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SENADO FEDERAL

Senador GERALDO MESQUITA JÚNIOR

POLÍTICA AO ALCANCE DE TODOS

UNIDADE I:
POLÍTICA E CIÊNCIA POLÍTICA

Brasília – 2004

1
Reprodução livre desde que citada a fonte.

Endereços para contato com o gabinete do


Senador Geraldo Mesquita Júnior:
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Mesquita Júnior, Geraldo.


Política e Ciência política / Geraldo Mesquita Júnior.
– Brasília : Senado Federal, 2004.

40 p. – (Política ao alcance de todos ; 1)

1. Ciência política, história. 2. Filosofia política. 3. Sociologia


política. I. Título. II. Série.

CDD 320

2
SUMÁRIO

Pág.

Apresentação – Caminhos: Tortuosos ou virtuosos ................................... 5

I – O fascinante mundo dos gregos ......................................................... 7

II – O instigante mundo da filosofia ......................................................... 11

III – O fascinante e instigante mundo da política ....................................... 15

IV – Um salto estimulante: da teoria à sociologia ...................................... 21

V – Um caminho intrigante: da sociologia à ciência política ........................ 27

VI – Um caminho provocante: o mundo ainda por descobrir ...................... 32

3
4
CAMINHOS: TORTUOSOS OU VIRTUOSOS

A política está no centro de nossas vidas. Nem sempre percebemos


como ela nos influencia, nos impõe regras e controla nosso comportamento,
obrigando-nos a fazer coisas que não desejamos ou aceitar condutas com as
quais não concordamos. Sem que possamos notar, ela nos impõe o mundo em
que vivemos e aquele em que serão obrigados a viver nossos filhos. Estabele-
cerá se desfrutaremos de uma ordem social justa ou se teremos que suportar
a injustiça que convive conosco e está ao nosso lado todos os dias, afrontando
nossos sentimentos. Dirá se nossos filhos terão maiores ou piores oportunida-
des de vida. Com as dificuldades que todos os dias temos de enfrentar e ven-
cer, nem sempre nos damos conta de que, apesar de tudo, a política depende
sobretudo de nós.
Se nos conformamos, se fingimos ignorá-la e aceitamos passivamente
suas regras, tudo continuará como está. Só há uma forma de mudá-la, de
influenciá-la e, o que é mais importante, de transformá-la para, por meio dela,
mudarmos o mundo que herdamos. Esse caminho chama-se participação. Para
mudar a política, temos de participar dela, de todas as formas possíveis. Mas
só podemos participar, conhecendo como ela funciona, quais os seus mecanis-
mos e como podemos influenciá-la.
Este curso, aberto a todos, sem exigências, matrículas, exames ou
vestibular, é um convite para que você se junte a nós e também participe desse
esforço para mudar a política em nosso País, transformando-a em um instru-
mento de progresso, prosperidade e igualdade para todos. Com estes pequenos
textos, esperamos que você também participe da luta que muitos brasileiros
empreendem todos os dias, muitas vezes de forma anônima, não para explicar,
entender ou percorrer os caminhos tortuosos da política, que alguns preferem
trilhar. O que desejamos é mostrar os caminhos virtuosos que ela pode signifi-
car para todos nós, se formos capazes de unirmos nossos esforços aos muitos
que, ao longo de séculos, desde os tempos imemoriais, vêm participando desta
luta, utilizando-a como um meio de aperfeiçoarmos o país desigual e injusto em
que nos toca viver.

5
Se você está disposto a participar deste esforço, leve-a a seus amigos
e conhecidos, divulgue-a entre os que possam se interessar por ela e explique,
você mesmo, como pedir e receber, gratuitamente, essas despretensiosas
lições cujo objetivo é, como indica o seu título, colocar a política ao alcance
de todos.

Brasília, janeiro de 2004.

Geraldo Mesquita Júnior

6
I – O Fascinante Mundo dos Gregos
De Filosofia, todos nós já ouvimos falar. Para
que serve, qual a sua utilidade e sua finalidade, qua-
se nunca paramos para pensar. Pois esta é a princi-
pal finalidade da Filosofia. Ela nos ensina e nos obri-
ga a pensar. Se você procurar essa palavra nos
dicionários, vai encontrar muitas definições e algu-
mas explicações. Vai saber, por exemplo, que é de
PITÁGORAS (* ca. 580 a.C.
origem grega e significa amigo (philos) do saber ou em Samos † ca. 500 a.C.,
da sabedoria (sophós). Nem sempre foi assim. No Metaponto)
grego antigo, a palavra “sophós” queria dizer sábio. Filósofo e matemático
Depois, como muitos se passavam por sábios sem o grego, fundador da irmandade
pitagórica que, embora de
serem, o vocábulo passou a significar também im- cunho religioso, formulou os
postor. Segundo explica o filólogo (outra palavra gre- princípios que influenciaram
o pensamento de Platão e
ga: amigo da erudição, dos discursos, das letras) e Aristóteles e contribuíram
dicionarista Antenor Nascentes, em seu Dicioná- para o desenvolvimento da
matemática e da filosofia
rio etimológico da língua portuguesa1 , foi o filó- racionalista no mundo oci-
sofo Pitágoras* quem, achando a designação pre- dental. Pitágoras emigrou
tensiosa, e para fugir a seu significado negativo, para o sudeste da Itália, cer-
ca de 532 a.C., provavelmen-
preferiu substituí-la por sua forma atual, de amigo te para escapar do governo
do saber ou da sabedoria, em vez de sábio. Foi as- tirânico de Samos, onde nas-
ceu e estabeleceu sua academia
sim que surgiu a palavra Filosofia e passaram a de- onde professava Ética e Po-
signar-se filósofos os que a ela se dedicam. lítica em Cróton (atual Cro-
tona).
O simples ato de pensar não significa que Hoje é difícil distinguir os
estamos filosofando. Filosofar, portanto, é uma for- ensinamentos de Pitágoras
dos de seus discípulos. Ne-
ma específica, diferente de pensar. Quando busca- nhum de seus escritos chegou
mos a explicação das coisas, indo às suas origens, e até nós e seus seguidores sem-
dessa forma de pensar chegamos a uma conclusão pre sustentaram suas doutri-
nas apoiando-se na autorida-
a que outros também chegariam a partir do mesmo de do mestre. Credita-se a ele
raciocínio, aí sim, estamos raciocinando filosofica- a teoria da significância fun-
cional dos números, aplicá-
mente, ou, em outras palavras, filosofando. O filóso- vel tanto ao mundo objetivo
fo é, assim, aquele que busca as verdades univer- quanto à música.
Entre inúmeras outras
sais, a razão das coisas. Um bom exemplo é quando descobertas atribuídas a ele
tentamos explicar e entender o fundamento das pa- incluem-se o teorema dos
triângulos retângulos que,
lavras, dos conceitos e dos princípios que são uni- muito provavelmente foi de-
versais. A palavra e o conceito de “justo” servem para senvolvido por seus seguido-
isso. O que é justo ou o que significa “ser justo”? res. A maior parte da tradição
intelectual pitagórica perten-
ce mais ao campo místico do
1
NASCENTES, Antenor. Dicionário etimológico da Língua Portuguesa. Rio que efetivamente à tradição
de Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1932 acadêmica.

