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O Mundo e as Imagens - um ensaio sobre a cultura e a

experiência visual
Fernando Carvalho

18:16 h. Coloco uma blusa branca, calças jeans, tênis. Pego minhas chaves,
meu relógio (graças ao qual pude ver que estava atrasado...) Saio de casa. -
“Tchau!” Toco o botão do elevador que responde cando vermelho; em um
pequeno painel acima da porta os números decrescem até que param no sexto
andar, penso: “Mais dois e chegou”. Entro e aperto o botão do andar térreo,
identicado pela inicial T. Tenho nas mãos o jornal onde, na sessão de
entretenimento vejo a hora e o local do lme.
Deixo o prédio, estou na rua. Ando o mais depressa que posso e em 8 minutos
e 55 segundos estou no ponto. Várias pessoas esperam embaixo da placa azul
com um pequeno desenho de um ônibus. Algumas têm no rosto o mesmo olhar
que eu, nervoso, sobrancelhas curvadas, testas contraídas; outras leêm livros,
conversam, não devem estar com hora marcada.
A cada momento que passa co mais tenso e me pergunto: “Quando verei os
três números que preciso? Aqueles do veículo que me levará ao cinema?” 584,
aí está! Faço sinal, os freios dão um grito impossível de ser representado em
letras. Coloco a mão no bolso e puxo duas notinhas verdes de um real cada
uma. Entrego para um sujeito meio taciturno de blusa azul e calças pretas
sentado em frente a uma roleta rubra. Ele me devolve uma moeda de 50
centavos. Sento. Tento me acalmar.
Na janela, um festival de cores e texturas me deixa embrulhado (este motorista
era daqueles que brincam de piloto de Fórmula 1). A uns cem metros vejo um
outdoor com uma imensa torta de chocolate e me lembro: “Esqueci de lanchar
antes de sair!”
Bem, agora já era. Nos muros, diversos grafttis denunciam a vida urbana.
Começo a divagar sobre existencialismo e losoa barata. Também, não é pra
menos, estou indo ver um lme do Godard...
As placas com os nomes das ruas indicam que estou chegando. O relógio
marca 18:51 h. Passamos pela Padaria Real. No próximo ponto vou descer.
Puxo a cordinha e uma luz no painel do motorista acende. O ônibus pára,
desço voando.
Corro feito um louco pelas calçadas de pedra portuguesa. Luz vermelha. 30
segundos. Uma silhueta de um bonequinho andando acende em verde. Saio
correndo de novo. Um, dois, três, sete quarteirões. - “Ufa!” Cheguei.
Subo as escadas rolantes do cinema. Sala 1, à esquerda; sala 2, ao centro;
sala 3 à direita. É essa!
Aproximo-me da bilheteria, vou percorrendo o aposento com os olhos em
busca do cartaz, do nome do lme, de imagens em tamanho real dos
protagonistas estampadas em papelão, mas não acho nada!? Pego o jornal,
revejo o cartaz impresso do lme e busco sua versão colorida em tamanho
ampliado nas paredes do salão. Novamente nada... Meu coração que
bombardeava meu peito vai se cansando e o suor na minha testa pinga em
minha blusa. Sou quase um espantalho no meio do caminho, parado em um
silêncio congelado.
Um arrepio sobe pela coluna, vértebra a vértebra e, de súbito vejo novamente o
jornal. No cabeçalho, em letras miúdas e insensíveis à minha pressa, repousa
a data de impressão, de quatro semanas passadas...
