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Qual nikkei nunca teve de soletrar o próprio sobrenome para alguém que escreveu com “x” o que
era para ser “sh”? Os Tanaka - que se tornam Tanacas - e os Sasaki - lidos com som de “z” no lugar
de “ss” - devem estar acostumados a esses mal-entendidos. Mas se no Brasil existe dificuldade na
escrita dos sobrenomes japoneses, por incrível que pareça, no Japão a coisa é mais complicada
ainda.
Para começar, as estimativas apontam para a existência de 100 a 300 mil sobrenomes no
arquipélago. E muitos deles possuem mais de uma forma de leitura e escrita. Isso faz com que o
Japão seja um dos países com maior número de sobrenomes do mundo. A China, com quase um
quinto da população mundial, tem menos de 500 sobrenomes.
Os sobrenomes japoneses, em sua complexidade, dizem muito sobre a pessoa. A partir da escrita e
leitura dos kanji, muitas vezes, é possível encontrar as origens de uma família, o local em que
viveram sua escala social, sua história. Pelo seu significado, dá para descobrir se os antepassados
foram camponeses de uma região ou pertenceram a uma classe samurai. Neste caso, consegue-se
encontrar o brasão (kamon) que representa a família até hoje, em diversos pontos turísticos pelo
Japão.
Atualmente, esse trabalho de pesquisa é facilitado pelo Koseki Tohon, um registro familiar
organizado pelas prefeituras japonesas e criado no início da era Meiji (1868-1912). Nele constam as
relações de parentesco, bem como seu local de residência, casamentos e parentes que já faleceram.
Até hoje, o documento é obrigatório quando o nikkei pede o visto de longa permanência para entrar
no Japão.
Antes da restauração Meiji, iniciada em 1868, o povo não tinha o direito a um sobrenome. Manter
oficialmente um nome de família era privilégio de classes mais favorecidas, como a dos chefes de
clãs regionais.O próprio imperador concedia-os, de acordo com a linhagem familiar ou função
ocupada. Esse direito também era cedido às classes guerreiras, médicos, monges xintoístas e
comerciantes que tivessem dinheiro suficiente para comprá-lo.
Os cidadãos comuns tinham de se contentar em se diferenciar por alguma peculiaridade da pessoa,
seja o tipo de trabalho exercido, uma característica do corpo ou o local de moradia. Assim, o
“Hiroshi que morava ao pé da montanha” era conhecido como Yamamoto no Hiroshi (山 = yama =
montanha, 本 = moto = pé).
Em 1870, como medida para organizar o país, o governo recém-unificado determinou que todos
tivessem sobrenomes. Em 1875, o registro de nome e sobrenome no Koseki Tohon virou obrigação,
iniciando uma corrida que exigia muita imaginação. Alguns mantiveram os nomes de suas
profissões ou locais de nascimento, pelos quais já eram conhecidos.
Outros pediram ao senhor das terras em que trabalhavam para lhes inventar um - nessas idas e
vindas, vilas inteiras recebiam o mesmo sobrenome. Os mais supersticiosos recorreram aos
conselhos de monges, enquanto outros aproveitaram a oportunidade para se fazer passar por nobres.
A obrigatoriedade repentina somada à urgência do cumprimento da lei foram as causas para a
existência de tantas formas de escrever e ler esses nomes. é verdade que “apenas” 7 mil deles
nomeiam 96% da população nos dias de hoje, mas dá para imaginar o que existe nos outros 4%.
Estrutura
Existe uma grande imprecisão sobre quantos sobrenomes há hoje no Japão. Pesquisadores afirmam
haver 80, 100, 200 e até 300 mil tipos. Uma das principais causas dessa gigantesca variação é o
método de contagem. Há quem considere só a escrita, enquanto outros observam também as formas
de leitura.
O sobrenome 鈴木, por exemplo, pode ser lido como Suzuki, mas também como Susugui, Susuki,
Suzunoki, Suzu, Suzushi, Susu, Susuheri, Susuriki, Suzugui, Zusuki, Zuzuki, Nuzuki, entre outros.
Para complicar ainda mais, Suzuki pode ser escrito em mais de uma dezena de formas diferentes
(Exemplos: 鈴 木 , 須 々 木 , 鈴 置 etc). Assim como Suzuki, a maioria dos sobrenomes são
compostos de dois kanji. Geralmente, os japoneses procuram equilibrar a relação entre nomes e
sobrenomes. Se o nome de família tem um kanji, o nome deve ter dois ou três, enquanto alguém
com um sobrenome composto de quatro kanji tem, preferencialmente, o nome com apenas um.