7
Poderíamos responder: É tudo o que tem a ver com
justiça. E aí voltamos à razão inicial. E o que é justi-
ça? Poderíamos responder: é tudo o que diz respeito
a ser justo. Essa forma de pensar e tentar responder
a uma questão universal voltando sempre ao mesmo
ponto chama-se sofisma, (sóphisma) outra palavra
de origem grega que significa sutileza. Sofisma era
essa forma de tentar resolver as questões com um
CLÍSTENES (* ca. 570 a.C. jogo de palavras que não explicavam a resposta que
† 508 a.C.)
se buscava. O uso desse recurso se disseminou
Estadista considerado o entre alguns filósofos que passaram a se chamar
fundador da democracia ate-
niense, pelas reformas que em- “sofistas”, adeptos dessa escola que se exercita-
preendeu como Arconte, a mais vam sustentando o pró e o contra em toda sorte
alta magistratura da cidade, en-
tre 525 e 524 a.C. Entre suas de questões.
inovações, aumentou das três Assim como inventaram uma nova forma de
tradicionais calcadas na condi-
ção de família, para dez, o nú-
pensar, investigar e especular, de que nasceu a Filo-
mero de tribos de Atenas ten- sofia, os gregos também criaram inúmeras outras
do cada uma direito a 50 palavras que representam, até hoje, instituições tão
representantes, sem distinção
de origem dos cidadãos, o que importantes quando Política, Governo, Democracia,
aumentou o número de parti- Anarquia, Monarquia. Algumas dessas palavras, man-
cipantes da Eclésia, a assem-
bléia popular, para 500 mem- têm seu significado original até hoje. É o caso, por
bros, democratizando suas deci- exemplo, de Monarquia termo derivado da palavra
sões. Clístenes pertencia à in-
monarca (monárches), - aquele que governa sozinho,
fluente família dos Alcmeô-
nidas, que padeceram do exí- donde monarquia passou a significar governo de um só.
lio, voltando porém a Atenas
vinte anos depois, quando seu
Não é o caso de outras, como Democracia. Juntando
aliado, o legislador Sólon, foi duas palavras, demos que significa povo e krat, raiz
chamado para evitar a guerra de krátos, que significa força, criaram a palavra
civil no ano de 594. Eleito -
Arconte, depois da derrota de demokratía, força ou governo do povo. A democra-
Iságoras, que tinha sido pro- cia grega, porém, era um conceito diferente do que
clamado tirano, Clístenes impôs,
com suas reformas, o princí- temos hoje a respeito de governos democráticos. Ne-
pio de que todos teriam igual nhuma democracia contemporânea admite a escravi-
direito à representação, insti-
tuindo o conceito hoje conheci- dão. Em Atenas, até as reformas de Clístenes*, os
do como isonomia (isso=igual próprios atenienses que não podiam saldar suas dívi-
+ nomos = regra, lei), criado
por Sólon para pôr fim ao pre-
das tornavam-se escravos dos seus credores. E mes-
domínio dos descendentes de mo depois dessas reformas, admitia-se a escravidão
famílias Jônicas. Embora não sob vários aspectos e condições. Era, portanto, uma
haja comprovação, atribui-se a
Clístenes, entre outras, a do os- forma de governar em que os cidadãos decidiam na
tracismo (ostrakimós), porque - (assembléia, palavra que em português ge-
ekklesia
os votos em Atenas eram es-
critos sobre cascas de ostras rou igreja). Mas não era, como hoje entendemos, a
revestidas de cera. assembléia de todos os cidadãos, sem exceções.

8
Quando começamos a penetrar nesse mun-
do fantástico dos gregos especialmente da época glo-
riosa de Péricles* (séc. V a.C.) é que podemos nos
dar conta da importância da cultura grega para todo
o mundo ocidental. E a primeira indagação que nos
ocorre é a seguinte: se os gregos inventaram a Filo-
sofia, a Política e as próprias instituições políticas,
isto significa que não havia nem uma nem outra ati-
vidade dessa natureza antes deles? Evidentemente PÉRICLES (* ca. 495 a.C.,
Atenas † 429 a.C., Atenas)
não. E isso é que distingue a civilização grega das
que a antecederam, algumas com duração de mui- Estadista, político e orador,
liderou, ao lado de Efialtes, a
tos e muitos séculos, como o caso da civilização egíp- luta contra o Aerópago, cuja
cia que remonta a mais de 4.000 anos antes de Cris- autoridade vinha sendo ques-
tionada desde as guerras medo-
to. Se não havia política, certamente não havia persas. Com o ostracismo de
governo, conceito também criado pelos gregos. E a Cimon, seu adversário, filho de
Milcíades assumiu o poder que
resposta pode ser surpreendente. Antes, havia po- se tornou absoluto com a mor-
der, mas não governo. E o poder que prevalecia en- te de seu aliado Efialtes, em
tre os egípcios, como na civilização mesopotâmica 461. Fez de Atenas a capital de
um império, e tornou-se ami-
ou no vale do Indus era sobretudo o poder religioso, go de Ésquilo, de Sófocles, de
divino, em que os sacerdotes tinham um papel im- Anaxágoras e de Fídias, a quem
entregou a reconstrução da
portante, pois eram parte dessa poderosa estrutura Acrópole, iniciada em 447. O
que dirigia seus povos, sem limitações, dada a ori- esplendor que deu à sua cidade,
levou sua época a ser conheci-
gem divina do poder. Tanto que os gregos criaram da como o “século de Péricles”.
uma palavra para essa forma de poder, formada de Suas iniciativas tornaram-se
possíveis, inclusive a proteção
dois vocábulos, théos, deus, significando classe sa- que dispensou às letras e artes,
cerdotal e kratéia, de krátos, força, poder, que deu graças à prosperidade econômi-
em português, Teocracia, governo do deus ou dos ca proporcionada pela liga de
Delos, liderada por Atenas.
deuses. Com a guerra do Peloponeso,
A primeira grande conquista da civilização que, iniciada em 431 a.C. vai
durar 27 anos, chega ao fim a
helênica (Hélade era o nome da Grécia antiga) foi vida gloriosa de Péricles, vi-
exatamente saber separar o poder dos homens do timado pela peste que asso-
lou Atenas logo no 2o ano do
poder dos deuses. E isto implica outra indagação. O conflito.
que levou os helenos, habitantes da antiga Hélade, a É convicção generalizada
que, se tivesse sobrevivido mais
essa conquista? Uma das razões pode ser encontra- alguns anos, a derrocada de Ate-
da na própria religião dos gregos, a primeira nas, ocorrida com a expedição
antropomórfica, palavra grega que significa com for- contra a Sicília, em 415, não
- teria ocorrido, pois a prudên-
ma humana (ánthropos = homem + morphe- = for- cia que ele tinha revelado em
ma). Ao contrário dos demais povos, que adoravam vida, teria evitado a aventura
que pôs fim ao predomínio de
animais ou formas híbridas de animais e humanos, Atenas, no século a que Péricles
como a esfinge egípcia que guarda as grandes pirâ- emprestou o seu nome.

