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Origens intelectuais do dialogismo

Joberto Luiz de Sales - Professor de Antropologia, advogado

Contato: joberto.luiz@hotmail.com

Introdução

Nas três últimas décadas Mikhail Bakhtin passou a ser bem conhecido no Brasil
e suas idéias exerceram um impacto apreciável na Crítica Literária, na Antropologia,
etc. Entretanto, a recepção das idéias bakhtinianas no país não foi acompanhada de uma
avaliação mais abrangente do complexo pensamento deste autor, o que somente parece
estar acontecendo agora.

Bakhtin dialogou com muitos e variados interlocutores, entre os quais “Brecht,


Lukács, Marx, Freud, Saussure, Nietzche, Kant, Hegel, Santo Agostinho” (Brait, 1999),
etc. Por isso, constata essa autora, o pensamento bakhtiniano “se insere na confluência
de diferentes fontes”, e sua complexidade “rejeita a dominância de leituras excludentes”
(Brait, 1999).

Entretanto, a multiplicidade das fontes inspiradoras não elide a possibilidade de


existir um núcleo central no pensamento de Bakhtin que, a nosso ver, se encontra em
uma filosofia da linguagem que concebe o ‘eu’ e o ‘outro’ como inseparavelmente
ligados pela linguagem (Brait, 1999). Quais as origens desse pensamento?

Nosso trabalho aqui é demonstrar o núcleo básico da reflexão bakhtiniana do


qual se espraia o conjunto de idéias que edifica o corpo teórico mais amplo da obra
desse autor, contribuindo, assim, para o entendimento das origens intelectuais do
dialogismo.

O que possibilita a união entre os homens

Os biógrafos de Bakhtin esclarecem que desde os primeiros escritos pode-se


verificar a influência do neokantismo em seu pensamento. Esta corrente dominou a cena
filosófica Européia nos primeiros anos do século XX, particularmente na Alemanha.
Também se manteve presente, nesta época, na Universidade de São Petersburgo, onde
Bakhtin estudou. Sob esta denominação abrigava-se várias especificações tendo como
ponto em comum a formulação de Kant sobre a relação mente/mundo (Clark e Holquist,
1998).

A formulação original de Kant sobre esta relação insistia na “necessária


interação entre os dois pólos” (Idem). O mundo para Kant – reino da coisa-em-si – tem
existência real. Assim como a mente, reino dos conceitos. Somente é possível pensar
através destes conceitos ou categorias. Por exemplo, somente podemos organizar nossa
apreensão do mundo através das denominadas categorias a priori de tempo e espaço.
Por isso é possível dizer que o pensamento conecta a mente conceitual com o mundo
real.

A síntese kantiana da relação mente/mundo foi interpretada de várias maneiras,


dando origem ao neokantismo. Dentre os vários seguidores de Kant nesta época,
Herman Cohen foi o que mais profundamente reformulou esta síntese, enfatizando um
dos lados da relação. Para ele, o mundo externo, material, não é nada, e, portanto deve
ser descartado, para privilegiar o domínio dos conceitos que, este sim, seria tudo.
Assim, para Cohen, o mundo ou objeto de pensamento é sempre um objeto que é
pensado e isto deu origem ao principio que se tornou no “grito de guerra” da Escola
Alemã de Marburgo: “o mundo não é dado, mas concebido”. Com isso Cohen negava
que o mundo nos é dado como um objeto pré-fabricado. É o processo de pensamento
que torna o mundo, inicialmente desconhecido, em objeto do entendimento. O mundo é
conceitualmente organizado.

Assinale-se que o objeto de conceituação, de entendimento, não é a coisa-em-si,


senão que um recorte que delimita a possibilidade deste entendimento. Daí que o
processo de assimilação que explica as relações daquele recorte é sempre aproximado
do mundo enquanto tal, e nunca chega a ser terminado.