1. O Sentido do Visual
A história descrita acima tenta mostrar, sob certos aspectos, a predominância
das informações visuais presentes no cotidiano. Ao longo de seu percurso de
casa ao cinema, o protagonista recebe inúmeras mensagens que precisa ler e
interpretar; desde cores, formas e texturas, até números, palavras, gestos e
expressões faciais. De uma maneira geral, as sociedades humanas
demonstram certa preferência pela informação visual. Tudo que nos cerca são
imagens, e como tal, elas comunicam alguma coisa sobre o modo que
vivemos, a cultura da qual fazemos parte, os hábitos e as pessoas que
compõem o coletivo de uma sociedade. Dentre os sentidos que possibilitam
nossa interação com o entorno, a visão é, sem dúvidas, o mais especializado e,
também, aquele pelo qual obtemos informações mais complexas. Através do
olhar podemos dizer se uma fruta está madura, se é dia ou noite, se estamos
longe ou perto de um dado objeto, se um raio x indica um osso fraturado, se
um vaso é verde ou se fomos bem em um teste de matemática. Donis Dondis,
em seu livro Sintaxe da Linguagem Visual arma que a visão supera os outros
sentidos na medida em que a experiência visual nos permite um conhecimento
direto, imediato do objeto que contemplamos.
Mais adiante veremos que, apesar deste caráter aparentemente instantâneo do
olhar, a distância entre ver e compreender o que estamos vendo nem sempre é
conhecida ou respeitada. Pelo contrário, como a visão é um atributo nato dos
seres humanos (salvo alguns casos) temos tendência a acreditar que enxergar
não requer nenhum esforço. Ledo engano, como nos alerta tão sabiamente
José Saramago, em seu romance Ensaio Sobre a Cegueira: “Se podes olhar,
vê. Se podes ver, repara”.
Ao longo da história, a imagem pode descrever características daqueles que as
produziam e do meio no qual estavam inseridos. A capacidade humana de
produzir e interpretar informações visuais possibilitou tanto aos homens
primitivos desenharem nas paredes das cavernas, quanto aos cientistas da
contemporaneidade interpretarem tais desenhos enquanto manifestações
culturais de indivíduos dotados de certa inteligência. Antes do advento da
máquina fotográca e das vídeo-lmadoras, a pintura, o desenho e a escultura
se conguraram como importantes registros da atividade humana e das
peculiaridades de cada organização sócio-cultural (Leite, 1998).
O desenvolvimento de outros meios de representação (por exemplo, a escrita,
as câmeras de vídeo e o computador) não anulam a importância de seus
predecessores. Muito pelo contrário, as novas possibilidades de representação
só estendem o repertório estético-semântico das mensagens visuais; as mídias
se complementam. Obviamente as conquistas tecnológicas e o avanço nos
campos da produção, reprodução e veiculação de imagens acabam por conferir
grande destaque àquelas mídias que proporcionam uma experiência visual
inovadora, mais dinâmica.
O desenvolvimento da indústria gráca, a aplicação da fotograa em
impressos, o surgimento do cinema e a posterior ampliação de possibilidades
de representação imagética alavancada pelas tecnologias digitais, deram à
imaginação humana as ferramentas necessárias para vestir o mundo com
imagens e personalizar o ambiente ao gosto das diferentes culturas. A imagem
ganha papel de destaque na atualidade pelo seu potencial comunicativo, suas
possibilidades de interpretação e sua dimensão signicativamente mais
universal do que a língua escrita.
De casa ao trabalho, do restaurante à uma sala de cinema, no Rio ou em
Recife, no Brasil ou na Índia, o mundo está sempre nos bombardeando com
informações visuais, com as quais precisamos interagir para agir, para nos
posicionarmos frente aos fatos. Curiosamente, apesar deste caráter imagético
e preponderantemente visual dos ambientes onde ocorrem as relações
interpessoais e de indivíduos com o entorno, a educação ainda insiste em uma
abordagem conceitual da cultura, subestimando o fato de que, hoje, o que
observamos é a hegemonia da cultura imagística (Trevisan, 2002).
2. Ver e Enxergar
Ao encararmos a informação imagética como instrumento de comunição de
idéias e sentimentos e, tendo conferido à mesma o status de principal veículo
de interação do homem com seu meio na atualidade, nos sentimos impelidos a
seguir os passos de Dondis, advogando uma educação que inclua o
alfabetismo visual.
