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A CIENTOMETRIA COMO UM CAMPO

CIENTÍFICO

memória científica
Rubén Urbizagástegui Alvarado*

RESUMO Explora a possibilidade de que tanto os autores da elite quanto


àqueles que constituem a frente de pesquisa na área da
produtividade dos autores ou lei de Lotka, sejam conseqüência
da posição que ocupam no campo da Bibliometría. Para lograr
este propósito foram adotados os conceitos de “habitus”,
“capital cultural”, “campo” e “teoria da prática”, desenvolvidos
por Pierre Bourdieu. Quando se analisa a formação da elite e
da frente de pesquisa desde a perspectiva da posição ocupada
pelos autores, verifica-se que as variáveis explicativas são pelo
fato de os autores se dedicarem ao ensino, na condição de
ser professor universitário. Também o participar do comitê
editorial de uma revista acadêmica, de ser diretor de um
centro de informação ou de documentação, bem como de
ser dirigente de uma associação ou organização da categoria
profissional do autor, outorga visibilidade, prestígio e
autoridade na área pesquisada, portanto, com chances de ser
citado. Já a partir da perspectiva do habitus dos autores na área
da bibliometria, verificou-se que as variáveis que oferecem
maiores chances explicativas são o fato de ter obtido o grau
acadêmico de doutor que, de certa forma, garante o domínio
das matrizes que tornam possível a familiaridade com a doxa
da área, assim como por ter sido treinado nos segredos * Doutor em Ciência da Infor-
estatísticos, matemáticos e cienciométricos. mação. Universidade de Cali-
fórnia em Riverside. Biblioteca
de Ciencias. Riverside, CA,
Palavras-chave: Habitus. Capital cultural. Campo. Lei de Lotka. Produtividade USA.
dos autores. Cienciometria. Bibliometria. Infometria. E-mail: ruben@ucr.edu

1 INTRODUCÃO da Bibliometría. Para lograr este propósito serão


adotados os conceitos de “habitus”, “capital

E
studando a lei de Lotka tem-se cultural”, “campo” e “teoria da prática”,
encontrado que a elite dessa sub-área desenvolvidos por Pierre Bourdieu. Portanto, é
da bibliometria esta composta por 17 necessário começar delineando as características
autores (Urbizagástegui, 2009a). Igualmente do modo de análise Bourdiano; porém, como seus
tem-se encontrado que a frente de pesquisa esta trabalhos sobre o campo cultural e a produção
formada por 15 autores (Urbizagastegui, 2009b). intelectual são inseparáveis de suas preocupações
Usando os dados dessas pesquisas mencionadas, sociológicas e teóricas, tentaremos contextualizar
o objetivo deste artigo é explorar a possibilidade seu trabalho em relação a suas obras.
de que tanto os autores da elite1 quanto àqueles Os estudos sobre a cultura como um
que constituem a frente de pesquisa2 sejam dos fenômenos centrais das Ciências Sociais
conseqüência da posição que ocupam no campo podem ser divididos em três correntes teóricas:
fenomenologia, estruturalismo e materialismo
1 Autores com alta produtividade e identificados como a raiz quadrada da
população dos autores produtores de documentos publicados. histórico. Essas correntes estão baseadas nas
2 Autores com alta citação e identificados como a raiz quadrada da população proposições teóricas de Max Weber, Emil
citada.

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Rubén Urbizagástegui Alvarado

Durkheim e Karl Marx. Não obstante, ao como é percebida pelos indivíduos situados
fazerem as conexões entre teoria e realidade nessa realidade social; pressupõe a possibilidade
social, mostram deficiências metodológicas. Para de alguma forma de apreensão imediata da
enfrentar essa situação, Pierre Bourdieu faz outra experiência vivida pelos outros e assume que
proposição metodológica chamada de Teoria da esta forma de conhecimento é mais ou menos
Prática. Nesta teoria, Bourdieu toma os aspectos adequada ao mundo social. Bourdieu inclui aqui
positivos das três correntes metodológicas certas correntes sociológicas e antropológicas
mencionadas e constrói a teoria da prática, influenciadas pela Sociologia fenomenológica
que tem a habilidade de revelar as condições desenvolvida por Alfred Schutz: a teoria da
materiais e institucionais preexistentes à criação ação racional, a análise lingüística etc. Mas este
e transformação do aparelho de produção subjetivismo não apreende a base social que
simbólica, quer dizer, cultura e ideologia. Nesta molda a consciência.
teoria, os bens culturais são vistos não somente O objetivismo representa uma forma de
como veículos de conhecimento e comunicação conhecimento sobre o mundo social que busca
senão também como justificadores de uma ordem construir as relações objetivas que estruturam as
social arbitrária que é produzido e reproduzido práticas e relações sociais. Supõe uma ruptura
pelos intelectuais e o sistema educativo. Quando com a experiência primária, colocando ênfase
nos referimos a intelectuais, os entendemos no nas estruturas que geram a experiência primária,
sentido Gramsciano de protagonistas estratégicos tenta explicar o mundo social enfatizando
da produção e reprodução da consciência crítica as condições objetivas que estruturam as
da sociedade, um organizador, um dirigente, práticas independentes da consciência humana.
um “especialista” na elaboração conceptual e Bourdieu inclui aqui a Semiologia Saussuriana
filosófica do conhecer. a antropologia estrutural de Levi-Strauss, e o
Bourdieu escreveu numerosos livros e marxismo Althusseriano. Mas este objetivismo
muitos artigos que têm tido grande impacto fracassaria em reconhecer que a realidade social
no estudo da Sociologia do Conhecimento, da é de alguma forma moldada pelas concepções e
Sociologia da Educação, e Sociologia da Ciência. representações que os indivíduos têm do mundo
Seus trabalhos sobre a forma de estruturação social. Assim como o subjetivismo predispõe a
de certos campos científicos são especialmente reduzir as estruturas às interações, o objetivismo
significativos. Algumas revisões de seus tende a deduzir as ações e interações da estrutura.
trabalhos e aportes para a Sociologia podem Nas suas próprias palavras:
ser vistos em Nogueira & Catani (1998), Catani
(2002), Wacquant (1990, 2002), Lahire (2002), Eu queria reintroduzir, de algum modo,
os agentes que Levi-Strauss e os
Vasconcellos (2002)
estruturalistas, especialmente Althusser,
tendiam a abolir, transformando-os em
simples epifenômenos da estrutura. Falo
1.1 A teoria do conhecimento e o modo de de agentes não de sujeitos. A ação não
conhecimento do social é a simples execução de uma regra. Os
agentes sociais, tanto em sociedades
Bourdieu reatualiza a problemática da arcaicas como em nossas sociedades, não
mediação entre o agente social e a sociedade são somente autômatos regulados como
e considera que os métodos de análises relógios, segundo leis mecânicas. Nos
jogos mais complexos, eles investem os
epistemológicas que têm tratado de dar conta
princípios incorporados de um habitus
desta relação (agente social-sociedade) têm gerador (BOURDIEU, 1990, p.21)
oscilado entre dois tipos de conhecimentos
antagônicos: subjetivismo e objetivismo. Portanto, Bourdieu postula que um dos principais
a polêmica subjetivismo versus objetivismo obstáculos para a construção de uma teoria do
emerge como eixo central na sua reflexão teórica. conhecimento e uma sociologia científica é o uso
O subjetivismo representa uma forma de desses pares de conceitos que “construídos pela
conhecimento sobre o mundo social que se baseia realidade social são impensadamente usados para
nas percepções primárias dos indivíduos, nas construir a realidade social”. Do ponto de vista
experiências iniciais dos agentes. Uma orientação objetivista os agentes podem ser tratados como
social que busca apreender a realidade social coisas e classificados como objetos. Do ponto de

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A cientometria como um campo científico

vista subjetivista os agentes constroem a realidade momento objetivista, descartando as


social e a tarefa da Sociologia do conhecimento representações subjetivas dos agentes,
seria então a de oferecer uma descrição das são a base das representações subjetivas
e constituem as coações estruturais
descrições. No pensamento de Bourdieu esta que influenciam as interações; mas,
oposição entre subjetivismo e objetivismo é uma por outro lado, essas representações
falsa oposição, uma falsa dicotomia. também têm que ser retidas, sobretudo
se se quer explicar as lutas cotidianas,
Na realidade, os agentes são classificados individuais ou coletivas, que têm como
e classificadores, mas eles classificam objetivo transformar ou preservar essas
de acordo (ou dependendo de) suas estruturas. Isto significa que os dois
posições dentro das classificações momentos, o objetivista e o subjetivista
[portanto] ... o ponto de vista é uma estão numa relação dialética, e que ...
perspectiva, uma visão subjetiva os dois pontos de vista são apreendidos
parcial (momento subjetivista), mas enquanto tais e estão relacionados às
ao mesmo tempo é uma visão, uma posições dos respectivos agentes na
perspectiva tomada de um ponto, de estrutura (BOURDIEU, 1993, p.125-
uma determinada posição num espaço 126).
social objetivo (momento objetivista)
(BOURDIEU, 1995, p.1). Esta teoria do conhecimento praxiológico
tem sido chamada também de “construtivismo
Ambas tendências (subjevitista/objetivista) estrutural ou estruturalismo construtivo”
fracassariam em dar conta da “objetividade porque combina uma análise das estruturas
da subjetividade” e da “subjetividade da sociais objetivas com uma análise da gênese das
objetividade”. Num intento por transcender esta estruturas mentais socialmente constituídas,
falsa dicotomia, Bourdieu desenvolve um conceito que geram as práticas. É por esta combinação
de agente livre do voluntarismo e idealismo da do subjetivo como objetivo e do objetivo como
corrente subjetivista e um conceito de espaço subjetivo, que alguns autores tipificam a
social livre do determinismo e causalidade sociologia de Bourdieu como uma “sociologia
mecânica da corrente objetivista. Superar essa genética” ou um “estruturalismo genético”, ainda
falsa dicotomia só pode ser alcançado através de que o próprio Bourdieu afirme que:
um novo conhecimento praxiológico ou de uma
teoria da prática que teria por objeto: Se eu tivesse que caracterizar meu
trabalho em duas palavras, ... se tivesse
não só o sistema de relações objetivas que lhe aplicar um rótulo, falaria de
que constrói o modo de conhecimento estruturalismo construtivista ou de
objetivista, mas também as relações construtivismo estruturalista, tomando
dialéticas entre essas estruturas objetivas a palavra “estruturalismo” num sentido
e as disposições estruturadas nas quais se muito diferente do que lhe é dado pela
atualizam e que tendem a reproduzi-las, tradição saussuriana e levi-straussiana.
isto é, o duplo processo de interiorização Por estruturalismo ou estruturalista,
da exterioridade e da exteriorização da quero dizer que existem ... estruturas
interioridade (BOURDIEU, 1972, p.46) objetivas, independentes da consciência e
da vontade dos agentes, que são capazes
de orientar ou coatar suas práticas e
Esta teoria da prática ou teoria do representações. Por constructivismo,
conhecimento praxiológico é um intento quero dizer que, por um lado, existe
sistemático por transcender essa série de uma gênese social dos esquemas de
aposições que tem perjudicado as Ciências Sociais percepção, pensamento e ação que são
desde suas origens e que até agora tem retardado constitutivos do que chamo habitus;
e por outro lado existe [uma gênese
seu processo de desenvolvimento. social] das estruturas sociais, e em
particular do que eu chamo campos e
[...] a mais importante intenção de grupos, especialmente do que se costuma
meu trabalho tem sido transcendê-los. chamar de classes sociais (BOURDIEU,
Correndo o risco de parecer demasiado 1993, p.123).
obscuro, poderia resumir em uma frase
todas as análises que estou propondo
[ ... ] por um lado, as estruturas Desta afirmação pode-se concluir que
objetivas que o sociólogo constrói no central a esse conhecimento praxiológico,