Essa relação entre nome e sobrenome também tem outras regras. é costume no Japão o nome de
família vir antes do nome de “batismo”. Uns dizem que é por causa da valorização da família sobre
o indivíduo. Mas a teoria mais aceita, e curiosa, diz que essa relação deriva da própria estrutura
lingüística da qual surgiram os sobrenomes.
Numa explicação superficial, a língua japonesa demonstra a relação de posse pela partícula “no”.
Para falar, por exemplo, a “maçã do Takeda”, escreve-se “Takeda no ringo”. Seguindo essa idéia, O
Yamamoto no Hiroshi citado no começo da reportagem seria o Hiroshi “do” Pé da Montanha.
Assim, quando entrou em vigor a lei que obrigava todos a terem sobrenomes, muitos apenas
dispensaram a partícula do meio, como o Yamamoto Hiroshi.
Outro padrão adotado é não usar nomes do meio, como fazem os nikkeis no Brasil. Ter somente
dois nomes é tão comum no Japão, que muitas fichas de inscrição japonesas apresentam apenas o
campo para nome e sobrenome, causando problemas de identificação para estrangeiros que
possuem o “nome do meio”.
Na hora do casamento também surgem problemas. Ou o marido ou a mulher têm de ceder: apagar o
sobrenome da família e adotar o do parceiro. A legislação não permite que cada um tenha um
sobrenome diferente.
No entanto, pesquisas apontam que a maioria dos japoneses aceitaria bem uma mudança nas leis
que permitissem marido e mulher a manter seus sobrenomes. Por outro lado, não há nenhuma
indicação de que a adoção de nomes do meio esteja ganhando popularidade.
Antigamente, ter um sobrenome era sinônimo de status e honra. Por isso, as classes sociais mais
baixas sequer possuíam um. Um restrito grupo de poderosos senhores feudais e a Família Imperial
tinham o poder de conceder uma espécie de título de nobreza, os Kabane (姓), aos seus aliados.
Eles compuseram a primeira leva de sobrenomes criados no Japão. Um segundo grupo surgiu “por
baixo dos panos” entre a segunda metade da Era Heian (final do século XII) e o fim do período
Muromachi (1573). Estes começaram a despontar a partir de diversas peculiaridades para identificar
as pessoas comuns. Região, relevo ou profissão serviram para formar o que seria a base para a
maioria dos sobrenomes japoneses hoje existentes.
Clãs poderosos
Apesar de ser um símbolo, a Família Imperial era mais um clã de poder entre tantos outros da
antigüidade. O imperador, então, tinha de conceder a eles títulos de nobreza (Kabane) de acordo
com a posição e ocupação de cada um. Grande parte dos clãs modificaram suas árvores
genealógicas para demonstrar ligação com a Família Imperial. Os mais conhecidos são FUJIWARA,
SAGA, MONOBE, OOTOMO, KIBI e KENO.
Estrangeiros
Após o século IV, clãs inteiros de países vizinhos como a China e a Coréia desembarcaram no
arquipélago. Uns como prisioneiros ou reféns. Outros como refugiados, após terem perdido disputas
de poder em seus países. Por possuírem muitos conhecimentos e tecnologias avançadas, ganhavam
sobrenomes. Alguns exemplos são as famílias HATA (秦) e AYA (漢).
Templos xintoístas
Cada templo tinha uma família responsável, que responsáveis pelo Usajingu (宇佐神宮), em Oita,
eram a família USA, enquanto os IZUMO zelavam do Izumotaisha (出雲大社), em Shimane.
Lugar
A maioria dos sobrenomes japoneses possui a origem em um lugar. Muitos adotaram o nome da
região onde moravam, tanto os nativos como aqueles que se mudaram e se identificavam com o
local. Por outro lado, havia aqueles que usavam nomes de sua terra natal como sinal de orgulho.
Relevo ou paisagem
Os sobrenomes com a segunda maior ocorrência são os derivados de aspectos topográficos ou de
paisagens da natureza. Tais características serviram para distinguir os moradores de uma mesma
região, já que se todos aderissem ao local de residência como sobrenome não conseguiriam se
diferenciar.
Assim, cada família usou peculiaridades da localização da casa. Como no Japão há uma abundância
de rios, montanhas, arrozais e praias, sobrenomes com YAMA 山/ KAWA 川/ TA 田 / IKE 池/
HAYASHI 林 / MORI 森 / HARA 原 / HAMA 浜 são muito comuns, sem qualquer relação de
parentesco entre eles.
Direção e posição
Assim como peculiaridades de relevo e ambiente, direções também foram utilizadas pelos
japoneses. é comum a existência de sobrenomes com kanji como Leste (Higashi [東]), Oeste (Nishi
[西]), Sul (Minami [南]), Norte (Kita [北]), dentro (Naka [中]), fora (Soto [外]), direita (U [右]),
esquerda (Sa [左]), entre outros, usados em conjunto com elementos da natureza. NISHIMURA (西
村), por exemplo, signifi ca vilarejo do leste.