Da mesma forma que a linguagem verbal, a linguagem visual nada mais é do
que um conjunto de símbolos e informações (talvez mais complexos e
numerosos que os da língua) que, quando combinados, têm como resultado
uma mensagem, uma expressão com algum signicado. Cabe destacar o fato
que a linguagem visual incorpora os signos da língua, dando importância
diferenciada aos mesmos, através da escolha tipográca, do tamanho da fonte,
da diagramação e do movimento (no caso de mídias efêmeras).
Desta feita, o objetivo da alfabetização visual não difere daquele perseguido
pela alfabetização da língua escrita e falada: dar subsídios ao maior número
possível de pessoas para que elas possam aprender, interagir, receber
informações, interferir e criar em uma realidade que se apresenta, na maioria
das vezes, de maneira visual àqueles que dela fazem parte.
Basta caminharmos pelas ruas e olharmos em volta para percebermos um
sem-número de imagens que compõem nosso mundo e das quais depende
nossa vida cotidiana. A presença ostensiva de placas, cartazes, outdoors,
letreiros, painéis animados, televisões, desenhos nas paredes e sinais
luminosos, dá a medida da importância de se levar à escola e aos meios de
produção e difusão do conhecimento as questões relativas ao visual, sua
inuência e seu poder comunicativo.
Na era pós-industrial, em um planeta globalizado que sinaliza tendências de
homogeneização cultural, a informação se congura como o principal agente
de troca entre diferentes culturas e organizações sociais; esta informação
circula sobremaneira pelos meios de comunicação de massa, quais sejam: a
televisão, o cinema, os jornais e revistas e a internet. Sendo assim, a urgência
pela alfabetização visual se torna evidente, uma vez que, sua intenção primeira
é a de incluir os indivíduos neste novo contexto que surge e que traz como
principal elemento intermediador da tríade homem-espaço-tempo, não mais a
língua, outrossim a imagem, as formas visuais, sejam elas estáticas ou
dinâmicas.
Acreditamos então que, para ajudar a propiciar maior integração entre as
pessoas e o ambiente que as cerca, e para que esta integração seja feita de
forma ativa, dando aos interlocutores autonomia diante das possibilidades às
quais são apresentados, se faz necessária uma democratização do
conhecimento imagético. Para tal, apontamos a escola como o ambiente onde
se dará o desenvolvimento e a difusão deste saber visual e os prossionais,
cujo instrumento de trabalho são as imagens (artistas plásticos, artesãos,
designers, decoradores, arquitetos, publicitários, cineastas, etc.) como os
responsáveis por aproximar o conhecimento imagético do meio educacional.
Não apontaremos neste ensaio as diretrizes que norteariam a inserção da
alfabetização visual nas escolas. Assim como outros processos pedagógicos, o
alfabetismo visual deverá ser adaptado às várias realidades dos grupos sociais
envolvidos. Sabemos que as diferenças culturais e sócio-econômicas entre
alunos e professores de escolas públicas e particulares do Rio, por exemplo,
são bem acentuadas. Ainda que alguns conceitos do alfabetismo visual
possam ser similares no início do processo, tais conceitos só terão substancial
relevância se aplicados à vida prática dos atores sociais envolvidos neste
empreendimento de “formação imagética”.
É importante ressaltar que não somos partidários de um pensamento utópico
sobre um tempo quando toda humanidade será composta por artistas ou
indivíduos capazes de produzir imagens belíssimas, próximas à obras-de-arte -
da mesma forma que não se espera de todos que podem ler e escrever que
sejam poetas ou romancistas. Reconhecemos que há uma distância
considerável entre ser capaz de compreender uma pintura e pintar uma
obraprima; o que nos interessa, por outro lado, é que pessoas em geral, não
apenas artistas ou designers, estejam aptas a ler as mensagens visuais à sua
volta, sem que quem à mercê de modismos, tendências ou na dependência
da interpretação de terceiros para fazer suas escolhas e tomarem decisões no
dia-a-dia de forma mais ativa e participativa. “Alfabetismo signica participação
e transforma todos que o alcançaram em observadores menos passivos [...]
Alfabetismo visual signica uma inteligência visual” (Dondis, 1991).
