicidade em meio aos
primeiros e importantes contatos com o texto impresso.

REFERÊNCIAS:

COELHO, Nelly Novaes. Panorama histórico da literatura infantil juvenil. São Paulo:
Ática, 1991.

DARNTON, Robert. O Grande Massacre de Gatos. Rio de Janeiro: Graal, 1986.

HILLESHEIN, Betina; GUARESCHI, Neuza M.F. Contos de fada e infância. Educação


& Realidade, v. 31, nº 1, p. 107-126, 2006.

LYONS, Martyn. Os novos leitores do século XIX: mulheres, crianças, operários. In:
CAVALLO, Guglielmo & CHARTIER, Roger (Org.). História da leitura no mundo
ocidental. Trad. De Cláudia Cavalcanti, Fulvia M. L. Moretto, Guacira Marcondes
Machado e José Antônio de Macedo Soares. São Paulo: Ática, 1999, v. 2.

NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da educação no século XVII. São Paulo:
EDUSP, 1981.
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