Entretanto Bakhtin julgou que Cohen tinha ido longe demais na lição que
extraia da idéia do mundo como criação da mente. “Cohen queria tirar Kant do mundo
da vida cotidiana, enquanto Bakhtin desejava invocá-lo para uma compreensão mais
plena da experiência vivida” (Clark e Holquist, 1998). A questão tornou-se então, para
Bakhtin, a seguinte: como era possível refletir sobre a nossa vivência prática, em
conjunto com a vivência dos outros, a partir das categorias kantianas? Isto tomou a
forma de uma reflexão sobre a dualidade eu/outro.
Uma das fontes de onde origina o pensamento bakhtiniano é, portanto, a
problemática kantiana tal como foi discutida pela escola de Marburgo. Pode-se concluir
que Bakhtin rejeita uma saída puramente idealista do modo de interpretação das
categorias kantianas, procurando inseri-las no mundo da ‘experiência vivida’. Talvez
por isso, vários autores classifiquem sua reflexão essencialmente como uma Filosofia
Antropológica.

Clark e Holquist (1998) sustentam que Bakhtin estava mais próximo de Kant do
que dos neokantianos uma vez que aceitava a formulação de Kant da relação mente
mundo. No entanto, ele acompanhou também a Cohen na caracterização deste último do
caráter “não-dado” da experiência.

Além desse aspecto, digamos, epistemológico, do pensamento de Cohen que o


influenciou, Bakhtin sentiu-se também influenciado pela dimensão religiosa do
pensamento daquele. A revisão de Cohen o levou em seus últimos anos a buscar Deus e
suas elaborações a esse respeito caíram no agrado de Bakhtin.

Tanto Kant quanto Cohen e Bakhtin, enxergavam uma cisão entre a fé e o


conhecimento. Kant procurou resolvê-la através de uma filosofia que supunha
suficientemente mais poderosa que os argumentos fornecidos pela teologia. Quanto a
Cohen, a solução encontrada para resolver esta cisão foi pessoal. Ele abandona a
Universidade de Marburgo e se dedica aos estudos hebraicos. Escreveu a Religião da
Razão a partir de Fontes no Judaísmo (1912-1918), uma tentativa de combinar
metafísica clássica com a tradição hebraica (Clark e Holquist, 1998).

Bakhtin entende que nem Kant nem seus seguidores da Escola de Marburgo
haviam resolvido a questão da separação de Deus como idéia e Deus como experiência.
Assim, procurou Deus no “espaço entre os homens transponível pela palavra, pela
elocução (...) buscou-O na energia e na comunicação (Idem, 1998)”.

Procurando uma conexão entre Deus e os homens, Bakhtin concentrou-se


nas forças que possibilitavam as ligações - na sociedade e na linguagem -
entre os homens (...) Em vez de buscar o lugar de Deus na estase e no
silêncio, buscava-O na energia e na comunicação (Idem, p. 87).
A outra fonte do pensamento bakhtiniano, pois, é a fonte religiosa. Clark e
Holquist inserem, portanto, a questão da enunciação (da linguagem) no plano mais geral
da filiação de Bakhtin ao neokantismo e, em particular, a uma tentativa de procurar a
Deus nas relações entre os homens, na experiência vivida da comunicação entre eles.
Como Bakhtin elabora a questão da reflexão da experiência cotidiana a partir das
categorias kantianas e do pensamento religioso?

Experiência cotidiana: ética e dialogismo

Em sua já clássica análise crítica sobre a obra literária de Dostoiévski, Bakhtin


caracterizou este escritor como o criador do romance polifônico (Bakhtin, 1997). Com
esta expressão queria dizer que, diferentemente do romance europeu no qual as
personagens seriam frutos do campo de visão único do autor, tendo suas consciências e
destinos determinados por esta visão, no romance dostoievskiano as personagens
constituem uma multiplicidade de vozes e consciências independentes e autônomas,
determinando elas próprias seus mundos e suas consciências e, ainda mais, defendendo
suas próprias idéias e se colocando em pé de igualdade com relação ao autor e mesmo
contra ele.

Esta multiplicidade de vozes independentes e autônomas recebeu de Bakhtin o


nome de polifonia, e a comunicação que estabelecem entre si mesmas e entre elas e o
autor de comunicação dialógica, originando daí o termo dialogismo, erigido em
principio constitutivo da linguagem para Bakhtin (Idem, p. 3 et seq.).

