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Governamentalidade e Anarqueologia

em Michel Foucault

Nildo Avelino

Introdução Além disso, a anarqueologia prolonga e ree-


labora as análises iniciadas por Michel Foucault
A partir de 1980 Michel Foucault introduz em 1978 acerca da governamentalidade. Fou-
uma nova problematização nos estudos sobre as cault passa a investigar as práticas de governo no
relações de poder pela qual renovou consideravel- plano discursivo e performático, tornando evi-
mente seu “método” de análise: trata-se da anar- dente os processos históricos pelos quais verdade
queologia dos saberes, que consiste no deslocamento e subjetividade foram indexadas para a produção
que levou do eixo de análise “poder-saber” para o da obediência no exercício do governo. A obra-
“governo dos homens pela manifestação da verdade chave para apreender o tema da anarqueologia é
sob a forma da subjetividade” (Foucault, 2010, p. o curso intitulado Du gouvernement des vivants,
64). Com a anarqueologia, Foucault conferiu um proferido por Foucault no Collège de France em
grau de complexidade extraordinário às suas pes- 1980.
quisas, resultando, anos mais tarde, na formulação Neste artigo, abordo essas duas noções procu-
do tema da estética da existência. rando compreender, nos deslocamentos que elas
provocam, o percurso empreendido pelo pensa-
* Agradeço a Ana Novais e Geraldo Escudero pelo tra- mento foucaultiano que conduziu ao período ainda
balho de revisão, e a Francisco Ripó pela leitura e pouco explorado pelas ciências sociais no Brasil, o
comentários.
chamado “último Foucault”.
Artigo recebido em dezembro/2008
Aprovado em maio/2010

RBCS Vol. 25 n° 74 outubro/2010

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Governamentalidade: da guerra ao governo tra todos, isto é, ao estado pré-político. Foucault,


ao contrário, procura mostrar que a guerra civil:
Segundo Daniel Defert, em dezembro de 1972
Foucault empreende uma análise das relações de [...] habita, atravessa, anima, investe o poder
poder a partir da “mais indigna das guerras: nem em toda parte. Encontram-se precisamente es-
Hobbes, nem Clausewitz, nem luta de classes, mas tes sinais sob a forma da vigilância, da ameaça,
a guerra civil” (2001, p. 57). O curso intitulado La do monopólio da força armada, numa palavra,
société punitive, proferido no Collège de France em de todos os instrumentos de coerção que o
1973, descreve essa análise. Foucault analisa o do- poder efetivamente estabelecido utiliza no seu
mínio histórico das táticas punitivas empregadas exercício. O exercício cotidiano do poder deve
nas sociedades ocidentais contra os indivíduos que ser considerado uma guerra civil; exercer o po-
infringiram suas leis, suas regras, o exercício de seu der é, de alguma maneira, conduzir à guerra ci-
poder. Propõe definir, a partir de quatro grandes vil, e todos esses instrumentos, essas táticas de
táticas punitivas (exclusão, compensação, marca e, que falei, essas alianças, devem ser analisados
particularmente, clausura), quais relações de poder em termos de guerra civil (Idem, fls. 32-33).
foram efetivamente colocadas em funcionamento.
Nesse sentido, as táticas punitivas funcionam na Essas passagens mostram claramente a ligação
análise não como reveladores de uma ideologia, mas de Foucault ao tipo de análise realizada na His-
como analisadores das relações de poder, e Foucault tória da loucura, em que descreveu o surgimento
acrescenta que: na Europa de “uma categoria da ordem clássica”
conhecida como internamento e que levou 1%
[...] se é verdade que o sistema das táticas da população parisiense para o interior do Hos-
penais pode ser visto como analisador das re- pital Geral poucos anos após sua fundação, atin-
lações de poder, o elemento que será consi- gindo bruscamente “seu limiar de manifestação
derado central é o elemento da luta política na segunda metade do século XVII” sob a forma
em torno do poder e contra ele; é o jogo dos da exclusão pelo internamento como fato maciço
conflitos, de lutas que existem entre o poder (1999a, p. 55). Após História da loucura, essa mes-
tal como ele é exercido numa sociedade e os ma análise foi retomada em A ordem do discurso,
indivíduos ou grupos que buscam, de uma aula inaugural no Collège de France pronunciada
maneira ou de outra, escapar desse poder, em 1970, na qual Foucault descreveu os procedi-
contestá-lo localmente ou globalmente, con- mentos de exclusão e interdição que durante sécu-
tradizendo suas ordens e suas regras. [...] É, los atravessaram a vontade de saber no Ocidente
portanto, a noção de ‘guerra civil’ que deve (1999b, p. 14). Portanto, é ainda retomando o fio
ser colocada no coração de todas essas análises dessas análises que o curso de 1973 irá estabelecer
das penalidades (1973, fl. 16). para instrumento de estudo não a guerra de todos
contra todos, mas a guerra social, a “guerra de ricos
A noção de guerra civil é tomada como uma contra pobres, de proprietários contra os que nada
espécie de matriz geral das lutas em torno, a pro- possuem, de patrões contra proletários” (1973, fl.
pósito e contra o poder, da matriz para uma análise 18), e isso para compreender o aparecimento e o
do jogo entre a luta permanente e as diversas táticas funcionamento, no século XIX, da estratégia penal
de poder. Segundo Foucault, seja em Hobbes seja do enclausuramento.
em Rousseau, a guerra civil jamais foi considerada Entretanto, essa análise foi em seguida consi-
uma realidade positiva para servir de base analítica. derada inadequada por Foucault. Após a aparição
Do ponto de vista político e filosófico, ela foi qua- do primeiro volume da História da sexualidade, em
se sempre um conceito mal elaborado, considerada uma entrevista de janeiro de 1977, o autor reco-
anterior ao pacto social (particularmente em Hob- nheceu ter aceito, em seus escritos anteriores, a con-
bes) e, portanto, assimilada à guerra de todos con- cepção tradicional do poder como aquilo que dita

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a lei, que interdita, que diz não. Concepção essa to como princípio e motor do poder político em
que, segundo ele, condizia com o período clássico nossas sociedades. Mas, agora, o nível analítico se
no qual “o poder se exerceu sobre a loucura, sem torna bem mais elaborado. Ao perguntar se “o po-
dúvida, sob a forma maior da exclusão” (2001b, p. der, pura e simplesmente, é uma guerra continua­
229), mas que se mostrava insuficiente para descre- da por meios que não as armas ou as batalhas?”
ver o exercício do poder na atualidade. Afirmação, e se é preciso ou não “entender que a sociedade
por sua vez, confirmada por Pasquale Pasquino, seu em sua estrutura política é organizada de maneira
colaborador no Collège de France, ao observar que, que alguns possam se defender contra os outros,
a partir da segunda metade dos anos de 1970, o ou defender sua dominação contra a revolta dos
discurso sobre guerra e dominação, utilizado por outros, ou simplesmente ainda, defender sua vi-
Foucault para descrever as práticas disciplinares, tória e perenizá-la na sujeição?”, Foucault hesita
havia provocado um impasse que uma resposta afirmativa. Propõe, ao contrário,
certo número de precauções de método. Insiste,
[...] conduziu a uma crítica extremista do por exemplo, em não tomar a dominação que o
poder – visto segundo um modelo repressi- poder pretende perenizar como “fato maciço de
vo – pela esquerda [...]. Uma análise fechada ‘uma’ dominação global de uns sobre os outros, ou
das disciplinas oposta às teses marxistas da de um grupo sobre o outro”, mas percebê-la como
exploração econômica como princípio para “múltiplas formas de dominação que podem se
compreender os mecanismos do poder não exercer no interior da sociedade”. A dominação
era suficiente, e reclamou a investigação de não deve ser compreendida como “o rei em sua
problemas globais de regulação e ordem na posição central, mas os súditos em suas relações
sociedade, bem como as modalidades para a recíprocas”; não é “a soberania em seu edifício
conceitualização deste problema. Daí a ques- único” que a sustenta, mas são, sobretudo, “as múl-
tão do governo – termo que substituiu gradu- tiplas sujeições que ocorreram e funcionam no in-
almente a noção de “poder”, considerada por terior do corpo social” (Idem, pp. 31-32).
Foucault uma palavra muito ambígua (Pas- Era necessário não reduzir as relações de poder
quino, 1993, p. 79). às formas de dominação. E o problema da noção
de guerra é que ela reforçava a ambiguidade da no-
Resulta equivocado, portanto, atribuir a inver- ção de poder. É preciso, diz Foucault nessa segun-
são do aforismo de Clausewitz, que afirmou a po- da metade dos anos de 1970, evitar os “esquemas
lítica como guerra por outros meios, ao curso Em prontos” que, ao ouvir a palavra poder, induzem
defesa da sociedade de 1976. Essa inversão já tinha pensar “numa estrutura política, num governo,
sido feita no curso de 1973, cuja análise da guerra numa classe social, no mestre diante do escravo
civil levou Foucault a afirmar com ênfase “que o etc.” (Foucault, 2001b, p. 1538). Essa ambiguida-
poder não é o que suprime a guerra civil, mas o que de fazia os estados de dominação figurarem como
a reconduz e lhe dá continuidade; e, se é verdade aquilo “que ordinariamente chama-se o poder”
que a guerra exterior é o prolongamento da polí- (Idem, p. 1547). Daí a necessidade de introduzir a
tica, é preciso dizer, reciprocamente, que a política distinção entre poder e dominação, entre política
é a continuação da guerra civil” (1973, fl. 33). Ao e guerra. Isso é feito a partir do primeiro volume
contrário do que se afirma frequentemente, o curso da História da sexualidade. Ao questionar se “seria
de 1976 apresenta o início de uma longa e semi- preciso inverter a fórmula e dizer que a política é
nal problematização da análise que tomou a guerra a guerra prolongada por outros meios?” (1993, p.
como elemento analisador da política. 89), Foucault responde que seria necessário, ao
É verdade que no curso de 1976 Foucault contrário, distinguir guerra e política, na medida
(1999c, p. 26) introduz em sua analítica do po- em que esses dois termos constituem efetivamente
der a chamada “hipótese Nietzsche”, que consiste dois tipos de estratégias, diferentes uma da outra,
em considerar a guerra, a luta e o enfrentamen- para a codificação das relações de força.

