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Instituto de Ciências Sociais

Departamento de Sociologia

AS BRUXAS DA INTERNET

Os últimos anos do século XX e os primeiros do século XXI assistiram um aumento brutal do


número de usuários da rede mundial de computadores – Internet. Estatísticas recentes apontam um
1
crescimento médio do número de usuários da Rede, na América Latina, da ordem de 36% ao ano e,
mais especificamente, no Brasil, soma-se já um total de cerca de 8 milhões de internautas e um
2
crescimento da ordem de 2,5% ao mês . Esses números proporcionaram, sem dúvida, uma profunda
modificação em alguns hábitos dos brasileiros de uma classe de renda específica, em especial no
tocante à forma de acesso às informações e aos relacionamentos interpessoais.
É lícito inferir que o acesso rápido ao conteúdo das páginas da Internet fez com que muitas
pessoas preferissem esse meio de pesquisa e atualização de informações aos meios tradicionais
(jornais, revistas, livros, etc.). Da mesma forma, a possibilidade de comunicação através de correio
eletrônico e chats possibilitou a criação de verdadeiras comunidades virtuais, nas quais os membros,
muitas vezes residentes em diferentes pontos do país, mantêm contato diário, trocando idéias e
opiniões sobre os mais variados assuntos.
Uma dessas comunidades virtuais que vem ganhando progressivo destaque nos últimos anos
é composta por pessoas interessadas no esoterismo, categoria na qual pode-se enquadrar desde
oráculos, como a Astrologia, até terapias alternativas e filosofias e seitas as mais diversas. Uma
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pesquisa no site de busca Google , com a palavra-chave “esoterismo”, retorna 109 mil endereços,
apenas de páginas em português.
Dentre os inúmeros assuntos que podem ser enquadradas sob a categoria de “esoterismo”,
um deles sofreu, nos últimos cinco anos, uma proliferação no número de sites e de listas de
discussão que é, pelo menos, sintomática da existência de um fenômeno social específico. Esse
assunto é a bruxaria, ou ainda a chamada bruxaria moderna ou Wicca. Uma pesquisa no mesmo site
de busca citado, feita em 1998, retornava cerca de duas dúzias de endereços sobre o assunto. Hoje,
esse número ultrapassa 14 mil. Este trabalho visa estabelecer um perfil desse fenômeno e das
pessoas que dele participam, bem como analisar suas possíveis causas ou motivações.

Um histórico da bruxaria moderna

Torna-se um pouco complicado definir o que é, hoje, a chamada bruxaria moderna. Pode-se
tentar defini-la através de conceitos e informações encontrados nos primeiros livros surgidos sobre o
assunto, ou através do que se tornou uma espécie de consenso entre as pessoas que, atualmente,
se intitulam praticantes ou conhecedores do assunto. Dessa maneira, uma breve abordagem
cronológica será certamente esclarecedora.
Em 1899, o folclorista inglês Charles G. Leland publicou um livro intitulado Aradia: o
4
evangelho das bruxas , no qual se referia à existência de uma vecchia religione, ou velha religião
pagã, praticada na Europa antes do advento do Cristianismo. Posteriormente, em 1921, a
antropóloga Margareth Murray publica o seu The Witch-Cult in Western Europe, onde pinta a bruxaria
como um culto de fertilidade pré-cristão que teria sobrevivido como religião organizada e difundida na
Europa até o século XVII.

1
Fonte: Terra-Lycos (http://www.terralycos.com/por/press)
2
Fonte: Ibope (http://www.ibope.com.br)
3
http://www.google.com.br
4
publicado no Brasil pela Editora Outras Palavras, em 2000.
Se o livro de Leland nunca foi levado a sério pelo meio acadêmico, em especial por ele alegar
que suas fontes se resumiam ao que lhe havia sido contado por uma velha stregha (bruxa) italiana
cuja existência nunca foi comprovada, o livro de Murray, apesar do impacto que causou inicialmente,
foi duramente contestado. Em primeiro lugar, a autora tomava como reais uma série de descrições de
cultos e práticas feitas por pessoas acusadas de bruxaria pela Inquisição, descrições essas obtidas
sob tortura. Em segundo, ela apenas retomava outras hipóteses já antigas e ultrapassadas, apenas
revestindo-lhes de uma nova roupagem e, em suas obras posteriores, acrescentando uma série de
excentricidades, que incluíam a afirmação que a morte de Joana D’Arc foi, na realidade, um sacrifício
5
ritual. A respeito da obra de Murray, o Professor Carlos Roberto Figueiredo Nogueira nos fala :

“Seu conhecimento de história européia e mesmo da história inglesa era superficial e a compreensão
do método histórico, duvidosa. Desconhecendo as obras mais modernas disponíveis sobre a bruxaria,
deixa de lado a rica documentação da Europa continental para utilizar umas poucas fontes britânicas,
‘recortando’ a documentação de modo a forçar a evidência histórica a comprovar a sua teoria.”