Profissão
No Japão, até antes do período Edo (1603-1867), a grande maioria das carreiras era transmitida de
pai para fi lho por diversas gerações. Isso explica a existência das diversas famílias com kanji de
profissão em seu sobrenome. Os INUKAI (犬養) eram realmente criadores de cães (inu = cachorro;
kai = criador), assim como os TORIKAI (鳥飼) eram de pássaros (tori = pássaro).
Os comerciantes, que apareceram com mais força no período Muromachi (1336-1573), adotavam
sobrenomes como Nabeya ( 鍋 = Nabe = panelas | 屋 = Ya = loja) ou Echigoya (neste caso,
ECHIGO [ 越 後 ] era o nome dado ao estabelecimento dessa família). Após a restauração Meiji
(1868), algumas pessoas retiraram o Ya, permanecendo apenas com o restante do sobrenome.
Outros substituíram o 屋 pelo 谷 (tani), que tem o mesmo som.
Fuji
O kanji campeão de aparições em sobrenomes japoneses é o Fuji (藤), que significa glicínia, uma
espécie de planta trepadeira, que também pode ter leitura “To” e “Do”. Entre os exemplos que
podem ser citados estão SATO 左 藤 , ANDO 安 藤 , KUDO 工 藤 , KATO 加 藤 , GOTO 後 藤 ,
KONDO 近藤, SAITO 斉藤. A maioria era proveniente do sobrenome FUJIWARA (藤原).
No período Heian (794 - 1185), a corte imperial era comandada pelo clã Fujiwara. Toda a nobreza e
os burocratas possuíam o mesmo sobrenome. Para distingui-los, eles preservavam o kanji 藤 junto
a outros que indicavam uma peculiaridade. Os FUJIWARA que moravam na cidade de Ise ( 伊勢),
por exemplo, se tornaram os ITO (伊藤).
Monge budista
Antes do período Edo, as pessoas que se tornavam monges perdiam o sobrenome para demonstrar
que abandonavam o mundo terreno. Mas com a restauração Meiji, até mesmo eles foram obrigados
a adotar um segundo nome. Muitos eram de origem guerreira e já possuíam um, mas preferiram
criar novos.
A grande maioria é formada por ideogramas de difícil leitura. Um exemplo é o sobrenome do
jogador de beisebol EISHIN SOYOGI (梵), do Hiroshima Toyo Carp, que significa algo como “a
essência da criação do universo”.
CURIOSIDADES
Olá, prazer!
Quando dois japoneses se encontram pela primeira vez, é comum que se apresentem explicando
como seus nomes são escritos e o jeito certo de pronunciá-los. Não é nada fácil deduzir isso devido
a enorme quantidade de leituras possíveis. Em encontros mais formais, o cartão de visita (meishi) se
encarrega disso.
Equilíbrio
Uma preocupação do japonês é a proporção de kanji entre nome e sobrenome. Assim, a soma nunca
deve ultrapassar cinco. Quando o sobrenome tem apenas um kanji, o nome ideal deve ter dois ou
três. Quando o sobrenome tem quatro kanji, o nome deve ter apenas um kanji.
Numerologia
Os japoneses também acreditam na sorte dos números. Ou melhor dizendo, na quantidade de traços
necessários para escrever os kanji do nome. O número de traços indica a sorte transmitida pelos
antepassados da pessoa.
Alguns sobrenomes contêm kanji que, reunidos, formam grupos interessantes.
Quatro estações
春夏秋冬 (ひととせ hitotose) = Composto pelas quatro estações do ano:
春 = Haru = primavera
夏= natsu = verão
秋 = aki = outono
冬 = fuyu = inverno
Pontos cardeais
東西南北 (よもひろ - Yomohiro) = Composto por pontos cardeais:
東 = higashi (leste)
西 = nishi (oeste)
南 = minami (sul)
北 = kita (norte)
Números
百千万億 (つもい - Tsumoi) = Composto por múltiplos de dez
百 = hyaku (cem)
千 = sen (mil)
万 = man (10 mil)
億 = oku (cem milhões)
Protesto
Quando o governo obrigou os cidadãos a ter sobrenomes na época do nascimento da era Meiji,
muitos japoneses adotaram sobrenomes exóticos como forma de protesto. Exemplos: 鼻毛 (はな
げ) = Hanage = pelo do nariz, 浮気 (うき) = Uki = infidelidade, 留守 (るす) = Rusu = ausente