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Trata-se, em suma, de orientar, para uma con- poder cuja eficácia implica o paradoxo de “nada po-
cepção do poder que substitua [...] o privilé- der, a não ser levar aquele que sujeita a não fazer
gio da soberania pela análise de um campo senão o que lhe permite” (Foucault, 1993, p. 83).
múltiplo e móvel de correlações de força, [em Para o autor, a problemática das relações de
que] se produzam efeitos globais, mas nunca poder torna-se bem mais complexa. Em vez de
totalmente estáveis, de dominação. O modelo pensar a política contendo velhos arcaísmos de tipo
estratégico, [em vez] do modelo do direito. E guerreiro, seria preciso pensar qual poderia ser o
isso, não por escolha especulativa ou preferên- lugar da lei, da dominação disciplinar e da guerra
cia teórica; mas porque é efetivamente um dos no interior das formas governamentais do presente.
traços fundamentais das sociedades ocidentais Nesse sentido, como observou Dean,
o fato de as correlações de força que, por muito
tempo tinham encontrado sua principal forma Foucault empenhou-se em considerar a manei-
de expressão na guerra, em todas as formas de ra pela qual a arte de governar transformou e
guerra, terem-se investido, pouco a pouco, na reconstituiu os aparatos estatais jurídicos e ad-
ordem do poder político (Idem, p. 97). ministrativos do século XX. [...] Nem a imagem
da soberania, nem a linguagem da dominação e
Assimilar guerra e política arriscava uma sim- da repressão, podem dar conta da emergência da
plificação dos mecanismos complexos das relações autoridade governamental e do lugar da lei e das
de poder da atualidade, reduzindo todas as corre- instituições legais no seu interior (1999, p. 26).
lações de força que lhe são intrínsecas às peripécias
de uma guerra. Contudo, seria igualmente impreciso tomar o
curso de 1976 como o simples abandono ou subs-
Parece-me que a pura afirmação de uma ‘luta’ tituição da concepção do poder como guerra. Fou-
não pode servir de explicação primeira e última cault interrogou os pressupostos e as consequências
para a análise das relações de poder. Esse tema históricas da recorrência do modelo da guerra como
da luta não se torna operatório a não ser que base analítica das relações de poder, o que não apro-
se estabeleça concretamente, e a propósito de xima sua análise da noção de governança. Se as re-
cada caso, quem está em luta, a propósito do lações de poder não se assimilam simplesmente às
que, como se desenrola a luta, em qual lugar, formas de guerra e dominação é porque estas estão
com quais instrumentos e segundo qual racio- configuradas em termos de relações agônicas que são
nalidade (Foucault, 2001b, p. 206). “ao mesmo tempo de incitação recíproca e de luta,
[...] de provocação permanente” (Foucault, 2001b,
A política entendida como guerra induzia pen- p. 1057). Mas são relações agônicas que fazem duas
sar a lei em termos de sobrevivência arcaica da so- estratégias distintas, guerra e poder político, estarem
berania, as instituições jurídico-políticas como que sempre “prontas a se transformarem uma na outra.”
atravessadas por um modelo da guerra e a disciplina (Foucault, 1993, p. 89) Como observou Dean, para
como um tipo de proeminência longínqua da sobe- Foucault, as relações de poder se tornam políticas
rania na modernidade. Evocava as imagens de uma “quando ultrapassam um certo limiar de intensidade,
violência primitiva que dobra, rompe, destrói; que e quando a luta não está apenas no corte e na perfu-
“fecha todas as possibilidades; que não tem outro ração da palavra, mas sobre os meios pelos quais a
polo que não o da passividade; e que, ao encontrar decisão para lutar pode ser forçosamente imposta, e
uma resistência, não tem outra escolha a não ser quando os riscos recaem sobre matérias de vida e de
reduzi-la” (Idem, p. 1055). Em suma, trazia nova- morte” (2007, p. 11). No tipo de sociedade como a
mente para a análise o desgastado pressuposto da nossa, a intensidade desse agonismo encontra uma
hipótese repressiva: aquele de “um poder que só teria gravidade na ordem do governo: é o governo, e a re-
a potência do ‘não’, apto apenas a colocar limites” sistência que ele provoca, que torna altamente politi-
e a existir somente no negativo e como antienergia; zável a ubiquidade das relações de poder.

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Assim, melhor do que supor o abandono do As regularidades do discurso não compreen-


tema da guerra, seria compreender os efeitos de dem vastas unidades descritivas tais como a história
conjunto na analítica do poder de Foucault que o global, geral, de uma época, cultura ou sociedade; e
deslocamento provoca. Como notou Senellart, ao ao recusar as totalizações e enfatizar as relações entre
deslocar “o discurso da batalha utilizado desde o as séries de acontecimentos, a arqueologia tornou
começo dos anos de 1970, é o conceito de gover- possível o procedimento genealógico para “a cons-
no que marca o primeiro movimento, acentuado tituição de um saber histórico das lutas”. Segundo
em 1980, que leva da analítica do poder à ética do Foucault, para “fazer a história de certos tipos de
sujeito” (2004, p. 382). Desse modo, ao assinalar discursos, portadores de saber, era preciso levar em
a distinção entre política e guerra, Foucault intro- conta relações de poder que existem na sociedade
duz, a partir de 1978, no curso Sécurité, territoire, [em que] esse discurso funciona” (Foucault, 2001a,
population, a problemática do governo. É impor- p. 1277). Assim, a genealogia, retomada da obra de
tante perceber o que está em jogo na introdução Nietzsche, restabeleceria os diversos sistemas de su-
dessa problemática. Pierre Lascoumes sugeriu si- jeição, o jogo fortuito das dominações, no decorrer
tuá-la no contexto dos anos de 1970, no qual se de uma história efetiva que faria emergir o aconteci-
demoliam os grandes mitos liberadores, sobretudo mento ou as relações de força que incessantemente
do comunismo, que sustentavam em relação ao Es- se invertem e se revertem no acaso da luta.
tado uma crítica globalizante. “Tirano mascarado Com o termo história efetiva Nietzsche (2001,
ou liberador potencial, a noção de Estado suscitou, p. 59) afirmou a ausência de história para tudo o
desde o século XVIII, muitas teorias unificadoras, que deu colorido à existência, sendo preciso fazer
frequentemente sob a forma de utopias positivas a história da inveja, da crueldade, da cupidez, da
(propondo a edificação de um modelo social) ou piedade, do amor, do castigo, do trabalho e do re-
críticas (denunciando um modelo de dominação)” pouso. E neste vasto trabalho genealógico, Nietzs-
(2004, p. 169). che definiu a história efetiva como “a coisa docu-
Creio que, além disso, é importante considerar mentada, o efetivamente constatável, o realmente
a problematização da política como guerra no inte- havido” (1988, p. 15). Com isso, seria possível per-
rior da própria prática intelectual de Michel Fou- ceber como “todos os fins, todas as utilidades são
cault, e que pode ser descrita em três momentos: apenas indícios de que uma vontade de poder se
no final dos anos de 1960 como arqueologia, no co- assenhoreou de algo menos poderoso e lhe impri-
meço dos anos de 1970 como genealogia e, por fim, miu o sentido de uma função” (Idem, p. 81). Para
como anarqueologia a partir dos anos de 1980. Nietzsche, a história efetiva deveria indicar que o
Longe de supor a ideia de sucessão, essas três desenvolvimento de uma coisa é menos da ordem
noções que, grosso modo, definem a possibilidade de do progresso do que de uma sucessão de processos
uma “metodologia” foucaultiana complementam-se de subjugação; daí sua ênfase no que considerou
e implicam-se entre si. Uma descrição arqueológica “ponto de vista capital do método histórico”, a sa-
recusa a análise em termos de ideologia e propõe ber, “a teoria de uma vontade de poder operante em
uma abordagem do saber a partir da materialidade todo acontecer” (Idem, p. 82).
do discurso, ou a partir do que Foucault chamou Retomando o sentido histórico de Nietzsche,
de regularidades discursivas. definido como “a capacidade de perceber rapida-
mente a hierarquia de valorações” (2002, p. 128),
“Regularidade [...] designa [...] o conjunto das Foucault afirmou que a genealogia consiste em
condições nas quais se exerce a função enun- uma “história das morais, dos ideais, dos conceitos
ciativa que assegura e define sua existência. A metafísicos, história do conceito de liberdade ou
regularidade [...] especifica um campo efetivo da vida ascética, como emergências de interpre-
de aparecimento. Todo enunciado é portador tações diferentes” (2001a, p. 1015). Na história
de uma certa regularidade e não pode dela ser efetiva nada é fixo, nada é constante, nem mesmo
dissociado” (Foucault, 2002, p. 165). o corpo. Dessa forma, quando se adota o prisma

