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Marx e Lukács: a relação sociedade e natureza

6º COLÓQUIO INTERNACIONAL MARX E ENGELS


GT 1 - A obra teórica de Marx

Thiago Brito1

As questões sobre a relação sociedade e natureza em Marx não se encontram


sistematizadas em um só texto, mas difundidas e espalhadas no decorrer de toda sua obra.
Pretende-se concentrar a investigação em duas de suas obras de juventude – Manuscritos
Econômico-Filosóficos e Ideologia Alemã, esta última, em parceria com Engels –, por
acreditar que ali estão dados os princípios ontológicos de seu pensamento, em especial a
relação dinâmica entre sociedade e natureza, que, a meu ver, ainda não foi analisada o
suficiente pela geografia. A relação sociedade e natureza é uma realidade cotidiana. A sua
mediação pela atividade sensível, categoria pela qual o homem se exterioriza e produz seu
mundo, é um traço fundamental na filosofia de Marx e o ponto crucial de sua ruptura com a
tradição filosófica do idealismo alemão.
Marx parte da prática social em contraposição à contemplação da realidade. A
adaptação do homem ao meio ambiente e sua relação primordial com o mesmo são
consideradas por Marx, a partir da práxis, da ação humana, o ponto de partida para qualquer
investigação filosófica ou científica e de toda transformação do mundo. Em Marx, portanto, a
consciência perde o caráter autônomo e passa a ser um atributo da existência social.
A objetividade e a exterioridade são mostradas pela relação entre homem e natureza.
Marx reconhece nessa relação às determinações do homem que age sensivelmente e produz
seu mundo. É no cerne da atividade sensível, do trabalho, que Marx examina a relação entre
sociedade e natureza. A necessidade do trabalho, de trabalhar a natureza, de transformá-la
segundo suas carências e necessidades, não faz dela uma exterioridade que deva ser
suprimida, a qual, uma vez superada, conduziria à autoconsciência, ao espírito absoluto. O
homem não surge de uma base outra que não seja a natureza. Ele não aparece da ideia, da
consciência, mas de um processo histórico-espacial, em que os sujeitos se instauram a partir
de suas relações com a natureza e entre eles. Cada geração, cada sociedade, então, encontra
uma base de relações e estruturas formadas. É a partir dessa base que se desdobra a vida. No

1
Bacharel e Mestre em Geografia, pelo Departamento de Geografia da UFMG.
1
entanto, a realidade cotidiana não é, necessariamente, um obstáculo para o desenvolvimento
humano, mas sua condição de existência e de possibilidade2.
A primeira forma de objetividade, portanto, é a natureza. É dela que surge o homem e
pela qual ele vive. Ele mesmo é um ser natural que parte da natureza para se autoproduzir,
para se realizar. Antes de opor natureza e espírito, Marx esclarece que sem a primeira é
impossível o aparecimento do segundo.

O homem vive da natureza significa: a natureza é o seu corpo, com o qual ele tem
que ficar num processo contínuo para não morrer. Que a vida física e mental do
homem está interconectada com a natureza não tem outro sentido senão que a
natureza está interconectada consigo mesma, pois o homem é uma parte da
natureza.3