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Bourdieu coloca a noção de habitus como experiência e uma possessão, um capital de um


o conceito chave para superar essa falsa agente atuante, “... uma certa forma de “feeling”
dicotomia e como fator detonador da prática do jogo que não necessita ser calculado para
do agente colocado num campo específico e encontrar sua direção e lugar de uma maneira
pertencendo a uma classe social determinada. razoável no espaço” (BOURDIEU, 1985, p. 14).
Conseqüentemente, é necessário analisar esse A estrutura social que tem produzido o habitus,
conceito de “habitus” do agente. governa a prática através do habitus. O habitus de
um indivíduo é responsável por todas as ações,
pensamentos e conhecimentos desse indivíduo;
1.2 A noção de habitus do agente
é responsável também pela liberação das ações,
O conceito de habitus foi concebido isto é, da prática. A prática é uma relação
como uma alternativa às soluções oferecidas dialética entre uma determinada situação e um
pelo objetivismo e como uma reação contra habitus, que integrando todas as experiências
o estruturalismo que reduz o agente a um passadas, funciona a cada momento como matriz
mero executante implícito como expressão de percepções, apreciações e ações, fazendo
“inconsciente” da estrutura. Para isso, Bourdieu possível a realização de diferentes e inumeráveis
toma como empréstimo a noção de habitus da tarefas. Nada escapa à determinação do habitus.
filosofia escolástica definindo-a como Todas as atividades dos seres humanos são
determinadas pelas estruturas objetivas do
um sistema de disposições adquiridas mundo no qual eles crescem. Toda a eficácia
funcionando no nível prático, como de uma ação está, deste modo, predisposta, o
categorias de percepção e avaliação ou que implica que o agente (ator) somente realiza
como princípios de classificação, tanto
quanto como princípios de organização aquelas ações que “concretamente” pode realizar.
das ações, constituindo o agente social Não obstante, a execução do habitus não é uma
em seu papel verdadeiro como operador operação consciente é mais inconsciente. As
prático da construção dos objetos ações e pensamentos são gerados sem que o ator
(BOURDIEU, 1990:13) esteja consciente das operações responsáveis por
seu pensamento. “Este sistema de disposições ...
O habitus é um conjunto de disposições é o principio de continuidade e regularidade que
que impelem os agentes a atuar e reagir de certa o objetivismo vê nas práticas sociais sem poder
maneira quando enfrentam certas situações. Estas dar conta dele; e também das transformações
disposições geram as práticas, as percepções, reguladas que não podem ser explicadas nem
e as atitudes que são “regulares” sem ser pelo extrínseco determinismo instantâneo do
conscientemente coordenadas ou governadas por sociologismo mecanicista, nem pelo puramente
uma regra. interno mas igualmente instantâneo determinismo
O habitus abrange um conjunto de
do subjetivismo espontaneista” (BOURDIEU,
esquemas generativos que produzem 1990, p. 54)
práticas e representações consistentes,
mas sem referência a regras explícitas O habitus, como sistema de disposições
e que são dirigidas a um objetivo, sem adquiridas por meio da aprendizagem,
necessidade de uma seleção consciente implícito ou explícito, que funciona como
de objetivos ou métodos chaves para um sistema de esquemas geradores,
atingí-los (BOURDIEU, 1977, p.72). gera estratégias que podem estar
objetivamente conforme os interesses
objetivos de seus autores, sem terem
O habitus é um “sistema de duráveis
sido concebidas expressamente para
e transmissíveis disposições de estruturas este fim (BOURDIEU, 1996, p.141)
estruturadas, predispostas a funcionar como
estruturas estruturantes; isto é, como princípios As disposições que constituem o habitus
de geração e estruturação de práticas e são características inculcadas, estruturadas,
representações que podem ser objetivamente duráveis, geradas e transponíveis. As disposições
reguladas e regulares, mas sem de nenhum são adquiridas através de um processo gradual
modo ser o produto de obediência a regras” de inculcação, no qual a experiência familiar é de
(BOURDIEU, 1981, p. 94). O habitus é uma particular importância. Através de um processo

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A cientometria como um campo científico

de treinamento e aprendizagem como aqueles 1.3 A teoria da prática


relacionados com as regras dos “bons costumes”,
dos “bons modos” os indivíduos adquirem um Bourdieu desenvolveu sua teoria da prática
conjunto de disposições que modelam o corpo a partir de seu envolvimento pessoal com a
e são internalizados (in-corporados) como uma aplicação da metodologia estruturalista no campo
segunda natureza. As estruturas produzidas da Antropologia, que era a moda teórica na década
dessa maneira são também estruturadas no de 60. Nessa década, a Antropologia Estrutural
sentido de que, inevitavelmente, refletem a de Lévi-Strauss oferecia uma linguagem, uma
condição social na qual foram adquiridas: um lógica, uma razão inerente à cultura e às práticas
indivíduo da classe trabalhadora, por exemplo, sociais dos povos ditos primitivos, que se insurgia
terá disposições adquiridas diferentes dos contra o etnocentrismo e o racismo embutidos
indivíduos pertencentes à classe média, ou na Antropologia Social. Armado dessa forma
burguesa. Em outras palavras, as similitudes e de pensamento estrutural, Bourdieu estudou os
diferenças que caracterizam as condições sociais rituais kabylas na Argélia, recolhendo símbolos
de existência dos indivíduos refletem seu habitus e fatos disponíveis da cultura kabyla, através de
o qual pode ser mais ou menos similar para fichagens que permitiam estabelecer relações de
agentes colocados em posições sociais similares. oposição e exclusão, de afinidade, co-ocorrência
As disposições são também duráveis, no sentido ou equivalência entre eles, desenhando as redes
em que sendo apreendidas são incorporadas de relações que revelaram a lógica subjacente
no organismo do indivíduo e duram o que aos rituais kabylas. Seu estudo limitou-se
dura a vida do indivíduo, operando de forma inicialmente ao espaço interno da casa kabyla,
inconsciente ou pré-consciente; portanto, não considerado como um microcosmo, ao mesmo
disponível para modificação consciente ou tempo completo e bem delimitado. Através desse
reflexiva. As disposições são generativas e trabalho descobriu, no interior das casas kabylas
transponíveis, no sentido de que são capazes e em suas relações com o mundo exterior, como
de gerar uma multiplicidade de práticas e previa a metodologia estruturalista de Lévi-
percepções em outros campos diferentes Strauss, uma ordenação lógica das coisas e das
daqueles onde foram originalmente adquiridos. práticas baseadas em oposições e homologias
Proporciona aos indivíduos um sentido prático perfeitamente ordenadas e coerentes, que ele
de como atuar e comportar-se, ou responder ao considerava “quase miraculosa”, já que era
cotidiano viver, um sentido do jogo, um sentido produzida sem nenhuma intenção de ordenação
do que é apropriado ou não, dependendo das consciente. Ter encontrado essa ordem lógica
circunstâncias. Porque o corpo se converteu das casas kabylas e das práticas e movimentos
numa forma de repositório das disposições é que ali se realizavam foi seu último trabalho do
que certas ações de comportamento e respostas que ele mesmo qualifica de “estruturalista feliz”
parecem naturais. O corpo é o lugar da história (Bourdieu 1980: 22). Impulsionado pelo sucesso
incorporada. Os esquemas práticos através dos dessa pesquisa, prosseguiu tentando submeter ao
quais o corpo está organizado são o produto da mesmo tratamento metodológico todos os dados
história e, ao mesmo tempo, a fonte de práticas recolhidos sobre a sociedade e a cultura kabyla,
e percepções que reproduzem essa história. O certo de poder revelar a lógica subjacente a todas
processo contínuo de produção e reprodução da as práticas e símbolos. Ao ampliar, porém, seu
história incorporada e a incorporação atualizada campo de análise, as dificuldades começaram
é um processo que se realiza sem jamais devenir a se mostrar. Apesar de um exaustivo trabalho
no objeto de uma instituição prática específica, de classificação e tentativas de estabelecer
explicitamente articulada na forma de linguagem relações precisas e coerentes de homologia ou
e associada ao sistema educativo. Como vemos, oposição entre todos os elementos conhecidos
desta forma Bourdieu vai articulando sua teoria da cultura kabyla, formalizando-os através de
da prática ou teoria do conhecimento praxiológico. gráficos e quadros sinópticos, a tarefa mostrava-
Se o “habitus” é o gerador da prática, agora se impossível por deparar-se freqüentemente
precisamos entender o que é a prática e como se com incoerências e contradições, irredutíveis
pratica a prática, quer dizer, como ela é posta em a qualquer tentativa de formalização, que
ação pelos agentes possuidores desse habitus. desautorizavam a convicção de que havia uma