Para ilustrar as razões de nossa preocupação quanto à importância do visual e
de sua inuência nos acontecimentos cotidianos atualmente, dedicaremos a
parte que se segue à uma breve análise de como a imagem desempenha papel
signicativo na vida diária das pessoas. Para isso faremos algumas
considerações sobre a publicidade, as marcas e a mídia televisiva.
3. A Visível “Mão Invisível”
Dentro da cultura capitalista, a publicidade é o espetáculo inevitável que nos
surpreende nas páginas de revistas e nos muros das ruas, no cinema, na
televisão e no rádio, representando um mundo repleto de prazeres materiais
ilimitados através da sucessão de imagens agradáveis.*
(Crowley e Jobling, 1997)
Boa parte da cultura visual que compõe o ambiente urbano das grandes
cidades se constituiu por alguma forma de propaganda publicitária: cartazes de
festas, lipetas de lojas, busdoors de cursos de inglês, enm, todo tipo de
suporte onde possa ser aplicada uma mensagem, na maioria dos casos, com
forte apelo visual. A inuência exata que este mar de informações tem sobre
cada indivíduo é difícil de ser mensurada (mesmo intuindo que as reações
sejam parecidas). No entanto, é fato que a publicidade chega aos olhos de
todos, pois ela circula nos espaços comuns, nas ruas, nas praças, nos
parques, nos locais de entretenimento, nas vias públicas e também na
privacidade dos lares através dos televisores, computadores e aparelhos de
vídeo.
O título desta terceira parte é, evidentemente, uma alusão à teoria da mão
invisível apresentada por Adam Smith em seu livro intitulado A Riqueza das
Nações. Segundo Smith, haveria uma força oculta responsável por equilibrar o
mercado, o que justicaria sua posição aversa à intervenção do Estado na
economia e a favor do livre comércio. De forma similar, o que observamos hoje
é o progressivo crescimento do poder midiático e o alcance da publicidade nas
forças mercadológicas e no comportamento dos indivíduos em uma sociedade
globalizada. Tamanha é a inuência de este quarto poder que sua posição foi
comparada à da Igreja Católica na Idade Média (Griff, 1969). Se podemos
armar que a imagem é o veículo dominante na comunicação de massas do
mundo contemporâneo, sem dúvida, uma importante parte deste destaque se
deve à utilização ininterrupta das mesmas pela mídia. O * A tradução é minha.
No original: “Within the culture of capitalism, advertising is the unavoidable
spectacle that assails us from the pages of maganizes and from street
hoardings, in the cinema and on television and radio, representing a world
replete with unbounded material pleasures through a procession of delectable
images”.
discurso da propaganda é visual. O apelo da imagem é inigualável. Como dito
anteriormente, a experiência imagética é imediata, instantânea, e, as
informações na estrutura da vida diária precisam ser rapidamente acessáveis,
havendo o menos possível de ruído ou esforço, para que a comunicação do
indivíduo com o meio seja precisa (Moles, 1989).
Quando esta comunicação é feita via publicidade sua intenção é quase sempre
bastante clara: convencer alguém a comprar alguma coisa. Uma das principais
razões que transformou a publicidade em alvo de severas críticas na atualidade
é o papel fundamental que ela exerce na sociedade de consumo (Helm, 2002).
As corporações multinacionais investem em campanhas milionárias para
perpetuar a prática consumista. Estas corporações não têm compromissos com
nada além da lucratividade que pode resultar de um bom investimento em
propaganda.
A estrutura da publicidade consiste em criar necessidades, descontentamentos
e desejos, ou ainda, direcionar as vontades e a energia das pessoas para o
consumo. Para tal, cria-se um mundo de fantasias materiais que substitui a
realidade objetiva e que a supera, apresentando uma nova existência livre de
sofrimento, preconceitos, desigualdades e doenças que é alcançada por
aqueles que usam determinadas marcas ou compram determinados produtos.
Neste cenário, de um lado se encontram as pessoas em suas individualidades
oprimidas pelo poder da mídia e, do outro erguem-se as grandes corporações,
impondo à vida diária os padrões estéticos, o certo e o errado, obom e o mau.