O trabalho é o momento de transposição do homem natural para o homem social, mas


sem negar sua base natural. Marx não compreende o trabalho como atividade meramente
natural, física e biológica. Ao transformar a natureza por meio do trabalho, o homem produz
subjetividade e objetividade próprias a ele. Objetividade e subjetividade são, portanto,
dimensões produzidas, também, no processo de trabalho. O sujeito ativo é um ser objetivo
que possui subjetividade, denominadas por Marx, nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, de
forças essenciais objetivas. No trabalho, então, o homem confirma seu ser e seu saber. Só a
partir da atividade sensível é que a realidade toma existência para o ser social. A partir do
trabalho, a naturalidade humana torna-se cada vez mais suplantada. Tanto sua objetividade
quanto sua subjetividade aparecem como frutos dos produtos históricos e humanos do ser
social. Mas a relação com a natureza nunca esvaece. A relação entre indivíduos é possibilitada
pela relação destes com a natureza. A natureza não é suprimida pela sociabilidade humana.
O trabalho, portanto, ocupa uma posição central na elaboração marxiana. Foi Lukács
que desenvolveu esse ponto essencial da filosofia de Marx. Em sua ontologia, desenvolveu e
aprimorou a concepção do seu mestre. Para ele, com a atividade sensível do trabalho está
posta a ruptura com o ser puramente natural. Ao mesmo tempo, está colocada a base de uma
relação ineliminável com a natureza, mesmo que essa relação seja cada vez mais social. O
processo de autoconstrução humana está erguido sobre uma dupla determinação: uma
insuperável base natural e uma constante transformação social desta base natural4. A
constituição do ser social de Lukács é composta, portanto, por uma dupla base: o ser social,

2
Karl Marx e Fredrich Engels, A ideologia alemã. São Paulo, Boitempo, 2007.
3
Karl Marx, Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo, Boitempo, 2004, p. 84.
4
Gyorgy Lukács, Ontologia del ser social – el trabajo. Buenos Aires, Ediciones Herramienta, 2004.

2
que se realiza a partir de relações causais que compõem a natureza; e a base de complexos
particularmente sociais.
O ser social de Lukács pressupõe o ser da natureza orgânica e inorgânica. O ser é
interdependente do ser da natureza. Não se pode dissociá-los, pura e simplesmente, como foi
feito por grande parte dos filósofos, também geógrafos, subordinando a natureza aos
chamados domínios do espírito.
A ontologia marxiana exclui, também, a transposição simplista, materialista vulgar,
das leis da natureza para a sociedade, o chamado darwinismo social. O ser social, com suas
formas, desenvolve-se pela práxis social, a partir do ser natural, mas tornando-se cada vez
mais social. Esse desenvolvimento é dialético, um processo que começa com o trabalho, que
não tem analogia direta com os processos da natureza, mas que é inerente ao homem social. O
ato teleológico do trabalho forma o ser em-si, o ser social. O processo de sua formação e
explicação passa, porém, pela transformação do ser em-si em um ser para-si, implicando uma
superação das formas e conteúdos do ser meramente natural5.
A generalidade e a universalidade do ser social são caracterizadas, contudo, pelo
predomínio das categorias sociais, pelo contínuo e crescente afastamento da natureza. O
desenvolvimento do ser social pressupõe o afastamento das determinações naturais para
formas que incorporam, também, as especificidades sociais, chamadas por Lukács de “formas
mistas”. A tendência desse processo é o crescimento quantitativo e qualitativo dos
componentes predominantemente sociais. Mas o desenvolvimento do ser social não significa
a anulação de sua base natural, de suas características naturais. O ser social não apenas se
reproduz socialmente, mas também a partir de sua base natural, não podendo nunca se
desvencilhar dela.
As determinações naturais, portanto, no desenvolvimento do ser social perdem cada
vez mais a primazia para as especificidades sociais, mas ela nunca é anulada, nunca deixa de
estar presente na formação do ser social. Isso não significa dizer que nas origens da
humanidade existia apenas uma determinação natural nas atividades humanas, como fizeram
crer alguns geógrafos. Já no início da civilização são encontradas determinações sociais nas
relações humanas que se misturavam com as especificidades naturais.
O trabalho simples possui uma relação entre finalidade e causalidade. Toda
necessidade obtida pelo trabalho é uma necessidade objetiva, uma satisfação mediada.

5
Gyorgy Lukács, Ontologia do ser social – os princípios ontológicos fundamentais de Marx. São
Paulo, Ciências Humanas, 1979.