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única lógica subjacente, perfeitamente “racional”, isso ela é real só até certo ponto, grosso modo.
que se expressaria em todas as práticas sociais e Os atores sociais que agem, segundo essa lógica
produtos simbólicos de uma mesma sociedade. aparente, não tem nenhum “compromisso” com
Somente depois de muito resistir e tentar é que essa lógica, eles não são dirigidos por essa lógica,
finalmente rendeu-se às evidências que sua eles a produzem sem nenhuma intenção de
própria pesquisa lhe mostrava e abandonou fazê-lo e a reproduzem sem nenhuma intenção
então a esperança de construir, com os elementos de conservá-la. Essa não é a lógica que de fato,
reais da prática social, sistemas rigidamente originariamente, preside as práticas; pelo
lógicos e passou a assumir, como dado a ser contrário, ela resulta das práticas e só uma vez
explicado, a incoerência e a contradição presentes estabelecida pela prática repetida é que aparece
nessas práticas, a questionar principalmente as como constante.
teses antropológicas subjacentes às convicções de A situação, as técnicas e instrumentos de
Lévi-Strauss, e a formular críticas e alternativas objetivação do observador (registros, diagramas,
à Antropologia Estrutural, que dariam origem à etc.), necessariamente fora da prática observada,
sua “teoria da prática”. Bourdieu explica assim é que permitem perceber como um só conjunto,
seus descobrimentos sobre a prática: regido por uma só lógica, num mesmo tempo e
espaço, práticas ou elementos da prática que,
Às pessoas envolvidas com o trabalho na realidade, se desenrolam em momentos e
intelectual lhes custa trabalho entender
espaços diferentes. A aparência de que as práticas
a prática como tal, ainda a mais banal
como a de um jogador de futebol, a de sociais seguem, ou são as aplicações práticas de
uma mulher kabyla que executa um rito, um modelo lógico externo ou anterior a essas
ou de uma família beranesa que casa seus práticas, vem da repetição ou da aplicação por
filhos (BOURDIEU, 1981, p.109). milhares de anos e em diferentes domínios dos
mesmos esquemas de percepção e resposta ativa.
Nos poderíamos agregar do leitor que Assim, as regularidades e coerências encontradas
freqüenta uma biblioteca, da dona de casa que pelo pesquisador não são falsas, elas existem, mas
procura informação, do intelectual que escreve ele explica sua gênese servindo-se do conceito de
um artigo científico etc. Na teoria da prática ou a habitus. Portanto:
teoria do sentido prático Bourdieu afirma que:
Tudo se passaria como se as diversas
a ação não é uma resposta cujos segredos práticas sociais se estabelecessem à
estariam no estímulo detonador. A maneira pela qual se estabelecem os
ação tem como princípio um sistema caminhos num determinado território:
de disposições, que chamo de habitus, o próprio fato de alguém percorrer
que é o produto de toda a experiência uma extensão qualquer de campo
biográfica (o que faz que, como não deixa traços que o induzirão a tomar
existem dois histórias individuais iguais, o mesmo caminho numa próxima vez,
não existam dois habitus idênticos, abrindo assim cada vez mais a trilha, o
ainda que existam [diferentes] classes que induzirá outros a seguí-la também.
de experiências e daí [diferentes] classes Assim, é o caminhar que abre o caminho,
de habitus: os habitus de classes). Estes mas, por outro lado, a existência da
habitus, espécies de programas (no trilha já aberta leva a que habitualmente
sentido da informática), construídos se ande por ela. Nada impede, porém,
historicamente, de certa forma estão que, na medida em que tenha interesse
na origem da eficácia dos estímulos que nisso, o caminhante possa desviar-se do
os detonam, posto que estes estímulos caminho já feito e nem que, em seguida,
convencionais e condicionados só por comodidade, digamos, volte a ele.
podem ser exercidos sobre organismos A tendência “natural” é de sempre
dispostos a percebê-los (BOURDIEU, trilhar os caminhos já abertos. Assim, as
1981, p.114). práticas, ou melhor, o modo das práticas
tende a ser repetido, transposto a novos
A lógica aparente que o pesquisador campos de atividade, criando rotinas que,
estruturalista encontra é uma construção do utilizando o vocabulário da informática,
poderíamos chamar “default”, isto é,
observador que vê uma determinada realidade que são utilizadas “automaticamente”
social e seus diversos sistemas de “linguagem”, cada vez que não há um “comando”
de fora da prática e de fora do tempo, e por em contrário. Cabe sempre, porém,

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A cientometria como um campo científico

ao indivíduo, segundo seus interesses, museus e similares- obedece a regras de variações


a possibilidade de ativar outros culturais anteriores que garantem ou negam
“comandos”, mesmo que em contradição familiaridade com uma matriz de disposições
com aqueles consagrados pelo habitus,
desde que dentro das alternativas que e significações impostas através do sistema
lhe permitam os limites da estrutura educativo. Estas variações culturais anteriores e
das relações sociais nas quais está externas à escola constituem os diversos “habitus”
inserido e da posição que nela ocupa. adquiridos através do que Bourdieu (1986) chama
O habitus seria então uma espécie de “capital cultural”. O capital cultural pressupõe
comportamento “default”, inconsciente
e por isso tomado como “natural”, “cultivação”, um processo de incorporação de
socialmente criado e reproduzido pela disposições e significações conhecidas como
própria prática, e interiorizado por cada cultura, que custa tempo investido pessoalmente
indivíduo de determinada cultura ou pelo investidor, está relacionada com o corpo
determinado grupo social, que assim (incorporação), e não é possível sua delegação.
tende a repetir em diversos domínios
da prática os mesmos esquemas que Somente pode ser usado por quem o possuí. É
emprega em outros desde que não haja um esforço que pressupõe um custo pessoal e
motivo (interesse) para fazer diferente. que não pode ser transmitido instantaneamente,
É isto que produz uma correspondência mas que pode ser convertido em “habitus”, isto
formal, ou um mesmo “estilo”, entre é, em precondições para a apropriação específica
diversos aspectos das práticas e diversos
produtos simbólicos numa dada cultura de objetos, ou a possessão de meios de consumo.
e, portanto a aparência de que existe O capital cultural é fundamental para
uma única lógica anterior, subjacente a compreensão do processo de socialização,
e determinante dessas práticas. Mas é consumo de informação e comunicação que,
isto também que explica as aparentes junto com o habitus, ajudam a entender como
incoerências e contradições que mesmo
o pesquisador estruturalista, se atento, se constitui o sujeito social numa sociedade
acabará por encontrar (REZENDE, 1999, determinada, num tempo e num espaço com
p.6). sua própria história. O capital cultural tem sido
adotado para explicar as desiguais competências
A lógica das práticas é movida pela dos agentes surgidos das diferentes classes
incerteza, pelas tentativas e opções estratégicas sociais. Este capital se apresenta sob três formas
a partir dos interesses dos indivíduos ou grupos, diferentes: como capital incorporado, como capital
dentro dos limites permitidos pelas relações objetivado e como capital institucionalizado. O
sociais da sociedade em que eles estão inseridos e estado objetivado se refere à alta cultura, a
pela posição ocupada nessas estruturas podendo, mesma que requer toda uma infra-estrutura para
portanto, escolher caminhos diferentes cada seu cultivo. Esta toma as formas de bibliotecas,
vez que esses interesses assim o exigirem. As livros, revistas, “informação”, espaços para a
diferentes alternativas com que se defronta a discussão e convívio, máquinas de escrever,
prática não estão no mesmo tempo nem no mesmo computadores, salas de exposição, aparatos
espaço e assim nunca se confrontam diretamente para a transmissão de imagens, bens culturais,
entre si. Por isso, diferentes ações podem ser quadros, dicionários, instrumentos, maquinaria,
praticamente compatíveis, mesmo que ao os quais são a concretização das teorias ou críticas
observador pareçam logicamente incompatíveis a essas teorias, problemáticas etc. O capital no
ou incoerentes. Porém, esses habitus ou habitus estado incorporado remete-se à capacidade de
de classes, estão ligados à possessão de um certo cada indivíduo em assimilar o capital cultural
tipo de capital cultural, portanto, se faz necessário objetivado na forma de capacidade de leitura,
entender este conceito de “capital cultural”. tanto na habilidade para a decodificação das
idéias, quanto na crítica às formas de percepção
e pensamento, na elaboração das idéias
1.4 A noção de capital cultural
escritas, na capacidade de redação, exposição e
O ponto central deste conceito é que interpretação de textos ou imagens, entre muitas
a cultura comunicada através do sistema outras coisas. O capital cultural no seu estado
educativo -e apoiada com informação através das incorporado é história pessoal do agente social,
bibliotecas, centros de documentação, arquivos, é o investimento de tempo empregado de cada

