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Táticas de jogo da Internacional Situacionista

Libero Andreotti
O autor examina o elemento de jogo na atuação de três protagonistas da Interna-
cional Situacionista, movimento que alcançou lugar vital na arte e política nos últi-
mos 40 anos. O espírito iconoclasta do grupo é mais bem compreendido no fenô-
meno de “perder-se no jogo” que Johan Huizinga descreveu muito bem. Guy Debord,
Giuseppe Gallizio e Constant Nieuwenhuys radicalizaram a teoria do jogo de Huizinga
numa ética revolucionária que eliminou efetivamente qualquer distinção entre brin-
cadeira e seriedade ou entre arte e cotidiano.
Internacional Situacionista; Guy Debord (1931-1994); Pinot Gallizio (1902-1964); Constant Nieuwenhuys (1920-2005).

Afinal de contas, fora a poesia moderna ções, mas que remete ao fenômeno de “se
dos últimos 100 anos que nos trouxera perder no jogo”, tão bem descrito pelo pró-
ali. Éramos um pequeno grupo que pen- prio Huizinga. 4 Certamente, de todos os
sava ser necessário aplicar seu programa détournements5 pelos quais Debord é –
na realidade e mais nada dever fazer. com justiça, aliás – famoso, esse parece ser
Guy Debord, Panégyrique1 o mais adequado para transmitir o espírito
iconoclasta da Internacional Situacionista (da-
In Girum Imus Nocte et Consumimur Igni qui em diante IS), movimento de grande
(Andamos em círculos pela noite e somos ambição e influência, cujas reflexões sobre a
consumidos pelo fogo) – o longo palíndromo cidade, o espetáculo e o cotidiano lhe têm
utilizado por Guy Debord como título de garantido lugar vital na arte e na política dos
um de seus últimos filmes também serve para últimos 40 anos.
caracterizar a tática de jogo da Internacional
Situacionista.2 Como o grande historiador Neste texto gostaria de explorar o elemen-
holandês Johan Huizinga observou – em um to lúdico nas atividades de três protagonis-
livro que foi fundamental para o grupo, mas tas-chave na época da fundação do grupo,
cujo papel tem sido completamente ignora- 1957, a saber o próprio Debord, o artista
ambiental italiano Giuseppe Gallizio e o pin-
do em recentes textos históricos –, o
tor holandês Constantin Nieuwenhuys, cujos
palíndromo é de fato antiga forma lúdica que,
modelos para uma cidade no futuro cha-
como a charada e o enigma, “ultrapassa qual-
mada Nova Babilônia expressavam clara-
quer possível distinção entre brincadeira e mente os princípios de “urbanismo unitá-
seriedade”.3 Debord parece consciente dis- rio” inerentes ao grupo. Mais especificamen-
so quando observa, de modo quase cifrado, te, e no espírito do palíndromo, eu gostaria
que seu título “é construído letra por letra, de mostrar como cada um deles radicalizou
como um labirinto cuja saída não se pode a teoria do jogo de Huizinga em ética revo-
Rua Gay-Lussac, 10 de achar, de tal maneira que reproduz perfeita- lucionária que efetivamente aboliu qualquer
maio de 1968 mente a forma e o conteúdo da perdição” – distinção entre brincadeira e seriedade ou
Fonte das imagens: October n. 91,
Cambridge: MIT Press, 2000 observação passível de diversas interpreta- entre arte e cotidiano.

