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Viviane Beineke*
RESUMO:
INTRODUÇÃO
O tema funções e significados das práticas musicais nos faz pensar sobre as
relações entre música, sociedade, cultura e educação; sobre as funções que a música
desempenha na escola e sobre as formas como ela é ensinada e aprendida. Analisando a
maneira como vivenciamos a música no nosso dia-a-dia e como é tratada no meio
acadêmico, podemos vislumbrar algumas contradições.
Para contribuir com essa reflexão, gostaria de evocar algumas imagens bastante
comuns a todos nós: um grupo de meninas ensaiando uma coreografia no recreio da
escola; o som que vem de uma garagem onde um grupo de adolescentes está tocando;
uma festa, um violão e música popular brasileira; a música que toca na danceteria; a
música da novela; o recital de piano; a música no restaurante; o coral da comunidade.
Ah, e a aula de música!
A música, por ser altamente atrativa, pelas suas possibilidades criativas e seu
potencial imitativo, é uma atividade humana celebrada em todas as culturas (Swanwick,
1979). Mas, apesar de todos os significados e representações da música em nosso
cotidiano, ainda persiste a idéia de que seus intérpretes e compositores pertencem a uma
classe especial, a classe daqueles que possuem o dom para a música. Segundo Regelski
(1995), a associação da música com origens espirituais, persiste até hoje, sendo os
compositores vistos com uma aura de genialidade inspirada pelo divino e os virtuoses
relacionados a deuses na terra. Contrariando essa idéia, o autor afirma que “nós músicos
realmente não somos diferentes dos outros mortais. Assim como qualquer
conhecimento, tanto prático como teórico, a música é uma criação e prática social”
(Regelski, 1995, p. 95).
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Já o etnomusicólogo John Blacking, partindo dos seus estudos sobre a música do
povo Venda, na África, questiona o seguinte:
Se, por exemplo, todos os membros de uma sociedade africana são capazes
de tocar e ouvir música de forma inteligente sua própria música, e se essa
música não escrita, quando analisada em seu contexto social e cultural,
mostra uma gama de efeitos similares sobre as pessoas, e seus processos
intelectuais e musicais são encontrados na tão falada “arte” musical da
Europa, nós devemos nos perguntar porque, aparentemente, as habilidades
musicais gerais deveriam estar restritas a alguns poucos em sociedades
supostamente mais avançadas. (...) É necessário a maioria tornar-se “não-
musical” para que alguns poucos tornem-se mais “musicais”? (Blacking,
1973, p. 4).
Quais são os motivos dessa distância entre os saberes dos músicos e dos não
músicos? Quais os critérios para que se estabeleça o que conta ou não como saber
musical? Quem define qual música é mais complexa ou mais “musical”?
Segundo Small (1995, p. 2), no mundo real, onde as pessoas fazem e ouvem
música, o que é central na experiência musical é a performance, o ato de fazer música.
Na visão desse autor “o ponto para se começar a pensar sobre o significado da música e
sua função na vida humana não é em obras musicais de uma forma geral, mas na
performance”. Dessa perspectiva, o foco se desloca da visão de música como um
conjunto de obras musicais desvinculadas do seu contexto social para a visão de como
ela se insere na sociedade. Quando, por exemplo, estudamos a obra dos “grande
mestres” como algo com valor em si próprio, sem considerar o seu uso e efeitos nas
pessoas, estamos desvinculando a música da sua prática, daquilo que ela significa para
as pessoas que dela participam.
Ver a música como um objeto isolado é desconsiderar que ela é construída social
e culturalmente, envolvendo todas as pessoas que participam do evento musical. Para
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Small (1995, p. 2) não há música sem performance – ao vivo ou gravada. Apesar dela
poder acontecer individualmente, normalmente é uma atividade coletiva, um encontro
de pessoas mediado pela música. Visto dessa forma,
Para representar o ato de fazer música e sua função na vida humana, Small
(1995) transforma o substantivo música em verbo – “musicar” – a fim de expressar
melhor a natureza e a função da música na sociedade. Assim é negada a visão de música
como um objeto em si mesmo e é explicitada a idéia de música como ação, de algo que
as pessoas fazem.
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A CONSTRUÇÃO SOCIAL DOS SIGNIFICADOS MUSICAIS
A partir da visão de música como uma prática social, cabe refletir sobre como
são construídos os seus significados, isto é, o que a música representa para aqueles que
participam da ação de “musicar”. Analisando a música como uma manifestação cultural
construída socialmente, a trama de significados que ela evoca deverá, necessariamente,
considerar as relações entre a música, a cultura e o indivíduo. De acordo com Blacking,
As formas que ela [a música] toma e os efeitos que têm nas pessoas são
gerados pelas experiências sociais dos seres humanos em diferentes
ambientes. Porque a música é som organizado pelo homem, ela expressa
aspectos da experiência dos indivíduos na sociedade (1973, p. 89).
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Basta observarmos a maneira como a maioria dos adolescentes se relacionam
com a música para percebermos que “a música é usada como uma marca de identidade
(ou identidades)”, estando relacionada à comida, à linguagem, à formas culturais e
marcas físicas, como adornos, tatuagens e roupas (Veblen, 1995, p. 22). Nessa mesma
perspectiva, Green (1997) ressalta que a música pode ser usada como uma peça de
indumentária, indicando alguma coisa sobre a classe social, a etnia, religião, valores
políticos, etc.
