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Thiago Brito1
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Bacharel e Mestre em Geografia, pelo Departamento de Geografia da UFMG.
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entanto, a realidade cotidiana não é, necessariamente, um obstáculo para o desenvolvimento
humano, mas sua condição de existência e de possibilidade2.
A primeira forma de objetividade, portanto, é a natureza. É dela que surge o homem e
pela qual ele vive. Ele mesmo é um ser natural que parte da natureza para se autoproduzir,
para se realizar. Antes de opor natureza e espírito, Marx esclarece que sem a primeira é
impossível o aparecimento do segundo.
O homem vive da natureza significa: a natureza é o seu corpo, com o qual ele tem
que ficar num processo contínuo para não morrer. Que a vida física e mental do
homem está interconectada com a natureza não tem outro sentido senão que a
natureza está interconectada consigo mesma, pois o homem é uma parte da
natureza.3
2
Karl Marx e Fredrich Engels, A ideologia alemã. São Paulo, Boitempo, 2007.
3
Karl Marx, Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo, Boitempo, 2004, p. 84.
4
Gyorgy Lukács, Ontologia del ser social – el trabajo. Buenos Aires, Ediciones Herramienta, 2004.
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que se realiza a partir de relações causais que compõem a natureza; e a base de complexos
particularmente sociais.
O ser social de Lukács pressupõe o ser da natureza orgânica e inorgânica. O ser é
interdependente do ser da natureza. Não se pode dissociá-los, pura e simplesmente, como foi
feito por grande parte dos filósofos, também geógrafos, subordinando a natureza aos
chamados domínios do espírito.
A ontologia marxiana exclui, também, a transposição simplista, materialista vulgar,
das leis da natureza para a sociedade, o chamado darwinismo social. O ser social, com suas
formas, desenvolve-se pela práxis social, a partir do ser natural, mas tornando-se cada vez
mais social. Esse desenvolvimento é dialético, um processo que começa com o trabalho, que
não tem analogia direta com os processos da natureza, mas que é inerente ao homem social. O
ato teleológico do trabalho forma o ser em-si, o ser social. O processo de sua formação e
explicação passa, porém, pela transformação do ser em-si em um ser para-si, implicando uma
superação das formas e conteúdos do ser meramente natural5.
A generalidade e a universalidade do ser social são caracterizadas, contudo, pelo
predomínio das categorias sociais, pelo contínuo e crescente afastamento da natureza. O
desenvolvimento do ser social pressupõe o afastamento das determinações naturais para
formas que incorporam, também, as especificidades sociais, chamadas por Lukács de “formas
mistas”. A tendência desse processo é o crescimento quantitativo e qualitativo dos
componentes predominantemente sociais. Mas o desenvolvimento do ser social não significa
a anulação de sua base natural, de suas características naturais. O ser social não apenas se
reproduz socialmente, mas também a partir de sua base natural, não podendo nunca se
desvencilhar dela.
As determinações naturais, portanto, no desenvolvimento do ser social perdem cada
vez mais a primazia para as especificidades sociais, mas ela nunca é anulada, nunca deixa de
estar presente na formação do ser social. Isso não significa dizer que nas origens da
humanidade existia apenas uma determinação natural nas atividades humanas, como fizeram
crer alguns geógrafos. Já no início da civilização são encontradas determinações sociais nas
relações humanas que se misturavam com as especificidades naturais.
O trabalho simples possui uma relação entre finalidade e causalidade. Toda
necessidade obtida pelo trabalho é uma necessidade objetiva, uma satisfação mediada.
5
Gyorgy Lukács, Ontologia do ser social – os princípios ontológicos fundamentais de Marx. São
Paulo, Ciências Humanas, 1979.
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Desde logo, a natureza não está mais presente para o homem de modo imediato e
direto. Mesmo as satisfações das necessidades mais imediatas – vinculadas
diretamente à reprodução orgânica, por exemplo – implicam mediação social. Elas
ocorrem de um modo típico e especificamente humano. De modo que já nas
primeiras fases do seu desenvolvimento o homem encontra diante de si uma dupla
base de origem para as alternativas às quais ele deve responder: naturais e sociais.6
O homem enquanto não mais ser vivente biológico, mas membro trabalhador de um
grupo social, não se encontra mais em relação imediata com a natureza orgânica e
inorgânica que o circunda, tanto menos consigo mesmo como vivente biológico,
pelo contrário, todas estas inevitáveis interações passam através da mediação da
sociedade; e já que a sociabilidade do homem quer dizer comportamento ativo,
prático, em relação a totalidade de seu ambiente, ele não acolhe simplesmente o
mundo circundante e suas transformações adaptando-se, mas reage ativamente
contrapondo às transformações do mundo externo a sua própria prática, pela qual a
adaptação à insuprimível realidade objetiva e as novas posições teleológicas que
lhes correspondem formam uma unidade indissolúvel.7
Para entender [...] em termos ontológicos corretos a reprodução do ser social, por
um lado, é necessário levar em conta que o fundamento ineliminável é o homem,
com sua constituição física, com a sua reprodução biológica, e, de outro lado, não
perde mais de vista que a reprodução se desenvolve em um ambiente cuja base é
sim a natureza, mas que, entretanto, esta vem sempre modificada pelo trabalho,
pelas atividades dos homens, de forma que a sociedade, na qual se verifica
realmente o processo reprodutivo do homem, cada vez menos encontra ‘pronta’ na
natureza as condições da própria reprodução, pelo contrário, essas condições são
criadas mediante a prática social dos homens.8
6
Ronaldo Vielmi Fortes, Trabalho e gênese do ser social na “ontologia” de George Lukács. Belo
Horizonte, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – UFMG, 2001, p. 137-136.