Na década de 1950, um funcionário da Coroa Inglesa chamado Gerald B. Gardner, publica


em rápida sucessão os livros The Meaning of Witchcraft e Witchcraft Today. Nessas obras, ele
baseia-se largamente nas teses de Leland e Murray, unindo-as com elementos da Alta Magia e do
6
esoterismo ocidental e princípios e práticas de filosofias orientais, que ele conhecia de seus longos
anos de serviço na Tailândia, para sistematizar aquilo que ele chamou de bruxaria moderna, sob o
nome de Wicca.
Da mesma forma que Leland, antes dele, Gardner alegava ter recebido seus conhecimentos
de uma bruxa inglesa, e ter sido por ela iniciado nessa antiga tradição. A existência dessa pessoa
nunca foi comprovada, mas existem evidências de que ele era íntimo do mago inglês Alesteir
7
Crowley , de quem teria adquirido várias noções de Alta Magia que iria incorporar à Wicca, bem como
conceitos como a nudez ritual.
Gardner baseia o seu culto em antigas celebrações celtas de equinócios e solstícios, que ele
chama de sabás, retomando o nome existente no imaginário popular como “assembléia de bruxas”.
Busca explicar todas as manifestações descritas pela Santa Inquisição como deturpações de antigos
ritos de uma religião pré-cristã que teria sobrevivido através da tradição oral até a Idade Média (no
que retoma a tese de Murray e Leland). Ao contrário de Crowley, procura expurgar da sua seita a
figura do demônio mas, a exemplo dele, propõe o sexo ritual como forma de culto, dentro de certos
limites.
Em meados da década de 1960, a Wicca tinha um cunho basicamente de sociedade secreta,
sendo bastante restrita, ainda, à Grã-Bretanha. Nessa época, Monique Wilson (ou Lady Olwen) e
Alex Sanders atribuíam-se, cada qual por seu turno, os títulos de rainha e rei das bruxas da
Inglaterra, oficiando rituais de forte cunho sexual em seus covens, para alguns adeptos iniciados.
Os próximos intérpretes de Gardner parecem ter enxergado melhor o potencial de apelo
popular que tinha essa bruxaria moderna. Aquilo que poderia estar destinado a se tornar mais uma
ordem mística, de cunho hermético, acaba recebendo uma série de acessórios que a tornam cada
vez mais acessível ao público em geral e livre de suas características polêmicas. Autores como
Doreen Valiente e o casal Farrar começam a focar cada vez mais o lado de valorização do feminino e
de respeito ao meio-ambiente da Wicca, bem como introduzem certas “leis” que, aparentemente,
visavam mostrar que, contrariamente ao conceito popular, bruxas não eram adoradoras do demônio
ou pessoas perversas, mas inofensivas sacerdotisas de uma espécie de “culto da natureza”.
Juntamente com essas “leis” que norteariam o comportamento e a prática das bruxas, surge a idéia,
inédita entre ordens esotéricas, da possibilidade de uma “auto-iniciação”, ou seja, um ritual específico
através do qual a pessoa se “tornaria bruxa”, mesmo sem ser admitida formalmente por nenhuma
associação específica ou grupo de praticantes da bruxaria. Ao mesmo tempo, a nudez e o sexo ritual
são relegados a segundo plano, embora continuem presentes.
A partir da década de 1970, algumas militantes feministas e ecológicas, como Starhawk e
Zuzzanah Budapest, abraçam a Wicca e lançam livros e campanhas que a popularizam, em especial
nos Estados Unidos. Posteriormente, uma “bruxa” americana, Laurie Cabot, alcança notoriedade e
torna-se prefeita de Salem, cidade dos Estados Unidos que ficou famosa por um vasto processo