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reflexivo da história efetiva, não é mais possível de- governamentalidade como acontecimental, ou seja,
finir o poder em termos de substância ou atribu- designando a política menos como da ordem do
to. Ao contrário, é preciso descrever seu exercício combate do que da ordem de uma estratégia.
como um “conjunto de mecanismos e de procedi-
mentos que têm por papel, função e tema, mesmo O poder, no fundo, é menos da ordem do en-
sem êxito, precisamente o de assegurar o poder” frentamento entre dois adversários, ou do en-
(Foucault, 2004a, p. 4). gajamento de um em relação ao outro, do que
Uma teoria do poder que repousasse sobre a da ordem do “governo”. [...] Portanto, o modo
análise global de uma sociedade, ou de suas trans- de relação própria ao poder não deve ser procu-
formações econômicas e estruturais, seria insufi- rado nem do lado da violência e da luta, nem
ciente. Nesse sentido, na sua analítica do poder, do lado do contrato e do laço voluntário (que
Foucault tomou a decisão teórico-metodológica de não são mais que seus instrumentos): mas do
não partir de noções como soberania, povo, súditos, lado desse modo de ação singular – nem guer-
Estado, sociedade civil, mas considerar as práticas reiro nem jurídico – que é o governo (Idem, p.
governamentais como dadas, refletidas e racionali- 1056).
zadas, para compreender a maneira pela qual essas
mesmas noções tidas como universais pela análise Em outras palavras, nem o modelo rousseau-
sociológica e histórica foram constituídas. Com niano, nem o modelo schmittiano, nem a teoria
isso, o sentido histórico escapa da metafísica. do contrato, nem a teoria do partisan, servem para
a construção de uma analítica do poder. Em um
Parto da decisão, teórica e metodológica, que manuscrito inédito, citado por Senellart, Foucault
consiste em dizer: suponhamos que os univer- definiu a governamentalidade como “uma generali-
sais não existam, nesse momento eu coloco esta dade singular” que não possui “outra realidade que
questão à história e aos historiadores: como é não a ‘acontecimental’, e cuja inteligibilidade não
possível escrever a história sem admitir a priori coloca em funcionamento nada mais que uma lógi-
a existência de qualquer coisa como o Estado, a ca estratégica” (apud Senellart, 2004, p. 408).
sociedade, o soberano, os súditos? [...] Não in- Nos estudos sobre governamentalidade, o exer-
terrogar os universais utilizando-se como mé- cício do poder torna-se inteligível a partir de seu
todo crítico a história, mas partir da decisão da suporte móvel, de suas múltiplas formas de “corre-
inexistência dos universais para perguntar qual lações de forças que, dada sua desigualdade, indu-
história é possível (Foucault, 2004b, p. 5). zem continuamente estados de poder [...] localiza-
dos e instáveis” (Foucault, 1993, p. 89). A própria
Dessa forma, o curso de 1978, no qual Fou- instituição estatal é percebida não como realidade
cault introduz a problemática do governo, deixa global, totalizante e universal ou como essência e
claro que o que está em jogo no deslocamento que fonte de onde o poder emana; o Estado é somente
levou da linguagem da guerra para o governo é pre- o efeito móvel de “transações incessantes que mo-
cisamente a operacionalização da sua análise em dificam, deslocam, revertem e alteram insidiosa-
termos de governamentalidade. Se o acontecimento mente as fontes de financiamento, as modalidades
que a genealogia faz emergir foi descrito não como de investimento, os centros de decisão, as formas
“um campo fechado no qual se desenrolaria uma e os tipos de controle, as relações entre poderes
luta, um plano em que os adversários estariam em locais e autoridade central etc.” (Foucault, 2004b,
pé de igualdade; mas, sobretudo como [...] um ‘não p. 79). Esse conjunto de realidades políticas, com-
lugar’, uma pura distância, o fato de que os adver- plexas e fundamentais para o funcionamento do
sários não pertencem ao mesmo espaço” (Foucault, Estado, escapa de uma abordagem globalizante e
2001a, p. 1012). Isto é, se esse teatro de forças sem substancialista. Por isso a necessidade de substi-
lugar é o que caracteriza o acontecimento, então é tuir o termo majestoso e abstrato poder pela noção
necessário considerá-lo quando Foucault afirma a simples e concreta governo. A atividade do governo

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revela a maneira efetiva pela qual um poder é exer- e Max Weber (1997), e suas expressões respectivas
cido, constituindo a realidade que permite substi- de “processo civilizador” e “processo de racionaliza-
tuir a questão essencialista “o que é o poder?” pela ção ocidental”. Em relação aos estudos que Weber
questão operatória “como o poder se exerce?”. Essa consagrou ao processo de racionalização, Rabinow
seria uma análise genealógica do poder, descrito a e Dreyfus argumentaram que, não obstante a ge-
partir de uma história efetiva ou a partir das práti- nealogia de Foucault permanecer na superfície das
cas governamentais. coisas para evitar precisamente a recorrência aos
A governamentalidade é uma análise das prá- tipos ideais, às categorias gerais e às essências, “se
ticas de governo tomadas em duas dimensões: uma não levamos em consideração os poucos pronun-
tecnológica, por meio da qual o governo é analisado ciamentos metodológicos de Weber – as diversas
como tecnologia, como “conjunto de pessoas, téc- linhas dos tipos ideais – para a análise histórica, a
nicas, instituições e instrumentos para a condução distância entre Foucault e Weber diminui consi-
da conduta” dos indivíduos (Miller e Rose, 2008, deravelmente” (1995, p. 147). Na mesma direção,
p. 16) – e nesse momento Foucault descreve, no Mitchell Dean argumentou que o termo racionali-
curso de 1977-1978, uma história das tecnologias zação, considerado chave na sociologia weberiana,
de segurança (polícia, planejamento urbano, po- pode ter um uso apenas restrito para compreender
pulação etc.) que foram colocadas em prática para os “diversos processos pelos quais formas particu-
“retomar e fazer funcionar, no interior de sua tática lares de saber são conectadas em ‘regimes’ ou siste-
específica, elementos jurídicos, disciplinares, mui- mas organizados de práticas sociais heterogêneas”
tas vezes até mesmo multiplicando-os” (Foucault, (Dean, 1994, p. 58). E argumenta que em Foucault
2004a, p. 10). A outra dimensão é “programática” e o que existiria é um uso “minimalista” do termo
diz respeito aos diversos programas de governo e às racionalização, na medida em que está em questão
racionalidades governamentais. No curso de 1978- não a razão como invariante antropológica, “mas a
1979, a análise da governamentalidade investiga a relação entre formas de racionalidade e as práticas a
razão de Estado e o neoliberalismo como “instân- que elas estão vinculadas” (Idem, ibidem). Trata-se,
cias da reflexão na prática de governar e sobre a prá- portanto, de um uso no plural: são investigados as
tica de governar” (Idem, p. 4). Por sua vez, o curso racionalidades ou os processos de racionalidades. Para
seguinte, Du gouvernement des vivants, retoma essa Foucault o problema essencial é investigar o tipo
segunda dimensão da governamentalidade, mas de racionalidade empregado nas práticas, evitando
agora desdobrando-a no eixo verdade-subjetividade considerar “a racionalização da sociedade ou da cul-
para estudar o governo dos homens pela verdade tura como um todo”, mas analisando “esse proces-
sob a forma da subjetividade e propor uma genea- so em vários domínios – cada um deles enraizados
logia das formas modernas da obediência. numa experiência fundamental: loucura, doença,
morte, crime, sexualidade etc.” (Foucault, 2001b,
p. 954).
Racionalidades governamentais Embora as diferenças entre os dois pensadores
sejam importantes, elas não impedem uma apro-
A partir de 1980, os estudos da governamenta- ximação positiva, como fizeram Márcio Fonseca
lidade serão focados, sobretudo, na dimensão pro- (2009), a partir da preocupação com a história nu-
gramática das artes de governar, isto é, sobre os pro- trida por ambos os pensadores; e Szakolczai (1998),
gramas e as racionalidades para dirigir as condutas. a partir da experiência como noção central em seus
Para Foucault, o governo dos homens “supõe uma estudos sobre os processos de objetivação/subjetiva-
certa forma de racionalidade, e não uma violência ção. Importa notar que em Foucault as racionalida-
instrumental” (2001b, p. 980). des políticas não são da ordem da capacidade geral
O termo “racionalidades governamentais” con- ou necessidade do sujeito humano, mas são antes
vida a estabelecer paralelos com autores clássicos da o “produto específico de um conjunto de práticas
sociologia, notadamente com Norbert Elias (1994) sociais inscritas no interior de relações de ‘poder-