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Uma das formas favoritas de jogo utilizadas sofistas itinerantes da Roma Antiga, cuja
pela IS e pela organização que a precedeu, a propaganda sediciosa levaria o imperador
Internacional Letrista, era a arte de vagar pelo Vespasiano a banir todos os filósofos da
espaço urbano, denominada dérive,6 cujo cidade. 9
estado de espírito está bem sintetizado no
significado sombriamente romântico do Fonte-chave de informação sobre a dérive é
palíndromo de Debord. Os precedentes um livro de poesia intitulado Mémoires, com-
culturais mais próximos da dérive teriam sido posto por Debord e pelo pintor Asger Jorn
as excursões dadaístas e surrealistas organi- em 1957, que evocava as atividades da In-
zadas por Breton em 1925, como aquela feita ternacional Letrista.10 A técnica predominan-
à Igreja de Saint-Julien-le-Pauvre. Entretan- te, constituída de respingos e manchas de
to, Debord teve o cuidado de distinguir a cor de Jorn, sobre os quais Debord espalha-
dérive de tais precedentes, enfatizando seu va seus próprios fragmentos literários e vi-
caráter ativo como “um modo de compor- suais, era evidentemente planejada para
tamento experimental” que se conectaria minimizar a quantidade de trabalho e arte-
essencialmente ao Romantismo, ao Barroco sanato característicos de um trabalho “sé-
rio”. Nesse sentido Mémoires é um traba-
e à era da cavalaria, com sua tradição da longa
lho radicalmente antiprodutivista ou, melhor,
viagem empreendida com espírito de aven-
um antitrabalho, cuja forma discursiva
tura e descoberta. Em Paris esse tipo de
antivocal1 1 refletia a ênfase da dérive na ação
perambulação urbana era característico da coletiva (deve ser observado que Jorn já havia
boemia da Rive Gauche, onde a arte de va- experimentado técnicas similares em suas
gar era uma das maneiras prediletas de culti- palavras-pinturas com Christian Dotremont,
var o sentimento de se estar “juntos separa- no final dos anos 40, e que, entre os traba-
dos” que Huizinga descreveu como caracte- lhos dos Letristas Gil Wolman e Isidore Isou
rístico do jogo.7 Um registro vívido desse encontra-se algo similar, a carta-poesia12 ).
tempo e lugar é o livro de fotografias de Ed
Van der Elsken, que coleta alguns dos refúgi- A eloqüente improvisação com fragmentos
os favoritos dos letristas.8 Mais tarde algu- de texto que compõem a primeira página –
mas dessas imagens reapareceriam na poe- na qual alusões a alguns dos temas favoritos
sia e nos filmes de Debord. de Debord, tais como a passagem do tem-
po, amor, guerra e embriaguez,13 são subli-
A consciência de explorar maneiras de viver nhadas pela espirituosa declaração pro- Lettrist International
radicalmente externas à ética capitalista do tocolar “je vais quand même agiter des leaflet, 1954
trabalho era central para a dérive, como vis-
to no famoso grafite de incitação Ne travaillez
jamais (Não trabalhe nunca), feito por
Debord em 1953 e reproduzido no jornal
da IS com a legenda “programa mínimo do
movimento situacionista”. Outro exemplo
preciso dessa filosofia de rua é o panfleto
letrista que mostra Debord e seus amigos
ao lado do slogan revolucionário de Saint-
Just, La Guerre de la Liberté doit être faite
avec Colère (A Guerra pela Liberdade Deve
ser Travada com Raiva). Ambos remetem
à exaltada descrição de Huizinga sobre os

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évènements et émettre des considérations” tém, esse é o nosso estado natural... nós ar-
(de qualquer maneira, vou discutir aconteci- demos de desejo de encontrar), assim como
mentos e emitir considerações) – é típica a pretensão de serem heróis e guerreiros.
do tom lírico que flutua constantemente De fato, um dos traços mais marcantes des-
entre farsa e seriedade, descrito por Huizinga sas páginas é o tom agonístico, como na
como característico do espírito do jogo. sobreposição de um mapa da região de
Constrescarpe a uma superfície idêntica inver-
Pelo uso de imagens recicladas, as páginas tida representando uma cena de batalha nas
seguintes de Mémoires exemplificavam uma Américas, os fragmentos literários incluindo
segunda tática de jogo teorizada por Debord “le siège périlleux” (o cerco perigoso) e “On
no início dos anos 50: détournement ou a balayerait le vieux monde” (varreríamos o
pilhagem criativa de elementos preexisten- velho mundo), com outros comentários que
tes.14 Mais ou menos na metade do livro, no provavelmente se referem aos projetos de
outono de 1953, fragmentos de mapas ur- reforma urbana denunciados pelos Letristas.20
banos começam a aparecer. Numa página, O tom de guerra é, de fato, um modo de
várias partes do mapa de Paris são muito discurso recorrente em Mémoires.21
provavelmente ligadas ao relato de uma
dérive publicado no jornal belga Les Lèvres As psicogeografias de Paris, os mais conhe-
Nues.15 Em outra, o foco é a região da cidos e reproduzidos trabalhos de Debord,
Constrescarpe,16 celebrada pelos letristas por também datam desse período e pertencem
sua “aptidão para brincar e esquecer”.17 à família de Mémoires, devendo ser analisa-
Ambas as páginas exemplificam a propen- das sob o mesmo viés. Ambas promovem
são à criação de mitos descrita por Huizinga oscilação entre registros espaciais e tempo-
como típica do jogo.18 Nela se inclui a ten- rais: os fragmentos isolados formam entida-
dência a exagerar e enfeitar a experiência des completas e fechadas, enquanto os
real e imprimir personalidade aos ambien- vetores vermelhos, muito como os respin-
tes, como visto na expressão “une ville gos de Jorn, sugerem forças de movi-
flottante”. (uma cidade flutuante), provável mento e atração “passional”. Esse tipo de
alusão à Île de la Cité.19 A tendência a exa- temporalização do espaço era tática-chave
gerar o autolouvor é também característi- do Situacionismo e qualidade característica
ca, como na frase “Rien ne s’arrête pour da dérive, que procurava resistir à tendência
Guy Debord, The nous. C’est l’état qui nous est naturel ... nous reificadora de espacializar o meio físico pela
Naked City, 1957 brûlons de désir de trouver” (nada nos de- postura antiobjetivante do jogador.22 As im-
plicações eróticas dos dois títulos, dos quais
o segundo, Discours sur les Passions de
l’Amour, foi apropriado de um famoso
ensaio atribuído a Pascal, sublinhavam a
irredutibilidade da dérive, e do prazer em
geral, em relação aos imperativos
produtivistas da vida burguesa.

