Vous êtes sur la page 1sur 9

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas
Literatura comparada I

Profa. Dra. Eliane Robert Moraes

O ÍNDIO AFONSO, DE BERNARDO DE GUIMARÃES E O


SERTANEJO, DE JOSÉ DE ALENCAR:
Bernardo Guimarães e a Crítica à Idealização Poética na Descrição dos
Tipos Humanos do Sertão Brasileiro.

Marcela Machado 5673949


2º horário - noturno
“Cada povo tem sua literatura própria, como cada homem seu
caráter particular, cada árvore seu fruto específico”
(Gonçalves de Magalhães)

Impulsionados pelo ímpeto e entusiasmo nacionalistas, os escritores do romantismo


brasileiro buscavam criar um passado histórico e heróico que diferenciasse a literatura
brasileira, libertando-a das influências literárias portuguesas. A grande dificuldade estava
em criar algo grandioso para uma nação que até a pouco seguia as regras de um regime
colonialista autoritário e cuja população vivia à mercê da escravidão e do analfabetismo. A
resposta encontrada a esta necessidade de produção de uma literatura tipicamente brasileira
foi o índio, apropriado como um modo natural de traduzir em termos nossos a idealização
do cavaleiro medieval, característica do romantismo europeu:

Ao medievalismo dos franceses e portugueses opúnhamos o


nosso pré-cabralismo, aliás não menos preconcebido e falso
do que aquele. Seguíamos ainda nesse ponto, com liberdade, os
modelos do Velho Mundo. Tanto mais quanto já existia o trabalho
preparatório de Chateaubriand. E é significativo que Fenimore
Cooper, tendo pretendido ser o Walter Scott da América, seguiria
os mesmos roteiros praticados mais tarde pelos que, entre nós
quiseram fazer do índio herói nacional por excelência.
(HOLANDA, 1986, p.16)

Nada melhor a um movimento literário nacionalista que um herói que possa ser
apresentado como um produto original de nossa terra. Entretanto, ao buscar no índio um
veículo para os valores e princípios primordiais, este era apresentado como um símbolo de
inocência e primitividade; projetou-se neles o espírito do homem livre e incorruptível e
criou-se uma imagem literária completamente idealizada e diferente da realidade dos índios
que aqui viviam.
Basílio de Magalhães disse que “apesar do influxo da época, exercido
principalmente por Gonçalves Dias, Gonçalves de Magalhães e Castro Alves, não
embrenhou Bernardo Guimarães no atraente aranhol do indianismo, nem se deixou aliciar
pelas campanulagens e lantejoulas do condoreirismo" (MAGALHÃES, 1926, pg. 53). O
romancista é autor de uma literatura irônica e humorada, cuja produção variada e
aparentemente irregular apresenta um fio condutor: uma postura estética irônica que tem
por princípio a desmistificação de qualquer verdade unívoca. Magalhães (1926, pg. 60) diz
ainda que “a estagnação das artes e do gênio dos poetas nacionais do século XIX brasileiro
era compreendida por B. Guimarães como perniciosa influência de Gonçalves de
Magalhães e da Revista Niterói; por isso, o poeta mineiro combateu dentro dos seus
parâmetros o indianismo romântico e os excessos estilísticos do movimento”.
Assim, através de uma comparação entre as descrições dos tipos sertanejos dos
romances O Sertanejo, de José de Alencar e O Índio Afonso, de Bernardo Guimarães, é
possível observar como Guimarães escreve seu romance de modo a fazê-lo parecer
enquadrado nos aspectos indianistas, para depois se estabelecer como uma crítica à
idealização poética dos índios.
Logo no início de seu romance, Bernardo Guimarães introduz uma nota “ao leitor”,
onde declara que seria incorreto considerar O Índio Afonso como o “herói de um dos
contos de Bernardo Guimarães”, apesar de o autor lhe ter atribuído um “caráter
magnânimo, índole bondosa e sentimentos generosos”. Guimarães esclarece que não teve
intenção de “fazer apologia a um facínora” e, em seguida, descreve quais são os fatos
fictícios e reais de sua narrativa. Tal descrição se configura como uma tentativa de
reafirmar ao leitor que seu relato tem base em fatos reais e que, portanto, não se trata de
uma reunião de recursos românticos utilizados para transparecer verossimilhança.
No primeiro capítulo, o autor estrutura uma espécie de diálogo com suas leitoras,
onde se desculpa ironicamente pelas atrocidades que serão narradas e por não escrever seu
romance em um tom mais delicado e adequado às suas “amáveis leitoras”; tal feito não
seria possível devido à necessidade de uma narração precisa de fatos fidedignos. Neste
capítulo, há a contraposição óbvia estabelecida pelo autor entre o seu romance e os
romances sentimentais que tratavam da Corte, contrapondo ironicamente as frias e cruéis
histórias do sertão aos folhetins, romances urbanos e até mesmo à idealização poética do
sertão, tão comuns às leituras da época.
A necessidade de informar o leitor sobre a veracidade dos fatos narrados contrapõe-
se à descrição do sertão realizada por José de Alencar que, segundo Franklin Távora, era
um escritor de gabinete que, por não ter observado as regiões e os tipos humanos
representados em seus romances, abusou da imaginação e incorreu em diversos erros e
impropriedades:

[...] Sênio tem a pretensão de conhecer a natureza, os costumes dos povos (todas essas
variadas particularidades, que só bem apanhamos em contato com elas) sem dar um só
passo fora do seu gabinete. Isto o faz cair em frequentes inexatidões, quer se proponha a
reproduzir, quer a divagar na tela. (TÁVORA, 1872, p. 15).

O índio Afonso é caracterizado no romance como “índio” e “caboclo”, réu indiciado


em um crime de morte, mas que “tem por menagem umas cinqüenta ou sessenta léguas de
florestas virgens em uma e outra margem do Parnaíba (...), por a polícia de Goiás o deixar
vaguear livremente, porque depois de o perseguir em vão muito tempo, perdeu a esperança
de poder-lhe jamais lançar as garras”. Afonso tem também uma estatura colossal e
organização atlética, é sempre fortemente armado e sua força e destreza são mais bem
reveladas nas águas, pois seu “enorme e esguio corpo tinha a flexibilidade da serpente e a
robustez da anta”. Por outro lado, tem uma fisionomia expansiva e alegre, uma expressão
branda e bondosa e fala meiga e vagarosa. Amava a liberdade e especialmente sua irmã
Caluta e apresenta também alguns traços religiosos.
Assim, a caracterização de Afonso é dada não como a de um índio, e sim como a de
um mestiço, que apresenta, ao mesmo tempo, traços europeus (estatura, religiosidade) e um
caráter nômade e misterioso relacionado à natureza (já que se entende por um filho do
Parnaíba e é frequentemente chamado de “demônio das águas” por sempre conseguir
escapar das garras dos soldados quando se encontra no rio). Esta caracterização demonstra
o afastamento de Guimarães do recurso ao indianismo como idealização do caráter
nacionalista.
O protagonista de O Sertanejo, Arnaldo, é descrito como um rapaz de “vinte e um
anos, rosto queimado pelo sol , um buço negro como os compridos cabelos que anelavam-
se pelo pescoço” ( p.12). Deste modo, temos a descrição de um rapaz vaqueiro que também
é miscigenado e tem hábitos nômades, tal qual o mestiço de Guimarães. Arnaldo possui
uma alma e semblantes cheios de ternura, como Afonso, e é caracterizado ao estilo de um
cavaleiro medieval, homem de corpo e alma fortes, temente a Deus e ao seu patrão, que tem
uma forte ligação com sua meia-irmã Flor, a quem ama e adora como a uma santa.
Afonso tem como inimigo Toruna, um “sanhudo facínora avezado a toda a espécie
de crimes e atentados”, que já havia declarado à Caluta por mais de uma vez sua inclinação
por ela e, sem êxito, havia decidido empregar a violência e tomar à força os favores da
moça. Esta, após lutar com Toruna, pula nas correntezas do rio para fugir de seu agressor.
Toruna é descrito como um bandido artificioso, que segue Caluta sempre às
escondidas, “não francamente na mesma comitiva, mas de longe e disfarçadamente, de
modo em que todas as voltas que davam pelo deserto, Toruna os ia seguindo e rodeando,
ora pelos flancos, ora pela frente ou retaguarda, à maneira da onça (...)”. Em O Sertanejo,
de Alencar, Arnaldo também segue sua meia-irmã de modo similar a Toruna:

“A par com a comitiva, mas por dentro do mato, caminhava um viajante à escoteira (...)
porém de longe, às ocultas, pois facilmente percebia-se o cuidado que empregava para
não o descobrirem. (...) cavalo cardão, que ele montava, parecia compreendê-lo e auxiliá-
lo na empresa; não era preciso que a rédea lhe indicasse o caminho, O inteligente animal
sabia quando se devia meter mais pelo mato, e quando podia sem receio aproximar-se do
comboio (...)”.