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saber’” (Dean, 1994, p. 60). Um aspecto que o é solicitado a dizer a verdade, mas dizer a ver-
aproxima especialmente de Norbert Elias.1 dade a propósito dele mesmo, de suas faltas, de
Como observou Burguière, “o processo de seus desejos, do estado de sua alma etc.? Como
civilização e, mais particularmente, a mudança formou-se um tipo de governo dos homens no
modernizadora do Renascimento, descritos por qual não se é solicitado simplesmente a obe-
Nobert Elias, prolongavam, para os historiadores decer, mas a manifestar, enunciando-o, aquilo
franceses, a problemática introduzida por Philippe que se é? (Idem, p. 944).
Ariès e Michel Foucault (mesmo que, na realida-
de, a obra do sociólogo alemão os tivesse precedido Ao dar uma resposta, Foucault retomou a no-
amplamente)” (2001, pp. 103-104). Em contrapar- ção de regime de verdade, elaborada pela primeira
tida, ambos pensaram a modernidade fora das es- vez em 1976, para compreender a maneira pela
truturas do campo econômico e a partir de proces- qual “a verdade está ligada circularmente a sistemas
sos de racionalização. Para eles, as racionalidades de poder que a produzem e a sustentam, e a efeitos de
alteram-se conforme as coerções relacionais que os poder que ela induz e que a reconduzem” (Idem, p.
indivíduos exercem uns sobre os outros. Nesse sen- 114). Por regime de verdade, Foucault quer indicar
tido, uma teoria geral da racionalização não seria a existência de um dispositivo da verdade segundo o
pertinente, pois perderia de vista aquilo que a “ra- qual os discursos não apenas funcionam como ver-
cionalidade tem de próprio, o que as condições de dadeiros, mas também os mecanismos, as instâncias
sua formação têm de específico” (Colliot-Thélène, e os modos para distinção entre o falso e o verda-
2001, p. 38). Por essa razão, seria possível conside- deiro são definidos; os procedimentos e as técnicas
rar que tanto em Elias como Foucault existe uma para obtenção da verdade são produzidos; o estatuto
maior elaboração dos estudos das racionalidades daqueles que dirão a verdade é definido. Investigar
políticas. regimes de verdade é descrever o funcionamento
político desse dispositivo. “O que faço [dizia Fou-
cault em 1978] não pertence nem à história, nem à
Verdade e subjetividade sociologia, nem à economia. [...] É uma política da
verdade” (2004a, p. 5).
Com o termo racionalidades Foucault entendia Em qualquer sociedade existe uma política da
os conjuntos de prescrições calculadas e razoáveis verdade. Nas sociedades ocidentais, ela constituiu
que organizam instituições, distribuem espaços e uma das condições para a formação do capitalismo:
regulamentam comportamentos; as racionalidades a verdade é necessária para a produção de rique-
provocam uma série de efeitos sobre o real. “São zas e de poder político. Não obstante, os regimes
fragmentos de realidade que induzem efeitos de de verdade não são simplesmente ideológicos ou
real tão específicos como aqueles da separação do superestruturais: é aquilo cuja ausência torna um
verdadeiro e do falso na maneira pela qual os ho- regime político inconstante, mas cuja presença o
mens se ‘dirigem’, se ‘governam’, se ‘conduzem’ a si torna perigoso (Foucault, 2001b, p. 1497). Daí as
mesmos e aos outros” (Foucault, 2001b, p. 848). inúmeras batalhas pela verdade, inúmeras lutas por
Portanto, é o problema da verdade que está em esses regimes cuja função é a de constringir os in-
jogo nas racionalidades, e neste momento a questão divíduos a determinados atos de verdade. Foucault
central colocada por Foucault, no curso Do governo compreende a expressão “atos de verdade” com base
dos vivos, é a de saber no conceito de exomologese do cristianismo primiti-
vo. Um ato de verdade designa o
[...] como se fez para que, na cultura ocidental
cristã, o governo dos homens exigiu da parte [...] ato destinado a manifestar simultaneamen-
destes que são dirigidos, além de atos de obe- te uma verdade e a adesão do sujeito a essa ver-
diência e submissão, “atos de verdade” que têm dade. Fazer a exomologese de sua crença não é
a particularidade de que não somente o sujeito simplesmente afirmar o que se crê, mas afirmar

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o fato dessa crença; é fazer do ato de afirmação da doutrina espinosista da verdade, o verum index
um objeto de afirmação e, portanto, autenticá- sui. Em sentido inverso, Espinosa havia sustenta-
lo seja em si mesmo, seja diante dos outros. A do que “a obediência contempla a vontade daque-
exomologese é uma afirmação enfática, cuja le que comanda, não a necessidade e a verdade da
ênfase se aplica antes de tudo sobre o fato de coisa” (2003, p. 246, grifo meu). Desse modo, as
que o próprio sujeito se liga a essa afirmação, leis de Deus somente se apresentam como direito
aceitando suas consequências (Idem, p. 945). instituído quando se ignora suas causas; na medida
em que são aceitas como verdade, sua
A exomologese foi indispensável ao cristianis-
mo, pois por meio dela o cristão aceitou as verdades [...] obediência passa imediatamente a ser
que lhe foram reveladas e ensinadas, estabelecendo amor, que brota do conhecimento verdadeiro
uma relação de obrigação e engajamento. “Obriga- com a mesma necessidade com que a luz jorra
ção de manter suas crenças, de aceitar a autoridade do sol. Conduzidos pela razão, podemos, pois,
que as autentica, de fazer eventualmente profissão amar a Deus, mas não obedecer-lhe, uma vez
pública, de viver em conformidade com elas etc.” que não podemos aceitar o direito divino, en-
(Idem, ibidem). Um regime de verdade define-se quanto ignoramos a sua causa, como divino,
por uma relação de obrigação e de engajamento en- nem podemos pela razão conceber Deus como
tre sujeito e verdade, pela junção entre a obrigação um príncipe a promulgar leis (Espinosa, 2008,
e o engajamento dos indivíduos com os procedi- p. 137).
mentos de manifestação do verdadeiro. Foucault
confere à expressão “regime de verdade” a mesma Em outras palavras, para Espinosa, a própria
realidade concedida aos termos “regime político”, verdade é a norma de si mesma e dispensa qualquer
“regime jurídico”, “regime penal” etc. tipo de coação, tal como faz a luz ao revelar as tre-
vas e a si mesma: a ideia verdadeira é norma de si,
Fala-se de regime penal designando por ele verum index sui.
um conjunto de procedimentos e instituições A definição de Espinosa da verdade como nor-
pelos quais os indivíduos estão constrangidos ma de si mesma coloca a noção de regime de verda-
a se submeterem à leis de validade geral. Bom, de empregada por Foucault num impasse, tornan-
então nessas condições, por que efetivamen- do-a válida apenas para designar práticas em que o
te não se poderia falar de regimes de verdade verdadeiro esteja ausente. Na definição espinosista
para designar o conjunto de procedimentos e da verdade, a coação na exomologese cristã é exerci-
instituições pelas quais os indivíduos são en- da pelo não verdadeiro, pelo não verificável, enfim,
gajados e constrangidos a colocar, sob certas por aquilo que não pode ser demonstrado. Porque,
condições e para certos efeitos, atos bem de- se a verdade não tem realmente poder de obrigação,
finidos de verdade? Por que, depois de tudo, a coação se faz necessária somente para que uma
não se poderia falar de obrigações de verdade não verdade como a da ressurreição da carne pro-
do mesmo modo que existem constrangimen- duza seus efeitos de vínculo e de obrigação. Se a
tos políticos ou obrigações jurídicas? (Fou- verdade é o índice de si mesma, então ela não tem
cault, 2010, p. 68). necessidade de regimes de obrigação com a função
de torná-la verdadeira pela força de sujeição. A defi-
Ao transferir a noção de regime para o proble- nição de Espinosa tornaria a noção foucaultiana de
ma da verdade, o objetivo é afirmar a coação polí- regime de verdade inadequada.
tica das obrigações de verdade destinadas a impor Contudo, Foucault procurou demonstrar a
atos de crença, de profissão de fé, de confissões, de operacionalidade de seu conceito e as possibilidades
convicções, de convencimentos, de persuasões e de analíticas que ele implica. Seu argumento é que a
engajamentos. Entretanto, nesse empreendimento, afirmação segundo a qual o que coage na verdade é
Foucault deparou-se com um aspecto importante o verdadeiro em si mesmo oculta e exclui da análise