Uma fonte que Debord oferecia para a


dérive era Carte du pays de Tendre, repre-
sentação imaginária da Terra do Amor, ar-
quitetada como um passatempo aristocráti-
co para Madeleine de Scudéry, nobre do

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século 17. Como Cidade Nua, também dominantemente norte-africana de La
mapeava um “terreno passional” – o tema Huchette, quartel-general da IS.
erótico sugerido por sua estranha semelhan-
ça aos órgãos reprodutores femininos.23 No A primeira tentativa real de construir uma
caso de Debord, entretanto, a elaborada situação foi Caverna antimatéria, de Pinot
narrativa que acompanha Carte du pays de Gallizio. Feita inteiramente das chamadas Pin-
Tendre é substituída pela necessidade mui- turas Industriais de Gallizio – longos rolos
to mais realística de fazer o levantamento de tecido pintados coletivamente com o
de localidades urbanas concretas, incluindo, auxílio de rudimentares “máquinas de pin-
como ele diria, “seus principais pontos de tar” e vendidos a metro na praça do merca-
passagem, saídas e defesas.24 do – esse microambiente completo foi de-
senhado em colaboração com Debord, que
Essa revolucionária idéia de prazer era um teve papel maior do que geralmente se pre-
traço constituinte da “pesquisa” psicogeo- sume (de fato, o evento foi orquestrado por
gráfica que esses mapas deviam supostamen- Debord com Gallizio, às vezes espectador
te ilustrar, os quais, como observado por incompreensivo). O propósito de Caverna
Kristin Ross, registravam “cuidadoso levan- era fundir arte e vida diária num movimento
tamento dos espaços residuais e intersticiais complementar à elevação das realidades
da cidade pela procura sistemática de ele- cotidianas do espaço urbano empreendida
mentos passíveis de serem protegidos da pela dérive. A origem dessa idéia era, mais
ação da cultura dominante, podendo ser, uma vez, a descrição de Huizinga sobre a
“supervalorização” da arte, que ele via como
uma vez isolados, reutilizados numa recons-
a principal causa de seu crescente
trução utópica do espaço social”.25 A com-
distanciamento das preocupações cotidia-
preensão do espaço da cidade como terre-
nas.26 Caverna propunha processo oposto
no controvertido em que novas formas de de “desvalorização”, imersão da arte no co-
vida não tinham lugar próprio e só se po- tidiano, simbolizada pelo uso da pintura
deriam afirmar de modo provisório tam- como vestuário e decoração urbana. O fato
bém pode ser observada no folheto que de Gallizio ser um amador que improvisava
anunciava “Um Novo Teatro de Operações tanto na área de arqueologia quanto na de
na Cultura”, que justapunha novos métodos química só servia para intensificar o ataque
de vigilância aérea militar a uma sucessão de de Caverna ao profissionalismo e ao espaço
termos programáticos relacionados com o institucionalizado da galeria de arte.
propósito mais elevado de “construir situa-
ções”. Aqui faz-se necessário mencionar as O evento inaugural lembrava uma demons-
transformações sociopolíticas de Paris duran- tração científica prematura, com apresenta-
te esses anos, que testemunharam o aumen- ções de explosões que expunham as possi-
to no policiamento da cidade sob De Gaulle bilidades pirotécnicas das resinas recente-
e o fenômeno mais abrangente conhecido mente inventadas por Gallizio. O tom lúdico
como “colonização interna”, visto no deslo- de todo o processo também podia ser visto
camento massivo das populações pobres no convite, que prometia ilustrar “o encon-
para novos cinturões de casas populares tro entre matéria e antimatéria”, e cujo tom
desagradavelmente funcionalistas a uma dis- pseudocientífico remetia a Huizinga e sua
tância segura do Centro da cidade. Não por definição do elemento lúdico da ciência
acaso, muitas das áreas incluídas nas como tendência a teorizações “perigosas”.27
psicogeografias de Debord eram locais de Nesse caso, a referência era às teorias
batalha política, entre elas a vizinhança pre- antimatéria desenvolvidas pelo físico inglês

