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Motivado por uma recente polêmica internacional sobre essa questão, Luiz Fernando Dias Duarte
comenta, em sua coluna de estreia, as tensões existentes entre a faceta científica e objetivista e o lado
A antropologia abrange desde propostas que valorizam mais o cientificismo, como a do sociólogo francês
Émile Durkheim (à esquerda), até modelos mais interpretativos, como o do sociólogo alemão Max Weber
No começo de dezembro de 2010, um artigo publicado no The New York Times com o mesmo título
acima desencadeava uma polêmica internacional. O texto foi escrito a partir da constatação de que um
mencionar a categoria ‘ciência’ entre os objetivos da associação e levantava diversas dúvidas sobre o
A posterior declaração oficial da associação de que não tinha havido uma intenção específica para a
A questão que aí se apresenta não é específica da antropologia, nem do conjunto das ciências humanas,
mas abrange todo o empreendimento em que se construiu a ambição de um conhecimento objetivo, não
O projeto iluminista de esclarecimento racional universal permanece mais vivo do que nunca
circunstâncias empíricas dos fenômenos naturais começou a se institucionalizar no século 17, sobretudo
E hoje permanece mais vivo do que nunca, alimentado pelo crescente poderio da tecnologia derivada das
ciências naturais e pela ambição de uma autonomização ilimitada da experiência humana em relação às
Essa reação, que se pode englobar sob a rubrica de uma filosofia romântica, ponderava que a
experiência humana era muito mais complexa e mediada do que a da simples matéria, mesmo que não
conhecimento puramente objetivo e também como condição para uma verdadeira e profunda
As ciências humanas nasceram ao longo do século 19 como resultado da tensa imbricação entre o
A antropologia, desde o seu início, apresenta os sinais dessa tensão de modo paradigmático, já que
alternativos.
Esse leque sempre abrangeu desde propostas mais ‘positivistas’ (que valorizavam o cientificismo), como
as que se acredita serem características do sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917) ou do cientista
social britânico Alfred Radcliffe-Brown (1881-1955), até propostas mais ‘interpretativas’, simbólicas, como
as do sociólogo e economista político alemão Max Weber (1864-1920), do antropólogo britânico Edward
Mas a tensão está presente no interior de cada corrente, de cada obra. O antropólogo polaco-britânico
Bronislaw Malinowski (1884-1942) tanto pode ser considerado um defensor de uma visão materialista,
‘trabalho de campo’, em que a mediação subjetiva não é um obstáculo, mas a condição mesma do saber
antropológico.
O antropólogo Bronislaw Malinowski inaugurou o uso da observação direta e subjetiva na metodologia
antropológica. A foto mostra o pesquisador com nativos nas ilhas Trobriand (Nova Guiné) durante trabalho de
O filósofo e economista alemão Karl Marx (1818-1883), o antropólogo germano-americano Franz Boas
(1858-1942), o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (1908-2009), o filósofo francês Michel Foucault
Menciono aqui apenas os clássicos, mas a tensão continua a articular todos os grandes pensadores
contemporâneos, tanto mais porque as condições atuais de atividade dos antropólogos vêm favorecendo
a adoção de perspectivas mais ‘românticas’, em face dos efeitos destrutivos do projeto iluminista que se
A antropologia se construiu pelo diálogo com a alteridade cultural, por meio de uma complexa trama de
Racionalidade X subjetividade
É, assim, apenas mais um movimento dessa tensão constitutiva o fato de a AAA descrever sua tarefa
Página da Associação Antropológica Americana na internet. A não inclusão da categoria 'ciência' entre os objetivos
A locução é muito interessante. O verbo em inglês é ‘to advance’, absolutamente característico do projeto
iluminista – e, portanto, científico. Seu objeto é ‘understanding’, que traduz normalmente em inglês a
grande categoria romântica da ‘compreensão’ (Weber é particularmente conhecido pelo seu ‘método
compreensivo’ – o Verstehenalemão).
E os complementos retornam ao argumento iluminista, sublinhando que deve ser algo ‘público’, a serviço
moderna.
Não há, portanto, muito com o que se preocupar. A antropologia continuará a ser uma ‘ciência’ e um
‘saber’, estratégia de conhecimento e meio de compreensão. Manter essa tensão nunca foi fácil e
continuará não sendo; como um grave desafio para cada antropólogo e para toda a comunidade dos que
assim se consideram.
Alguns, como os “critical anthropologists” citados na denúncia do programa da AAA feita pelo NYT,
desejarão que a disciplina seja menos objetivista em nome da assunção da defesa dos interesses de
seus interlocutores mais frágeis ou subordinados. Outros, como os “pós-modernos”, desejarão que seja
menos objetivista em nome do caráter radicalmente dialogal, interconstruído, de que qualquer saber sobre
o humano se revestiria.
Mas afinal, ainda assim, todos estarão de algum modo respondendo à demanda de um ‘avanço’, de uma
compreender. E talvez a característica mais profunda da ciência seja essa, a de não se resignar com o já
A preocupação deve ser ainda menor porque os cientistas ditos “hard” há muito vêm se questionando
sobre diversas facetas do projeto iluminista que os constituiu e que os sustenta fundamentalmente.
Mais ou menos próximos de fórmulas ‘românticas’, físicos, biólogos, médicos, matemáticos inquirem-se
também sobre o que quer dizer ‘ciência’, ‘matéria’, ‘realidade’, sem que precisem banir essas intrigantes
categorias dos programas de suas sociedades. O reconhecimento da mediação subjetiva, seja no plano
da própria produção do conhecimento, seja no das implicações sociais do conhecimento científico, tende
Se a preocupação não deve ser grande, o interesse de compreender a presente polêmica é enorme, no
entanto. Porque, mesmo que reitere um movimento de longo alcance histórico, emerge de uma forma
específica neste tempo específico – e é assim sintoma dos agenciamentos de significação que hoje nos
Museu Nacional
http://agreste.blogspot.com/search/label/antropologia 21.02.2011.