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uma distinção importante. Se, de um lado, o ver- te qualquer coisa que não advém da verdade
dadeiro é o index sui, no significado propriamente por ela mesma. O “você deve” em termos de
espinosista, de outro, isso não implica que verdade, imanente à manifestação da verdade,
é um problema que a ciência por ela mesma
[...] a verdade seja rex sui, que a verdade seja não pode justificar e levar em conta. Esse “você
lex sui, que a verdade seja judex sui. Quer dizer, deve” é um problema histórico-cultural que
que não é a verdade que é detentora e criado- creio fundamental (Idem, ibidem).
ra dos direitos que ela exerce sobre os homens,
das obrigações que esse tem a seu respeito e Foucault sugere o exemplo de dois lógicos
dos efeitos que eles esperam dessas obrigações, discutindo e a maneira pela qual o raciocínio con-
uma vez que e na medida em que se comple- duzirá a uma proposição reconhecida por ambos
tam. Em outras palavras, não é a verdade que como verdadeira, mesmo que um deles no início
de qualquer modo administra seu próprio im- da discussão tenha negado a verdade dessa propo-
pério, julga e sanciona esses que a obedecem sição. Um dos lógicos que, no início da discussão
e desobedecem. Não é verdade que a verdade negou a verdade, e que ao final a reconhece, dirá,
não constrange a não ser pela verdade (Fou- explícita ou implicitamente: “é verdade, logo, eu me
cault, 2010, p. 71). inclino”. O que ocorreu? Segundo Foucault, duas
coisas muito distintas. O que levou um dos lógicos
Não é porque a verdade seja o índice de si, ve- a dizer “é verdade”, foi simplesmente o fato de a
rum index sui, isto é, que seja capaz de atestar por proposição ser lógica: se a proposição lhe pareceu
si mesma e, no ato de atestar, revelar, derrotar, su- verdadeira, foi em razão da lógica escolhida, de
primir o que lhe é oposto, isso não implica que ela suas regras, seus axiomas, sua gramática. Para que
se torne, por extensão, soberana de si, legisladora uma proposição seja verdadeira, basta, é suficiente
de si, juíza de si. Seja qual for o raciocínio, seja e é necessário que exista a lógica com suas regras
qual for a evidência que o recubra, seja qual for sua de construção e de sintaxe. Nesse sentido, uma das
intensidade demonstrativa ou a constância da sua proposições foi reconhecida como verdadeira não
proposição, “existe sempre e é preciso sempre supor porque os debatedores são lógicos, mas porque tal
uma certa afirmação que não é da ordem da lógica, proposição pareceu-lhes estar mais conforme a ló-
da constatação ou da dedução; uma afirmação que gica previamente adotada: “foi a lógica, definida na
não é da ordem do verdadeiro e do falso, mas que sua estrutura particular, que assegurou o fato de que
é muito mais uma espécie de engajamento, de pro- a proposição seja verdadeira” (Idem, p. 72) Porém,
fissão que consiste em dizer: é verdade, logo, eu me outra coisa muito distinta ocorre quando é dito: é
inclino” (Idem, ibidem). verdade portanto eu me inclino:
Este “logo” [donc], segundo Foucault, não per-
tence à lógica e não repousa sobre nenhuma evi- [...] esse “portanto” não pertence à lógica: não
dência, nem tampouco é unívoco. Ao contrário, é a verdade da proposição que o constrange
o termo se apresenta como uma proposição um efetivamente; é porque ele é lógico, ou me-
tanto enigmática e como um fenômeno de tipo lhor, é na medida em que ele faz lógica [...].
histórico, muito mais do que uma consequência Quer dizer, é porque ele se constituiu a si
inerente à lógica. mesmo ou porque ele foi convidado a se cons-
tituir como operador, num certo número de
Esse “portanto” que liga o “é verdadeiro” e o práticas ou como parceiro num certo número
“eu me inclino” e que dá o direito à verdade de jogos e encontrando nesse jogo uma lógi-
de dizer: você é forçado a me aceitar porque ca tal, é nestes termos que o verdadeiro será
eu sou a verdade; nesse “portanto”, nesse “você considerado como um vínculo em si mesmo,
é forçado, você é constrangido, você deve se e sem outra consideração, com valor constrin-
inclinar”; nesse “você deve” da verdade exis- gente (Idem, p. 73).

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O problema é que a tradição filosófica do Oci- em um gesto que rejeita o poder de obrigação e a
dente tomou a conjunção cartesiana logo colocada força de coação que o verdadeiro pretende sobre os
entre o “eu penso” e o “eu existo” como algo teo­ homens. Nessa dimensão, o foco da análise é deslo-
ricamente inatacável. Sem perceber, entretanto, cado do “é verdadeiro” para a força que ele implica.
que tal conjunção ocultava um segundo sentido A anarqueologia dos saberes não consiste em des-
implícito, contido, precisamente, na ideia “é ver- crever a história da ciência para mostrar que, se a
dade, logo, eu me inclino”. Segundo Foucault, este verdade coage os homens, compensa-os desfazendo
segundo sentido pertence aos regimes de verdade e seus sonhos e fantasias, celebrando seus desejos, de-
não é redutível ao caráter intrínseco do verdadeiro; senraizando suas representações. Ao contrário, uma
ao contrário, resulta da aceitação do regime de ver- história anarqueológica consiste em recusar previa-
dade por um sujeito: mente o direito de obrigação e a força de coação
que o verdadeiro pretende sobre os homens.
Para que esse regime de verdade seja aceito é Dessa maneira, na anarqueologia está em ques-
preciso que o sujeito que pensa seja qualificado tão tanto uma “postura metodológica” como uma
de uma certa maneira. Quer dizer que esse su- “atitude filosófica” de transgressão perante o poder
jeito pode muito bem ser submetido a todos os da verdade. A anarqueologia é uma atitude e uma
erros possíveis, a todas as ilusões possíveis dos postura intelectual que inverte a posição tradicional
sentidos; esse sujeito pode mesmo ser subme- da filosofia em relação à verdade. Desde Platão, a
tido a um mau raciocínio que o engana. Não posição da filosofia tem sido a de aceitar o poder da
obstante, existe uma condição. Para que a má- verdade. Segundo Foucault, essa posição filosófica
quina funcione, e para que o “portanto” do “eu tradicional pode ser descrita nos seguintes termos: a
penso portanto existo” seja um valor provável, é partir da ligação voluntária que o sujeito estabelece
preciso vinculá-lo a um sujeito que possa dizer: com a verdade, ligação que lhe fornece os funda-
quando isso for verdadeiro, e evidentemente mentos, os instrumentos e as justificações com as
verdadeiro, eu me inclinarei! É preciso de um quais o sujeito sustentará um discurso de verdade; a
sujeito que possa dizer: “é evidente portanto eu partir dessa ligação voluntária, a filosofia questiona
me inclino!” Quer dizer, é preciso de um sujei- o que esse sujeito pode dizer sobre, para ou contra o
to que não seja louco (Idem, pp. 73-74). poder que o submete. Contra essa posição da filoso-
fia clássica, Foucault apresentou a postura anarque-
A exclusão da loucura foi um dos efeitos maio- ológica, no sentido de que é preciso recusar a ligação
res na organização dos regimes de verdade no Oci- voluntária com a verdade para colocar como pro-
dente. Do mesmo modo que blema inicial o questionamento do poder. Ou seja,
iniciar a análise com um ato de questionamento do
[...] não existe rei em geometria, quer dizer que poder para perguntar:
nenhum suplemento de poder não é útil nem
necessário para fazer geometria [...] tampouco [...] o que esse gesto sistemático, voluntário, te-
deve haver visões da loucura na filosofia ou em órico e prático de colocar em questão o poder
qualquer outro sistema racional: não é preciso tem a dizer sobre o sujeito de conhecimento e
existir loucos, quer dizer, não é preciso existir sobre a ligação com a verdade na qual involun-
pessoas que não aceitem o regime de verdade tariamente ele se encontra preso? Dito de outro
(Idem, p. 74). modo, não se trata mais de dizer: considerando
o vínculo que me liga voluntariamente à verda-
Aqui Foucault introduziu sua postura anar- de, o que é que eu posso dizer do poder? Mas,
queológica. A partir da noção de regime de verda- considerando minha vontade, decisão e esforço
de, a anarqueologia ganha duas dimensões: de um de desfazer a ligação que me liga ao poder, o
lado, ela é um método analítico para o estudo dos que é [feito] então do sujeito de conhecimento
regimes de verdade; de outro, consiste igualmente e da verdade? (Idem, p. 60).