contra a bruxaria, que culminou com a execução de várias pessoas, no final do século XVII.
No Brasil, as primeiras obras sobre Wicca aparecem nas livrarias no início da década de
1990. São traduções de obras já populares nos Estados Unidos, de autores como Scott Cunningham.
5
NOGUEIRA, Carlos Roberto Figueiredo. O Nascimento da Bruxaria. São Paulo: Imaginário, 1995.
6
Para informações a respeito, ver LEVY, Eliphas. Dogma e Ritual da Alta Magia. São Paulo: Madras, 1998 (3ª ed.).
7
Alesteir Crowley foi uma figura extremamente polêmica. Dissidente da Golden Dawn, foi expulso da Inglaterra e da Itália pelos
seus rituais satânicos, de natureza violenta e sexual. Sua seita, no entanto, espalhou-se por todo o Ocidente.
Louise Bourne, Gerina Dunnwich e Laurie Cabot. Esses livros já têm uma doutrina estabelecida e, de
uma forma geral, compõem-se das mesmas descrições de uma antiga religião da Deusa, em
oposição ao culto católico de Deus, que teria sido sufocada durante a Idade Média pelo cristianismo,
que a demonizou. Concentram-se, ainda, na forma de celebração e na explicação dos oito sabás
anuais, em datas que correspondem aos solstícios e equinócios e ao início de cada uma das
estações do ano, e em inúmeras “receitas” de feitiços e sortilégios. Todos esses livros advertem
quanto ao fato das “bruxas” não poderem utilizar os seus poderes para “praticar o mal” e possuem
algum tipo de ritual de auto-iniciação.
A primeira autora brasileira a escrever sobre a bruxaria moderna foi Márcia Frazão. Essa
autora, no entanto, embora cite a Wicca em seus primeiros livros, dá maior destaque a uma certa
“tradição familiar”, com ênfase nos conhecimentos sobre ervas e, em especial, atribuindo um caráter
“mágico” às receitas culinárias. Já na virada do século, surgem mais alguns autores, mas estes
limitam-se a aderir à forma adotada pelas obras estrangeiras, ou seja, escrever “manuais de bruxaria”
que se repetem à exaustão.
Somente a partir de 1998 é que a Wicca começa a ganhar notoriedade no Brasil, em especial
através de sua divulgação através da Internet. Como foi dito na introdução deste trabalho, começam
a partir desse ano a proliferar sites e listas de discussão específicas sobre o assunto e portais de
8
grande porte, como o UOL , criam salas de bate-papo (chat) temáticas sobre o assunto. A partir
dessa convivência virtual, muitas pessoas passaram a se reunir em encontros regulares, o que
motivou, até agora, a criação de pelo menos uma Associação de âmbito nacional, a Abrawicca, e o
registro de uma igreja, chamada Wicca Religião Renovada.
Na esteira dessa crescente notoriedade, começaram a surgir algumas matérias na imprensa,
que refletem convenientemente o perfil dos praticantes brasileiros. Numa matéria publicada no jornal
Correio Braziliense, em 21 de março de 2003, lê-se que “segundo estimativas dos próprios bruxos, os
praticantes de Wicca (...) já somam 20 mil pessoas no Brasil. Na conta, entram os feiticeiros solitários
9
e os que exercem a magia em grupos ”. Nessa mesma reportagem, mais adiante, encontraremos os
principais componentes que são encontráveis nos livros populares sobre o assunto, como a proibição
de usar a magia para causar malefícios, a fixação na figura da Deusa e a crença no uso de “feitiços”
para os mais variados objetivos, incluindo conseguir vagas em estacionamentos ou conseguir
dinheiro para saldar dívidas.