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pessoa na cultivação do seu capital cultural. São Apresentam-se como espaços estruturados de
expressões duradouras do organismo ou corpo, posições, com propriedades que dependem da
quer dizer, como habitus. O capital em estado posição que os agentes ocupam nesses espaços
institucionalizado se apresenta na forma de uma estruturados. Portanto, os campos podem ser
objetivação muito particular, porque como se analisados independentemente das características
pode ver com o diploma escolar, confere ao capital que apresentam os agentes individuais que
cultural propriedades totalmente originais. Aqui ocupam esses espaços estruturados.
se localiza o capital escolar que faz referência
aos conhecimentos e formação adquiridos em Um campo pode ser definido como uma
rede ou uma configuração de relações
todos e cada um dos níveis e formas de ensino,
objetivas entre posições [ocupadas
desde os mais elementares até os mais elevados, pelos agentes]. Essas posições estão
desde os mais teóricos até os mais práticos. Este objetivamente definidas, na sua existência
capital escolar se mede pelos títulos obtidos e e nas determinações que impõem a seus
pelo nível de instrução adquirido. Logicamente, ocupantes, agentes ou instituições, por sua
situação atual e por sua situação potencial
esse nível de instrução adquirido e, portanto,
(situs), tanto na estrutura da distribuição
o tipo de capital cultural adquirido variará das espécies de poder (o capital), cuja
em relação à posição de classe de cada agente possessão comanda o acesso aos benefícios
social. Como bem afirma Gramsci, embora todos específicos pelos quais se luta no campo,
sejamos intelectuais (o não intelectual não existe) quanto por suas relações objetivas às outras
posições (de dominação, de subordinação,
nem todos desempenham a função de intelectual
de homologia etc.) (BOURDIEU, 1992,
numa determinada formação social. De igual p.97).
forma e parodiando Gramsci, poderíamos dizer
que embora de alguma maneira todos sejamos Portanto, é possível pensar que existe uma
cientistas, nem todos desempenham a função de mediação entre o campo cultural e o trabalho
cientista numa determinada formação social. intelectual produzido. Mas esse campo cultural
Os conceitos de capital cultural, habitus tem seus vínculos próprios, suas próprias leis de
e sentido prático são os conceitos chaves com funcionamento, suas próprias leis de êxito. Assim,
os quais Bourdieu tenta explicar os princípios para entender um campo de produção intelectual
generativos que subjacem as práticas, as se têm que entender a posição dos autores dentro
percepções e apreciações, isto é, a teoria do desse campo. Num momento social histórico há
conhecimento. Mas quando os indivíduos atuam, correspondência entre as obras produzidas e o
quer dizer, exercem uma prática, praticam alguma espaço dos autores e as instituições existentes
coisa, o fazem num contexto social específico, num que as produzem. Um campo é um universo
campo social determinado. Neste campo a prática
no qual as características dos produtores
deve ser entendida como a relação dialética entre
são definidas por seu lugar nas relações
o habitus do agente e o contexto social específico
no qual o agente atua. Para dar conta de por em de produção, pelo lugar que eles ocupam
prática o habitus e o capital cultural, Bourdieu num certo espaço de relações objetivas”
desenvolve sua noção de campo. Este é o tópico (BOURDIEU, 1981, p.65).
que analisaremos a seguir. Não obstante, da mesma forma que
no mercado econômico existem monopólios,
relações objetivas de poder, que fazem com
1.5 A noção de campo que os produtores e seus produtos não sejam
Como os agentes não atuam no vácuo, iguais desde a entrada inicial na circulação das
senão em situações sociais concretas governadas mercancias, no mercado da produção intelectual
por um conjunto de relações sociais objetivas, e científica também existem relações de poder.
para dar conta dessas situações sem cair no Portanto, o mercado da produção intelectual
determinismo da análise objetivista, Bourdieu possui suas próprias leis de formação de preços
desenvolve o conceito de campo. O campo que fazem com que nem todos os produtores de
é definido como o lugar de lutas no qual os produtos culturais ou científicos sejam iguais.
agentes buscam manter ou alterar a distribuição Então, a produção de uns vale menos que a
das formas de capital específicas do campo. dos outros. Essas relações de força que tornam

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A cientometria como um campo científico

possíveis certas produções terem privilégios campos, isto é, os agentes estruturados no campo
desde o começo, supõem uma relativa unificação da Ciência da informação e Biblioteconomia
do mercado de produção cultural. Então, em não serão atraídos pelos interesses em jogo no
qualquer campo há luta. O recém chegado campo da Química, por exemplo. Para que um
trata de forçar sua entrada e ganhar o direito campo funcione é necessário que exista alguma
de entrada no campo. O dominante no campo coisa em jogo e que existam pessoas dispostas
(aquele que está no campo e que logrou seu a jogar o jogo. Mas para que essas pessoas
direito de entrada muito tempo atrás) tratará de joguem o jogo é necessário que estejam dotadas
defender sua posição dominante e de excluir os do habitus implícito no campo. Este habitus
outros da competência. Para Wacquant (1993, significa o conhecimento e reconhecimento
p. 134), a análises do campo compreende três das leis e mecanismos relacionados ao jogo e
momentos necessários: o que está em jogo no campo. Um habitus de
Primeiro momento: deve-se localizar o Cientista da Informação e Bibliotecário implica
campo cultural dentro da esfera do campo do um acúmulo de técnicas e teorias, um conjunto
poder, ou o espaço de posições sobre o qual de crenças imanentes à Ciência da Informação
as classes dominantes buscam estabelecer seu e Biblioteconomia, um acúmulo de referências,
monopólio. Deste modo pode-se afirmar que vivências e propriedades que dependem da
o campo da produção cultural ocupa o pólo história nacional e internacional da Ciência da
dominado do campo do poder, e está situado no Informação e a Biblioteconomia. Este “habitus” é a
pólo dominante do campo das relações de classes. condição para que o campo funcione e ao mesmo
Este campo da produção cultural é o lugar de tempo é o produto do funcionamento do campo.
luta entre dois princípios de hierarquização: um Dessa maneira, a estrutura do campo é um estado
critério heterônimo que favorece aqueles que da distribuição do capital específico acumulado
dominam econômica e politicamente o campo; e nas lutas anteriores. Este capital acumulado
um critério autônomo que constrói suas próprias orientará as lutas e estratégias posteriores. A
regras de funcionamento e avaliação. própria estrutura do campo sempre está em jogo,
Segundo momento: deve-se mapear a porque as lutas que ocorrem no campo põem
estrutura interna do campo, isto é, desvelar as em movimento as estratégias de conservação ou
estruturas objetivas das relações entre indivíduos subversão da estrutura do campo. Desta maneira,
e instituições que competem pela legitimidade pois, o capital cultural que circula no campo
cultural. Isto permite revelar a hierarquia de tem valor somente dentro dos limites do campo
produtos e produtores sobre a base de uma e não pode ser transferido a outro campo sem
oposição entre o campo da “produção restringida” o risco da perda de seu valor. Por exemplo, o
(produção por e para os especialistas mais capital cultural acumulado no campo da Ciência
legítimos e avaliados de acordo com os critérios da Informação e Biblioteconomia não pode ser
estritamente internos do campo) e o campo da transferido para o campo da Química, e, se esta
“produção generalizada” (no qual os produtos é transferida, perderá seu valor de circulação e
têm como objetivo audiências mais gerais e o de intercâmbio - não terá demanda. No geral, o
êxito é medido por sucessos comerciais). campo tem duas propriedades:
Terceiro momento: as análises do campo
devem incluir análises detalhadas das disposições a) Os monopolizadores do capital específico
e trajetórias dos produtores que competem dentro do campo: tendem à estratégia de
do campo. Em particular deve-se estabelecer a conservação. Defendem a ortodoxia. Os
forma pela qual os participantes entraram no monopolizados à estratégia de subversão e
campo e a forma pela qual valorizam as posições defendem a heterodoxia.
e recompensas oferecidas pelo campo. Estas b) Todos os agentes comprometidos com um
premissas geram a crença coletiva do valor da campo têm uma quantidade de interesses
luta e os benefícios que produzem no campo. comuns vinculados à existência do campo.
Um campo se define por aquilo que está Esses interesses comuns são os que geram
em jogo no campo e os interesses específicos uma cumplicidade objetiva, subjacente nos
do campo. Estes interesses específicos são antagonismos da luta. Há que lembrar que
irredutíveis ao que está em jogo em outros a luta pressupõe um acordo sobre aquilo

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Rubén Urbizagástegui Alvarado

pelo qual merece a pena lutar. Aqueles que específica num momento determinado
participam desta luta, contribuem com sua de tempo (BOURDIEU, 1973, p.135).
luta para reprodução do jogo e para crença
do valor do jogo. Os recém chegados têm que Cada um dos agentes está determinado por
pagar um direito de admissão que consiste seu pertencimento a esse campo, que se deve à
em reconhecer o valor do jogo e em conhecer posição particular que ocupa no campo, propriedades
os princípios de funcionamento do jogo. de posição irredutíveis às propriedades intrínsecas
do campo. Deve-se também a um tipo determinado
de participação no campo cultural, como sistema de
Um dos indícios mais claros da constituição relações entre os temas e os problemas ali colocados
de um campo é a aparição de um corpo de e discutidos. Deve-se, assim mesmo, a um tipo
conservadores de vidas (os biógrafos) e das obras determinado de inconsciente cultural, ao mesmo
(os filólogos, os historiadores do campo) que tempo está intrinsecamente dotado de um peso
começam a arquivar os esboços, as provas de funcional gerado e outorgado pelo campo, porque
imprensa, os manuscritos, a correção e a decifração seu próprio poder no campo, sua autoridade, não
dos trabalhos ocorridos no campo. Esta gente pode definir-se independentemente da posição que
está comprometida com a conservação do que se já ocupa no campo.
produz no campo e tem interesses específicos em
Este enfoque só tem fundamento na
conservar-se conservando as obras inerentes ao medida em que o campo cultural ... este
campo, isto é, conservar-se, conservando. dotado de uma autonomia relativa, que
Outro indício da constituição de um campo permita a autonomização metodológica
é a história do campo na obra produzida no campo, que pratica o método estrutural ao
quer dizer, a história da produção no campo: tratar o campo intelectual como um
sistema regido por suas próprias leis
os exegetas, os comentadores, os resenhadores (BOURDIEU, 199, p.136).
críticos, os intérpretes, os historiadores do
campo, que justificam sua existência como os Um campo intelectual deve sua constituição
únicos com capacidade de explicar a obra e o a um processo de autonomização progressiva
valor de reconhecimento da obra para o campo. do sistema de relações de produção, circulação
De modo que um problema científico legítimo e consumo de bens simbólicos inerentes a esse
é aquele em que os cientistas reconhecem como campo. De fato, na medida em que se constitui
legítimo e que tem grandes possibilidades de ser um campo intelectual (e ao mesmo tempo o corpo
reconhecido como legítimo. Portanto, ser cientista de agentes correspondentes), este se define em
da informação e bibliotecário significa dominar o oposição a todos os outros campos, econômico,
necessário da história da Ciência da Informação político, religioso, isto é, a todas as esferas com
e Bibiblioteconomia, bem como saber conduzir-se pretensão de legislar nessa esfera intelectual. O
como bibliotecário dentro do campo da Ciência da processo de autonomização se produz através de:
Informação e Biblioteconomia. O princípio destas
estratégias não é um cálculo cínico, mas uma 1) A constituição de um público de
relação inconsciente entre um habitus, um capital consumidores virtuais cada vez mais
cultural específico, e um campo, isto é, o campo extenso, socialmente mas diversificado,
da Ciência da Informação e Biblioteconomia. e capaz de propiciar aos produtores de
A relação que um cientista mantém com sua bens simbólicos não somente as condições
obra (artigo, tese, livro) e a obra mesma, encontra- mínimas de independência econômica mas
se afetados pelo sistema de relações sociais nas também lhes concedendo paralelamente
quais se realiza o ato de criação em si, como ato um princípio de legitimação;
de comunicação, quer dizer, pela posição que o 2) A constituição de um corpo cada vez mais
cientista ocupa na estrutura do campo científico. numeroso e diferenciado de produtores
O campo intelectual ... constitui um e empresários de bens simbólicos cuja
sistema de forças, isto é, os agentes ... profissionalização faz com que passem a
podem descrever-se como forças que reconhecer exclusivamente um certo tipo
se opõem e agregam, conferindo-lhe de determinações como, por exemplo,
[ao campo intelectual] sua estrutura
os imperativos técnicos e as normas que