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Paul Adrien-Maurice Dirac e o matemático Contudo, em nenhum outro lugar a mira-
italiano Enrico Severi. O tom neofuturista de gem de uma civilização liberada do trabalho
Caverna também estava presente no uso de era mais evidente do que em Nova Babilônia,
máquinas sonoras que lançavam um som de Constant, cujo título, atribuído a Debord,
agudo quando alguém se aproximava das evocava tanto a abundância material possi-
paredes da sala, assim como na utilização de bilitada pela automação, como a moralidade
perfumes e luzes em movimento. A rever- anticristã que motivava o grupo.30 Essa ten-
são lúdica da tecnologia, sugerida pela pró- tativa única de pôr em prática os contornos
pria idéia de pintura industrial, refletia fé técnicos, estruturais e sociopolíticos de uma
positiva no potencial liberador da indústria, arquitetura situacionista teve sua origem na
bastante similar à descrição de Benjamin so- evolução do próprio Constant de pintor a
bre a perda de aura como resultado da re- escultor. Esse processo começou com a gran-
produção mecânica. De qualquer forma, o de e impressionante Ambience de Jeu (1954),
poder e o destino da tecnologia de se tor- em que houve, pela primeira vez, um movi-
nar um instrumento para a emancipação do mento para o plano horizontal, passando a
homem eram afirmados contra a realidade dirigir-se a questões do espaço tridimensional,
de seu uso para fins opostos. De acordo com continuou com uma série de explorações ge-
a colocação de Debord, “esta sociedade é ométricas como Structure with Curved Pla-
movida por forças absurdas que tendem, nes (1954), cujos suportes de canto desloca-
inconscientemente, a satisfazer suas verda- dos já indicavam uma procura de leveza e di-
deiras necessidades”.28 namismo, e culminou na série dos dinâmicos
trabalhos neoconstrutivistas como Endess
O ataque de Caverna à instituição da galeria
de arte teria ido mais longe e dado talvez Line (1958) e Nebulose Méchanique (1958),
uma virada imprevisível, se a IS tivesse tido cujo sistema tênsil de cabos e elementos de
permissão para montar a exposição coletiva aço ofereceu a sintaxe básica para a primei-
planejada para o Stedelijk Museum de ra aplicação prática de Constant em Nomadic
Amsterdam, alguns meses depois. A instala- Encampment (1958). Este último era um
Guy Debord e ção, como pode ser visto no diagrama que abrigo flexível com elementos leves e por-
Asger Jorn, página de é a única evidência sobrevivente, teria trans- táteis que supostamente deveria servir a uma
Mémoires, 1959 formado uma das alas do museu em pista comunidade cigana da qual Constant se apro-
de obstáculos com duas ximara durante uma estada no norte da Itá-
milhas de comprimento, lia. Dali ele partiu diretamente para o de-
terminando em um tú- senvolvimento de suas grandes estruturas de
nel de pintura industrial. metal e plexiglas, elevadas do chão e usan-
Ao mesmo tempo, uma do sistema de construção multifuncional e
série de dérives opera- potencialmente expansível. O primeiro foi
cionais deveriam ocorrer chamado Yellow Sector, título que reflete a
de fato na área central de aversão de Constant às conotações mais
Amsterdam, onde equi- caseiras e burguesas de “bairro”. Como a
pes de situacionistas maioria dos outros modelos, era organizado
perambulariam durante em torno de campos de elementos pré-fa-
três dias, comunicando- bricados móveis, arranjados ao acaso para
se entre si e com o mu- enfatizar sua adequação às necessidades
seu por transmissores mutantes. A idéia motriz era o que Constant
de rádio.29 chamava de “princípio de desorientação” –