A bruxaria moderna e a Internet

Existe uma ampla distância, hoje, entre os conceitos normalmente formulados por
historiadores, sociólogos e antropólogos sobre bruxaria e feitiçaria, e aquilo que é divulgado na
Internet sobre o assunto, na esteira do trabalho de Gardner e seus sucessores.
Consultando, por amostragem, várias dezenas de sites entre os milhares existentes,
acompanhando o movimento das principais listas de discussão sobre o assunto e, ainda, vindo a
conhecer pessoalmente alguns expoentes e vários simpatizantes ou praticantes, pode-se traçar um
perfil da bruxaria na Internet e das pessoas que estão com ela envolvidas.

Em relação aos sites, as seguintes características podem ser apreendidas como relevantes:
a) Linearidade de informações. Apesar da enorme quantidade de sites sobre o assunto, o teor
dos mesmos é praticamente o mesmo. Existe uma grande redundância de informações e, embora se
possa argumentar que isso seria de se esperar em sites que tratam de um mesmo assunto, o mais
notável é o aspecto linear que essas informações apresentam, o que parece indicar a existência de
um dogma tacitamente aceito. É rara, ou mesmo desprezível quantitativamente, a existência de
versões distintas de um mesmo conceito, ou de dissidências explícitas no que seriam os princípios da
bruxaria.
b) Linearidade de fontes. Na esteira da linearidade de informações - e talvez a explicando -
existe uma linearidade nos autores citados e obras consultadas e/ou indicadas. Essas fontes são, em
primeiro lugar, obras de autores populares atuais, como o Gerina Dunnwich, Laurie Cabot, Starhawk
e Scott Cunningham e, em segundo lugar, obras de precursores como Gardner, o casal Farrar e
Doreen Valiente. Não existe basicamente nenhuma citação a obras e autores de trabalhos
acadêmicos sobre o assunto.
c) Disseminação de falácias históricas. É um consenso entre os historiadores, hoje, que a
bruxaria, na forma como foi pintada pela Santa Inquisição, nunca existiu. A figura da bruxa, bem

8
http://www.uol.com.br
9
Correio Braziliense, versão eletrônica. http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_20030321/vid_mat_210303_3.htm
como o sabá das feiticeiras, que povoaram o imaginário popular na Baixa Idade Média e início da
Idade Moderna, foram construções imaginárias que misturaram diversas concepções e que foram, a
partir de um processo por demais complexo para ser descrito aqui, consolidadas pela perseguição
religiosa e secular. Não se podia queimar bruxas, já que nunca existiram bruxas.
No entanto, a esmagadora maioria dos sites apresenta a bruxaria atual como continuação de
uma bruxaria ancestral, que possuiria a forma de religião organizada. Basicamente todos eles falam
da "caça às bruxas", promovida pela Santa Inquisição principalmente a partir do século XV, como um
fenômeno "medieval", no qual pagãos foram queimados, fazendo uma clara associação entre
"bruxas" e "pagãos" e, principalmente, tomando a figura da bruxa como real. Segundo esses sites, as
pessoas que foram perseguidas como bruxas eram os praticantes dessa antiga religião, o que é, no
mínimo, uma extrema simplificação dos motivos reais que levaram às fogueiras inquisitoriais. Deixa-
se de citar, por exemplo, que uma grande parte das pessoas condenadas pelo Santo Ofício eram
judeus, em especial na Espanha e em Portugal, e portanto não possuíam ligação alguma com
tradições européias pré-cristãs.
Provavelmente, essa disseminação de falácias provém daquela característica apresentada
anteriormente, ou seja: as fontes consultadas e citadas pelos sites não são fontes acadêmicas, mas
sim obras de propaganda religiosa ou de esoterismo; portanto, é natural que essas obras contenham
afirmativas que busquem criar aquilo que poderíamos denominar de "sentimento de classe
perseguida", a fim de angariar simpatizantes.
d) Ênfase em mitos e lendas européias. Uma vez que os precursores e sistematizadores
dessa bruxaria moderna eram europeus, existe uma forte ênfase em divindades e figuras lendárias
dos mitos celtas e nórdicos, seguida pelas divindades greco-romanas. Seres imaginários do folclore
europeu, como gnomos, duendes e fadas, são também bastante citados, e geralmente como seres
reais.
Ao mesmo tempo, personagens de lendas populares, em especial do Ciclo Arturiano, como
Merlin, Morgana e outras, são comumente tomadas como figuras históricas. Nota-se, nesse ponto em
10
particular, uma forte influência de certas obras da escritora Marion Zimmer Bradley , que habilmente
explorou a idéia de uma "religião da Deusa" pré-cristã em seus best-sellers.
É interessante ressaltar, aqui, essa influência: entre os webmasters de sites sobre bruxaria,
bem como entre os participantes de listas de discussão sobre o assunto, existe uma profusão de
11
nicknames de origem celta e nórdica, entre os quais o mais comum é Morgana e suas variantes.
Há, portanto, ao lado do caráter religioso associado à bruxaria, ainda um caráter romântico, no qual
figuras lendárias são tomadas como reais e admiradas como modelos.
e) Ênfase na prática. A maioria dos sites sobre Wicca concentra-se principalmente nos
aspectos práticos desta. Ao contrário da maioria dos sites religiosos, onde a ênfase é na teoria, na
doutrina e na filosofia, aqui se vê uma especial atenção na descrição de práticas que, supostamente,
habilitariam uma pessoa comum a se tornar um(a) bruxo(a). Descrições de rituais, meditações e,
especialmente, receitas de feitiços e instruções para se fazer e/ou adquirir determinados instrumentos
mágicos ocupam a maior parte do espaço dos sites sobre o assunto.
f) Romantização da figura da bruxa. Essa característica, notada igualmente em toda a
literatura popular sobre o assunto, é onipresente. Apresenta-se a bruxa, especificamente, e o
praticante da bruxaria moderna, por extensão, como uma figura magnânima, esclarecida, sem
preconceitos, livre das opressões e pressões do cotidiano pela sua opção religiosa. A bruxa é pintada
como uma militante ecológica e feminista e, frequentemente, como alguém dotado de poderes inatos,
ou que os teria desenvolvido pela prática da bruxaria.
g) Anti-cristianismo. Embora não seja onipresente ou declarada, essa característica jaz como
subjacente em muitos sites sobre o assunto. Compara-se frequentemente a “religião da deusa”,
libertadora, com a “religião do deus”, opressora, e procura-se apontar uma série de incoerências no
cristianismo.