50 Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.20, n.3, p. 41-62, set./dez. 2010
A cientometria como um campo científico

definem as condições de acesso à profissão b) Cada campo possui regras do jogo e


e de participação no meio. desafios específicos, irredutíveis às regras
3) A multiplicação e a diversificação das do jogo ou aos desafios dos outros campos.
instâncias de consagração que competindo c) Um campo é um sistema ou um espaço
pela legitimidade cultural como, por estruturado de posições, um espaço de
exemplo, as academias, as associações lutas entre os diferentes agentes que
profissionais, os salões, os comitês ocupam as diversas posições.
editoriais de periódicos especializados e d) As lutas se dão em torno da apropriação
as instâncias de difusão cujas operações de um capital especcífico do campo (o
de seleção estão investidas de legitimidade monopólio do capital específico legítimo)
propriamente cultural, apesar de e/ou da redefinição daquele capital.
continuarem subordinadas às obrigações e) O capital é desigualmente distribuído
econômicas e sociais, são capazes de influir dentro do campo e existem, portanto,
na própria vida intelectual. dominantes e dominados.
f) A distribuição desigual do capital
Desta maneira o processo de determina a estrutura do campo, que é,
autonomização da produção intelectual está portanto, definida pelo estado de uma
correlacionado à constituição de uma categoria relação de força histórica entre as forças
socialmente distinta de intelectuais profissionais, (agentes, instituições) presentes no campo.
cada vez mais inclinados a levar em conta g) As estratégias dos agentes são entendidas
exclusivamente as regras afirmadas pela tradição se as relacionarmos com suas posições no
propriamente intelectual herdada de seus campo.
predecessores. Isto lhes proporciona também um h) Entre as estratégias invariantes, pode-se
ponto de partida e um ponto de ruptura. Deste ressaltar a oposição entre as estratégias de
modo, o processo conduzente à constituição de conservação e as estratégias de subversão
um campo intelectual, por exemplo, em estudos (o estado da relação de forças existente).
bibliométricos, está relacionado à transformação Essa oposição pode tomar a forma de
que estes especialistas mantém com os não- um conflito entre antigos e modernos,
especialistas na área e por esta via com os ortodoxos e heterodoxos.
outros especialistas em bibliometria, informetria i) Em luta uns contra os outros, os agentes
e cientometria, resultando num campo de um campo têm pelo menos interesse em
relativamente autônomo. O desenvolvimento que o campo exista e, portanto, mantém
de sistemas de produção de bens simbólicos uma cumplicidade objetiva para além das
é paralelo a um sistema de diferenciação cujo lutas que os opõem.
princípio reside na diversidade dos públicos, J) Os interesses sociais são sempre específicos
aos quais as diferentes categorias de produtores de cada campo e não se reduzem ao
destinam seus produtos e cujas possibilidades interesse de tipo econômico.
residem na própria natureza dos bens simbólicos. k) A cada campo corresponde um habitus
Os bens simbólicos constituem realidades (sistema de disposições incorporadas)
com dupla cara: mercadoria e significações, próprio de cada campo. Apenas quem tiver
cujos valores culturais e mercantis subsistem incorporado o habitus próprio do campo
relativamente independentes e interdependentes. tem condição de jogar o jogo e de acreditar
A teoria dá continuidade a uma longa na importância desse jogo.
tradição de reflexões teóricas da divisão social l) Cada agente do campo é caracterizado
do trabalho que permeiam os trabalhos de por sua trajetória social, seu habitus e sua
Marx, Durkheim e Weber. Para Lahire (2002), posição no campo.
os elementos fundamentais e invariantes da m) Um campo possui uma autonomia relativa:
definição do campo são as seguintes: as lutas que nele ocorrem têm uma lógica
interna, mas o seu resultado nas lutas externas
a) Um campo é um microcosmo incluído no ao campo (lutas políticas, sociais, econômicas
macrocosmo constituído pelo espaço social etc.) pesam fortemente sobre a questão das
(nacional) global. relações de força internas ao campo.

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Rubén Urbizagástegui Alvarado

Dessa maneira, Bourdieu coloca os agentes nacionais ou internacionais relacionados ao


ocupando um determinado campo social e campo ou são diretores de centros de informação
cientifico e munidos de diferentes e diferenciados e documentação ou pesquisa) terão maiores
capitais sociais, culturais, econômicos, lingüísticos possibilidades de publicar mais artigos sobre o
e simbólicos. Os agentes estão dispostos a se assunto lei de Lotka. Também, quanto mais artigos
comunicar nesse espaço social ocupando posições publicarem maiores serão suas possibilidades de
diferentes e munidos também de diferentes serem visíveis e citados. Dessa forma conseguirão
habitus individuais e diferentes ethos de classe um espaço na elite dos produtores e na frente
(habitus de classe). de pesquisa do campo, convertendo-se nos
reprodutores dos crentes e da doxa do campo.
Por outro lado, sabemos que a produção de
2 METODOLOGIA publicações de qualquer tipo (teses, monografias,
Pesquisas anteriores propiciaram a artigos etc.) é o produto de certa familiaridade
identificação dos autores produtores de literatura com o assunto abordado. Ninguém escreve um
sobre a Lei de Lotka (Urbizagastegui, 2008) assim artigo sobre um assunto que desconhece ou que
como a elite desses produtores (Urbizagastegui, não lhe é suficientemente familiar como para
2009a) e aqueles que integram a chamada frente mostrar nele suas habilidades intelectuais. Isso
de pesquisa (Urbizagastegui, 2009b) neste sub- significa que para a produção de publicações
campo da bibliometria. Com esses grupos do tipo da lei de Lotka, deve-se possuir um
isolados e conhecidos, é possível analisar as determinado habitus incorporado no agente
características comuns e divergentes de cada um produtor do documento. Isso significa o domínio
desses integrantes colocados no topo da produção das matrizes que possibilitam a codificação e
hierarquizada do campo da Bibliometria, subárea decodificação dos modelos estatísticos ligados à
da lei de Lotka. Esses grupos serão analisados lei de Lotka e sua interpretação estatística. Quem
em relação às características que determinam carece de familiaridade com essas matrizes não
suas posições hegemônicas ou hegemonizadas conseguirá produzir um documento desse tipo
dentro do campo, bem como em relação às ou produzirá um documento sem consistência
características de possessão ou des-possessão sendo, portanto, candidato a não ser publicado
de um capital cultural e habitus como princípio nem ser citado. A forma mais comum com que
gerador da prática de produção da literatura o habitus de um agente (bibliotecário, cientista
sobre a lei de Lotka. Os integrantes de ambos os da informação ou documentação) se explicita
grupos são conformados pelos mesmos autores, no campo da produção de bens culturais é na
com pequenas variações. forma de um trabalho publicado. De modo
que aqueles autores armados de maiores
2.1 Modelo teórico e hipóteses habitus ou maiores capitais culturais (aqueles
com formação matemática, estatística, ou que
A produtividade dos autores possui tiveram uma formação ligadas às ciências hard
uma dinâmica própria que dá forma e sentido ou que defenderam uma tese sobre Bibliometria
à competência pela visibilidade e conquista ou sobre a lei de Lotka e, portanto, atingiram
de autoridade. Esta visibilidade e autoridade familiarização com a doxa da área) terão também
no campo da Bibliometria tomam a forma da maiores possibilidades de publicar mais artigos
produção de bens culturais (livros, artigos, sobre o assunto da lei de Lotka. Como o volume
teses etc.) e são de consumo interno no campo. da publicação de documentos é essencial para a
Colocados no campo específico (por exemplo, no formação de uma elite de produtores, bem como
campo da Bibliometria) nem todos os autores têm o volume de citações é essencial para a formação
as mesmas habilidades nem possibilidades para de uma frente de pesquisa, é possível que exista
publicar trabalhos do tipo da lei de Lotka. De una correlação natural entre o número de artigos
modo que aqueles autores melhor posicionados publicados por um autor e a freqüência de
no campo (aqueles que fazem parte dos comitês citações feitas a esses documentos publicados,
editoriais das revistas, são professores em escolas com o habitus adquirido pelo agente, sendo
da Ciência da Informação e Biblioteconomia, conseqüência natural a inclusão desses autores
são dirigentes de organizações ou associações na frente de pesquisa e na elite de produtores