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deliberada confusão da hierarquia espacial dos “novos-babilônios”, livres para perambular
através de obstáculos, geometrias incomple- e trocar de vizinhança à vontade. Liberados
tas e elementos translúcidos. Além de de- do trabalho, não mais atados a lugares fixos
signar certas áreas como especialmente ade- de habitação, aliviados das opressões da es-
quadas para atividades lúdicas, a ausência de trutura familiar, os cidadãos dessa nova co-
qualquer zoneamento funcional ou separa- munidade estariam livres para se abandonar
ção entre espaço público e privado refletia à dérive e ao espírito de jogo.34
um desejo de multiplicar a variabilidade do
espaço – algo como o que Cedric Price faria Em escala maior, Nova Babilônia se apre-
alguns anos depois com Fun Palace (1964), sentava como uma rede, descentrada e aber-
cujas paredes, bem como o chão e o teto, ta, para a conexão de setores, sobreposta a
aliás, deveriam ser totalmente móveis.31 um sistema de rápidas rotas de transporte.
Como Ohrt observa, o precedente mais
O exótico Oriental Sector que se seguiu qua- próximo a esse esquema teria sido o proje-
se imediatamente e, junto, Ambiance de to que Alison e Peter Smithson apresenta-
Départ exploravam a amplitude dos efeitos ram na competição para o Centro de Berlim
ambientais que podiam ser alcançados com em 1958, com um arranjo semelhante de
essa sintaxe formal básica. Ambos os traba- plataformas e passarelas elevadas para pe-
lhos remetem à visão hedonista de uma cida- destres. Ao mesmo tempo, Nova Babilônia
de situciacionista já antevista por Gilles Ivain deu forma à noção de tecido urbano desen-
em 1952: uma série de bairros nomeados de volvida pelo filósofo Henri Lefebvre em suas
acordo com estados de espírito diferentes, e utópicas descrições de uma civilização urba-
nos quais a principal atividade de seus habi- na que ultrapassaria a velha distinção entre
tantes seria a contínua dérive.32 Constant des- cidade e campo.
creveu esses modelos como exemplos de
“urbanismo projetado para trazer prazer”. Em As semelhanças entre Nova Babilônia e ou-
significante ensaio intitulado Outra Cidade para tras fantasias megaestruturais dos anos 60,
Outra Vida, ele observou: tais como Archigram35 e Metabolism,36 me-
recem ser investigadas. Sem dúvida Nova
Ansiamos por aventura. Não a encon- Babilônia compartilhava com eles fascinação
trando na Terra, alguns foram procurá-la pela tecnologia e fé positiva no poder da
na Lua. Preferimos apostar em uma mu- arquitetura como estímulo para novos com-
dança na Terra em primeiro lugar. Pro- portamentos — dois aspectos que se tor-
pomos a criação de situações ali; novas naram alvo fácil para crítica, especialmente
situações. Contamos com a infração de tendo em vista a eventual assimilação do
leis que impedem o desenvolvimento de aspecto megaestrutural pela especulação
atividades afetivas na vida e na cultura. imobiliária dos anos 70 e 80. Além disso,
Estamos no amanhecer de uma nova era como muitos situacionistas tiveram a sagaci-
e já estamos tentando esboçar a ima- dade de observar, sua própria natureza como
gem de uma vida mais feliz.33 prefiguração romântica indicava que seria
certamente “recuperada” e transformada em
A temática de ficção científica aqui sugerida mera compensação para as deficiências da
pode ser mais bem observada na série de sociedade.37
unidades espaciais com o formato de ostras
chamadas Spatiovore, que expressam Contra essa eventualidade, a assim chamada
vigorosamente a vida nômade e sem raízes “segunda fase” da IS, que se seguiu ao desli-