Em relação as pessoas que se dizem praticantes ou seriamente interessadas na bruxaria,


analisando-se pela sua presença e participação através da Internet, não há uma linearidade tão
grande quanto a que se pode observar nos sites sobre o assunto, mas algumas tendências gerais
podem ser apontadas.
Um primeiro grupo, e certamente o mais numeroso, é formado pelos frequentadores de salas
de chat e assinantes de listas de discussão específicas sobre bruxaria ou Wicca. Esse grupo é
formado, de uma forma geral, por pessoas mais jovens, cuja faixa de idade oscila entre os 15 e os 20
anos de idade. Compreensivelmente, são os membros desse grupo que mais refletem o conteúdo

10
Podemos citar, entre outros, os quatro volumes de "As Brumas de Avalon", da autora citada.
11
Codinome ou apelido pelo qual a pessoa se identifica, na Internet.
dos sites apresentado acima, uma vez que a partir da faixa etária menor pode-se supor, igualmente,
um menor nível de escolaridade e de desenvolvimento da consciência crítica. Esses jovens tendem a
vestir-se de preto, ostentar símbolos ligados à bruxaria e afirmar a sua condição de bruxos. Seu
conhecimento do assunto limita-se ao conteúdo de sites e livros populares, o qual defendem com os
mesmos argumentos pseudo-científicos encontrados nestes. As mensagens trocadas entre os
membros desse primeiro grupo consistem, de uma maneira geral, de "receitas de feitiços" e repasse
de textos, geralmente extraídos de livros populares.
Um segundo grupo é formado por assinantes de listas não específicas, mas que incluem nos
seus tópicos de interesse a bruxaria, embora muitos desse grupo assinem igualmente uma ou outra
lista específica. Não são frequentadores assíduos de salas de chat. A faixa etária, aqui, oscila entre
os 20 e os 35 anos, e há predominância de pessoas com nível de escolaridade superior. Muitos se
consideram bruxos, embora haja uma tendência ao interesse pelo ocultismo e esoterismo de uma
forma geral. Nesse grupo, ao contrário do primeiro, a bruxaria é tida mais como uma seita, ou um
caminho espiritual alternativo, do que como uma religião. Embora haja, nesse grupo, um maior
conhecimento, provindo de fontes mais variadas, ainda há uma grande tendência a repetição de
conceitos sem embasamento ou fantasiosos, e surge uma maior argumentação baseada na fé
pessoal, em oposição ao apelo à autoridade do primeiro grupo.
Poderia-se, ainda, distinguir um terceiro grupo, ou ainda um subgrupo do apresentado acima.
A faixa etária é ligeiramente superior, situando-se acima dos 30 anos, e o nível médio de
escolaridade é também ligeiramente mais alto. Comparativamente, esse grupo é formado por um
número muito menor de membros, onde a maioria se define como bruxo, apesar dele ser composto
igualmente pelos líderes de associações e grupos vinculados à prática da bruxaria e por alguns de
seus maiores críticos. Muitas dessas pessoas são moderadores de listas de discussão próprias,
embora participem ativamente de listas que são coordenadas por outros membros desse mesmo
grupo, e uma boa parte deles se conhece pessoalmente. Alguns são autores de livros populares
sobre o assunto, enquanto outros são pesquisadores interessados na área, que fizeram uma opção
religiosa ou filosófica a partir de conceitos ligados à bruxaria. Normalmente, a presença dessas
pessoas na Internet é referencial e seu papel é de orientador. Em relação aos conhecimentos, pode
haver uma forte discrepância: um profundo dogmatismo, um forte apelo à fé e uma tendência a
transformar a bruxaria numa forma de religião, por um lado, e, por outro, um centramento na
racionalidade e no academicismo e a tendência de tentar depurar a bruxaria dos aspectos religiosos,
12
ligando-se mais aos conceitos filosóficos .
Essa análise e divisão, no entanto, é necessariamente feita a partir do papel do observador, o
que pode levar a conclusões tendenciosas. Para minorar esse efeito, é importante traçar um perfil dos
bruxos e bruxas da Internet a partir de suas próprias palavras, o que será feito a seguir.