De onde Bakhtin extrai esta concepção de dialogismo? Conforme demonstra


Clark e Holquist, Bakhtin se propunha a aplicar as categorias kantianas na experiência
cotidiana e sua reflexão sobre esta experiência, desde o inicio de sua carreira, o
orientará por toda a vida, se espraiando pelo conjunto de sua obra.

A reflexão bakhtiniana sobre a ética na experiência cotidiana é centrada no ato


criador, e procura responder qual é a natureza da ação ou do ato humano. Inicialmente
considera que cada um de nós ocupa um lugar e um tempo únicos na vida. Nessa
existência singular é que produzimos nossos atos. Cada ato de nossa existência existe
em resposta ao ato de outros seres humanos. A execução dos meus atos ocorre em
resposta aos atos do outro e constitui meu próprio eu (self). A execução do ato do outro,
por sua vez, ocorre em resposta ao meu ato, e o constitui enquanto singularidade.
Nesse sentido é que ele fala de selves ‘performadores’1, isto é, criadores de seus
próprios papéis. Bakhtin considera que o ato pode ser entendido como “uma ação física,
um pensamento, uma elocução ou um texto escrito” (Ibid. p. 89).

Para Bakhtin, a fala é o ato que distingue o ser humano (uma idéia incrível que o
levará, inclusive, a propor a redefinição da metodologia das ciências humanas). Como
cada ato/fala ocorre em resposta a outro ato/fala, o discurso é entendido como uma
forma de comunicação que une, articula o self e o outro (Idem. p. 90 et seq.).

Assim podemos compreender melhor a natureza do ato humano, caracterizando-


o como uma resposta humana a um ato humano, resposta esta que é dada a partir de
nosso lugar único, singular, na existência. Não há como o homem deixar de responder.
O homem age em resposta ao próprio fato de existir, uma vez que não se tem como
evitar a respondibilidade2:

“Não há meio de um organismo vivo evitar a respondibilidade, uma vez que


a própria qualidade que define se uma pessoa está ou não viva é a
capacidade de reagir ao ambiente, que é um constante ‘responsar’, ou
responder” (Idem, pp. 92-93).

Desse modo, o ato humano de responder é visto como um “imperativo


categórico”, uma necessidade imperiosa que surge do fato mesmo de alguém estar vivo.

Em outras palavras, Bakhtin parte de uma reflexão sobre a ética na experiência


cotidiana centrada no ato criador. Este ato pode abranger tanto a ação física como um
pensamento; tanto um texto como um enunciado. Evidencia-se nestas idéias um paralelo
com a reflexão sobre a criação de textos literários.

O criador/autor, no ato de criar o texto e seus personagens, cria também as


situações nas quais os personagens são levados a responder por si mesmos e a
interagirem entre si, de modo a se constituírem como personagens independentes e

1
Selves performadores. Selves, em inglês, é plural de self. O Novo Dicionário Webster’s assim designa:
self, a própria pessoa, eu. Performadores, por seu lado, combina performance – atuação, desempenho,
como é registrado no Novo Dicionário Aurélio, e performer, aquele que cria seu próprio papel - diferente
do ator que interpreta um papel já dado.
2
O termo russo é otviétstvienost, traduzido como responsabilidade – portanto com um conteúdo ético
evidente. A tradução para o português seguiu a tradução inglesa e considerou o seu sentido etimológico,
julgando ser o empregado por Bakhtin, traduzindo-o por respondibilidade, um neologismo no qual se
mistura a idéia de resposta com a idéia de responsabilidade. Assim, deve-se ter presente pelo termo
respondibilidade o seu aspecto ético e comunicativo, isto é, a resposta seria um imperativo ético dos
homens envolvidos no processo de comunicação. Esta nota baseia-se na obra de Clarqk e Holquist, citada,
p. 90.
autônomos nessa interação comunicativa. A reflexão sobre a criação de textos literários,
assim, torna-se paradigmática da reflexão sobre a existência humana (Clark e Holquist,
1998).