Entretanto, em O Sertanejo, o perseguidor de Flor é Marcos Fragoso, que pretende


se casar com a moça, mas é recusado por ser arrogante e autoritário. Então, realiza diversas
tentativas de conquista e sedução da moça através de proezas que demonstrem sua força e
coragem, mas é sempre vencido por Arnaldo. Assim como Toruna, tendo frustradas todas
as suas tentativas, decide tomar a moça à força e inventa diversos planos de seqüestros e
ações afins, que também são todos logrados.
No romance de Guimarães, após a tentativa de estupro de Caluta por Toruna,
Afonso persegue o agressor e o tortura, lhe deixando bastante ferido sem, no entanto, matá-
lo. Ao tomar conhecimento da terrível vingança de Afonso, os soldados passam a perseguir
o índio, que foge constantemente com sua família para diferentes lugares após sempre
conseguir escapar dos soldados, mas que sempre retorna às margens do Parnaíba, “das
quais não podia desapegar-se por muito tempo”.
Ao passo que em O Índio Afonso há esta narrativa rapsódica, na qual Afonso foge
com seus familiares em função de novas peripécias, sempre consequências de eventos
anteriores, em O Sertanejo, são descritas as peripécias de Fragoso, em suas tentativas de
seqüestrar Flor.
A descrição dos sertanejos protagonistas destes dois romances é feita de modo a
indicar as qualidades e defeitos que os possibilitarão realizar os feitos narrados e, portanto,
é dada de modo a conferir maior verossimilhança a tais feitos e também aos personagens e
suas ações. Saint-Hilaire, em seus relatos de viagem aos sertões brasileiros, oferece uma
descrição dos seus habitantes de um modo bastante similar à dos romances de Alencar e
Guimarães:

“Segundo me disseram, os primitivos habitantes do Sertão oriental foram paulistas (...).


Encontraram a região habitada por tribos indígenas; exterminaram-nas, e alguns se
misturaram com seus fracos restos. (...) Estou persuadido de que essa região deserta
frequentemente serviu de asilo a criminosos perseguidos pela justiça. Não nos devemos
admirar, pois, de que, nos primórdios, uma tal população se tenha mostrado pouco
submissa à autoridade governamental. (...) Não é nunca para roubar que se assassina; é
para dar largas ao ódio, à vingança e aos ciúmes”. (SAINT-HILAIRE, 1975, p. 308).