A inuência da mídia no cotidiano é tão evidente que alguns autores (Klein, por
exemplo) acreditam que, nos dias de hoje, não são os intelectuais, os políticos
ou líderes religiosos que trazem a verdade à tona, mas sim o discurso da
propaganda que, em um mundo dominado por megaempresas multinacionais,
determina os caminhos e mostra a realidade às pessoas. Dicilmente um
pensamento crítico pode sobreviver em um ambiente tomado por mensagens
acríticas, ele se perde, se desvirtua. O volume de anúncios esmaga qualquer
possibilidade de um discurso paralelo se erguer e ser ouvido.
A publicidade encara todos como consumidores de seus produtos,
desconsiderando que há pessoas incapazes de consumir, mas que partilham
dos espaços onde circulam os anúncios. Este tratamento personalizado (pois
se dirige ao indivíduo, dialoga um a um), mas, ao mesmo tempo, impessoal
(uma campanha visa milhares, às vezes milhões, de pessoas) contribui não só
para a desvalorização das diferenças, como também para o esquentamento de
conitos entre aqueles que têm e aqueles que querem ter. Além disso,
podemos armar que, muitas vezes, as campanhas desrespeitam a dignidade
dos indivíduos que não podem consumir (mendigos, indigentes,
desempregados), mas que também fazem parte da coletividade, mesmo que
não sejam economicamente ativos, já que apresentam seus produtos como se
não houvessem barreiras ao consumo e como se a questão nanceira fosse
apenas um detalhe, não uma fronteira, um divisor de possibilidades.
Os defensores das grandes marcas e do império corporativo clamam que
marcas trazem conança às pessoas, que elas são a garantia de qualidade de
um produto. Se isto é verdadeiro, por outro lado, visualmente falando, nada em
uma marca denuncia se determinado produto é produzido em sweatshops, se é
vendido com uma margem exorbitante de lucro ou se ele traz danos à saúde.
Quer dizer, nenhuma empresa, em sã consciência, pede a quem irá desenhar
sua marca, que inclua conceitos de trabalho infantil, danos ambientais ou
câncer no pulmão, por exemplo.
Claro que, quando falamos em marca não estamos nos referindo somente à
assinatura da empresa, a união de um logotipo e um símbolo, mas sim à uma
imagem, uma identidade corporativa composta por uma série de coisas, dentre
as quais o sistema de identidade visual desempenha um importante papel. Esta
imagem corporativa é conseguida por um conjunto de ações que inclue toda
maquilagem hollywoodiana; desde eventos patrocinados pela empresa, até
músicas e estilos de vida que são atrelados à marca através de sua associação
com pessoas jovens e interessantes e, principalmente, celebridades que
representam o sucesso máximo no mundo globalizado, pois são aqueles que
todos gostariam de ser. Este espetáculo sensorial que arrebata o consumidor o
destitui da capacidade de discernir a verdade objetiva de um produto de sua
aura mística perpetrada pelas empresas. Tal cegueira temporária faz, por
exemplo, o fato do tabagismo causar diversos malefícios à saúde, ser bem
menos importante do que o visual esportivo e cool que o ato de fumar confere a
quem compra cigarro.
De toda forma, não pretendemos apenas discursar contra ou a favor da
propaganda, mas principalmente utilizá-la como uma ferramenta de análise do
papel da imagem na vida cotidiana, visto que, já constatamos que nos
processos comunicacionais do dia-a-dia, a imagem desempenha um papel
muito importante e a publicidade se utiliza deste poder comunicativo como um
meio para atingir as pessoas. Para isso, passaremos a analisar algumas peças
publicitárias veiculadas em campanhas no Brasil, que representam duas
grandes empresas, sendo uma multinacional: a McDonald’s e a paulistana
Schincariol.