9
mides de Gizé, no Egito, os deuses e deusas gregas
tinham formas, virtudes e defeitos, como os seres
humanos, pois eram concebidos exatamente à se-
melhança de homens e mulheres. Essa concepção
autônoma do poder dos homens em relação ao
poder dos deuses implicou num enorme passo da
evolução humana e permitiu separar a política
da religião.
HOMERO (viveu entre os
séc. IX e VIII a.C. na Jônia,
atualmente na Turquia)
É o presumível autor da
Ilíada e da Odisséia. Embora
seu nome esteja ligado a essas
duas festejadas obras literárias
dos tempos iniciais da Grécia
antiga, muito pouco se conhe-
ce de sua vida, a não ser por
conjecturas. Além de sabermos
que houve um poeta épico
chamado Homero o que pare-
ce ser algo indiscutível, assim
como ter sido ele o autor da
primeira parte dos dois poe-
mas, tudo o mais é obscuro em
relação ao que pode ter sido o
autor de uma das maiores obras
literárias de todos os tempos.
Considerado como uma das
maiores influências da educa-
ção e da cultura gregas, per-
mitiu a sobrevivência do esti-
lo entre os romanos, por ter
inspirado a Eneida do poeta
romano Virgílio, fazendo-o re-
percutir durante séculos na cul-
tura bizantina e até mesmo no
período da Renascença na Itá-
lia. Desde então, suas várias
traduções em diversas línguas
transformaram os dois poe-
mas numa das mais importan-
tes tradições da cultura clássi-
ca de todos os tempos. Devido
a seu impacto na cultura helê-
nica, os gregos encaram as duas
obras como mais do que uma
obra literária, símbolo da uni-
dade cultural de sua civilização
e de seu heroísmo. A vêem,
também, como fonte de
ensinamentos morais e de edu-
cação prática.

10
II – O Instigante Mundo da Filosofia
Segundo ensinam Leo Strauss e Joseph
Cropsey, em sua História da Filosofia Política2,
os primeiros filósofos eram designados por
Aristóteles como “aqueles que discorrem sobre a
natureza”, classificação que os distinguia “daque-
les que discorrem sobre os deuses”. Isto indica,
em primeiro lugar, que a natureza e seus fenôme-
ULISSES
nos eram investigados pelos gregos, não como
manifestação ou emanação dos deuses, mas como Herói mitológico grego,
rei de Ítaca, filho de Laertes
fenômenos naturais. E em segundo lugar, que não ou de Sísifo, marido de Pe-
havia limites para a especulação, já que os próprios nélope e pai de Telêmaco.
Figura do poema homérico
deuses gregos eram objeto de especulação e in- Ilíada, em que se destaca por
dagação dos filósofos, “aqueles que discorrem sobre sua diplomacia, é o herói da
Odisséia, que dele deriva o
os deuses”. Mas o que eles entendiam por “natureza”? seu nome e que tem como
O primeiro grego cuja obra monumental chegou até assunto principal seus erros
nós, Homero*, só menciona a palavra natureza uma desde o regresso a Tróia e os
desafios que foi obrigado a
vez em toda a sua Odisséia. E é esta única indica- vencer para recuperar os seus
ção que, de acordo com os autores da obra acima direitos em Ítaca. Os dois
epítetos com os quais é de-
indicada, nos permite compreender o que os gre- signado significam, respecti-
gos entendiam por natureza. vamente, “o dos mil artifí-
cios” e “aquele que muito
“No segundo livro da Odisséia, dizem eles, sofreu”, para designar os es-
Ulisses* conta o que ocorreu quando chegou na ilha da tratagemas e artimanhas
obrigado a empregar para su-
feiticeira Circe*. A deusa tinha transformado um gran- perar os desafios a que foi
de número de seus companheiros em porcos, encer- submetido pelos deuses para
rando-os nas pocilgas. No caminho da morada de Circe, recuperar o trono. Esses
epítetos procuram significar
a fim de prestar socorro a seus companheiros, Ulisses as qualidades que o caracteri-
encontrou o deus Hermes* que queria protegê-lo. Ele zam como personagem do
poema, tal como na Ilíada.
deu a Ulisses uma erva maravilhosa que deveria livrá- Sabe-se por referência indi-
lo dos malefícios de Circéia. Hermes ‘arrancou uma reta que na Telegonia, um dos
poemas perdidos dos épicos
erva da terra e me mostrou sua natureza. Ela era de Homero, o herói da inte-
negra na raiz, e sua flor branca como o leite e os ligência e da astúcia que
deuses a chamam moly. Ela é difícil de ser arran- Ulisses caracterizado em
Ulisses se transforma num
cada pelos homens, mas os deuses podem tudo’, aventureiro sem escrúpulos
escreveu Homero. Entretanto, a capacidade dos que aparece caricaturado em
muitas das tragédias gregas.
deuses de arrancá-la facilmente não seria de nenhu- Ulisses tem inspirado inúme-
ma utilidade se eles não conhecessem de antemão ros autores, como é o caso
do irlandês James Joyce, com
2
STRAUSS, Leo e CROSPEY, Joseph. Histoire de la Philosophie Politique,
o romance que leva o seu
tradução francesa de History of Political Philosophy, Paris, Presses nome e do grego Nikos
Universitaires de France, 1994. Kazantzakis.