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Ato de transgressão ao poder e posição analí- A anarqueologia é também a retomada de uma


tica que apresenta o gesto de desobediência como preocupação central na reflexão do pensador anar-
ponto de partida da análise. No começo dos anos quista francês Pierre-Joseph Proudhon. Desde 1840,
de 1970 Foucault (1973, fl. 16) havia tomado o quando publica O que é a propriedade?, obra que o
sistema das táticas punitivas como analisador das consagrou como fundador do anarquismo moderno,
relações de poder, afirmando que nesse procedi- Proudhon colocou no foco de sua investigação sobre
mento a luta seria considerada o elemento central o governo dos homens o problema da subjetividade.
da análise. Em seguida, no começo dos anos de Segundo ele, existe um fato psicológico frequente-
1980, ele afirma que “é o movimento para separar- mente negligenciado pelos filósofos. Trata-se do “po-
se do poder que deve servir de revelador da trans- der do hábito de imprimir novas formas categoriais
formação do sujeito e das relações que ele mantém no entendimento, tomadas nas aparências que nos
com a verdade” (2010, p. 60). Desta vez, o ele- impressionam e desprovidas, na maior parte das ve-
mento central da análise é o ato de transgressão, zes, de realidade objetiva, e cuja influência no nosso
de desobediência, um anarquismo epistemológico. julgamento não é menos predeterminante que as das
O neologismo anarqueologia foi introduzido por primeiras categorias”, as estabelecidas por Aristóteles
Foucault para ensaiar em que medida a anarquia e Kant (Proudhon, 1997, p. 15-16).
e o anarquismo podem sustentar e pôr em fun- Para Proudhon, a preocupação e a adesão que
cionamento um discurso crítico contra o poder resulta desses princípios são tão fortes, que mesmo
(Idem, p. 61). Durante uma conferência de 1978, combatendo-os, raciocina-se segundo eles: “obede-
pronunciada na Sociedade Francesa de Filosofia, cemos-lhes atacando-os”. Funcionam como uma es-
Foucault destacava precisamente esse caráter anár- pécie de círculo fechado do entendimento no qual a
quico entre as modalidades históricas possíveis da inteligência opera. Por essa razão, bastaria que os ho-
crítica. Na crítica, o sujeito afirma seu direito de mens determinassem mal a ideia do justo e do direi-
interrogar a verdade, com seus efeitos de poder, e o to para que suas aplicações legislativas fossem falsas
poder, com seus discursos de verdade. Nesse senti- ou incompletas e sua política injusta e nefasta. Trata-
do, a crítica pode ser tomada como “a arte da não se, portanto, de princípios e categorias dotados de
servidão voluntária e da indocilidade refletida”, as- realidade, ou melhor, que contém o real, que fazem
sumindo como “tarefa a não sujeição no jogo do existir o real, isto é, que possuem força performativa.
que se poderia chamar, em uma palavra, a política Segundo Proudhon, esse fato é específico ao conhe-
da verdade” (Foucault, 1990, p. 39). cimento e aos efeitos que provoca na subjetividade,
A perspectiva anarqueológica integra, a partir visto ser ela o principal elemento em questão quando
dos anos de 1980, um conjunto mais amplo de se passa das ciências naturais para o mundo moral.
pesquisas sobre a noção do “governo dos homens
pela verdade” iniciada por Foucault no curso Do go- Seja qual for o sistema que adotemos sobre a
verno dos vivos. No entanto, trata-se de uma noção causa do peso e a forma da Terra, não se afe-
que permanece praticamente inédita, assim como ta a física do globo [...]. Mas é em nós e por
o curso em que foi pela primeira vez elaborada.2 O nós que se cumprem as leis da nossa natureza
melhor estudo que se tem notícia acerca da anar- moral: ora, essas leis não podem ser executadas
queologia foi realizado pela feminista espanhola sem a nossa participação pensante, sem que as
Maite Larrauri (1989; 1999). Em seguida, a noção conheçamos (Idem, p. 18).
é retomada por Negri e Hardt ao transcreverem a
passagem que os autores atribuíram a Foucault: Após assistir atônito a primeira revolução po-
“anarcheology – the method that takes no power pular na história da França entregar o governo da
as necessarily acceptable (Du Gouvernement des nação nas mãos do aventureiro Luís Bonaparte,
Vivants)” (1994, p. 292). E, por fim, a anarqueolo- Proudhon lança, em novembro de 1849 nas pá-
gia foi também citada em Szakolczai (1998, p. 247) ginas de seu jornal La Voix du Peuple, o seguinte
como “anarcheology of power”. questionamento:

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Governamentalidade e Anarqueologia em Michel Foucault  151

Por que acreditamos no governo? Do que pro- É esse double bind que o método anarqueoló-
cede, na sociedade humana, essa ideia de auto- gico procura investigar, tornando explícita a ma-
ridade, de poder; essa ficção de uma pessoa su- neira como regimes de verdade estão sempre co-
perior, chamada Estado? Como se produz essa nectados com regimes políticos, jurídicos, penais
ficção? Como se desenvolve? Qual é sua evolu- etc. Ao explicitar a não separação entre político e
ção, sua economia? [...] Não seria [o governo] epistemológico, a anarqueologia ajuda a compreen-
uma daquelas concepções primevas de nosso der o modo pelo qual um regime penal é também
entendimento? (Proudhon, 1947, p. 15). um regime de verdades sobre o preso; um regime
manicomial impõe um regime de verdades sobre o
Em suma, de onde provém a predisposição louco; enfim, um regime governamental estabelece
mental que fez com que “as revoluções mais libera- necessariamente um regime de verdades sobre os
doras e as efervescências de liberdade terminassem súditos, os cidadãos, os sujeitos do governo: seus
constantemente com um ato de fé e de submissão direitos, suas obrigações etc. É nesse sentido que a
ao poder”? (Proudhon, 1979, p. 87). Provém da anarqueologia coloca em questão o problema his-
força de uma ideia: o princípio de autoridade. Essa tórico da prática da obediência.
resposta valeu a Proudhon o epíteto de idealista e
metafísico. Não obstante, dedicou uma parte subs- Por que e como o exercício do poder em nossa
tancial da sua obra para demonstrar a força de im- sociedade, o exercício do poder como governo
pulsão do princípio de autoridade no exercício do dos homens, exige não somente atos de obedi-
governo. ência e de submissão, mas atos de verdade [...]?
Por que nessa grande economia das relações de
poder se desenvolveu um regime de verdade
Genealogia da obediência indexado à subjetividade? Por que o poder, e
isso desde milênios em nossa sociedade, exi-
O propósito da anarqueologia foi tornar mais ge que os indivíduos digam não somente “eu
operatório o tema saber-poder. O deslocamento na obedeço”, mas lhes exige ainda que digam: “eis
analítica do poder que levou do tema guerra para aquilo que eu sou, eu que obedeço; eis o que
o do governo possibilitou a Foucault considerar na eu sou, eis o que eu quero, eis o que eu faço
análise a multiplicidade dos regimes de verdade e a (Idem, p. 66).
maneira pela qual vinculam de modo constringente
a manifestação do verdadeiro e os sujeitos que nela Para empreender essa genealogia das formas de
operam. A partir disso, foi possível questionar: obediência na modernidade, Foucault reportou-se
aos primeiros Padres da Igreja. Por que esse longo
Como os homens, no Ocidente, foram liga- recuo histórico ao cristianismo primitivo? Por duas
dos ou conduzidos a ligarem-se a manifesta- razões ao menos: primeiro, porque anteriormente
ções bem particulares de verdade nas quais o que havia eram culturas pagãs, isto é, experiên-
são precisamente eles mesmos que devem ser cias greco-romanas muito diferentes da nossa e em
manifestados em verdade? Como o homem relação às quais nossas formas de obediência en-
ocidental foi ele mesmo ligado à obrigação de contram pouca correspondência. Já posteriormente
manifestar em verdade àquilo que ele mesmo ao cristianismo primitivo, tem-se a Igreja católica
é? Como foi ele ligado, de qualquer modo, a constituída sob sua forma institucional definiti-
dois níveis e de dois modos: de um lado, à va. Assim, para Foucault importava se posicionar
obrigação de verdade e, de outro, ao estatuto precisamente no intervalo entre o paganismo e a
de objeto no interior dessa manifestação de instituição universal da Igreja com o intuito de per-
verdade? Como foram eles ligados à obrigação ceber quais foram os processos que, rompendo com
de ligarem a si mesmos como objeto de saber? o passado, puderam preparar o futuro institucional
(Foucault, 2010, p. 76) do catolicismo. Para investigar as descontinuidades