Os bruxos da Internet

Para tentar levantar a imagem que os bruxos da Internet têm de si, e suas opiniões sobre a
bruxaria, utilizou-se um questionário de dez perguntas, com quatro opções de resposta cada, onde
apenas uma deveria ser escolhida. Nas respostas, de uma maneira geral, usou-se um conceito
popular, difundido em livros e sites sobre o assunto, um conceito baseado em posições acadêmicas e
dois outros que poderiam ser considerados uma gradação entre esses dois extremos.
O convite para responder a pesquisa foi enviado para várias listas de discussão sobre o
assunto, que somam um total de mais de cinco mil assinantes. O questionário foi disponibilizado num
endereço da Internet que possibilitava a sua resposta on-line, e a totalização dos resultados era feita
automaticamente por um programa, que apresentava a porcentagem de respostas de cada item.
Essa totalização não estava disponível para as pessoas que respondiam o questionário, a fim de não
influenciar as suas respostas, levando-as a "votar com a maioria".
Apesar do convite não ter sido feito somente em listas de discussão específicas sobre
bruxaria, mas sim que abrangem diversos assuntos ligados ao esoterismo, 70% das pessoas que
responderam a pesquisa se declararam "muito interessadas" na bruxaria moderna, ou ainda
"praticantes", o que parece apontar que essa vertente do esoterismo possui uma grande penetração e
um forte apelo popular entre os internautas.