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gamento de Constant em maio de 1960, dérive. “Andamos em círculos pela noite e
mostrou que outra direção se encontrava somos consumidos pelo fogo” lembra, de
aberta para a ampliação de táticas de jogo fato, a descrição clássica de Renato Poggioli
num comportamento mais intensamente do momento agonístico da vanguarda, o
politizado, como pode ser observado na ponto de auto-imolação alcançado quando,
poesia urbana do graffitti, na arquitetura re- como ele coloca, “em sua ansiedade febril
belde das barricadas, e no détournement de de sempre ir além”, alcança um ponto em
ruas inteiras em maio de 68.38 Apesar de o que ignora até mesmo sua própria “catás-
papel da Internacional Situacionista nestes trofe e perdição” acolhendo essa auto-ruína
eventos ser ainda questionado, parece claro como um “sacrifício obscuro para o sucesso
que muitos deles foram inspirados por seu
de movimentos futuros”.43 Esse ponto só
espírito lúdico e sua capacidade, nas pala-
poderia ser mais bem colocado pelo pró-
vras de Huinziga, de “expressar uma formi-
prio Debord, que escreveu, em outra decla-
dável seriedade através da brincadeira”.39
ração que recorre à forma cíclica do
Para concluir, três observações de caráter palíndromo: “todas as revoluções entram na
geral. Primeiro, a filosofia lúdica de Huizinga história, e a história não rejeita nenhuma
foi apenas um dos muitos elementos que delas; e os rios da revolução voltam a sua
alimentaram as práticas urbanas da Interna- origem, para fluir uma vez mais”.44
cional Situacionista; deve-se também levar
Libero Andreotti é arquiteto, doutor em história da arte e
em consideração sua crítica à cultura de con- da arquitetura, professor no Georgia Institute of Technology.
sumo do pós-guerra e suas múltiplas cone- Com Xavier Costa, foi curador da exposição Situacionistas
xões com outras manifestações culturais e (1996-1997), no Museu de Arte Contemporânea de Bar-
celona, publicando o catálogo Situacionistas. Arte, política,
políticas na França e em outros lugares —
urbanismo e a antologia Teoría de la deriva y otros textos
tema estudado por Simon Sadler, entre ou- situacionistas sobre la ciudad (Barcelona: Actar, 1996). Seus
tros, em seu livro The Situacionist City.40 Em artigos sobre arte e arquitetura do século 20 foram publi-
segundo lugar, é igualmente importante cados em October, Architectural Theory Review, Journal
of Architectural Education e Lotus International. Organi-
elucidar as complexas relações da IS com a zou recentemente o livro Le grand jeu à venir: textes
teoria marxista, especialmente a leitura de situationnistes sur la ville (Paris: Editions de la Villette, 2008).
Debord sobre a teoria da reificação de
Lukács. 41 Uma teorização da estrutura Este texto foi originalmente publicado em
fenomenológica do jogo pode, nesse senti- October n. 91, inverno de 2000: 36-58, ten-
do, ajudar a preencher a brecha entre as cha- do sua primeira versão sido apresentada na
madas “primeira” e “segunda” fases da IS, uma conferência Reconceptualizind the Modern
divisão ainda clara e infelizmente presente Architectural Culture 1945-1968, na Harvard
no foco excludente sobre dimensões artísti- Graduate School of Design, em 24 e 25 de
cas ou políticas do movimento de recentes abril de 1998.
textos históricos.41 Em terceiro lugar e final-
Copyright (C) October Magazine, Ltd. e
mente, é essencial enfatizar o impulso
Massachusetts Institute of Technology
agonístico que animava a teoria e práticas
urbanas da IS. Isso sugere leitura mais ampla Tradução: Ana Linnemann, Ana Cavalcanti
do palíndromo latino com o qual abri este e Rodrigo Krul
ensaio, que vá além de sua função como
forma literária lúdica e figura poética da Revisão Técnica: Simone Michelin

TEMÁTICAS • LIBERO ANDREOTTI 145


Notas et les homes – le masque et le vertige. Paris: Gallimard,
1967) e Giorgio Agamben (In Playland: Reflections on
1 Debord, Guy. Panégyrique. Paris: Gérard Lebovici, History and Play, in Infancy and History: Essays on the
1989. Existe edição em português (São Paulo: Destruction of Experience. Londres e Nova York: Ver-
Conrad, 2002). (N.T) so, 1993: 65-88).

2 O palíndromo é freqüentemente atribuído ao orador ro- 5 No original em francês. (N.T.)


mano Sidonius Apollinare, que o utilizou para descrever
6 No original em francês. (N.T.)
os arabescos formados no ar pelas mariposas, insetos
notoriamente cegos, circulando à noite ao redor da cha- 7 Homo Ludens: 12.
ma de uma vela. Os últimos escritos sobre a International
Situacionista são muito numerosos para este espaço; o 8 Ed Van der Elsken e Andre Deutsch. Love on the Left
melhor texto de referência geral em inglês é Ken Knabb Bank. Haarlem: Verenigde Drukkerijen, s.d. Consultar
(ed.). Situationist International Anthology. Berkeley: também as lembranças de um membro da IL, Jean-Michel
Bureau of Public Secrets, 1990. Sobre as práticas urba- Mension, em La Tribu. Paris: Allia, 1999.
nas da IS, consultar também Thomas Levin. Geopolitics 9 Homo Ludens: 153.
of Hibernation, in Libero Andreotti e Xavier Costa (eds.).
Situationists: Art, Politics, Urbanism. Barcelona: Actar, 10 Guy Debord e Asger Jorn. Mémoires. Paris: Jean-Jacques
1996: 111-63. Pauvert aux Belles Lettres, 1993.