Em campanha realizada há menos de três anos, a companhia Schincariol
patrocinou o megaevento ínternacional de música Rock in Rio, ocorrido no Rio
de Janeiro, tendo exclusividade na venda de cervejas dentro da área onde
ocorriam as apresentações. Mesmo assim, a marca continuou a ser derrotada
por outras do grupo Ambev, que na época ainda não havia se fundido. Em sua
última investida, a fábrica de bebidas, relançou a cerveja, que, anteriormente
como já vimos, não partilhava da preferência dos consumidores.
A campanha atual da Nova Schin é um excelente exemplo de como a
publicidade se utiliza de imagens, elementos de persuasão e referências
subjetivas para impelir as pessoas ao consumo de um produto qualquer.
Olhemos abaixo o anúncio de página dupla, pertencente ao conjunto de
açõesde marketing da camapanha, veiculado em diversas revistas de
expressão e alta tiragem: O caráter de convencimento é sem dúvida o mais
presente. Evidenciado, principalmente, pelas frases imperativas que repetem a
expressão “Experimenta”.
Nos anúncios veiculados em mídias dinâmicas (tv e vídeo) o jargão é entoado
em uníssono. A referência à hipnose é clara, tanto pela repetição da ordem
“Experimenta”, quanto pela espiral no centro da página, que em movimento
realça ainda mais a relação com o hipnotismo.
Obviamente é preciso dizer que tudo é novo, pois o velho já é conhecido e
sabemos que não agrada. Logo, o texto exprime a inovação esperada pelo
consumidor, dizendo que tudo mudou: novo sabor, nova fórmula e novos
ingredientes (mesmo que saibamos que os ingredientes da cerveja não podem
mudar muito, caso contrário teremos outra bebida e não cerveja).
Como uma importante peça no estratagema publicitário, a estética da marca
também deve trazer conceitos de renovação e melhora. Para tal, modica-se o
rótulo, e o visual dos anúncios segue as fórmulas das marcas líderes do
mercado: as cores principais (vermelho e dourado), a textura de “garrafa
suada”, o gesto da mão erguendo o copo. Ironicamente, a propaganda, de
forma geral, se mostra uma inovação antiga, já que propõe mudanças usando
referenciais consagrados, que trazem sucesso garantido. “É a propaganda
conversando com ela mesma” (Azevedo, 1996).
Nas campanhas televisivas, mais ricas em termos de possibilidades áudio-
visuais, o apelo é ainda mais ecaz. Som e movimento conferem ao conceito
de hipnose uma força muito grande. A utilização de jingles e músicas populares
dão à imagem perl familiar e criam um ambiente de festa, de celebração.
Talvez a principal arma desta campanha, porém, não esteja nos elementos
descritos acima. Em um comercial de televisão da Nova Schin o conceito
“Experimenta” ganha novo sentido, quando o cantor Zeca Pagodinho aparece
experimentando a cerveja. Mas porquê isso muda tudo? Simples, além de ser
uma celebridade carismática (entre outras que aparecem no comercial) e,
sabidamente um boêmio, a imagem conhecida do artista é de alguém que
adora cerveja e que só bebe da marca concorrente. Então, se até este
indivíduo que não é qualquer um experimentou e aprovou a Nova Schin, os
seres humanos normais, reles mortais, também hão de experimentar e gostar
da nova cerveja. Mais uma vez, a publicidade se auto-referencia para dar
credibilidade às suas ações. Posto isso e sem deixar de lado nenhuma das
regras que fazem uma campanha ser bem sucedida, a imagem da Nova Schin
é prontamente associada ao público jovem e saudável. A marca patrocinou a
etapa brasileira do Campeonato Mundial de Surf (WCT 2003) e anunciou seu
investimento na Fórmula 1 para o ano que vem. Os surstas e pilotos são a
prova viva de que os comprovados malefícios do álcool e as conseqüências de
seu consumo excessivo são meras crendices populares infundadas, pois, na
verdade a ingestão da Nova Schin transforma todos em superatletas bonitos e
atraentes.
A McDonald’s é uma das corporações mais emblemáticas do capitalismo
globalizado. Aliás, a própria presença de uma franquia McDonald’s é muitas
vezes entendida como o principal indício de uma atividade econômica
neoliberal e da aculturação exercida pelo pensamento ocidental (ou american
way of life) sobre as mais variadas localidades e comunidades do globo.