12
Tais pessoas tendem a focalizar-se naqueles aspectos da bruxaria que remetem aos cultos pré-cristãos, ou pagãos,
ocidentais, ou seja, no simbolismo de integração com a natureza. Esse simbolismo está presente, igualmente, em todas as
sociedades indígenas ao redor do mundo e, nesse caso, a aproximação através da bruxaria apenas seria mais familiar do que
através de religiões e seitas orientais.
A forma predominante de contato inicial com a bruxaria são os livros sobre o assunto, mas, se
somarmos aqueles que tiveram esse primeiro contato através da Internet e através de amigos,
obtemos um percentual que excede 50%. Por outro lado, um primeiro contato através de artigos na
mídia impressa ou televisionada é bem menos expressivo, não chegando aos 14% do total. Nota-se,
portanto, que a divulgação da bruxaria ocorre principalmente num nível interpessoal, e que a
facilitação do contato proporcionada pela Internet tem importante papel nessa divulgação.
Em relação aos conhecimentos sobre bruxaria, é indiscutível a predominância de livros e
autores populares. Tanto em relação aos conhecimentos já adquiridos como em relação às fontes
que recorreriam para aumentar os seus conhecimentos, cerca de 80% dos internautas apontaram a
preferência pelo contato direto com os autores populares e suas obras. A quantidade de pessoas que
optariam pela consulta a material acadêmico sobre o assunto foi de apenas 14%.
Tais dados parecem refletir uma tendência claramente devocional no interesse pela bruxaria.
Não há, realmente, um interesse no fenômeno medieval-moderno ou nos seus reflexos na sociedade
atual, ou ao menos no conhecimento mais profundo ou crítico do esoterismo ocidental, mas sim o
interesse em uma forma alternativa de religiosidade, marcada inclusive por aspectos fantasiosos, e
que tenha raízes tão ou mais antigas que as grandes religiões estabelecidas. Isso se confirma
quando se observa que apenas 19% dos pesquisados consideram a Wicca como uma criação ou
sistematização de Gardner, ao passo que quase 80% a consideram como "a antiga religião da
Grande Deusa" ou como "um caminho espiritual baseado em tradições pré-cristãs".
Esse privilégio da vulgarização e da crença, em detrimento do conhecimento mais
aprofundado e do senso crítico, se reflete igualmente em pontos específicos, onde as respostas
chegam a ser paradoxais. Quase 90% dos pesquisados afirmaram a necessidade de uma iniciação
vinculada à bruxaria, seja para poder praticá-la, para ser admitido em um grupo de praticantes, ou
ainda para alcançar a posição de sacerdote. Levando em consideração que uma iniciação, seja qual
for a acepção que se dê à palavra, implica necessariamente um "iniciante" e um grupo (ou
conhecimento detido por um grupo) no qual ele será admitido, ou "iniciado", chega a ser
surpreendente que 75% das pessoas que responderam a pesquisa considerem válido o conceito de
"auto-iniciação".
Nota-se, portanto, que o bruxo da Internet é, antes de mais nada, uma pessoa que fez uma
opção religiosa e, dessa forma, não tende a questionar os princípios estabelecidos por essa religião
que adotou, ou mesmo a forma pela qual eles foram estabelecidos. Nisso, se assemelham aos
praticantes de qualquer outra religião.
Essa postura fica ainda mais clara quando o que é colocado em questão é a própria figura da
bruxa moderna. A despeito de todas as inúmeras alusões fantasiosas e românticas às quais já nos
referimos, de toda a ênfase na aplicação prática através da disseminação de "feitiços", da inevitável
relação entre bruxaria, astrologia, tarô e outras práticas oraculares e, ainda, da corriqueira
contraposição ao cristianismo, apenas 13% dos entrevistados associam tudo isso à figura da bruxa e,
em última análise, à sua própria pessoa. Na verdade, quase 80% dos entrevistados se definem como
uma pessoa comum, com uma opção religiosa diferente da usual e que procura se informar a respeito
dessa opção de forma isenta e conscienciosa.

Uma religião virtual?