3
Desde logo, a natureza não está mais presente para o homem de modo imediato e
direto. Mesmo as satisfações das necessidades mais imediatas – vinculadas
diretamente à reprodução orgânica, por exemplo – implicam mediação social. Elas
ocorrem de um modo típico e especificamente humano. De modo que já nas
primeiras fases do seu desenvolvimento o homem encontra diante de si uma dupla
base de origem para as alternativas às quais ele deve responder: naturais e sociais.6

No ser social, a necessidade natural existe, mas ela é satisfeita socialmente. A


naturalidade do homem se funde com as determinações sociais da atividade humana. Mesmo
as atividades de reprodução biológicas do corpo, como comer e beber, passam as ser
determinadas pelas atividades sociais. A fome, para Lukács, é uma característica social, o que
implica soluções sociais para resolvê-la. Toda mediação é, portanto social. Toda relação é
mediada por uma base, que é cada vez mais social.

O homem enquanto não mais ser vivente biológico, mas membro trabalhador de um
grupo social, não se encontra mais em relação imediata com a natureza orgânica e
inorgânica que o circunda, tanto menos consigo mesmo como vivente biológico,
pelo contrário, todas estas inevitáveis interações passam através da mediação da
sociedade; e já que a sociabilidade do homem quer dizer comportamento ativo,
prático, em relação a totalidade de seu ambiente, ele não acolhe simplesmente o
mundo circundante e suas transformações adaptando-se, mas reage ativamente
contrapondo às transformações do mundo externo a sua própria prática, pela qual a
adaptação à insuprimível realidade objetiva e as novas posições teleológicas que
lhes correspondem formam uma unidade indissolúvel.7

A própria apresentação do mundo exterior, das especificidades naturais, aparece como


possibilidades do homem, já expressas na mediação social dessa relação. A adaptação à
insuprimível realidade natural e as novas composições sociais formam a dupla base do ser
social.

Para entender [...] em termos ontológicos corretos a reprodução do ser social, por
um lado, é necessário levar em conta que o fundamento ineliminável é o homem,
com sua constituição física, com a sua reprodução biológica, e, de outro lado, não
perde mais de vista que a reprodução se desenvolve em um ambiente cuja base é
sim a natureza, mas que, entretanto, esta vem sempre modificada pelo trabalho,
pelas atividades dos homens, de forma que a sociedade, na qual se verifica
realmente o processo reprodutivo do homem, cada vez menos encontra ‘pronta’ na
natureza as condições da própria reprodução, pelo contrário, essas condições são
criadas mediante a prática social dos homens.8

6
Ronaldo Vielmi Fortes, Trabalho e gênese do ser social na “ontologia” de George Lukács. Belo
Horizonte, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – UFMG, 2001, p. 137-136.
7
George Lukács, Per l’ontologia dell essere sociale, Roma, Editori Riuniti, 1976, p. 180.
8
Idem, Ibidem, p. 146-147.
4
A base natural permanece como uma das determinantes do ser social, porém como
momento da reprodução, em que a posição biológica do homem aparece como irremediável.
Ela sustenta o desenvolvimento do ser social. A natureza se apresenta como base do processo
reprodutivo do homem, determinação biológica corporal na relação de produção e apropriação
dos objetos.

Quanto ao homem, ele é antes de tudo e imediatamente – em definitivo


ineliminavelmente – um ente que existe de modo biológico, um pedaço de natureza
orgânica. Já esta sua constituição faz dele um complexo; é esta estrutura
fundamental de todo ser vivente, mesmo dos mais primordiais. Na natureza orgânica
[...] os impulsos do mundo externo, originariamente ainda simplesmente físicos ou
químicos, adquirem no organismo sua figura objetiva apresentando-se de modo
especificamente biológico: assim as oscilações do ar, que nas origens operam
somente em sentido físico, tornam-se sons; assim os efeitos químicos tornam-se
odores ou paladar; assim nascem as cores nos órgãos da vista; etc. O devir do
homem pressupõe um alto desenvolvimento biológico destas tendências, mas não se
fecha nisso; se movendo a partir desta base produz formas sociais puras: no plano
auditivo a linguagem e a música, no plano visual as artes figuradas e a escrita. [...] O
homem permanece ineliminavelmente um ser vivo determinado pela biologia, com
ela partilha o necessário ciclo (nascimento, crescimento, morte), no entanto, muda
na raiz o caráter da sua inter-relação com o ambiente na medida em que com a
posição teleológica do trabalho se tem uma intervenção ativa sobre este; por esta via
o ambiente é submetido às transformações conscientes e desejadas. 9