7
George Lukács, Per l’ontologia dell essere sociale, Roma, Editori Riuniti, 1976, p. 180.
8
Idem, Ibidem, p. 146-147.
4
A base natural permanece como uma das determinantes do ser social, porém como
momento da reprodução, em que a posição biológica do homem aparece como irremediável.
Ela sustenta o desenvolvimento do ser social. A natureza se apresenta como base do processo
reprodutivo do homem, determinação biológica corporal na relação de produção e apropriação
dos objetos.
9
Idem, Ibidem, p. 179.
5
consciência se mostra ativa na formação do ser social. No processo laborativo, produz-se um
grupo de fenômenos eminentemente sociais, e o homem se distancia de sua raiz natural,
biológica. Em sua manifestação imediata, a consciência aparece separada do corpo, mas na
essência dessa relação é percebida a dependência dela a sua condição orgânica. Essa forma de
contradição entre essência e aparência não contradiz o papel autônomo da consciência com o
corpo. Para Lukács, tal contradição é a fundamentação ontológica do ser, que passa do natural
para o social por meio do trabalho. Se na imediaticidade, na aparência, a consciência aparece
autônoma, isso não prova a independência dela em relação ao corpo, mas somente que o
corpo por si só não pode definir o ser social. Ele é condição de existência, mas não constitui o
homem enquanto tal. Portanto, não se pode tratar a questão distinguindo, pura e simplesmente
os dois polos, pois se perde de vista a noção de dupla base do ser social. A dupla base se
apresenta como uma unidade dentro do complexo do ser social. O homem só se realiza
enquanto originário de um complexo biológico, mas cujos complexos sociais irão se
manifestar prioritariamente por meio de seu processo produtivo.
10
Fortes, op. cit., p. 142.
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necessidades e carências, mas essa afirmação está longe de querer significar que a
objetividade da natureza será suprimida pela transformação da sociedade. A natureza se
mantém enquanto ela mesma. Não perde a base de suas relações fenomênicas, não deixa de
ser para-si (para diferenciar do em-si kantiano), embora cada vez mais transformada e dotada
de relações sociais.
É verdade que o máximo que Marx fala da natureza por-si é a respeito de seus
caracteres no grau maior de generalidade: objetividade relação, padecimento,
interdependência, etc. Além, disso, na Ideologia Alemã, ele falará de uma natureza
encontrada pronta, como um ponto de partida para a atividade, mas adverte que não
irá examinar a história natural, as condições geológicas, orográficas, climáticas, etc.
Portanto, é certo que Marx não elabora uma ontologia que examine as categorias
naturais, nem mesmo em seus metabolismos com os homens, mas, por outro lado,
afirma, de forma taxativa, o caráter independente da natureza em relação à
subjetividade. Os lineamentos ontológicos que delineia a respeito lhe bastam para a
crítica à especulação hegeliana, na medida em que mostram o caráter objetivo da
realidade. Assim como o homem, a natureza é também sensibilidade – objeto
efetivo dos sentidos – e essa efetividade confirma a substancialidade de ambas as
coisas, objetos e sujeitos, natureza e homem.11
11
Erik Haagensen Gontijo, Natureza, sociedade e atividade sensível na formação do pensamento
marxiano. Belo Horizonte, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – UFMG, 2007, p. 98.
12
Alfred Schmidt, El concepto de naturaleza en Marx. México, Siglo Veintiuno Editores, 1976.
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mas somente na relação da atividade sensível. Para ele, a anterioridade da natureza, sem
mediação humana, é uma nulidade. É fato que para Marx a natureza lhe interessa como
momento da práxis humana. É disso que ele trata em seus estudos, o que não significa que ele
não reconheça uma história natural, uma objetividade da natureza que independe do
conhecimento humano, e que o humano só é possível mediante a natureza, e não o contrário,
mesmo destacando a crescente humanização da natureza.
13
Marx e Engels, op. cit., p. 87.
14
Schmidt, op. cit., p. 26.
15
Marx, op. cit., p. 136-137.
8
Marx está desenvolvendo uma crítica à concepção de natureza como externalidade
defeituosa, como um ser-outro que aliena a ideia, a verdadeira essência. A externalidade da
natureza para Marx é um fato objetivo, uma realidade que o homem tem que entender.
Quando está dizendo da nulidade da natureza em relação à sociedade, ele está se referindo à
Hegel.
Contudo, nessa concepção de Schmidt a natureza só é enquanto para-nós nos moldes
da fenomenologia de Hegel. Ela só é por-si enquanto apreendida na mediação pela práxis.
Marx contrapõe os fundamentos práticos contra os pressupostos abstratos, teóricos, do
idealismo. Não se trata de uma questão epistemológica, de uma teoria do conhecimento que
põe em pé a natureza, mas do reconhecimento de sua existência por-si mesma, independente
em relação ao homem, ou seja, de uma ontologia materialista da natureza. As categorias
ontológicas não se confundem com as metafísicas; são transformações históricas. As
categorias ontológicas antes de serem do sujeito pensante são da existência; possuem
historicidade e espacialidade.