Em resumo, a vida é vista enquanto acontecimento, e pressupõe selves


“performadores”. Como viver é, por assim dizer, atuar, produzir atos, criar, dar resposta
em sentido amplo, a vida é o conjunto dos atos responsivos de cada um em relação ao
outro. É através dessa performance interacional que se dá a construção do self. Como a
atividade de autoria de construção de um texto, a atividade da existência humana é a
construção de um self. Produzir atos é autorar, criar textos. Mas esta atividade do ser
desloca-se constantemente entre o self e o outro, através da comunicação. Por isso a
comunicação passa a ter um interesse máximo para Bakhtin, por ser produção contínua
de atos de enunciação, constitutivos de selves.

Dito de outra forma, a atividade humana é um contínuo processo de produção de


atos. Estes atos estão em constantes deslocamentos entre o self e o outro, uma vez que
responder é um pressuposto do existir. A resposta contínua é a comunicação entre os
selves. Como estes atos são constitutivos, isto é, são performadores, a comunicação
torna-se de interesse máximo para a reflexão da existência humana.

O dialogismo, portanto, está inscrito na própria existência humana, sendo seu


principio fundamental. Os seres humanos se constituem no e pelo dialogismo. Seres
humanos únicos e singulares, pois somente enquanto seres singulares são chamados ao
imperativo ético de responderem de modo criativo, vale dizer, ‘autoral’, às exigências
do ambiente.

A vida é, por natureza, dialógica. Viver significa participar de um diálogo:


interrogar, ouvir, responder, concordar, e assim por diante. Nesse diálogo, o
homem participa completamente e com toda a sua vida: com os olhos, os
lábios, as mãos, a alma, o espírito, com o corpo todo com as suas ações. Ele
se põe todo na palavra, e esta palavra entra no tecido dialógico da existência
humana, no simpósio universal (Bakhtin, apud Schnaiderman, in Clark e
Holquist, 1998, p. 15).

Conclusão
Na visão bakhtiniana, o dialogismo é um conceito que instaura uma comunhão
ética entre os homens. Resulta tanto da aplicação de categorias kantianas à experiência
cotidiana quanto da busca pelo sagrado nos atos de criação humanos.

Os homens unem-se uns aos outros através, em última análise, da palavra. O


verbo instaura a comunhão. Assim, pode-se dizer: o verbo faz o homem, quando os une.
Trata-se de uma forte reflexão que amalgama ética cristã e ética kantiana, a partir da
tentativa de Kant de relacionar mente/mundo, reformulada para a relação eu/outro.

O fato de sermos singulares, diferentes, e, por isso, ocuparmos lugares únicos no


mundo, possibilita a nossa união porque existe a palavra, logo o diálogo, a
comunicação, que nos une e nos constitui, a cada um de nós, enquanto self.

O dialogismo celebra a alteridade (...) assim como o mundo necessita de


minha alteridade para lhe dar significado, eu necessito da alteridade dos
outros a fim de definir o meu self ou ser o seu autor. (...) o self bakhtiniano
nunca é completo, uma vez que só pode existir dialogicamente. Ele é
relacional, existe apenas num relacionamento tenso com tudo que é outro e,
isto é o mais importante, com outros selves (Clark e Holquist, 1998).

Bibliografia

BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. Martins Fontes: São Paulo, 2000.

________. Problemas da poética de Dostoiévski. Forense Universitária: Rio de Janeiro,


2ª ed. 1997.

________. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Hucitec: São Paulo. 2ª ed. 1981.


BARROS, Diana L. Pessoa de. Contribuições de Bakhtin às teorias do discurso. In,
BRAIT, Beth (org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Editora Unicamp:
Campinas, SP, 1997.

________. Dialogismo, Polifonia, Intertextualidade. Edusp: São Paulo, 2ª ed. 1999.

CLARK, K. e HOLQUIST, M. – Mikhail Bakhtin. Editora Perspectiva: São Paulo,


1998.

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