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A cientometria como um campo científico

da literatura sobre a lei de Lotka. O esquema do O Habitus do agente é uma variável exógena
modelo probabilístico recursivo proposto nesta independente e se refere à formação acadêmica
tese está explicitado na Figura 1. do cientista da informação ou bibliotecário.
Para atingir os objetivos desta parte da Para produzir artigos sobre a lei de Lotka em
pesquisa, as variáveis envolvidas no modelo quantidades significativas, este agente deverá ter
teórico são definidas da maneira seguinte: tido um tipo de formação estatística, matemática
ou de alguma área ligada às ciências “hard”
Frente de pesquisa e Elite de produtores são que facilitem sua compreensão estatística
variáveis dependentes e se referem aos autores ou matemática, ou ter sido exposto a uma
identificados mediante a contagem dos trabalhos experiência prévia na área da Bibliometria (por
publicados e das citações recebidas pelos seus exemplo, ter produzido uma tese sobre a lei de
artigos publicados, referentes à lei de Lotka. Lotka ou Bibliometria), que de uma forma ou
outra teria reforçado o interesse e familiaridade
A posição do agente no campo da Bibliometria com a área. Daqui se pode elaborar a segunda
é uma variável exógena independente e se hipótese da forma seguinte:
refere à condição do agente como membro do
comitê editorial de uma revista, como professor
numa escola de Ciência da Informação ou Ho: Não há associação significativa entre a
Biblioteconomia, como diretor de um centro de frente de pesquisa e a elite dos produtores com o
informação ou biblioteca, ou como dirigente de habitus do agente no campo da Bibliometria
alguma organização ou associação profissional do Ha: Há associação significativa entre a
campo da Ciencia da Informação. Daqui se pode frente de pesquisa e a elite dos produtores com o
elaborar a primeira hipótese da forma seguinte: habitus do agente no campo da Bibliometria

W é uma variável exógena residual que têm


Ho: Não há associação significativa entre a
efeitos inexplicáveis sobre a frente de pesquisa e
frente de pesquisa e a elite dos produtores com a
a elite dos produtores, mas cujos efeitos não serão
posição do agente no campo da Bibliometria
analisados neste trabalho.
A coleta de dados foi realizada por meio
Ha: Há associação significativa entre a
de busca na Internet e na Web, pela biografia
frente de pesquisa e a elite dos produtores com a
ou pelo currículum vitae, dos 376 autores que
posição do agente no campo da Bibliometria
conformaram a população da pesquisa e são os
autores produtores de literatura sobre a Lei de
Lotka. Não foram poucas as vezes que tornou-
se necessário contatar os próprios autores, via
e-mail ou via uma terceira pessoa, para se obter
esse curriculum vitae e, às vezes, procurando
informação biográfica nos livros publicados por
eles ou na wikipedia. Dessa forma, conseguiu-se
completar os dados de 190 autores, suficientes
e necessários para a análise dos dados. Estes
190 autores representam 50.5% dos 376 autores
estudados nesta pesquisa. Os dados foram
submetidos à análise multivariada para encontrar
uma explicação lógica da constituição da frente de
pesquisa. Como se espera que exista associação
entre as variáveis dependentes e independentes
Figura 1: Modelo probabilístico da formação da elite envolvidas na pesquisa, as relações entre essas
de produtores e da frente de pesquisa sobre variáveis foram exploradas usando a técnica de
a lei de Lotka analise multivariada de contingência. Para avaliar
o ajuste dos dados observados e esperados foi

Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.20, n.3, p. 41-62, set./dez. 2010 53
Rubén Urbizagástegui Alvarado

usado o teste qui-quadrado ao 0.001 nível de Tabela 1: Autores na elite e na frente de pesquisa
significância. Os dados foram controlados e
analisados usando o pacote estatístico SSPS 15.0,
Autores na Elite Autores na Frente de pesquisa
na versão para Windows.
(17 autores) (15 autores)
Egghe, Leo Egghe, Leo
3 RESULTADOS Vlachy, J. Vlachy, J
Bookstein, A Bookstein, A
Observou-se que, dos 17 autores que Pao, ML Pao, ML
fazem parte da elite de produtores, somente seis Nicholls, PT Nicholls, PT
deles (35.3%) também fazem parte da frente de Coile, RC Coile, RC
pesquisa, isto é, esses seis autores, são altamente Rousseau, R Lotka, A J
produtivos e também são frequentemente Huber, JC Price, J D S
citados e reconhecidos como importantes para a Gupta, BM Schorr, A E
subárea da lei de Lotka; no entanto, os 11 autores Wagner-Dobler, R Simon, H A
(64.7%) restantes, embora sejam altamente Gupta, DK Sichel, H S
produtivos não são citados, significando que Schubert, A Potter, W G
não são suficientemente reconhecidos como Urbizagástegui, R Allison, P D
tal para serem colocados na frente de pesquisa Chung, KH Murphy, L
desta subárea da bibliometria. Por outro lado, Kumar, S Voos, H
9 autores (60%) dos 15 que compõem a frente Cox, RAK
de pesquisa, mas que foram classificados Kalyane, VL
como autores transeuntes ou aspirantes e que
não fizeram parte da elite de produtores, são Fonte: Pesquisa direta
freqüentemente citados e reconhecidos como
importantes para a subárea da Lei de Lotka, até
o ponto de estarem constituindo parte da frente John C. Huber entrou nesta área em
de pesquisa. Essas discrepâncias podem ser 1998, e dos dez artigos por ele produzidos,
observadas na Tabela 1, criada especificamente somente cinco foram citados 15 vezes no período
com as modificações pertinentes, para mostrar pesquisado. Todos eles foram publicados em
justamente essas discrepâncias. O que esses 11 inglês e em periódicos pertencentes à corrente
autores têm em comum que, sendo grandes e principal, porém do campo da psicologia. Outra
moderados produtores, e formando parte da elite característica destacável é que este autor, embora
dos autores, não são citados e não conformam a possua o grau de doutor, não é professor e não
frente de pesquisa? exerce a docência universitária. Esses fatores
No caso de Ronald Rousseau, que podem ter influído na baixa citação deste autor,
produziu 18 artigos, todos eles publicados ainda que dois de seus artigos mais citados
no idioma inglês, com 13 deles publicados tenham sido publicados em periódicos da corrente
em periódicos da corrente principal, e principal, da área da ciência da informação. Este
somente com cinco deles em periódicos mesmo comportamento observa-se com relação
não pertencentes a essa corrente principal, aos trabalhos publicados por B. M. Gupta.
nenhuma explicação foi encontrada. Por que Embora todos eles tivessem sido publicados no
este autor, que produziu 18 artigos nesta área, idioma inglês, dos nove trabalhos publicados, seis
não é suficientemente citado como para ser foram em periódicos da corrente principal e três
colocado na frente de pesquisa? Para encontrar artigos em periódicos marginais a essa corrente.
respostas, seria necessária uma pesquisa B. M. Gupta vem colaborando assiduamente neste
mais detalhada. Dos 18 artigos escritos por campo desde 1996, entretanto suas publicações
ele, somente nove foram citados, atingindo, atingiram somente um total de 14 citações. O
conjuntamente, um total de 24 citações no mesmo ocorre com Roland Wagner-Dobler,
período pesquisado. Tendo entrado na área que vem colaborando neste campo desde 1994,
em 1986, desde então tem estado ativamente mas a maioria de suas colaborações tem sido
participando e publicando artigos sobre este publicada em periódicos da corrente principal,
assunto, e é um dos animadores deste campo. porém pertencentes às áreas da matemática e da

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A cientometria como um campo científico

sociologia da ciência. Idêntico é o caso de Andras dados com n = 3.5. Seu segundo trabalho, com
Schubert, cuja colaboração no campo começou apenas seis citações, oferece uma descrição
em 1984, mas a metade de suas publicações dos problemas relacionados à construção
foram em periódicos não pertencentes à corrente da teoria em bibliometria. Ambos os artigos
principal e a outra metade nos periódicos do foram publicados em inglês e em periódicos da
campo da ciência da informação. No caso dos corrente principal.
autores Chung; Kumar; Cox; e Kalyane, estes Como pode-se ver no modelo probabilístico
têm publicado em inglês e em periódicos não (Figura 1), para a formação da frente de pesquisa
pertencentes à corrente principal, e no caso e da elite de produtores sobre a Lei de Lotka
de Urbizagástegui, nos idiomas espanhol e postula-se uma associação da posição dos autores
português, o que explicaria essa baixa freqüência no campo da ciência da informação, bem como o
de citação a seus trabalhos sobre a Lei de Lotka. seu habitus pessoal, como determinantes para a
Além do mais, nenhum destes autores exerce sua inclusão na frente de pesquisa, assim como
a docência universitária no campo da ciência na elite de produtores. A Tabela 2 expressa esta
da informação, ainda que Chung e Cox sejam relação, segundo a posição que esses 26 autores
professores no campo das finanças econômicas. ocupam no campo da ciência da informação.
Por outro lado, o que têm em comum os
nove autores que, sendo produtores aspirantes
ou transeuntes, não fazem parte da elite de Tabela 2: Posição no campo dos autores que formam
produtores, mas sim da frente de pesquisa? Nos a elite e a frente de pesquisa
casos de Lotka (um artigo) e de Price (quatro
trabalhos), porque foram os introdutores do Professores Comitê Diretor Dirigente
modelo do quadrado inverso, até o ponto de Editorial Centro Associação
tornarem-se “clássicos” da literatura da Lei de 23 16 19 10
Lotka. No caso de Larry J. Murphy (um artigo) e 88.5% 61.5% 73.1% 38.5%
Alan Edward Schorr (dois artigos e duas cartas 3 10 7 16
11.5% 38.5% 26.9% 61.5%
ao editor), animadores e reativadores da pesquisa
Total 26 26 26 26
neste campo, tiveram seus artigos publicados
100.0% 100.0% 100.0% 100.0%
em inglês, em periódicos da corrente principal, e
eram bastante conhecidos na sua época. Herbert Fonte: Pesquisa direta
A. Simon (dois artigos), por ter introduzido e
proposto a distribuição de Yule como a mais Um número muito alto desses autores
adequada para medir a produtividade dos é, ou tem sido, de professores universitários
autores, como conseqüência de um processo (88.5%), os quais participam ou têm participado
estocástico. Este modelo está sendo testado em de comitês editoriais de revistas acadêmicas
diferentes áreas com resultados eficazes. Herbert publicadas no campo da ciência da informação
S. Sichel (quatro artigos), por ter introduzido a ou nas áreas de atuação dos autores (61.5%).
distribuição Gauss Poisson inversa generalizada Também é, ou tem sido, de diretores de centros
e binomial negativa, além de ter tido todos de informação (73.1%), embora uma elevada
os seus artigos publicados em inglês e em proporção deles não seja ou tenha sido de
periódicos da corrente principal do campo da dirigentes de associações profissionais do campo
ciência da informação, portanto visíveis para a da ciência da informação (61.5%). Portanto, esta
comunidade desse campo. William G. Potter (três última variável parece ter pouca importância
artigos) realizou a primeira revisão da literatura para estes produtores de literatura. As variáveis
sobre a Lei de Lotka, publicada em periódico que proporcionam maior visibilidade, ajudam
da corrente principal e no idioma inglês. Paul na produtividade científica, e na citação dos
D. Allison (quatro trabalhos), por ter publicado artigos produzidos, parecem ser as categorias de
um trabalho em parceria com John Derek de se dedicar ao ensino, na qualidade de professor
Solla Price e John A. Stewart, um animador da universitário, assim como de participar do
distribuição Poisson lognormal. E Voos (dois comitê editorial de revistas especializadas do
artigos), com um deles citado 35 vezes, no qual campo, e o fato de ser diretor de centros de
propõe que a lei de Lotka se ajusta melhor aos informação ou documentação.