Lukács anuncia as esferas do ser natural que influenciam o processo de formação do


ser. Ele especifica a importância, a preponderância, dos aspectos sociais na base reprodutiva
biológica dos homens. O biológico, portanto, constitui um complexo parcial, mas
ineliminável, que, em conjunto com os complexos sociais, forma a totalidade do ser social. A
constituição biológica do homem condiciona a reprodução de sua vida, de sua existência, mas
não o define enquanto tal. Não é o atributo principal do complexo que o forma. O que o
diferencia e lhe dá caráter peculiar são suas características sociais. Tem-se, portanto, uma
contradição aparente. Como uma condição necessária e primordial, que são os complexos
biológicos do homem, não é preponderante no ser? Para Lukács, não existe uma consciência
que exista fora do corpo, fora da relação biológica. Isso não quer dizer que os fatores
biológicos, puramente, expliquem os processos da consciência, o que acarretaria um
naturalismo das relações sociais.
O domínio consciente sobre seu próprio corpo não quer dizer que a consciência é
independente dele, uma substância diversa e autônoma (origem das concepções religiosas e
filosóficas da alma, de Descartes e Spinoza). Para Lukács, essa autonomia da consciência só
pode ser dada a partir do processo de trabalho, pois neste processo é a primeira vez que a

9
Idem, Ibidem, p. 179.
5
consciência se mostra ativa na formação do ser social. No processo laborativo, produz-se um
grupo de fenômenos eminentemente sociais, e o homem se distancia de sua raiz natural,
biológica. Em sua manifestação imediata, a consciência aparece separada do corpo, mas na
essência dessa relação é percebida a dependência dela a sua condição orgânica. Essa forma de
contradição entre essência e aparência não contradiz o papel autônomo da consciência com o
corpo. Para Lukács, tal contradição é a fundamentação ontológica do ser, que passa do natural
para o social por meio do trabalho. Se na imediaticidade, na aparência, a consciência aparece
autônoma, isso não prova a independência dela em relação ao corpo, mas somente que o
corpo por si só não pode definir o ser social. Ele é condição de existência, mas não constitui o
homem enquanto tal. Portanto, não se pode tratar a questão distinguindo, pura e simplesmente
os dois polos, pois se perde de vista a noção de dupla base do ser social. A dupla base se
apresenta como uma unidade dentro do complexo do ser social. O homem só se realiza
enquanto originário de um complexo biológico, mas cujos complexos sociais irão se
manifestar prioritariamente por meio de seu processo produtivo.

No âmbito da consciência, podemos dizer que essa se mantém em uma relação de


dependência ontológica com base biológica do organismo, que ela se desenvolve
sobre esta base, mas tem por conteúdo essencial as categorias sociais puras, na
medida em que se forma essencialmente através do desenvolvimento das categorias
específicas do ser social. A consciência é produto do devir humano do homem. O
plano da naturalidade permanece como patamar necessário da realização do ser
social sempre em conjunto com as propriedades que definem a peculiaridade
ontológica dessa forma de ser. Ou em termos mais precisos, a peculiaridade do ser
social se revela pela forma com que ocorre a imbricação desses planos, pela forma
com que as categorias sociais puras se desdobram e interseccionam com as
categorias específicas da esfera natural.10