Não se poderia almejar, no espaço desse ensaio, fazer uma análise aprofundada e
abrangente da bruxaria na Internet. Nossa intenção era, antes, fazer um breve diagnóstico da
existência de um fenômeno social contemporâneo e apontar algumas tendências desse fenômeno no
Brasil, bem como sugerir algumas causalidades.
Pelo que foi possível levantar, pode-se dizer com uma certa segurança que uma seita
hermética, ou sociedade secreta, surgida na década de 1950, nos moldes de tantas outras que
floresceram entre o final do século XIX e os primeiros decênios do século XX, ao receber
posteriormente elementos que a popularizaram, criou a semente de uma nova religião.
A exemplo de outras religiões, as bases desta assentam-se sobre alegações históricas
controversas e normas de conduta criadas pelos seus precursores, que acabaram adquirindo a
caráter de dogmas. O que gera uma certa diferenciação, no entanto, é que esta traz as marcas da
atual sociedade de consumo, tanto pela sua rápida divulgação através dos meios de cultura de
massa, como nas características de falta de critério no consumo e aceitação de informações, tão
visíveis em nossa sociedade.
Ao contrário, por exemplo, do cristianismo, cujos dogmas foram impostos ao longo de
séculos, cujas dissidências foram paulatinamente eliminadas - muitas vezes por força da espada -, a
bruxaria moderna é aceita por seus praticantes quase sem nenhuma resistência, e sem a
necessidade de outras técnicas de persuasão: ela é aceita porque é um pacote pronto, entregue
através dos meios de comunicação, atraente e de fácil adesão.
Além disso, ela possui um componente de contestação cuidadosamente dosado, que pode
ser atraente em especial para os mais jovens: um filho que se diga bruxo pode horrorizar, a princípio,
alguns pais, mas como essa bruxaria foi habilmente esvaziada de seus aspectos polêmicos, a uma
segunda vista se torna inofensiva o suficiente para ser tolerada. Essa contestação aparente, traduz-
se por um linguajar, por uma forma de vestir, ainda mais do que por uma religiosidade francamente
oposta ou baseada em padrões radicalmente diferentes dos usuais. Não existe um rompimento com o
rito, com o dogma ou com a figura da divindade, mas apenas uma mudança de representações.
Por um outro lado, não se pede do “futuro bruxo” nenhum sacrifício. Pelo contrário: ele
mesmo pode se admitir como novo membro, bastando para isso acender algumas velas e proferir
algumas palavras. Em contrapartida, a ele se oferece uma ampla gama de vantagens, na forma de
supostos poderes e conhecimentos. Essa facilidade de acesso, se mantidas as devidas proporções, é
a mesma que é oferecida pela Internet: o mundo inteiro está à disposição; no entanto, não existe
nenhum tipo de filtro que garanta a idoneidade das informações ou das pessoas que acessamos.
Podemos traçar um paralelo, aqui, com várias outras representações que definem certos
grupos sociais, na atualidade. O apropriamento da imagem, da representação externa, da figura de
um certo grupo sobrepõe-se à real comunhão com preceitos e diretrizes desse grupo. Dos jovens
que, nas décadas de 1960/70, assumiam a contracultura, podia-se esperar um certo posicionamento
social e político, que acabava por traduzir-se em símbolos externos: roupas, cabelos, etc. Hoje, nota-
se que, para ser definido e/ou rotulado como participante de um grupo, geralmente basta ao jovem
adotar a vestimenta característica desse grupo, e não necessariamente a sua postura.
Dessa maneira, o apelo da facilidade, aliado a um caminho de religiosidade supostamente
alternativa, que busca suprir a ausência de mitos gerada pelo cristianismo e as inquietações da vida
moderna, foram componentes ideais para serem divulgados através da Internet. Esse meio,
proporcionando o contato entre pessoas que, de outra forma, estariam quase isoladas ou rodeadas
por apenas um pequeno círculo de confrades ou adeptos (como era o caso dos covens das décadas
de 70 e 80), veio a criar verdadeiras comunidades, onde inúmeros Lancelots, Morganas, Merlins e
Ceridwens puderam compartilhar os seus conhecimentos. Pouca atenção é dada ao fato que, afinal,
estes conhecimentos trocados estão sendo retirados exatamente dali, da própria Internet, e são
praticamente nulos, inexistentes e inválidos em outras fontes. Fecha-se, assim, o círculo virtual onde
o círculo real seria impossível.
No Brasil, em especial, o crescimento do interesse nessa bruxaria moderna reflete o
crescimento da Internet. O fato dela ter se firmado, em cerca de seis anos, desde uma simples
curiosidade até o status atual, de religião que funda associações e se arroga milhares de praticantes,
nos mostra um fenômeno interessante: o surgimento de uma religião virtual. Digo isso porque,
embora a forma atual dessa bruxaria ter sido estabelecida previamente, em especial nos Estados
Unidos, as características que ela assumiu no Brasil surgiram e foram divulgadas na Internet, e a
grande maioria dos seus adeptos apenas mantém contato através dela.
Vale dizer, finalmente, que acompanhar o desenvolvimento dessa religião da bruxaria no
Brasil parece lançar uma luz sobre as próprias características do tipo de informação que se espera,
de forma popular e geral, da Internet. A rapidez e a facilidade do acesso são privilegiadas em
detrimento da qualidade da informação, e a quantidade e repetição dessas informações de pouca
qualidade acabam por legitimá-las. Determinados sites ganham o status de fontes primárias, ao não
citarem suas próprias fontes, e são, por sua vez, citados em outros sites, o que cria uma ilusão de
validade para quem os consulta. Opiniões pessoais tornam-se verdades após serem exaustivamente
repetidas e enviadas, por meio eletrônico, para centenas ou milhares de pessoas.
Pode-se alegar que, no campo da religiosidade humana, nada disso é realmente novidade.
As grandes religiões estabelecidas no Ocidente carregam igualmente o seu cabedal de meias-
verdades, disseminação de ilusões e radicalismos pessoais transformados em questões de fé, mas
esse cabedal, como já apontamos, foi edificado ao longo de séculos de desenvolvimento e lentas
transformações, associadas ainda a vontades políticas dominantes. Vale pensar, no entanto, na
aceleração do processo, e na sua democratização, trazida pela Internet.

Janluis Duarte de Oliveira


junho de 2003

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