11
a natureza da erva – isto é, sua aparência e seus
poderes”. A conclusão que se tira é que os deuses são
todo-poderosos, não porque sejam de fato oniscientes,
mas sim porque conhecem a natureza, das coisas.
A natureza significava para os filósofos as
qualidades, as características de uma coisa ou de
um gênero de coisas, isto é, a capacidade que essas
coisas têm de produzir resultados, o que significa
CIRCE que, para os gregos, a natureza, ao contrário do que
Figura mitológica, feiticei- acreditavam os outros povos, não tinha sido feita
ra filha da ninfa Perseia e de pelos deuses, da mesma forma que os filósofos gre-
Helios (o sol), irmã de Pasífaa,
mulher do rei Minos, e de Eteo, gos sabiam não ter sido feitas tampouco pelos ho-
rei da Cólquida, guardiã do mens. Daí a necessidade de investigá-la, para
velocino (carneiro com pele de
ouro). Residia na ilha de Ea,
entendê-la e explicá-la. Eles tinham consciência de
identificada como o promon- que cada coisa da natureza tinha sua “maneira” ou
tório Monte Circeo, onde seu “costume”, ou seja, a forma de seu comporta-
Ulisses, depois de suas aventu-
ras no país dos Lestrigões, veio mento. Mas havia uma distinção nas maneiras ou
aportar com os companheiros, costumes da natureza de um lado e a “convenção”
transformados por Circe em
porcos, leões e cães. Ajudado ou a “lei” (nomos) do outro. Assim, as maneiras ou
por Hermes que lhe deu a plan- costumes de todas as coisas, inclusive dos homens e
ta mágica referida por Homero,
Ulisses a obrigou a devolver dos animais. Os primeiros sabiam falar e os cães,
seus guerreiros à forma huma- por exemplo, só podiam ladrar, porque isso era de
na e depois permaneceu supõe-
se que um mês ou um ano, num
sua natureza. Mas embora todos os povos pudes-
tórrido romance com a feiti- sem se exprimir falando, segundo a convenção de
ceira, que lhe deu um filho. todos eles, cada povo falava uma língua diferente.
Telégono que viria a ser seu
involuntário assassino. Depois, Esta diferença era fundamental para que os filóso-
Circe ensinou a Ulisses o ca- fos pudessem compreender e distinguir o que separa
minho de volta e o deixou
partir com os companheiros. as coisas naturais das coisas convencionais. Falar era
Atribuem-se ainda à feiticei- natural dos homens, portanto, uma característica
ra, aventuras amorosas com
Picos, rei dos latinos, com de sua natureza. Falar de uma determinada maneira
Júpiter, o deus romano equi- era uma convenção de cada povo.
valente a Zeus dos gregos, e
com o qual ela teve outro fi-
Mas isto levantava outra questão. O costu-
lho, o deus Fauno e com o deus me, a convenção e a lei que os gregos chamam nomos
marinho Glauco. Com ciúmes eram coisas naturais ou convencionais? Isto implica-
desse amante, apaixonado por
Cila, Circe pôs ervas mágicas va em responder a outra questão paralela: todo direito
na fonte onde ela se banhava é convencional, ou existe um direito natural? As duas
e a transformou num mons-
tro marinho, cujo corpo, da respostas possíveis foram dadas antes de Sócrates.
virilha para baixo era compos- A opinião de que a lei é produto da convenção, foi
to de seis cães horríveis e a
parte superior foi mantida sustentada por Platão e a oposta foi sustentada por
com sua beleza original. Sócrates e pela filosofia política clássica.

12
Se é assim, porque Sócrates foi considera-
do o fundador da Filosofia Política? Afinal, ele não
escreveu, ao que se saiba, nenhum livro. Sabe-se
que ele se desviou do estudo das coisas divinas e
naturais e orientou suas indagações para as coisas
humanas, isto é, para as coisas justas, as coisas no-
bres para o homem e se detinha sempre, como es-
creveu Xenofonte* “no que é impiedoso ou ímpio,
no que é nobre e no que é vil, no que justo ou injusto, HERMES
no que é a cidade, no que é o homem político, no que Deus grego, filho de Zeus
é o governo dos homens e no que é um homem ca- e de Maia, nascido numa ca-
verna do monte Cilene, na
paz de governar os homens”. Quando distinguia a Arcádia. Mostrando sua pre-
lei dos homens das leis dos deuses ou das leis da cocidade, foi no dia do nasci-
natureza, ele procurava mostrar que ela não era ne- mento até a Tessália, onde seu
irmão Apolo cuidava dos re-
cessariamente justa, daí porque só a “idéia” ou a banhos de Ádmate. Distraído
“forma” da justiça seriam perfeitamente justas. Ape- com seu amante, Himeneu,
Apolo esqueceu dos rebanhos
sar disso, a lei humana, a lei da cidade é correta- que guardava, de onde Hermes
mente obrigatória para todos os que estão a ela sub- roubou várias reses. Depois de
subornar um velho, Bato, úni-
metidos, já que todos que com ela não se conformam ca testemunha do crime, le-
têm o direito de emigrar com todos os seus bens. Foi vou-as e as escondeu na ca-
por isso que na obra de Platão, Críton, Apologia de verna em que nascera, onde
encontrou uma tartaruga. Ti-
Sócrates3 , no diálogo com Críton, o filósofo, depois rou-lhe as vísceras e pôs no
de condenado à morte, acusado de difundir idéias casco cordas feitas com as tri-
pas das reses que matara, fa-
subversivas, se recusou a fugir, para ser fiel ao que zendo a primeira lira. Apolo
sempre pregou: a obediência às leis dos homens, ain- saiu em busca das reses rouba-
das e pelo velho Bato soube
da que injustas. onde se encontravam. Recla-
Ele é considerado o pai da Filosofia política, mou de Maia a façanha do fi-
“não só porque se desviou do estudo das coisas na- lho que mostrou-lhe o filho
recém-nascido e ainda de fral-
turais, mas porque inaugurou um novo gênero de es- das no berço. Apolo apelou a
tudo dessas coisas – um gênero no qual, por exem- Zeus que mandou Hermes de-
volver os animais roubados.
plo, a idéia da justiça ou do direito natural e, inclusive Ao ouvir os sons que a crian-
a natureza da alma humana ou do homem é mais ça tirava da lira, Apolo pro-
pôs trocá-la pelas reses rou-
importante que a natureza do sol”4 . Segundo ele, badas. Além da lira Hermes
não se pode compreender a natureza do homem, se também inventou a flauta que
Apolo igualmente propôs
não se compreende a natureza da sociedade huma- trocar pelo cajado de ouro
na. Sócrates, como Platão e Aristóteles, supunham usado para guardar o rebanho
que a forma mais perfeita da sociedade humana era e que passou a ser atributo de
Hermes, como o caduceu que
a “polis”, cidade. Por isso é que devemos entender ele conduz, como o patrono
dos comerciantes e dos la-
3
CRÍTON/PLATÃO, Apologia de Sócrates. Brasília, Ed. UnB, 1977.
drões e protetor dos via-
4
Cf. STRAUSS, op. cit. jantes.

13
que o tema da Filosofia Política clássica não era a
cidade-Estado grega, como nós a supomos, mas a
cidade-Estado, que os gregos conheciam. Dessa
palavra fizeram derivar politikç, a arte de governar
a cidade ou o estado, a mais importante de todas as
instituições do fascinante mundo que os gregos cria-
ram e essencial para compreender o instigante
mundo da Filosofia com a qual nos ensinaram a
XENOFONTE (* ca. 560 pensar.
a.C., em Colophon, na
Jônia † ca. 478)
Poeta e filósofo grego, seu
encontro com Sócrates foi fun-
damental em sua formação,
pois o magistério do mestre
marcou sua personalidade, a
ponto de se tornar divulgador
de sua obra, porém, sem alcan-
çar o brilho de Platão que sou-
be melhor exprimir a reno-
vadora originalidade dos
ensinamentos do genial filó-
sofo. Em comparação com
Tucídides, autor de História da
Guerra do Peloponeso, suas
Helênicas, que são dela uma
continuação, também não
atingem a profundidade do
antecessor, muito embora seja
um escritor que resiste à passa-
gem do tempo, pela atenção
que dá aos aspectos morais da
conduta humana, à valorização
da experiência na narrativa his-
tórica e ao caráter prático de
sua visão dos problemas polí-
ticos e militares, por sua expe-
riência pessoal. É considerado
o precursor da escola Eleática
de filosofia, que acentuou mais
a unidade do que a diversidade
das coisas e separou a existên-
cia aparente delas de sua exis-
tência real. Muito provavel-
mente foi exilado da Grécia
pelos persas que conquistaram
Colhopon ca. de 546 a..c e se
estabeleceu em Elea no sul da
Itália. Os fragmentos e seus
poemas refletem a aceitação
popular do antropomorfismo
de sua época e da mitologia dos
poemas homéricos.

