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Nada melhor a um movimento literário nacionalista que um herói que possa ser
apresentado como um produto original de nossa terra. Entretanto, ao buscar no índio um
veículo para os valores e princípios primordiais, este era apresentado como um símbolo de
inocência e primitividade; projetou-se neles o espírito do homem livre e incorruptível e
criou-se uma imagem literária completamente idealizada e diferente da realidade dos índios
que aqui viviam.
Basílio de Magalhães disse que “apesar do influxo da época, exercido
principalmente por Gonçalves Dias, Gonçalves de Magalhães e Castro Alves, não
embrenhou Bernardo Guimarães no atraente aranhol do indianismo, nem se deixou aliciar
pelas campanulagens e lantejoulas do condoreirismo" (MAGALHÃES, 1926, pg. 53). O
romancista é autor de uma literatura irônica e humorada, cuja produção variada e
aparentemente irregular apresenta um fio condutor: uma postura estética irônica que tem
por princípio a desmistificação de qualquer verdade unívoca. Magalhães (1926, pg. 60) diz
ainda que “a estagnação das artes e do gênio dos poetas nacionais do século XIX brasileiro
era compreendida por B. Guimarães como perniciosa influência de Gonçalves de
Magalhães e da Revista Niterói; por isso, o poeta mineiro combateu dentro dos seus
parâmetros o indianismo romântico e os excessos estilísticos do movimento”.
Assim, através de uma comparação entre as descrições dos tipos sertanejos dos
romances O Sertanejo, de José de Alencar e O Índio Afonso, de Bernardo Guimarães, é
possível observar como Guimarães escreve seu romance de modo a fazê-lo parecer
enquadrado nos aspectos indianistas, para depois se estabelecer como uma crítica à
idealização poética dos índios.
Logo no início de seu romance, Bernardo Guimarães introduz uma nota “ao leitor”,
onde declara que seria incorreto considerar O Índio Afonso como o “herói de um dos
contos de Bernardo Guimarães”, apesar de o autor lhe ter atribuído um “caráter
magnânimo, índole bondosa e sentimentos generosos”. Guimarães esclarece que não teve
intenção de “fazer apologia a um facínora” e, em seguida, descreve quais são os fatos
fictícios e reais de sua narrativa. Tal descrição se configura como uma tentativa de
reafirmar ao leitor que seu relato tem base em fatos reais e que, portanto, não se trata de
uma reunião de recursos românticos utilizados para transparecer verossimilhança.
No primeiro capítulo, o autor estrutura uma espécie de diálogo com suas leitoras,
onde se desculpa ironicamente pelas atrocidades que serão narradas e por não escrever seu
romance em um tom mais delicado e adequado às suas “amáveis leitoras”; tal feito não
seria possível devido à necessidade de uma narração precisa de fatos fidedignos. Neste
capítulo, há a contraposição óbvia estabelecida pelo autor entre o seu romance e os
romances sentimentais que tratavam da Corte, contrapondo ironicamente as frias e cruéis
histórias do sertão aos folhetins, romances urbanos e até mesmo à idealização poética do
sertão, tão comuns às leituras da época.
A necessidade de informar o leitor sobre a veracidade dos fatos narrados contrapõe-
se à descrição do sertão realizada por José de Alencar que, segundo Franklin Távora, era
um escritor de gabinete que, por não ter observado as regiões e os tipos humanos
representados em seus romances, abusou da imaginação e incorreu em diversos erros e
impropriedades:
[...] Sênio tem a pretensão de conhecer a natureza, os costumes dos povos (todas essas
variadas particularidades, que só bem apanhamos em contato com elas) sem dar um só
passo fora do seu gabinete. Isto o faz cair em frequentes inexatidões, quer se proponha a
reproduzir, quer a divagar na tela. (TÁVORA, 1872, p. 15).
“A par com a comitiva, mas por dentro do mato, caminhava um viajante à escoteira (...)
porém de longe, às ocultas, pois facilmente percebia-se o cuidado que empregava para
não o descobrirem. (...) cavalo cardão, que ele montava, parecia compreendê-lo e auxiliá-
lo na empresa; não era preciso que a rédea lhe indicasse o caminho, O inteligente animal
sabia quando se devia meter mais pelo mato, e quando podia sem receio aproximar-se do
comboio (...)”.
Referências bibliográficas
SAINT-HILAIRE, Auguste. Quadro Geral do Sertão. In: Viagem pelas províncias do Rio
de Janeiro e Minas Gerais. BH: Itatiaia, SP: Edusp, 1975. p. 307 – 320.