Para Lukács, a ontologia da natureza é um fundamento da existência humana, pois não


existe nenhum ser que não esteja baseado ontologicamente na natureza. Porém, na vida
aparecem novas categorias, por cima das naturais, mas que interagem com ela. A questão
marxiana da fundamentação do ser repousa na dupla base do ser social, que contém a unidade
na base natural e na emergência de suas especificidades sociais.
Portanto, para Marx e para, o natural aparece como condição de possibilidade para a
existência do homem. Isso quer dizer que a natureza oferece possibilidades ao homem, que
opta sobre a forma de interagir com ela.
Marx descreve a natureza nos Manuscritos Econômico-Filosóficos como matéria e
meio para o trabalho. Pode parecer que ela é determinada somente pelo homem, pelas suas

10
Fortes, op. cit., p. 142.
6
necessidades e carências, mas essa afirmação está longe de querer significar que a
objetividade da natureza será suprimida pela transformação da sociedade. A natureza se
mantém enquanto ela mesma. Não perde a base de suas relações fenomênicas, não deixa de
ser para-si (para diferenciar do em-si kantiano), embora cada vez mais transformada e dotada
de relações sociais.

É verdade que o máximo que Marx fala da natureza por-si é a respeito de seus
caracteres no grau maior de generalidade: objetividade relação, padecimento,
interdependência, etc. Além, disso, na Ideologia Alemã, ele falará de uma natureza
encontrada pronta, como um ponto de partida para a atividade, mas adverte que não
irá examinar a história natural, as condições geológicas, orográficas, climáticas, etc.
Portanto, é certo que Marx não elabora uma ontologia que examine as categorias
naturais, nem mesmo em seus metabolismos com os homens, mas, por outro lado,
afirma, de forma taxativa, o caráter independente da natureza em relação à
subjetividade. Os lineamentos ontológicos que delineia a respeito lhe bastam para a
crítica à especulação hegeliana, na medida em que mostram o caráter objetivo da
realidade. Assim como o homem, a natureza é também sensibilidade – objeto
efetivo dos sentidos – e essa efetividade confirma a substancialidade de ambas as
coisas, objetos e sujeitos, natureza e homem.11

A objetividade da natureza e sua anterioridade em relação à sociedade ainda são um


tabu para a compreensão das ciências sociais com base no marxismo. A maioria dos discursos
se apoia na concepção de uma natureza modificada, socializada, mediada pelo humano, cuja
anterioridade só faz sentido no interior da relação social. Um dos precursores desse discurso
foi Alfred Schmidt. Seu livro O Conceito de Natureza em Marx influenciou uma geração de
intelectuais. Na geografia, a partir do debate em torno do espaço social, essa concepção
ganhou força, pois representava os anseios de uma ciência humana crítica, em que a natureza
está condicionada ao humano. Posteriormente, esse assunto será retomado. Agora, cabe
destacar, brevemente, os contrapontos da visão de Schmidt.
O debate está relacionado com a distinção entre ontologia e gnosiologia, entre o que é
o ser, suas origens, e o que é possível saber, a teoria do conhecimento. Para Schmidt, existe
uma prioridade da natureza, mas tal prioridade só pode acontecer dentro de uma mediação
social12. É certo que a natureza só poderia ser prioritária em relação à sociedade, pois não há
outra forma de vida que não tenha essas duas dimensões. Schmidt postula que existe uma
prioridade. Mas se existe tal prioridade, ela não pode ser afirmada só depois de uma mediação
a posteriori. Ele não enxerga a natureza como um por-si, anterior a qualquer relação humana,

11
Erik Haagensen Gontijo, Natureza, sociedade e atividade sensível na formação do pensamento
marxiano. Belo Horizonte, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – UFMG, 2007, p. 98.
12
Alfred Schmidt, El concepto de naturaleza en Marx. México, Siglo Veintiuno Editores, 1976.