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existentes entre as culturas pagãs e o cristianismo, ano inteiro; a doença, as festas, as ocupações
Foucault estudou a constituição e as práticas nos mais imperativas que poderiam desobrigá-
monastérios. lo, mesmo os rigores do inverno, não o im-
Retomando a descrição feita por João Cassia- pediram uma única vez de fazer o que tinha
no (1872, pp. 53ss) das comunidades cenobitas sido ordenado. Seu velho mestre observava
e das inúmeras provas de submissão pelas quais o em silêncio a assiduidade de seu discípulo e a
noviço é admitido no monastério, Foucault mos- maneira como obedecia com grande simplici-
trou como na direção do noviço a formação recaía dade de coração e humildade sincera, sem ne-
essencialmente sobre o aprendizado da obediência. nhuma feição de contrariedade no rosto, sem
Por meio dessa formação, o noviço deveria apren- murmurar ou raciocinar, como se a ordem ti-
der a vencer sua vontade, e para esse fim seu mestre vesse vinda do céu (Idem, pp. 71-72).
deveria dar-lhe ordens contrárias às suas inclinações
para que obedecesse e para que, nessa obediência, Por fim, acrescenta que “o jovem religioso,
sua vontade fosse vencida. Essa técnica visava a formado em uma semelhante escola, fez tamanhos
uma obediência exaustiva e perfeita, capaz de fazer progressos nessa virtude e brilhou de tal maneira
o noviço percorrer pelo discurso todos os segredos por sua humildade, que sua reputação se espalhou
de sua alma e fazer com que viessem à luz: nessa como bom odor por todos os monastérios” (Idem,
emersão, a obediência ao outro seria total, exaus- ibidem).3
tiva e perfeita. “Obedecer tudo e nada esconder” Na prática cenobita, observa Foucault, a obe-
ou “nada querer por si mesmo e tudo dizer de si diência não é estabelecida em vista de um objetivo
mesmo”: foi a junção desses dois princípios que, exterior à relação de obediência. Obedece-se sim-
segundo Foucault, esteve no coração da instituição plesmente para poder tornar-se obediente, para
monástica, bem como de uma série de práticas e produzir um estado de obediência permanente e
de dispositivos que informaram a constituição da definitivo, que seja capaz de durar mesmo quando
subjetividade no Ocidente. não houver ninguém a quem se deva obedecer, e
Cassiano cita vários exemplos de ordens ab- até mesmo antes de alguém formular uma ordem.
surdas, no entanto indicativas do “espírito e since- Estado de obediência significa, portanto, que a
ridade da obediência”. Havia um caso famoso do obediência não é uma maneira de reagir a uma or-
abade João, habitante de Licon, deserto de Tebaida. dem. A obediência não é simplesmente a resposta a
Cassiano ressalta sua “admirável obediência” com a alguém: é e deve ser uma maneira de ser anterior a
seguinte narrativa: qualquer ordem e mais fundamental que qualquer
situação de comando. O estado de obediência deve
Seu superior apanha na sua dispensa um pe- antecipar, de alguma maneira, as relações com o
queno bastão talhado para instrumento de outro: antes mesmo que esse outro esteja presente
cozinha e que, não mais servindo, estava não e que ordene, já se estará em estado de obediência.
somente seco como quase apodrecido. Fin- Na relação entre noviço e mestre, a obediência não
ca-o na terra na presença de João e lhe ordena é uma passagem na vida, é um estado no qual é
buscar água duas vezes por dia para irrigá-lo, preciso permanecer até o fim da vida sob o olhar de
a fim de que a umidade desenvolvesse nele ra- quem quer que seja.
ízes, que o verdejasse, que sua folhagem con-
fortasse os olhos e que sua sombra beneficias- Essa obediência que é, portanto, condição,
se àqueles que fossem ali repousar durante o substrato permanente e efeito da direção, Cas-
calor do verão. O discípulo recebe a ordem siano a caracteriza de três maneiras. Primeira-
com o respeito ordinário, sem pensar na inu- mente, isso que ele chama a subjectio, a submis-
tilidade da sua obediência. Saía todos os dias são, o fato de ser sujeito. Subjectio quer dizer o
à procura de água a mais de duas milhas e ja- que exatamente? Quer dizer duas coisas: quer
mais deixou de irrigar o bastão durante um dizer que o monge, em tudo que ele faz, deve

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ser submisso à regra ou a seu superior ou a seus volume da série foi ocupado pelo livro O uso dos
companheiros ou aos eventos que podem se prazeres e que foi, em seguida, desdobrado em um
produzir. Significa que não somente ele recebe terceiro volume, O cuidado de si. Dessa forma, des-
ordens, mas ele age de maneira que tudo toma locado para ocupar o quarto volume da série, As
a forma e o valor de uma ordem. No fundo, o confissões da carne não foi publicado nem jamais
monge vive num mundo que é povoado por o será, pelo fato de Foucault ter deixado seus ma-
ordens: todo terceiro, todo evento, deve fun- nuscritos sem revisão e a indicação testamentária
cionar como uma ordem que é dada e o mon- de nenhuma obra póstuma. Não obstante, embora
ge deve reagir a eles como uma ordem. Tudo inéditos, os manuscritos foram descritos pelo editor
sendo ordem para ele, também cada um dos de Foucault como constituindo la clé de voûte do
atos que ele comete deve se inscrever no inte- conjunto.
rior dessa estrutura de ordem (Foucault, 2010, Todavia, uma parte da problemática do curso
p. 100). foi também amplamente retomada no seminário
“Sexuality and solitude”, ministrado com o soció­
As técnicas que permitirão ao monge aceder logo Richard Sennett na Universidade de Nova
a este estado de obediência perfeita incidem me- York, em novembro de 1980. Assim como o curso
nos sobre o comportamento real do noviço do que no Collège de France, no seminário de Nova York
sobre o fluxo incessante dos pensamentos que pe- Foucault analisa o cristianismo como a prática que
netram sua consciência e que, em virtude de sua incide fundamentalmente sobre uma técnica de
multiplicidade, perturbam “a unidade necessária confissão e sobre um modo de obrigação de verda-
da contemplação” (Foucault, 2001b, p. 996). A de, abordando a espiral cristã que levou da formu-
isso respondeu a existência, nas práticas cristãs da lação da verdade à renúncia da realidade; um mo-
direção de consciência, de um dispositivo ligando vimento que, segundo ele, constitui o núcleo das
três elementos: “o princípio da obediência sem fim, práticas de si cristãs. “Quanto mais descobrimos a
o princípio do exame incessante e o princípio da verdade sobre nós mesmos, mais devemos renunciar
confissão exaustiva. Um triângulo: escutar o outro, a nós mesmos; e quanto mais queremos renunciar
observar a si mesmo, falar ao outro de si mesmo” a nós mesmos, mais será para nós necessário reve-
(Foucault, 2010, p. 106). Trata-se do dispositivo da lar a realidade de nós mesmos” (Foucault, 2001b, p.
confissão. 991). A espiral infinita verdade/realidade de si colo-
Ao descrever a genealogia das formas modernas cava para Foucault o problema de compreender os
da obediência, Foucault descobriu a enorme im- motivos pelos quais, na cultura cristã, a sexualidade
portância política do dispositivo da confissão para se tornara o “sismógrafo” da subjetividade.
o exercício do governo nas sociedades ocidentais. Foi a experiência da sexualidade que conduziu
Esse aspecto permite compreender o lugar central a investigação das relações verdade/subjetividade
que o curso de 1980 ocupa no retournement efetua- para um plano analítico novo. Como precisou Fou-
do por Foucault a partir do segundo volume da sua cault em seu último curso no Collège de France, a
História da sexualidade para estudar as técnicas de si questão da sexualidade tornou necessário confron-
na cultura greco-romana. Como observou Landry tar essas relações de outra forma: “não sob a forma
(2007, p. 31), as lições do curso Do governo dos vi- do discurso que diz a verdade sobre o sujeito, mas
vos figuram como o alicerce conceitual da obra inti- na forma do discurso de verdade que o sujeito é
tulada Les aveux de la chair [As confissões da carne], suscetível e capaz de dizer sobre si mesmo, [sob] um
que deveria integrar a série de volumes da História certo número de formas culturalmente reconheci-
da sexualidade. Após publicar o primeiro volume, das e tipificadas, como por exemplo o testemunho,
A vontade de saber, em 1976, o projeto inicial de a confissão, o exame de consciência” (2009, p. 5).
Foucault era investigar as práticas de confissão do A sexualidade emergiu como o domínio no qual o
cristianismo primitivo em um segundo volume. poder da verdade sobre a subjetividade aparece de
Como é sabido, o projeto é alterado e o segundo modo mais evidente no interior da problemática