14
III – O Fascinante e Instigante Mundo
da Política
Os filósofos gregos não inventaram só as
palavras e os conceitos que, durante séculos, des-
vendaram os mistérios dos deuses, da natureza e
dos homens, para todo o mundo ocidental, herdeiro
de seu formidável legado intelectual. Como vimos,
separando a religião da natureza e a natureza do
SÓCRATES (* ca. 470 a.C.,
homem e da sociedade humana, foram capazes de Atenas † 399 a.C., Atenas)
criar, em pouco mais de cinco séculos, o mais formi- Sócrates forma, com
Platão e Aristóteles, o trio
dável patrimônio cultural dentre todos os povos da de pensadores que lançou os
Antigüidade clássica. Outros povos, cuja trajetória fundamentos filosóficos da
foi muito mais longa que a civilização helênica, como cultura do mundo ocidental.
Como escreveu Cícero, o
é o caso da egípcia, da mesopotâmica ou da do vale orador, pensador e jurista
do Indus, deixaram apreciáveis legados materiais, e romano, “ele trouxe a filosofia
do céu para a terra”, querendo
vários conhecimentos científicos. A maior parte dos com isto significar que a fez
seus acervos materiais eram monumentais homena- transitar da natureza
gens a seus deuses ou àqueles que, na Terra, supos- especulativa dos cosmo-
logistas jônicos e latinos para
tamente os representavam, como é o caso dos tem- o caráter e a conduta
plos, das pirâmides e dos zigurates. E a parte mais humanas, dando surgimento a
uma original concepção sobre
significativa de seus aportes intelectuais e científi- a alma das pessoas. Vivendo
cos, dizia respeito aos conhecimentos necessários durante o caos da guerra do
Peloponeso, com a erosão
para erigir seus monumentos, ou a descobertas es- dos valores morais, Sócrates
senciais à vida, como os calendários e a forma de se viu atraído pela dimensão
medir as terras indispensáveis à agricultura, sem a ética da vida, pelo recursos de
tentar “conhecer a si mesmo”
qual não teriam conseguido passar do estágio de e pelo esforço de explorar as
nômades e itinerantes à condição de povos seden- conotações do procedimento
moral, em termos de conduta
tários. Inventaram também as descobertas neces- humana. Ele nasceu dez anos
sárias à perenizar sua história, como as diferentes depois da batalha de Salamina,
e seu pai, Sphroniscus, era
formas de escrita, até a invenção do alfabeto pelos amigo da família de Aristides,
fenícios. o Justo, fundador da Liga
Os gregos fizeram tudo isso e muito mais. Delia, da qual nasceu o
império. A suposição de que
Especularam e investigaram livremente, sem medo o pai era escultor decorre da
de seus deuses e sem limites impostos por seus sa- referência que Platão faz ao
mítico escultor Dedalus,
cerdotes ou sua religião. Intelectualmente, foram li- como um de seus ancestrais.
vres como nenhum outro povo. Como todos os po- À amizade com Crítias e
Alcebíades se deve a denúncia
vos, eram crédulos em relação a muitas coisas e por subversão de que foi
supersticiosos em relação a quase tudo. Mas sua vítima, levando-o à
condenação à morte,
poderosa forma de pensar sistematizou o conheci- sentença que ele mesmo
mento de seu tempo e abriu novos caminhos para a cumpriu, tomando cicuta.

15
mente humana, com criações originais ou aprendi-
das, como a Filosofia, a Política (politikç), a Mate-
mática (mathematikç), a Geometria (geômetria) que
aprenderam com os egípcios, a Economia (oikos,
casa + nomos, a regra para administrá-la), a Astro-
nomia (astronomia), a Biologia (bíos, vida + logos,
tratado), a Arqueologia (archaios, primitivo + logos,
tratado) e a Aritmética (arithmetikç), para só citar-
PLATÃO (* 428 ou 427 a.C, mos as principais, sem esquecer, por exemplo, que
Atenas, ou Aegina † 348
ou 347 a.C., Atenas) até hoje os médicos fazem o juramento de Hipócrates,
Platão nasceu um ano após por muitas razões considerado em todo o mundo
a morte de Péricles, quando co-
meçou a decadência da vida pú-
ocidental o patrono da Medicina.
blica ateniense e sua juventude Sob um ponto de vista pessoal, considero
foi marcada com a convivên- que as maiores e mais duradouras de suas criações
cia com Sócrates que ele conhe-
ceu quando já sexagenário. O foram, tanto a Filosofia e a Política, quanto a Filoso-
ambiente intelectual de Atenas fia política que, como já vimos, nasceu com Sócrates*
se dividia entre os ensinamentos
dos sofistas e a pregação de (469 – 399 a.C.), e se desenvolveu com seu discípulo
Sócrates, uma rivalidade que o Platão* (428 – 348 a.C) que, por sua vez, foi mestre
dramaturgo Aristófanes refle-
tiu em sua peça As núvens. O de Aristóteles* (384 – 322 a.C). Até meados do séc.
julgamento e a morte de XX, Filosofia política era sinônimo de Ideologia polí-
Sócrates influenciaram o seu
pensamento, levando-o a refu-
tica, categoria que não se distinguia de outra de igual
giar-se em Megara, após o que importância, o Pensamento político e abrangia tam-
supõe-se ter feito sua primeira bém o que hoje chamamos de Ciência Política. Essa
viagem à Siracusa, a convite do
tirano Dionísio, o Antigo, se- aparente mistura de categorias diferentes, em vez
guindo-se um período de aven- de mostrar uma imprecisão de conceitos, é o resul-
turas em que foi vendido como
escravo, até sua volta à Ate- tado da evolução histórica do pensamento humano e
nas, onde fundou a Academia evidencia a importância, a complexidade e o extraordi-
em que professou, defendendo
as idéias que o levaram a pre- nário desenvolvimento da Política na história da Hu-
conizar o regime dos “melho- manidade. Se o mundo grego era fascinante e o da
res”, postura que terminou
transformando-o num epígono
Filosofia instigante, o da Política é, ao mesmo tempo
dos governos totalitários. Mais fascinante e instigante, na medida em que é o resul-
duas vezes voltou à Siracusa, até tado da feliz combinação da História com a Filosofia
dedicar os últimos anos de sua
vida à Academia e à filosofia e de todos os desdobramentos que essa união pro-
para que tanto contribuiu. vocou. Um mundo que, para muitos, ainda pode pa-
Platão é, fundamentalmente,
um racionalista dedicado à pro- recer distante, longínquo e intrigante, embora seja
posta de que a razão deve pre- com ele que todos nós somos obrigados a conviver.
valecer em qualquer circunstân-
cia. De toda sua vasta produção Vimos que a grande revolução intelectual
intelectual, A República, promovida pelos gregos exigiu cerca de 35 séculos,
Crítias, Nomoi (Leis) e Epimo-
mis resumem grande parte de
pois teve início no séc. V a.C. e consistiu em eman-
seu imortal pensamento. cipar a Filosofia e a Ciência natural dos estreitos