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Rubén Urbizagástegui Alvarado

Quando se analisa a posição ocupada muito maior do que o valor crítico de 3.84146,
pelos 190 autores observa-se que as chances de rejeitando a hipótese nula de não existência de
um professor se colocar na elite são 12.5% mais covariação entre a posição ocupada como membro
elevadas do que um autor que não é professor. do comitê editorial de uma revista pelos autores
Essa percentagem aponta a mesma chance da lei de Lotka e a possibilidade de se colocar na
que tem um autor que, não sendo professor elite e na frente de pesquisa. Conclui-se, portanto,
não poderá se colocar na elite dos produtores que ambas as variáveis são dependentes. Em
ou na frente de pesquisa. Isso está claramente outras palavras, se um autor é membro do comitê
demonstrada na Tabela 3. O teste qui-quadrado editorial de uma revista acadêmica da área terá
dos valores observados e esperados desta tabela maiores chances de produzir mais artigos, ser
de contingência, a um nível de significância de mais citado e de se colocar na frente de pesquisa
0.05 e com 1 grau de liberdade, produziu um ou na elite de produtores.
valor igual a 4.700, maior do que o valor crítico
de 3.84146, rejeitando a hipótese nula de não Tabela 4: Relação entre as variáveis Comitê editorial e
existência de covariação entre a posição ocupada Elite ou frente de pesquisa
como professor pelos autores da lei de Lotka, e a
possibilidade de se colocar na elite ou na frente Comitê editorial de revistas
de pesquisa. Conclui-se, portanto, que ambas as Sim Não Total
variáveis são dependentes. Em outras palavras, Sim 16 10 26
se um autor ocupa a posição de professor Elite/FP (33.3) (7.0) (13.7)
universitário terá maiores chances de produzir Não 32 132 164
mais trabalhos, de ser mais visível, e por isso (66.7) (93.0) (86.3)
mais citado, e de se colocar na frente de pesquisa Total 48 142 190
ou na elite de produtores. (100.0) (100.0) (100.0)
Fonte: Pesquisa direta
Tabela 3: Relação entre as variáveis Professor e Elite
ou Frente de pesquisa
Igualmente, as chances dos autores
Professor que são diretores de centros de informação se
Sim Não Total colocar na frente de pesquisa ou na elite são
Sim 24 2 26 22% mais elevadas do que daqueles que não
Elite/FP (16.8) (4.3) (13.7) ocupam essa posição. Por outro lado, as chances
Não 119 45 164 de um autor que não seja diretor de um centro
(83.2) (95.7) (86.3) de informação ou de documentação se colocar
Total 143 47 190 na elite ou na frente de pesquisa desta área são
(100.0) (100.0) (100.0) as mesmas. Essa probabilidade está claramente
Fonte: Pesquisa direta demonstrada na Tabela 5. O teste qui-quadrado
desta tabela de contingência, a um nível de
Similarmente, as chances dos autores que significância de 0.05 e com 1 grau de liberdade,
fazem parte ou integram o comitê editorial de produziu um valor igual a 18.224, muito maior
uma revista acadêmica se colocarem na frente do que o valor crítico de 3.84146, rejeitando a
de pesquisa ou na elite são 40% mais elevadas hipótese nula de não existência de covariação
do que daqueles que não ocupam essa posição. entre a posição ocupada como diretor de um
Por outro lado, as chances de um autor que não centro de informação ou documentação e a
seja membro do comitê editorial de uma revista possibilidade de se colocar na elite e na frente
se colocar na elite ou na frente de pesquisa desta de pesquisa. Conclui-se, portanto, que ambas as
área são 26% mais baixas do que daqueles que variáveis são dependentes. Em outras palavras,
são membros desse comitê. Essa probabilidade se um autor ocupa a posição de diretor de um
está claramente demonstrada na Tabela 4. O centro de documentação ou de informação, terá
teste qui-quadrado desta tabela de contingência, maiores chances de produzir mais artigos, ser
a um nível de significância de 0.05 e com 1 grau mais citado e se colocar na frente de pesquisa ou
de liberdade, produziu um valor igual a 20.993, na elite de produtores.

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A cientometria como um campo científico

Tabela 5: Relação entre as variáveis Diretor de centro Tabela 7: Estimados logística multivariada da máxima
de informação e Elite ou Frente de pesquisa probabilidade
Standard
Diretor de centro de informação
Sim Não Total Parameter DF Estimate Error C h i - Pr>ChiSq
Sim 19 7 26 Square
Elite/FP (27.9) (5.7) (13.7) Intercepto 1 -0.6028 0.5134 1.3786 0.2403
Não 49 115 164 Professor 1 0.7744 0.7998 0.9374 0.3330
(72.1) (94.3) (86.3) Comié Editorial 1 1.2301 0.5032 5.9748 0.0145
Total 68 122 190 Diretor 1 1.0831 0.5437 3.9688 0.0464
(100.0) (100.0) (100.0) Dirigente 1 1.2639 0.6012 4.4188 0.0355
Fonte: Pesquisa direta Fonte: Pesquisa direta

Igualmente, as chances dos autores que


são dirigentes de associações profissionais se Portanto, a probabilidade de que
colocarem na frente de pesquisa ou na elite são um autor integre a elite de produtores ou a
mais elevadas do que daqueles que não ocupam frente de pesquisa sobre a Lei de Lotka, dado
essa posição. Essa probabilidade esta claramente que a posição que ocupa seja de professor
demonstrada na Tabela 6. O teste qui-quadrado universitário; membro do comitê editorial de
desta tabela de contingência, a um nível de periódicos especializados; diretor de centros de
significância de 0.05 e com 1 grau de liberdade, informação ou documentação; ou dirigente de
produziu um valor igual a 24.958, maior do que uma organização ou associação profissional do
o valor crítico de 3.84146, rejeitando a hipótese campo, pode ser expressada na forma da seguinte
nula de não existência de covariação entre a equação:
posição ocupada como dirigente de associação
profissional e a possibilidade de se colocar na
elite e na frente de pesquisa. Conclui-se, portanto, b o  b1 x1  b 2 x 2  b 3 x 3  b 4 x 4
e
que ambas as variáveis são dependentes. P ( E | 1,0)  b o  b1 x1  b 2 x 2  b 3 x 3  b 4 x 4
1 e
Tabela 6: Relação entre as variáveis dirigente de
associação e Elite ou frente de pesquisa donde,

Dirigente de associação bo   0.6028


Sim Não Total
Sim 10 16 26 b1  0.7744
Elite/FP (50.0) (9.4) (13.7)
Não 10 154 164
b 2  1.2301
(50.0) (93.6) (86.3)
Total 20 170 190
(100.0) (100.0) (100.0)
b3  1.0831

Fonte: Pesquisa direta b 4  1.2639

Para reafirmar essas relações de não


existência de covariação entre a posição ocupada
no campo pelos autores e as variáveis estudadas, No modelo probabilístico (Figura 1) para
realizou-se uma análise logística multivariada a formação da elite de produtores e da frente de
pelo método da máxima probabilidade, cujos pesquisa sobre a Lei de Lotka, postula-se também
critérios convergiram satisfatoriamente a um uma associação do habitus do autor como
nível de significância de 0.001 e com 1 grau de determinantes para a sua inclusão na frente de
liberdade, obtendo-se os valores estimados, pesquisa, assim como na elite de produtores. A
mostrados na Tabela 7. Tabela 8 expressa esse habitus dos 26 autores que
formam a elite e a frente de pesquisa.