3 No original “cuts clean across any possible distinction 11 No original “antiphonal” (N.T).
between play and seriousness” (N.T.). Johan Huizinga. 12 No original “letter-poetry” (N.T.).
Homo Ludens: A Study of the Play Element in Culture.
Boston: Beacon Press, 1990: 110. Embora a importância 13 “Me souvenir de toi? oui, je veux”, “Le soir, Barbara”, “pleine
dos textos de Huizinga para a IS seja frequentemente de discorde et d’épouvante”, “il s’agit d’un sujet
mencionada, nenhum esforço foi ainda feito para profondément imprégné d’alcool”. (“Lembrar-me de ti?
examiná-la detalhadamente. Dois livros recentes sobre Sim, eu quero”, “ À noite, Barbara”, “cheia de discórdia e
a IS, um de Sadie Plant (The Most Radical Gesture: The de espanto”, “trata-se de um assunto/sujeito profunda-
Situationist International in a Postmodern Age. Londres mente impregnado de álcool”)
e Nova York: Routledge, 1992) e outro de Anselm Jappe
14 Debord e Wolman, Methods of Détournement, em
(Debord. Pescara: Edizioni Tracce, 1992), por exemplo,
Knabb: 8, e Détournement as Negation and Prelude,
não mencionam Huizinga, uma das poucas fontes reco-
em Internationale Situationniste 3, dezembro de 1959,
nhecidas da IS. Conferir especialmente o texto de Guy
republicado em Knabb: 55-56.
Debord Architecture and Play, republicado em Libero
Andreotti e Xavier Costa (eds.). Theory of the Dérive 15 Essa foi uma semana de deriva em torno do Natal de
and Other Situationist Writings on the City. Barcelona: 1953. Todos os locais mencionados no relato (incluin-
Actar, 1996: 53-54. De acordo com Debord, “o idealis- do a Île de la Cité, Les Halles, a loja de departamentos
mo latente e a estrita compreensão sociológica das for- Samaritaine, e a Contrescarpe) são mostrados nessa
mas superiores de jogo [em Huizinga] não diminuem o página. Consultar Two Accounts of Dérive in Theory of
valor básico de sua obra”. De fato, Debord declara que the Dérive: 28-32.
“seria inútil querer encontrar algum outro motivo por
trás de nossas teorias da arquitetura e da deriva, além 16 A praça da Contrescarpe, em Paris, localiza-se na proxi-
de uma paixão pelo jogo”, acrescentando que “o que midade do Panthéon e da Rua Mouffetard, no Quartier
devemos fazer agora é mudar as regras do jogo, substi- Latin. (N.T.)
tuindo convenções arbitrárias por regras com base mo- 17 Position du Continent Contrescarpe in Les Lèvres Nues,
ral”. Um ano antes de esse artigo aparecer em Potlatch 9, novembro de 1956: 40.
20, maio de 1955, André Breton elogiou o trabalho de
Huizinga em Medium 2 e 3 (fevereiro e maio de 1954) 18 Consultar especialmente The Elements of Mythopoiesis,
e o vinculou a vários jogos surrealistas. Consultar Mirella Homo Ludens: 136-46.
Bandini. La vertigine del moderno: percorsi surrealisti.
19 Une Ville Flottante é também o título de um livro de Jules
Rome: Officina Edizioni, 1986, 152p.
Verne sobre o barco a vapor utilizado para lançar os
4 Homo Ludens: 12. Sugestiva discussão da posição cabos telegráficos sobre o Atlântico em 1867.
antiobjetivadora de jogador e jogo de “mediação total
20 Position du Continent Constrescarpe : 40.
da forma e conteúdo” encontra-se em Hans Georg
Gadamer. Truth and Method. Nova York: Crossroad, 21 Debord também criou um jogo de tabuleiro intitulado Le
1986: 91-113. Consultar também Roger Caillois (Les jeux Jeu de la Guerre (Paris: Société des Jeux Stratégiques et