A descrição do personagem de Guimarães, portanto, parece ser mais precisa e


correspondente à realidade que a de Alencar. O autor mesmo em sua nota inicial diz que
narra a “figura, costumes, maneiras, tom de voz [e] modo de vida” de Afonso tais quais
realmente são, pois “tive ocasião de vê-lo e conversar com ele”, o que não está presente em
lugar algum de O Sertanejo, levando-nos a lembrar mais uma vez as observações de Távora
a respeito de Alencar.
Bernardo Guimarães, em sua nota inicial e no primeiro capítulo, informa suas
leitoras de que a narrativa que estão prestes a ler será repleta de “tremendas histórias”,
sugerindo assim uma trama densa e intensa que se inicia com uma tentativa de estupro e se
segue por uma vingança brutal. Entretanto, a narrativa se torna mais branda após o início da
perseguição de Afonso e da tortura de Toruna. O que se segue a isso são apenas os relatos
das fugas de Afonso e as trapalhadas em que este envolvia os policiais em seu encalço, de
certo modo, simulando em vez de realizando uma narrativa realista . Em O sertanejo, no
entanto, há uma descrição de todas as tentativas frustradas de Fragoso, todas elas cheias de
ação, que terminam em sua tentativa final de sequestro e resultam em um combate entre
Marcos Fragoso e o capitão Campelo, que é auxiliado pelos índios.
Na parte final de O Índio Afonso, Bernardo Guimarães não apresenta um fim
conclusivo. Afonso consegue escapar mais uma vez dos soldados que lhe tentam prender e,
embora considerado por esses mesmos soldados como um demônio das águas, é totalmente
humanizado quando o autor afirma aos seus leitores que, ao contrário do que as lendas e
estórias possam dizer, “o índio Afonso não é um facínora, mas sim um homem de bem,
cheio de belas qualidades e sentimentos generosos, vivendo quase no estado natural no
seio das florestas”. Para o autor, é a vida “rude e agitada” do sertão que lhe desenvolveu a
força, valentia e esperteza do autor. Assim, Afonso, ao fim do romance, é apenas um
homem comum condicionado por seu ambiente, cujas ações violentas são apenas atos de
necessidade e as qualidades extraordinárias desenvolvidas por seu habitát. Guimarães diz
que no sertão, “onde a ação da justiça social é quase nula, o homem, por mais inofensiva
que seja a sua índole, vê-se muitas vezes forçado a defender-se contra seus semelhantes,
como quem se defende das onças e serpentes”.
Já no fim de O Sertanejo, o herói do romance é completamente idealizado. Após
ajudar o capitão no combate, recebe o direito de utilizar o sobrenome de seu mestre (assim
como Peri em O Guarani, também de Alencar) e também pode realizar qualquer pedido em
troca de sua ajuda. Contrariamente às expectativas do leitor, embora apaixonado por Flor,
pede a mão de Alina em casamento, moça que havia sido adotada pelo próprio capitão para
ser sua esposa, mas que fora anteriormente recusada por ele em virtude de sua paixão por
sua meia-irmã; com este pedido, Flor fica chateada e confusa em relação aos seus
sentimentos por Arnaldo que, por sua vez, fica contente por poder continuar a ser herói e
eterno admirador de sua meia-irmã.
Assim, Alencar encerra seu romance com uma total idealização do sertanejo, que é
corajoso, obediente, eterno herói, salvador e admirador de uma moça que também é
idealizada, tal o motivo de ele não ter desejado se casar com ela. A moça continuará casta e
objeto de sua veneração e o rapaz será sempre lembrado por ela como um herói
inalcançável, bem ao estilo romanesco.
Bernardo Guimarães, ao encerrar seu romance de forma divertida e propositalmente
contrária ao que propõe inicialmente, enfatiza o lado humano do sertanejo e sustenta suas
atitudes com fatos sociais, fazendo assim uma crítica à idealização poética do tipo humano
do sertão brasileiro, característica do romance de Alencar aqui apresentado. Já dizia Sílvio
Romero: “Realmente, ao bardo mineiro, que conhecera de perto os caiapós e os xavantes
das rechãs goianas; que convivera com os índicos do então Sertão da Farinha Podre, com
eles sentando-se nos mesmos bancos escolares de Campo Belo, repugnava ouvir loas e
mistificações para debuxar índios falsificados pela fantasia, que falam português clássico, e
imaginar perfumes em fétidas malocas”. (ROMERO, 1903, pg. 240).
Ao direcionar o olhar do leitor às falhas da polícia e não à crueldade dos sertanejos,
o autor, sempre irreverente, talvez demonstre a maior importância de observar a realidade
do que ocorre em nosso mundo em vez de idealizar todas as coisas. Misturando realidade e
ficção e seriedade e deboche, Guimarães faz uma crítica inteligente aos romances
idealizados de seu momento histórico.

Referências bibliográficas

ALENCAR, José de. O Sertanejo. SP: Ática, 1957.

GUIMARÃES, Bernardo. Quatro Romances. São Paulo:Livraria Martins Editora, 1944.

HOLANDA, S. B de. Prefácio. In: MAGALHÃES, D. J. G. de. Suspiros poéticos e


saudades. 5.ed. Brasília: INL: Ed.UnB, 1986. p.13-33.

MAGALHÃES, Basílio de. Bernardo Guimarães. Rio de Janeiro: Anuário do Brasil,


1926.

MONTENEGRO, Olívio. O Romance Brasileiro. Rio de Janeiro: José Olympio, 1953.


ROMERO, Sílvio. História da Literatura Brasileira, tomos I e II. Organização de Luiz
Antonio Barreto. Rio de Janeiro: Imago; Aracaju: Universidade Federal de Sergipe,
2001. (Obras completas de Sílvio Romero,)

SAINT-HILAIRE, Auguste. Quadro Geral do Sertão. In: Viagem pelas províncias do Rio
de Janeiro e Minas Gerais. BH: Itatiaia, SP: Edusp, 1975. p. 307 – 320.

TÁVORA, Franklin. Cartas a Cincinato. Estudos críticos de Semprônio. Pernambuco:


J. W. Medeiros, 1872.

Vous aimerez peut-être aussi