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Rubén Urbizagástegui Alvarado

Tabela 8: Habitus dos autores que formam a elite e a Tabela 9: Relação entre as variáveis Grau acadêmico
frente de pesquisa de doutor e Elite ou Frente de pesquisa

Ciências Grau acadêmico de doutor


Doutor MET Hard Sim Não Total
23 19 10 Sim 23 3 26
88.5% 73.1% 38.5% Elite/FP (17.2) (5.4) (13.7)
3 7 12 Não 111 53 164
11.5% 26.9% 61.5% (82.8) (94.6) (86.3)
Total 26 26 26 Total 134 56 190
100.0% 100.0% 100.0% (100.0) (100.0) (100.0)
Fonte: Pesquisa direta Fonte: Pesquisa direta

Um número muito alto desses autores Igualmente, as chances dos autores


(88.5%) obteve o grau de doutor, bem como uma que foram treinados em métodos estatísticos,
alta proporção (73.1%) deles tem familiaridade matemáticos, informétricos ou cienciométricos
com modelos estatísticos, matemáticos ou produzirem mais artigos e se colocarem
cienciométricos, já que foram treinados nessas na frente de pesquisa ou na elite são mais
áreas; porém, somente 38.5% deles procedem elevadas do que daqueles que não foram
das ciências hard. Por outro lado, uma pequena treinados nessas áreas. Essa probabilidade está
proporção deles (11.5%) não obteve o grau de claramente demonstrada na Tabela 10. O teste
doutor, não têm sido treinados nos segredos qui-quadrado desta tabela de contingência,
estatísticos, matemáticos ou cienciométricos a um nível de significância de 0.05 e com 1
(26.9%), e não procedem das ciências hard. As grau de liberdade, produziu um valor igual a
variáveis que proporcionam maior visibilidade e 12.765, maior do que o valor crítico de 3.84146,
ajudam na produtividade científica parecem ser rejeitando a hipótese nula de não existência de
as categorias de possuidores do grau de doutor e covariação. Conclui-se, portanto, que ambas
de terem sido treinados nos segredos estatísticos, as variáveis são dependentes. Em outras
matemáticos ou cienciométricos. palavras, se um autor foi treinado nos segredos
Quando se analisa o habitus do autor, dos métodos estatísticos, matemáticos,
observa-se que as chances de um autor que informétricos ou ciencioméricos, terá maiores
obteve o grau de doutor se colocar na elite são chances de produzir mais artigos, ser mais
12% mais elevadas do que um autor que não visível, mais citado, e se colocar na frente de
obteve esse grau acadêmico. Essa percentagem é pesquisa ou na elite de produtores.
a mesma chance que tem um autor que, não tendo
o grau de doutor, não pode se colocar na elite dos
produtores ou na frente de pesquisa. Isso está
claramente demonstrado na Tabela 9. O teste qui- Tabela 10: Relação entre as variáveis Treinamento e
quadrado desta tabela de contingência, a um nível Elite ou Frente de pesquisa
de significância de 0.05 e com 1 grau de liberdade,
produziu um valor igual a 4.661, maior do que Treinamento em estatística, matemática ou bibliometria
o valor crítico de 3.84146, rejeitando a hipótese
nula de não existência de covariação entre ambas Sim Não Total
as variáveis. Conclui-se, portanto, que ambas as Sim 19 7 26
variáveis são dependentes. Em outras palavras, Elite/FP (24.4) (6.3) (13.7)
se um autor obteve o grau acadêmico de doutor e Não 59 105 164
atua na área de bibliometria terá maiores chances (75.6) (93.8) (86.3)
de produzir mais trabalhos, de ser mais visível, Total 78 112 190
mais citado e de se colocar na frente de pesquisa (100.0) (100.0) (100.0)
ou na elite de produtores. Fonte: Pesquisa direta

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A cientometria como um campo científico

Como geralmente aqueles autores Tabela 12: Estimados logística multivariada da máxima
treinados nos segredos estatísticos e matemáticos probabilidade
procedem das ciências hard, essa hipótese Standard
também foi testada. As chances dos autores que
Parameter DF Estimate Error C h i - Pr>ChiSq
procedem das ciências hard produzirem mais
Square
artigos nesta área e se colocarem na frente de
Intercepto 1 1.3979 0.2994 21.7976 < 0.0001
pesquisa ou na elite, são mais elevadas do que
Doutor 1 0.4904 0.7169 0.4680 0.4939
daqueles que não procedem desta área. Essa Métodos 1 4.1156 1.1915 11.9315 0.0006
probabilidade está claramente demonstrada na Hard Science 1 -3.0073 1.1356 7.0128 0.0081
Tabela 11. O teste qui-quadrado desta tabela de
contingência, a um nível de significância de 0.05 Fonte: Pesquisa direta
e com 1 grau de liberdade, produziu um valor
igual a 3.257, menor do que o valor crítico de
Optou-se, portanto, realizar novamente
3.84146, aceitando a hipótese nula de existência
uma analise logística multivariada porem sem
de covariação. Conclui-se, portanto, que ambas as
incluir a variável “ter obtido o grau de doutor”
variáveis são independentes. Em outras palavras,
nessa analise logística. Os resultados estão
o fato de um autor proceder das ciências hard
mostrados na Tabela 13. Os valores estimados
não tem maior efeito na produção de artigos
convergiram satisfatoriamente a um nível de
bibliométricos, assim como o fato de ser mais ou
significância de 0.001 e com 1 grau de liberdade.
menos citado e se colocar na frente de pesquisa
ou na elite dos produtores.
Tabela 13: Estimado logística multivariada da máxima
probabilidade
Tabela 11: Relação entre as variáveis Procedência das
Standard
ciências hard e Elite ou Frente de pesquisa
Parameter DF Estimate Error C h i - Pr>ChiSq
Square
Sim Não Total
Intercepto 1 1.4214 0.2978 22.7849 < 0.0001
Sim 14 12 26
Metodos 1 4.3175 1.1629 13.7836 0.0002
Elite/FP (19.4) (10.2) (13.7)
Hard Science 1 -3.0308 1.1352 7.1282 0.0076
Não 58 106 164
(80.5) (89.8) (86.3) Fonte: Pesquisa direta
Total 72 118 190
(100.0) (100.0) (100.0) Conseqüentemente, a probabilidade de
que um autor integre a elite de produtores ou
Fonte: Pesquisa direta a frente de pesquisa sobre a Lei de Lotka, dado
que tenha sido treinado nos segredos estatísticos,
Para reafirmar essas relações de não bibliométricos, informétricos ou cienciométricos,
existência de covariação entre o habitus dos e/ou proceda das ciencias hard, pode ser
autores e as variáveis estudadas, realizou-se expressada na forma da seguinte equação:
uma analise logística multivariada pelo método
da máxima probabilidade, cujos critérios não
convergiram satisfatoriamente a um nível de
significância de 0.001 e com 1 grau de liberdade. e b o  b1 x1  b 2 x 2
Os valores estimados estão mostrados na Tabela
P ( E | 1,0) 
1  e b o  b1 x1  b 2 x 2
12. Nessa tabela pode se observar que, na coluna
referida à variável doutor (ter obtido o grau de donde,
doutor), essa variável não é significativa, já que o
qui-quadrado estimado (0.468) é menor do que o
qui-quadrado do valor critico (0.4939), significando
b o  1.4214
que o fato de ter o grau de doutor ou não, não
afeta significativamente a produtividade de um b1  4.3175
autor ou dele se colocar na frente de pesquisa. b 2   3.0308

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Rubén Urbizagástegui Alvarado

Resumindo, quando se analisa a formação 5 CONCLUSÕES


da elite e da frente de pesquisa desde a perspectiva
da posição ocupada pelos autores, verifica-se que
as variáveis que oferecem maiores chances de se Quando se analisa a formação da elite
posicionarem nessa elite e nessa frente de pesquisa e da frente de pesquisa desde a perspectiva
são, pelo fato de os autores se dedicarem ao da posição ocupada pelos autores na área
ensino, na condição de ser professor universitário. da bibliometria, observa-se que as variáveis
Também o participar do comitê editorial de uma que oferecem maiores chances de se
revista acadêmica, de ser diretor de um centro de posicionarem na elite e na frente de pesquisa,
informação ou de documentação, bem como de são pelo fato de se dedicarem ao ensino,
ser dirigente de uma associação ou organização da na condição de professor universitário,
categoria profissional do autor, outorga visibilidade, participar no comitê editorial de uma
prestígio e autoridade na área pesquisada, portanto, revista acadêmica, ser diretor de um centro
com chances de ser citado. Já a partir da perspectiva de informação ou de documentação, bem
do habitus dos autores na área da bibliometria, como de ser dirigente de uma associação
verificou-se que as variáveis que oferecem maiores ou organização da categoria profissional. A
chances de se posicionarem na elite e nessa frente de partir da perspectiva da posição ocupada
pesquisa são o fato de ter obtido o grau acadêmico pelos autores na área da bibliometria,
de doutor que, de certa forma, garante o domínio verificou-se que as variáveis que oferecem
das matrizes que tornam possível a familiaridade maiores chances de se posicionarem na elite
com a doxa da área, assim como por ter sido ou na frente de pesquisa, são a de possuírem
treinado nos segredos estatísticos, matemáticos e o grau acadêmico de doutor, e de terem
cienciométricos. O fato de proceder das ciências sido treinados nos segredos estatísticos,
hard parece não ser um fator de importância. matemáticos e cienciométricos.

SCIENTOMETRIC AS A SCIENTIFIC FIELD

Abstract It explores the possibility that both the elite of authors and those who are at research front, in the
area of authors’ productivity or Lotka’s law, are the consequence of their position in the field of
Bibliometrics. To achieve this purpose, we adopted the concepts of “habitus”, “cultural capital”,
“field”, and “practice theory”, developed by Pierre Bourdieu. When analyzing the formation of the
elite and the research front from the perspective of the position occupied by authors, it appears
that explanatory variables are the fact that authors devote themselves to teaching as university
professors. In addition, taking part in the editorial board of an academic journal, being director
of a information center, or leader in an association or professional organization are variables that
grant visibility, prestige and authority in the researched area, thence, likely to be cited. From the
perspective of the habitus of the authors in the field of Bibliometrics, it was found that having
obtained the academic degree of doctor, which somehow ensures the mastery of matrices that
make it possible to have familiarity with the doxa of the area, as well as being trained in the
statistical, mathematical and scientometric secrets are the variables with the greatest explicative
chances.

Keywords: Habitus. Cultural capital. Field. Lotka’s Law. Authors’ productivity. Scientometrics. Bibliometrics.
Infometrics.

Artigo recebido em 11/10/2010 e aceito para publicação em 15/12/2010

60 Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.20, n.3, p. 41-62, set./dez. 2010
A cientometria como um campo científico

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