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do “governo de si e dos outros”. Com ela, tem-se profundo entre exercício do poder e obrigação por
um domínio em que os deveres da interdição e os parte dos indivíduos de constituírem a si mesmos
direitos do permitido dividem o espaço de seu im- como atores, espectadores e objetos da verdade.
pério com uma multiplicidade de sentimentos re- Dessa maneira, o tipo de prática ligada ao domí-
presentados, de pensamentos e desejos suscitados. nio da sexualidade introduziu essa espécie de dupla
Esse aspecto introduz uma diferença sensível entre sujeição, tornada em seguida absolutamente funda-
as formas de interdição relativas aos outros domí- mental para a política e para o exercício do poder
nios, tais como a loucura, a doença, a criminalida- nas sociedades ocidentais: sujeição ao poder e su-
de, visto que, contrariamente a esses interditos, as jeição à verdade. Daí os “dois sentidos da palavra
interdições sexuais estão sempre ligadas à obrigação ‘sujeito’: sujeito submetido a um outro pelo con-
de dizer a verdade sobre si. trole e dependência, e sujeito preso à sua própria
identidade pela consciência ou pelo conhecimento
A propósito do sexo e do desejo, o discurso de si” (Foucault, 2001b, p. 1046).
verdadeiro se organizou em torno de um dis- A perspectiva anarqueológica do último Fou-
curso de confissão sobre uma parte de si mes- cault influenciou fortemente, a partir dos anos de
mo indissociável daquilo que se é. Discurso de 1990, uma extensa literatura que deu origem a
confissão de uma parte indissociável de si: é em um novo campo de saber intitulado Queer Theory
torno disso que é preciso compreender o pro- (Watson, 2005). Seu desenvolvimento se deu pela
blema da relação entre subjetividade e verdade crítica das limitações das identidades gay e lésbi-
a propósito do sexo. Com relação à loucura, à ca, entre as quais se destacam as contribuições de
doença, à morte e ao crime, o problema é saber Eve Sedgwick (2007), problematizando as oposições
qual experiência de si e dos outros é possível no minoritarizantes e universalizantes da definição
momento em que existe alguém com o direito homo/heterossexual como presas às questões de
de dizer: “este é louco; vocês são doentes; aque- identidade, e David Halperin (1995), para quem
le é criminoso”. Com a sexualidade o problema a noção Queer designa não uma identidade, mas
que eu gostaria de colocar é: qual experiência uma posicionalidade [positionality] em face da
de si consigo é possível, ou qual é o tipo de norma. Na teoria Queer, como afirmaram Richard
subjetividade implícita ao fato de que nós es- Miskolci e Júlio Simões, é o próprio regime da se-
tamos sempre na possibilidade e no direito de xualidade que é colocado em questão, na medida
dizer: “sim, é verdade, eu desejo!”. Trata-se, em em que problematiza
suma, de estudar a maneira pela qual o sujeito
é chamado a se manifestar e a se reconhecer a [...] os conhecimentos que constroem os su-
si mesmo, no seu próprio discurso, como sen- jeitos como sexuados e marcados pelo gênero,
do um verdadeiro sujeito de desejo (Foucault, e que assumem a heterossexualidade ou a ho-
1981, Fita 1, Lado B). mossexualidade como categorias que defini-
riam a verdade sobre eles. De modo geral, o
A partir da experiência sexual, Foucault per- sistema moderno da sexualidade é encarado, da
cebeu o grau de sofisticação em que se deu a arti- perspectiva queer, como um conjunto de sabe-
culação entre o político e o epistemológico, entre res e práticas que estrutura a vida institucional
poder e verdade. Foi em relação à sexualidade que e cultural de nosso tempo (2007, p. 11).
manifestaram-se, de maneira específica e bem ela-
borada, as relações entre o governo dos homens, a Além disso, no Brasil, a perspectiva foucaultia-
verdade e os modos de subjetivação. A sexualidade na encontrou outra forte ressonância nos estudos
revela a maneira pela qual se desenhou, no Ociden- feministas, sobretudo com os trabalhos de Marga-
te, o governo dos homens pela verdade que eles efe- reth Rago, procurando desfazer “as ardilosas estra-
tuam em si mesmos; com ela e por meio dela, pela tégias de produção normativa da figura feminina
primeira vez na história, foi estabelecido um laço pelos discursos médicos e jurídicos, extremamente

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moralistas e conservadores, assim como pela litera- do de si será indefinidamente incitada a se mostrar
tura e pela propaganda” (Rago, 2008, p. 188). para alguém. Se isso ocorre, é porque a fixação em
A velha técnica confessional cristã para a pro- discurso de verdade daquilo que se é não constitui
dução de obediência não desapareceu. Seu uso foi simplesmente uma obrigação essencial, mas é tam-
talvez enfraquecido em um contexto em que se tor- bém uma das formas primeiras e fundamentais da
nou suficiente a temerosa figura do Príncipe para nossa própria obediência.
extração da obediência dos súditos. Porém, a hipó-
tese sustentada nas últimas investigações de Fou-
cault é de que o funcionamento das democracias Notas
e das sociedades liberais exigiu também o restabe-
lecimento e a maximização daquelas técnicas de si 1 Segundo Daniel Defert (2001, p. 88), entre outubro e
inventadas pelo cristianismo. Todavia, tratou-se de novembro de 1983, Foucault pretendeu traduzir, com
um restabelecimento e maximização não mais res- Martin Ziegler, a obra de Norbert Elias: Die Einsa-
tritos à instituição dos mosteiros, mas expandidos mkeit des Sterbenden [A solidão dos moribundos].
para uma vasta rede de instituições e relações so- 2 Ao leitor brasileiro é possível aproximar-se das insti-
ciais que vão da família às prisões. No interior de gantes elaborações de Foucault, realizadas no curso
de 1980, pelos excertos recentemente publicados em
cada uma dessas instituições, assim como nas rela-
Foucault (2010).
ções sociais mais espontâneas, adquiriu-se o hábito
3 Cf. o mesmo exemplo citado em Foucault (2004a, pp.
de confessar aquilo que se é. Entretanto, a confissão
179-180).
moderna já não tem por função a renúncia de si,
como queriam os primeiros Padres da Igreja. Con-
fessa-se hoje com a função de revelar e reafirmar
incessantemente identidades positivas, tais como as Bibliografia
de pai, marido, professor, aluno, operário, doente,
criminoso. Essa revelação/reafirmação confessio- BURGUIÈRE, André. (2001), “Processo de civi-
nal permanente de si, advertiu Foucault, é um dos lização e processo nacional em Norbert Elias”,
principais suportes da nossa obediência moderna: é in Alain Garrigou e Bernard Lacroix (orgs.),
o que produz subjetividades suficientemente obe- Norbert Elias: a política e a história, São Paulo,
dientes exigidas pelo bom funcionamento das so- Perspectiva.
ciedades neoliberais. CassiANO, João. (1872), Institutions. Trad. E.
Quaisquer que tenham sido as formas assu- Cartier. Paris, Librairie Poussielgue Frères.
midas pela obrigação de dizer a verdade sobre si COLLIOT-THÉLÈNE, Catherine. (2001), “O
mesmo e de se reconhecer nessa verdade, a obri- conceito de racionalização: de Max Weber a
gação jamais cessou: obriga-se a falar de si mesmo Norbert Elias”, in Alain Garrigou e Bernard
para dizer a verdade. Nessa obrigação, o discurso Lacroix (orgs.), Norbert Elias: a política e a his-
de verdade constituiu uma das grandes linhas de tória, São Paulo, Perspectiva.
força na organização da subjetividade ocidental: Dean, Mitchell. (1994), Critical and effectives his-
é solicitado e incitado por todo um sistema insti- tories: Foucault’s methods and historical sociology.
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de sobre si, Édipo teve que extorqui-la do alto de rule in modern society. Londres, Sage.
seu poder real da boca de um escravo, em nossa . (2007), Governing societies: political
atualidade a obrigação de dizer a verdade sobre si perspectives on domestic and international rule.
dispensa o exercício violento de qualquer poder: Londres, Open University Press.
basta interrogar a si mesmo no interior de uma Defert, Daniel. (2001), “Chronologie”, in Mi-
estrutura de obediência. Essa verdade trazida no chel Foucault, Dits et écrits. Vol. 1: 1954-1975.
fundo de si e acoplada profundamente ao segre- Paris, Gallimard.

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RESUMOS / ABSTRACTS / RESUMÉS  195

Governamentalidade e Governmentality and GouvernementalitÉ et


Anarqueologia em Michel AnarchAeology in Michel AnarchÉologie dans Michel
Foucault Foucault Foucault

Nildo Avelino Nildo Avelino Nildo Avelino

Palavras-chave: Poder; Governamenta- Keywords: Power; Governmentality; An- Mots-clés: Pouvoir; Gouvernementalité;
lidade; Anarqueologia; Subjetividade; archeology; Subjectivity; Trust. Anarchéologie; Subjectivité; Vérité.
Verdade.

Este artigo aborda as noções foucaultianas This article discusses the Foucauldian Cet article décrit les notions foucaldien-
de governamentalidade e anarqueologia, notions of governmentality and anarchae­ nes de gouvernementalité et anarchéologie
enfatizando os impactos que provocaram ology emphasizing the impacts they cause en mettant l’accent sur leurs impacts dans
nas reflexões do “último Foucault”. Em in the reflections of the “final Foucault.” la réflexion du “dernier Foucault”. Initia-
um primeiro momento, aborda-se o des- At first, it approaches the displacement lement, nous abordons le déplacement de
locamento da analítica do poder de Fou- of the analytical power of Foucault, situ- l’analytique du pouvoir de Foucault, en
cault, situando sua importância nos estu- ating its importance in studies in govern- situant son importance dans les études de
dos em governamentalidade e sugerindo mentality and suggesting possible impli- la gouvernementalité et en suggérant des
implicações possíveis que a anarqueologia cations that anarchaeology down with implications possibles que l’anarchéolo-
estabelece com o pensamento de Prou- the thought of Proudhon. Then it dis- gie établit avec la pensée de Proudhon.
dhon. Em seguida, discute-se a maneira cusses the way anarchaeology describes Ensuite, nous discutons la façon dont
pela qual a anarqueologia descreve uma a genealogy of modern forms of obedi- l’anarchéologie décrit une généalogie des
genealogia das formas modernas da obe- ence by problematizing the experience of formes modernes de l’obéissance à partir
diência ao problematizar a experiência da sexuality. de la problématisation de l’expérience de
sexualidade. la sexualité.

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