16
limites em que as religiões das civilizações prece-
dentes as tinham aprisionado. O outro enorme salto
dado pela Humanidade se deu entre os sécs. XVII
e XVIII de nossa era e resultou da revolução cientí-
fica que libertou a Filosofia e a Ciência modernas
dos padrões que hoje chamamos clássicos, em torno
dos quais giraram o mundo greco-romano e a época
imediatamente posterior, dominada pela filosofia
escolástica. A diferença é que a primeira revolução ARISTÓTELES (* 384 a.C.
Estagira, † 322 a.C., Euboea)
implicou em emancipar a Ciência natural da Filoso- Ao lado de Platão, Aris-
fia e a segunda consistiu em emancipar a Filosofia e tóteles é a maior das figuras
intelectuais produzidas pela
a Ciência modernas, da Filosofia e da Ciência clás- civilização helênica. Domi-
sicas, aquela que se convencionou chamar de nou todo o conhecimento
científico do mundo mediter-
aristotélica, dada a influência que sobre elas teve o râneo em sua época. Mais do
grande pensador grego. A Filosofia política clássica que qualquer outro pensador,
não se limita ao ensinamento político de Platão e determinou a orientação e o
conteúdo da história intelec-
Aristóteles e dos seguidores de suas respectivas tual da civilização ocidental.
escolas. Ela inclui, também, o magistério dos cha- É autor de um sistema cientí-
fico e intelectual que, através
mados filósofos estóicos, como os gregos Zenão de dos séculos, tornou-se o su-
Cicio (340 – 264 a.C.) e seus seguidores Cleanto porte e o veículo do pensa-
mento escolástico, tanto o
(séc. III a.C.), Crisipo (280 – 208 a.C.) e os roma- cristão da Idade Média, quanto
nos Epicteto* (ca. 50 – 125) e Marco Aurélio* (121-180), o do mundo islâmico. Pode-
se hoje afirmar, sem erro que,
além dos ensinamentos dos doutores da Igreja, cuja até o fim do séc. XVII, toda
doutrina não se funda exclusivamente na revelação a cultura ocidental foi
divina. aristotélica. Mesmo depois
da revolução intelectual des-
Entre os que contribuíram para essa lenta se século, os conceitos e as
mas irreversível evolução, está, já em plena Idade idéias aristotélicas continua-
ram presentes no mundo
Média, São Tomás de Aquino* (1224 – 1274), cujo ocidental. Sua contribuição co-
pensamento ficou conhecido como a filosofia briu virtualmente a maioria das
ciências e grande parte das ar-
Tomista. Outro dos grandes personagens, represen- tes. Ele trabalhou em áreas tão
tante já do período de ouro renascentista, é o diversas quanto a física, a quí-
mica, a biologia, a zoologia, e
florentino Nicolau Maquiavel* (1469 – 1527), por a botânica; contribuiu com a
muitos considerado não propriamente um filósofo, psicologia, a teoria política e
mas o primeiro grande teórico e sistematizador da a ética; a lógica, a metafísica
e a história; com a teoria lite-
Política, por sua obra clássica O Príncipe, publica- rária e na retórica. Suas maio-
ção póstuma, de 1532. Entre o fim do séc. XVI e res conquistas foram em duas
áreas inteiramente diversas: o
meados do séc. XVII, são duas as grandes contri- estudo da lógica formal, para
buições para a evolução do pensamento e da filoso- completar um sistema conhe-
cido como silogística aris-
fia política: o inglês Thomas Hobbes* (1588 – 1674), totélica e um de zoologia que
autor de O Leviatã e o francês René Descartes* sobreviveu até o séc. XIX.

17
(1596 – 1650) criador do método da dúvida perma-
nente, conhecido como “cartesiano”. Entre meados
do séc. XVII e meados do séc. XVIII, os nomes
mais expressivos e importantes são os do inglês John
Locke* (1650 – 1704) e o do francês Montesquieu*
(1689 – 1755).
Essa revolução se acentuou em todo o séc.
XVIII, conhecido como o “século das luzes”. Essa
EPÍCTETO (* 55, Hierapolis, denominação decorre do “Iluminismo”, movimento
atual Pamukkale, Turquia
† 135, Épíro, Grécia) intelectual que permitiu à ciência e à filosofia da-
Filósofo grego associado rem um enorme salto qualitativo e ao homem se
aos estóicos e lembrado sem-
pre pelo tom religioso de seus
lançar à grande aventura de sistematizar todo o co-
ensinamentos o que o reco- nhecimento até então acumulado, através da com-
mendou muito a numerosos pilação e publicação da primeira Enciclopédia. Esse
pensadores dos tempos iniciais
do Cristianismo. Não se sabe esforço, que teve início na França, prosseguiu na
seu nome original. Epicteto, Inglaterra e se espalhou pelo mundo, ganhou o nome
com o qual se tornou conheci-
do, é a palavra grega que signi- de “enciclopedismo” e foi um dos principais e mais
fica “adquirido”, já que se tor- brilhantes resultados do Iluminismo, com sua pre-
nou escravo quando menino,
e teve a oportunidade de fre- tensão de iluminar o mundo com os seus
qüentar as lições do estóico ensinamentos. Nessa fase, são pelo menos seis as
Musonius Rufus. Mais tarde
tornou-se um homem livre, até
grandes expressões da Filosofia política: o francês nas-
ser expulso de Roma, junta- cido na Suíça Jean-Jacques Rousseau* (1712 – 1778),
mente com outros pensadores, o escocês Adam Smith* (1723 – 1790), o alemão
no ano 90 da era Cristã pelo
imperador Domiciano, irrita- Immanuel Kant* (1724 – 1804), o inglês Edmundo
do com a recepção que os opo- Burke* (1729 – 1797), o também inglês que viveu
nentes de sua tirania tiveram
entre os pensadores estóicos. nos Estados Unidos Thomas Paine* (1737 – 1809),
O resto de sua vida Epicteto vi- e o alemão Hegel* (1770 – 1831). Este século,
veu em Nicópolis. Até onde se
sabe, Epicteto não escreveu li- porém, não conheceu apenas o Iluminismo, o
vros conhecidos. Seus ensina- Enciclopedismo e a Revolução Industrial. Viu tam-
mentos foram transmitidos por
Arrian, seu aluno e seguidor,
bém nascer uma nova classe, a burguesia, respon-
em duas obras: Discursos, dos sável pelo fim do antigo regime absolutista na Fran-
quais quatro livros são conhe- ça e o surgimento da Revolução francesa de 1789
cidos e Encheiridion, ou ma-
nual, uma versão condensada que marcou o início da idade contemporânea, na
de suas principais doutrinas. cronologia histórica. Os séculos seguintes, XIX e
Em seus ensinamentos,
Epicteto seguiu mais os primi- XX completariam algumas das conquistas mais
tivos do que os estóicos mais importantes do pensamento, da prática e da evolu-
modernos. Fundamentalmen-
te interessado na ética, ele des- ção política da humanidade.
creveu a filosofia como o No séc. XIX, materializaram-se algumas
aprendizado de “como é pos-
sível usar o desejo e a aversão
conquistas das chamadas liberdades burguesas, como
sem impedir o progresso.” a liberdade de expressão e de religião, o direito ao