Às vezes o professor não tem acesso às representações que a música têm para os
alunos ou não questiona a forma como eles são construídos, o que pode envolver uma
série de estereótipos que não são explicitados e discutidos criticamente. De acordo com
Green (1997), a inquestionabilidade do ser e das coisas que somos forma os mecanismos
reprodutivos mais poderosos e mais arraigados de música na sala de aula. É nesse
sentido que a autora defende a necessidade dos professores
Por não compreender os significados das práticas musicais para os seus alunos, o
professor pode pensar em aproximá-los de uma determinada música unicamente através
das suas características intrínsecas – como as relações formais ou harmônicas,
desconsiderando as associações simbólicas que estão ligadas a ela – o seu significado
social. Isso pode acontecer em sala de aula quando, por exemplo, ao ouvir uma música,
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um aluno diz que “é música de batuque”. Esse “música de batuque” pode carregar
consigo uma grande carga de conotações que, para essa criança, são negativas,
afastando-a da música, mesmo que os padrões musicais em si lhe sejam familiares. E o
professor não percebe que, na visão do aluno, manifestar alguma forma de aproximação
com aquela música pode significar o engajamento em um grupo social que não é o dele,
ou ainda, significar a sua exclusão do grupo do qual participa.
Uma das tentativas que os educares musicais têm feito com o intuito de
aproximar a “música do mundo” da “música da escola” é a inclusão das músicas
difundidas pela mídia nas suas aulas. Mas o problema de iniciativas desse tipo é que às
vezes, para tornar a música da mídia mais “aceitável” na educação formal, ela é tão
modificada, abstraída e analisada nas aulas que acaba descaracterizada. Isso pode
acontecer, por exemplo, quando “o volume é reduzido (diminuindo o impacto), a dança
é retirada e o contexto cultural é desconsiderado” (Swanwick, 1997), resultando no que
pode ser chamado de uma “pseudo-música” (Ross apud Swanwick, 1997) ou mesmo
uma caricatura da “música real”.
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conteúdos da educação musical, sendo reconhecida a importância pedagógica daquilo
que as crianças trazem à sala de aula. De acordo com Souza (1997, p. 82), “a aula de
música só pode ter êxito se transformada numa ação significativa, o que pressupõe uma
permanente abertura para o novo num diálogo permanente com a realidade sócio-
cultural”.
Olhar para a música que acontece no contexto geral da escola também permite
vislumbrar uma gama de funções e significados que vão muito além daquilo que os
educadores musicais costumam considerar como parte do processo educativo. Algumas
cenas podem nos ajudar a refletir sobre isso: a música que toca a todo volume no
recreio, enquanto que algumas crianças brincam, outras dançam, outras comem a
merenda e outras cantam; todos em silêncio ouvindo uma gravação na aula de música,
balançando o corpo de forma contida, sob o olhar de desaprovação do professor; a
música da hora cívica; o coral da escola que apresenta-se em todas as ocasiões
“especiais”, servindo como cartão de visita da instituição; o “barulho” da aula de
música, o silêncio.
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O discurso dos educadores musicais freqüentemente não considera as formas
como a música é utilizada na escola ou na sociedade, ignorando essas práticas e, por
isso, perpetuando-as de forma acrítica. Devido a esse isolamento do contexto, a aula de
música também tende a tornar-se algo à parte da própria prática musical, concentrando-
se em trabalhar com conteúdos “sobre” música sem “fazer” música, com muito discurso
e pouca prática. Como afirma Regelsky (1995, p. 104), às vezes “os professores de
música estão tão preocupados em ensinar jargões e informações inertes que esquecem
de ensinar música”.
A forma cativante como a música participa de nossa vida diária também não
pode impedir a análise crítica dos seus usos na sociedade e na escola. Segundo Haack
(1995, p. 92) é necessário “auxiliar os jovens e todas as pessoas a compreender as
muitas influências da música no comportamento humano e as várias funções da música
na sociedade, de forma que possam usar a magnificência da música mais efetivamente
nas necessidades e desafios de suas próprias vidas diárias”. Dessa forma, a análise dos
usos e funções da música na sociedade passa a fazer parte do processo educativo,
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visando a superação de uma concepção ingênua sobre os objetivos que subjazem aos
mais diversos fazeres musicais. Nesse sentido, o que podemos fazer é
Uma proposta de Educação Musical como cultura, em que a música não seja
tratada como um artefato, como objetos descontextualizados, e sim, como construções
socioculturais deverá envolver o
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Nesse sentido, o que cabe a nós, educadores, é promover um ensino que respeite
a natureza social da música, contribuindo para um fazer musical apoiado em práticas
musicais autênticas, sendo esse processo analisado criticamente em relação aos
significados musicais construídos em diferentes contextos culturais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SWANWICK, Keith. Music Education Liberated from New Praxis. International
Journal of Music Education, nº 28, p. 16-24, 1996.
TOURINHO, Irene. Música e controle: necessidade e utilidade da música nos ambientes
ritualísticos das instituições escolares. Em Pauta, ano 5, nº 7, p. 67-78, 1993.
VEBLEN, Kari. Sociology of Music Education: Remembered Homelands, Chosen
Destinations and The Construction of Musical Identity. In: RIDEOUT, Roger (ed.)
On The Sociology of Music Education. University of Oklahoma, p. 22-42, 1995.
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