7
mas somente na relação da atividade sensível. Para ele, a anterioridade da natureza, sem
mediação humana, é uma nulidade. É fato que para Marx a natureza lhe interessa como
momento da práxis humana. É disso que ele trata em seus estudos, o que não significa que ele
não reconheça uma história natural, uma objetividade da natureza que independe do
conhecimento humano, e que o humano só é possível mediante a natureza, e não o contrário,
mesmo destacando a crescente humanização da natureza.

O primeiro pressuposto de toda história humana é, naturalmente, a existência de


indivíduos humanos vivos. O primeiro fato a constatar é, pois, a organização
corporal desses indivíduos e, por meio dela, sua relação dada com o restante da
natureza. Naturalmente não podemos abordar, aqui, nem, a constituição física dos
homens nem as condições naturais, geológicas, orohidrográficas, climáticas e outras
condições já encontradas pelo homem. Toda historiografia deve partir desses
fundamentos naturais e de sua modificação pela ação dos homens no decorrer da
história.13

Marx destaca a importância de se reconhecer a historiografia da natureza, seu


desenvolvimento anterior ao homem, para compreender a própria ação humana. Reconhece,
também, a anterioridade da natureza em relação ao homem, as condições naturais já
encontradas pelo homem. Schmidt se apoia nos Manuscritos, de 1844 para dizer que “a
natureza só interessa a Marx, em primeiro lugar, como momento da práxis humana. Assim, os
Manuscritos Econômico-Filosóficos já destacam com toda decisão: ‘a natureza, tomada em
abstrato, para si, fixada na separação do homem, não é nada para o homem’”14. A natureza
abstrata a que se refere Schmidt é uma alusão que Marx está fazendo a Hegel, a natureza
entendida como um desdobramento dialético de categorias lógicas e abstratas. Seguindo a
citação de Schmidt, depara-se com a seguinte afirmação:

A externalidade não é de se entender aqui como a sensibilidade se externando,


aberta a luz e ao homem sensível. A externalidade toma-se aqui no sentido da
exteriorização, um equívoco, uma debilidade que não deve ser. Pois o verdadeiro é
ainda a ideia. A natureza é somente forma de seu ser-outro. E, como o pensar
abstrato é a essência, aquilo que lhe é externo é, segundo sua essência, apenas um
[algo] externo. O pensador abstrato reconhece, ao mesmo tempo, que a
sensibilidade é a essência da natureza, a externalidade em oposição ao pensar
tecendo-se em si. Mas simultaneamente ele exprime esta oposição de tal forma que
esta externalidade da natureza é sua oposição ao pensar, sua deficiência, que ela, na
medida em que se diferencia da abstração, é um ser deficiente.15

13
Marx e Engels, op. cit., p. 87.
14
Schmidt, op. cit., p. 26.
15
Marx, op. cit., p. 136-137.
8
Marx está desenvolvendo uma crítica à concepção de natureza como externalidade
defeituosa, como um ser-outro que aliena a ideia, a verdadeira essência. A externalidade da
natureza para Marx é um fato objetivo, uma realidade que o homem tem que entender.
Quando está dizendo da nulidade da natureza em relação à sociedade, ele está se referindo à
Hegel.
Contudo, nessa concepção de Schmidt a natureza só é enquanto para-nós nos moldes
da fenomenologia de Hegel. Ela só é por-si enquanto apreendida na mediação pela práxis.
Marx contrapõe os fundamentos práticos contra os pressupostos abstratos, teóricos, do
idealismo. Não se trata de uma questão epistemológica, de uma teoria do conhecimento que
põe em pé a natureza, mas do reconhecimento de sua existência por-si mesma, independente
em relação ao homem, ou seja, de uma ontologia materialista da natureza. As categorias
ontológicas não se confundem com as metafísicas; são transformações históricas. As
categorias ontológicas antes de serem do sujeito pensante são da existência; possuem
historicidade e espacialidade.

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