18
sufrágio e à representação política, a instituição em
caráter permanente dos parlamentos e algumas ou-
tras franquias decorrentes dos avanços consegui-
dos com a Revolução francesa. A preocupação da
Filosofia política que tanto tinha se empenhado na
conquista da Liberdade no séc. XVIII, voltou-se
então, no século seguinte, para a busca da outra gran-
de aspiração humana, a luta pela Igualdade. Esse
foi o caminho percorrido por três grandes expressões MARCO AURÉLIO (* 121,
Roma † 180 Viena, ou
do pensamento político, todos com preocupações Sirmium, Panônia)
igualitárias, porém de cunho inteiramente diverso: Seu nome completo era
Caesar Marcus Aurelius Anto-
o francês Aléxis de Tocqueville* (1805 – 1859), ninus Augustus, que usou até
defensor da igualdade política, o também francês 161, quando, tornando-se im-
perador, adotou o de Marcus
Joseph Proudhon* (1809 –1865), defensor da igual- Annius Verus, mais conhecido
dade social e o alemão Karl Marx* (1818 – 1833), por suas Meditações sobre a fi-
defensor da igualdade econômica. losofia estóica, como Marcus
Aurelius. Para muitas gerações,
Como se vê, essa longa etapa na evolução ele simbolizou a idade de ouro
do pensamento político e da Filosofia política termi- do Império Romano. Nada me-
nos de 17 dos 19 anos de seu
nou orientando a prática da política para três gran- reinado foram marcados por
des reivindicações ainda hoje não consumadas: a guerras e calamidades. Como
homem público e intelectual,
busca da liberdade política, da justiça social e da igual- três fatores são significativos
dade de oportunidades econômicas para todos. Ob- em sua história: o temperamen-
to, as circunstâncias e a filoso-
viamente essa trajetória, não tendo alcançado seus fia da linha estoicista de Sêneca
grandes objetivos, continua em todo o mundo a tri- e Epícteto, centrada na adia-
lhar o caminho que pode transformar o pensamento phoria (indiferença). Este prin-
cípio funda-se na convicção de
em ação. Ele passou, como nos períodos anteriores, que o Destino e a Providência
do campo da Filosofia para o da Sociologia e, em tudo dirigem, o que permite ao
homem enfrentar todos os
seguida, deste para o da Ciência política. acontecimentos, mesmo os
Esse mundo fascinante dos gregos que tan- mais adversos e desagradáveis,
como a morte, com calma e se-
tos avanços conquistou na evolução da Humanida- renidade. Este é o traço confor-
de, emancipando a Filosofia e a Ciência das travas mista da filosofia estóica, que se
identifica, em quase todos os
da religião e dos deuses, cedeu lugar ao instigante sentidos, com a inevitabilidade
mundo da Filosofia que continuou seu desafiador dos fatos da vida. Daí o tom de
caminho na direção de outro mundo ao mesmo tempo sua filosofia, de buscar o que é
bom, verdadeiro e justo. Isto
fascinante e instigante: o mundo da Política. O poder não impede que seja também
da imaginação humana, no entanto, não cessou aí. Como dominada por notas de pessi-
mismo e do ceticismo, cren-
em tantos outros campos do conhecimento e da es- ças e convicções que o leva-
peculação, essa extraordinária aventura segue tri- ram a cometer um dos maiores
erros de seu governo, a perse-
lhando novos e desconhecidos caminhos que nos le- guição aos cristãos, cujas ati-
varam a um salto estimulante que permitiu o tudes nunca compreendeu.

19
surgimento de uma nova ciência, a Sociologia, criada
no séc. XIX por Augusto Comte* (1789 – 1857) e
ampliada por seu grande sistematizador no séc. XX,
o alemão Max Weber* (1864 – 1920).

SÃO TOMÁS DE AQUINO


(* 1224/25, Roccasecca,
Sicília † 1274, Fossanova)
Pregador dominicano e
teólogo, canonizado em 18 de
julho de 1323, declarado dou-
tor da Igreja em 1567, com o
título de “Doutor Angélico”, sua
memória litúrgica é comemo-
rada no dia 28 de janeiro. Tra-
ta-se do teólogo mais represen-
tativo da escolástica cristã, cuja
doutrina ficou conhecida como
“tomista”. Estudou no famoso
convento de Monte Casino e
na Universidade de Nápoles,
então recém-fundada, mas sua
formação se completou na
França, onde predicou, como
em inúmeras cidades italianas.
Suas duas obras mais impor-
tantes Summa contra gentiles
(1259-1264) e Summa
Theologiæ (1267-1274) re-
presentam a sistematização de
toda a teologia latina clássica, o
que fez dele um dos mais im-
portante pensadores do Cris-
tianismo. Como poeta, é autor
de alguns dos mais belos hinos
eucarísticos da liturgia da Igreja.
Muitos dos teólogos modernos
do catolicismo não o conside-
ram um pensador cristão ori-
ginal, e não são poucos os que
o encaram mais como um fi-
lósofo, mais do que como um
teólogo. Em 1259 foi designa-
do conselheiro teológico da
Cúria papal na Itália, tendo pas-
sado dois anos em Anagni no
fim do período de Alexandre IV,
quatro anos em Orvieto com
Urbano V, tendo ensinado de
1265 a 1267 no convento de
Santa Sabina.