De qualquer forma, a Mcdonald’s é uma empresa multinacional e como tal, ela
vende algum produto. Este produto, de natureza alimentícia, é a comida fast-
food. Mas, como veremos adiante, a comida e só uma parte do que esta
empresa vende. Na verdade, o que é vendido é um estilo de vida, uma forma
de ver o mundo. Ou pelo menos assim nos fazem crer as campanhas da
McDonald’s.
A comida fast-food têm valor nutricional muito baixo, altas percentagens de
gordura e a origem dos ingredientes é duvidosa, além de estragar rápido e
nunca ser idêntica às fotos ilustrativas que ornamentam as lanchonetes. O
interior dos restaurantes que vendem este tipo de comida (geralmente são
grandes franquias) é padronizado segundo determinações das matrizes
multinacionais, em geral, de origem estadunidense, as instalações não são
confortáveis e os atendentes agem como robôs autômatos.
Esta breve descrição nos leva à uma indagação óbvia: Por que, então, as
pessoas consomem tanto fast-food ?
Acreditamos que sejam duas as principais razões: 1) o sabor da comida é
realmente muito bom, embora seja conseguido articialmente, com o uso de
aromatizantes e corantes cuja ingestão provoca consequências ainda não
totalmente conhecidas para o organismo humano (acredita-se que algumas
dessas substâncias possam inclusive ser cancerígenas); 2) A publicidade das
franquias fast-food é um investimento milhionário e extremamente eciente,
que cria uma imagem positiva e desejada pelo público. A ecácia das
campanhas de empresas como a McDonald’s é tão grande que a maioria dos
consumidores de fast-food nem toma conhecimento dos malefícios deste tipo
de alimentação e, nas raras ocasiões que são apresentados aos fatos, eles
preferem a fantasia criada pelos anúncios, pois esta é muito mais agradável do
que a verdade objetiva: comida fast-food traz sérios danos ao organismo e as
corporações que as produzem não estão preocupadas com nada além da
obtenção de lucros exorbitantes.
Os impressos que passamos a analizar, compõem parte da última campanha
da McDonald’s sob o tema: “Amo muito tudo isso”. Vejamos os dois exemplos
abaixo:
A criatividade desta campanha beira a estupidez. Porém, sua simplicidade é,
de fato, muito eciente. 99,9% das pessoas acreditam no amor como a forma
de se alcançar paz e felicidade. O amor tem muitas formas e, a McDonald’s
quer ser uma delas.
A campanha “Amo muito tudo isso” se dirige tanto aos que amam quanto
àqueles que buscam o amor. O que o anúncio nos diz é: “Se você ama, venha
para perto de quem ama também! Coma o que os apaixonados comem e curta
a vida com amor!”. Já para os que buscam o nobre sentimento, o sentido é
outro: “Comendo no McDonald’s você achará o amor, assim como estas
pessoas superfelizes que aparecem em nossos anúncios e que consomem
nossos produtos.”. É Como nos coloca o publicitário Jelly Helm em um ensaio
que pretende dissecar a publicidade: Comprar coisas nos fará felizes.
Produtos e empresas são destituídos de sentimentos, são coisas inanimadas.
Ao conferir sensibilidade às suas imagens, as corporações se humanizam e se
tornam mais atraentes aos consumidores, pois consumidores são aqueles que
nós costumávamos chamar de pessoas (Rock, 2002), e como tal eles têm
sentimentos.
As empresas sabem dessa fraqueza e é por aí que penetram na essência dos
indivíduos, apelando às suas emoções, àquilo que não podem dominar por
completo.
Por essa (e outras) razão(ões) que acreditamos na alfabetização visual como
uma forma de emancipação dos ditames mercadológicos que nos assaltam
sem aviso, enquanto caminhamos despreocupados. O saber visual é uma arma
contra as investidas do consumismo e a favor da liberdade. Se somos
atacados visualmente só poderemos nos defender quando entendermos o que
e quem nos ataca.

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