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Historiques, 1977). Consultar igualmente suas reflexões de transformação utópica que foi apresentado pela IS
sobre a guerra em Commentaires sur la société du como “a única realização de um urbanismo revolucioná-
spectacle. Paris: Editions Gérard Lebovici, 1988. rio até então”. Consultar Internationale Situationniste 12,
setembro de 1969: 110.
22 Consultar Joseph Gabel. False Consciousness: An Essay on
Reification. Bristol: Blackwell, 1975: 148 passim.; e Georg 31 Consultar Levin, Geopolitics of Hibernation: 128.
Lukács. History and Class Consciousness: Studies in Marxist
Dialectics. Londres: Merlin Press, 1990: 89-90. 32 Formulary for a New Urbanism, in Theory of the
Dérive: 14-17.
23 Em Les Lèvres Nues 5, junho de 1955: 28, um escritor
anônimo observa a similaridade, a qual deveria ter sido 33 Theory of the Dérive: 92.
consistente com a filosofia naturalista de Madeleine de 34 Consultar Constant, La Révolte de l’Homo Ludens, in
Scudéry. Em Carte du pays de Tendre, o Rio da Inclina- New Babylon Constant: 127-58.
ção conduz da cidade da Brotação da Amizade ao des-
conhecido Território do Amor, acima. Separa a Terra 35 Archigram – grupo de arquitetos ingleses formado em
da Razão à direita, dominada pelo Lago da Indiferença, 1961 com base na Architectural Association School of
da Terra da Paixão, à esquerda, prolongando-se além, Architecture, em Londres. Suas propostas inspiravam-
em direção à Floresta da Loucura. Sobre a Cidade Nua, se na tecnologia como forma de expressão para criar
projetos hipotéticos, na tentativa de resgatar as premis-
consultar também os perceptivos comentários de Tom
sas fundamentais da arquitetura moderna (Cf. Archigram
MacDonough em Situationist Space, October 67, inver- n.1, 1961). Seus principais membros foram Peter Cook,
no de 1994. Outra provável fonte para a Cidade Nua Warren Chalk, Ron Herron, Dennis Crompton, Michael
poderia ter sido a novela erótica de Jens August Schade Webb e David Greene [http://pt.wikipedia.org]. (N.T.)
(Des êtres se rencontrent et une douce musique s’élève
dans leurs coeurs. Paris: Editions Gérard Lebovici, 1991) 36 Metabolism – grupo de arquitetos e urbanistas japoneses
descrevendo as inúteis andanças do libertino, apaixo- formado em 1959. Sua visão de uma cidade do futuro
nando-se e se desapaixonando intermitentemente, in- habitada pela sociedade de massa foi caracterizada pelo
capaz de manter um rumo fixo. Publicado pela primeira uso de amplas estruturas flexíveis e extensíveis que per-
mitissem um processo de crescimento orgânico. [http:/
vez em francês em 1947, o romance de Schade foi am-
/en.wikipedia.org]. (N.T.)
plamente lido no círculo de Debord.
37 Consultar particularmente Critique de l’Urbanisme,
24 Theory of the Dérive, republicada em Theory of the
Internationale Situationniste 6, agosto de 1961: 6; And
Dérive: 26.
Now, the SI, Internationale Situationniste 4, agosto de
25 French Quotidian, em Lynn Gumpert (ed.). The Art of the 1964), republicado em Knabb: 135-36. Outras críticas
Everyday: The Quotidian in Postwar French Culture. Nova de Constant estão em Révolte et récupération en
York e Londres: New York University Press, 1977: 22. Hollande, Internationale Situationniste 11, outubro de
1967: 66, e L’avant-garde de la présence, Internationale
26 Homo Ludens: 158-72. Situationniste 8, janeiro de 1963: 17.
27 Ibid.: 203-4. Consultar também Mirella Bandini (L’estetico 38 Sobre a IS e Maio de 68, consultar René Vienet. Enragés et
e il politico: da Cobra all’Internazionale Situazionista 1948- situationnistes dans le mouvement des occupations. Pa-
1957. Roma: Officina Edizioni, 1977: 170-81) e as mui- ris: Gallimard, 1968; e Pascal Dumontier. Les Situationnistes
tas cartas de Debord para Gallizio no arquivo Gallizio, et Mai 68: théorie et pratique de la révolution (1966-
Museo Civico di Torino. 1972). Paris: Editions Gérard Lebovici, 1990.
28 Consultar Architecture and Play: 53. 39 Homo Ludens: 145.
29 Consultar Die Welt als labyrinth in Internationale 40 Simon Sadler. The Situationist City. Cambridge: MIT
Situationniste 4, junho de 1960: 5-7. Press, 1998.
30 Sobre Nova Babilônia, consultar Jean-Clarence Lambert. 41 Consultar A. Jappe, Debord: 30-48.
New Babylon Constant: Art et Utopie. Paris: Cercle d’Art,
1997; e Mark Wigley. Constant’s New Babylon: The 42 Consultar meu Leaving the Twentieth Century: The
Hyper-architecture of Desire. Rotterdam: 010 Publishers, Internationale Situationniste, in Journal of Architectural
1998. Como observa Roberto Ohrt em Phantom Education, fevereiro de 1996.
Avantgarde, Eine Geschichte der Situationistischen
43 Renato Poggioli. The Theory of the Avant-Garde.
Internationale und der modernen Kunst (Hamburgo:
Cambridge e Londres: Belknap Press of Harvard
Edition Nautilus, 1990), o título foi também uma prová-
University Press, 1968: 26.
vel referência ao filme de Kosinzev e Trauberg, Nowi
Wawilon, de 1929, sobre a Comuna de Paris, momento 44 Panegyric, v. I. Londres e Nova York: Verso, 1991: 25.

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