20
IV – Um Salto Estimulante: da Teoria à Sociologia
Ao nos referirmos a Maquiavel no capítulo
anterior, chamamos a atenção para o fato de que,
apesar de arrolado como autor de uma das maiores
contribuições ao desenvolvimento da Política, ele con-
tinua sendo considerado por muitos, não um Filósofo,
mas o primeiro e grande teorizador da Política. Os
que o seguiram, de Hobbes a Marx, cobrem pelo
NICOLAU MAQUIAVEL
menos três séculos da história do pensamento e da (* 3/05/1469, Florença –
evolução histórica da Humanidade. E é indiscutível † 21/06/1527, Florença)
Escritor, político e homem
inscrever os seus nomes no rol das grandes contribui- público nascido em Florença,
ções à Política. As dúvidas suscitadas em relação a cidade-Estado da qual foi nome-
ado chanceler em junho de
Maquiavel, cabem também em relação a pelo menos 1498, aos 29 anos, tendo exer-
dois de seus compatriotas, Gaetano Mosca* (1858 – cido funções diplomáticas jun-
to a César Bórgia, em 1502 e
1941) e Wilfredo Pareto* (1848 – 1923) e o alemão 1503, no qual se inspirou para
naturalizado italiano, Robert Michels* (1876 – 1936). descrever o seu modelo de esta-
O primeiro é autor da obra Elementos de dista, cujas qualidades arrolou na
obra O Príncipe que o imortali-
Ciência Política, publicada em 1896. Nela, tratando zou, como o primeiro teórico
do que chamou de “classe política”, ele formulou uma da Política. Embora o adjetivo
maquiavélico, derivado de seu
teoria que veio a se tornar conhecida em todo o mundo, nome, seja para muitos sinôni-
como a Teoria das elites. No cap. 2 do livro, ele a for- mo de cinismo, sua grande con-
tribuição à história do pensa-
mula da seguinte maneira: “Entre as tendências e os mento político foi dar o caráter
fatos constantes que se encontram em todos os orga- de autonomia à política, sepa-
rando seus critérios da moral,
nismos políticos, aparece um cuja evidência se impõe avanço que cinco séculos depois
facilmente a qualquer observador: em todas as socie- Max Weber categorizou com a
dades, desde as medianamente desenvolvidas que ape- famosa e definitiva distinção
entre a “ética da convicção” e
nas chegaram aos preâmbulos da civilização, até as a “ética da responsabilidade”.
mais cultas e fortes, existem duas classes de pessoas: Entre 1506 e 1509, represen-
tou Florença junto ao Papa Jú-
a dos governantes e a dos governados. A primeira, que lio II, na França e na Alema-
é sempre menos numerosa, desempenha todas as fun- nha. Além de O Príncipe,
escreveu as Istorie fiorintini
ções políticas, monopoliza o poder e desfruta das vanta- por encargo da Universidade
gens que vão unidas a ele. A segunda, mais numerosa, é de Florença e a comédia La
Mandrágora, considerada a
dirigida e regulada pela primeira de maneira mais ou melhor expressão do teatro
menos legal, ou bem de um modo mais ou menos arbi- renascentista, pela galeria de
trário e violento, e recebe dela, ao menos aparente- personagens que retratam a so-
ciedade de seu tempo. Sua con-
mente, os meios materiais de subsistência e os indis- cepção sobre a relevância do
pensáveis para a vitalidade do organismo político”5 . Estado entre as instituições
políticas é uma antecipação
dos rumos que tomou, em
5
BATLLE, Albert (Org.) Diez textos básicos de ciência política. Barcelona, Ed. meados do séc. XX, a Ciência
Ariel, 1992, p. 23. política contemporânea.

21
O segundo foi um dos mais polêmicos auto-
res de sua época. Engenheiro de formação, autor pro-
lífico de um Tratado de sociologia geral, de um
Curso e de um Manual de economia política, e
do livro Sistemas Socialistas, se dedicou, na dé-
cada de 1890, a ir além da economia e a penetrar
nos fundamentos sociais e políticos da sociedade.
Em grande medida, retomou a idéia das elites de
THOMAS HOBBES (* Mosca. Referindo-se à sua obra, o sociólogo
5/4/1588, Westport, Ingl. –
† 4/12/1679, Hardwick Hall) Raymond Aron6 faz uma síntese muito precisa de
Filósofo e teórico do pen- sua complexa contribuição. Diz o filósofo francês
samento político, Hobbes es-
tudou na Universidade de que, segundo Pareto, “as sociedades são caracte-
Oxford e, como preceptor de rizadas pela natureza de suas elites, sobretudo das
W. Cavendish, 2 o conde de
Devonshire o acompanhou em elites governantes. De fato, todas as sociedades
viagem à Itália e à França en- têm uma característica que os moralistas podem
tre 1608 e 1610, país ao qual
voltou em 1629. Só em 1637 considerar deplorável, mas que os sociólogos são
regressou à Inglaterra onde, em obrigados a constatar: há uma distribuição muito
1640, publicou sua 1a obra, Ele-
mentos da lei, natural e políti- desigual de bens neste mundo, e uma distribuição,
ca. Com a opinião pública in- mais desigual ainda, do prestígio, do poder e das
glesa cada vez mais hostil à
monarquia, refugiou-se em Pa-
honrarias associadas à competição política. Esta
ris entre 1640 e 1651, publi- distribuição dos bens materiais e morais é possí-
cando De cive e em 1649, com
a decapitação do rei inglês
vel, porque, afinal, um pequeno número de pessoas
Carlos I, preparou seu regresso governa um grande número, recorrendo a dois ti-
à Inglaterra em 1652, um ano pos de meios: a força e a astúcia. A população se
depois da divulgação de sua obra
mais conhecida, Leviatã cujo tí- deixa dirigir pela elite, porque esta detém os meios
tulo completo é Levianthan, de força ou então porque consegue convencer, isto
ou a natureza, a forma e o po-
der de uma comunidade ecle- é, sempre enganar, mais ou menos, o grande nú-
siástica e civil. Influenciado mero. Governo legítimo é aquele que teve êxito
pelo ambiente político suble-
vado, tornou-se com esse tex- no processo de persuasão dos governados, con-
to o teórico do absolutismo de vencendo-os de que é apropriado aos seus inte-
Estado, representado pela mo-
narquia absolutista. Sua obra, resses, a seus deveres ou à sua honra obedecer ao
das mais importantes da filo- pequeno número. Esta distinção dos dois meios
sofia política moderna, está li-
gada a alguns aspectos funda- de governo, a força e a astúcia, é a transposição
mentais: a teoria sobre o da famosa oposição entre os leões e as raposas,
contrato social que dá origem
à sociedade civil, o surgimento
apontada por Maquiavel. As elites políticas divi-
das primeiras idéias do absolu- dem-se naturalmente em duas famílias, uma das
tismo político, e do liberalis-
mo que vão florescer na Euro-
quais merece ser chamada de família dos leões,
pa, impulsionadas pelo
Iluminismo do séc. XVIII. 6
ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. Brasília/São Paulo,
Ed. UnB/Martins Fontes, 1982, p. 426/8.

22
porque tem preferência marcante pela brutalida-
de e a outra, de família das raposas, porque se incli-
na para a sutileza”.
Ao apelar para a teoria da “circulação das
elites”, que se substituem no poder, Pareto explica-
va por suas características, a causa do domínio da
minoria sobre a maioria. Enquanto a minoria é ho-
mogênea, tem os mesmos interesses, adota os mesmos
valores e se vale dos mesmos recursos, a maioria, RENÉ DESCARTES (*31/3/
1596, La Haye-Touraine †
por ser heterogênea, cultivar valores distintos e até 11/2/1650, Estocolmo)
contraditórios e não dispor de recursos idênticos De seu nome latino
Renatius Cartesius deriva o ter-
para atingir os seus fins, termina mais facilmente mo “cartesiano” para definir a
dominada. síntese desse genial pensador e
matemático francês, conside-
Ao se aproximar em 1903 das teses que rado o pai da filosofia moder-
Mosca já tinha exposto em 1896, Pareto provocou na, por ter sido o primeiro a se
uma enorme e violenta polêmica na Itália, acusado, opor à escolástica aristotélica.
Antes de completar um ano de
segundo Aron, de “utilizar-se das idéias de seu idade perdeu a mãe, foi educa-
conterrâneo, mais do que seria conveniente, citan- do no Colégio dos Jesuítas de
La Fleche, percorreu vários pa-
do-o menos do que era justo”. Na verdade, a teoria íses da Europa, foi soldado na
das elites de Mosca é mais política e menos psicoló- Guerra dos Trinta Anos e pas-
sou 20 de seus mais produtivos
gica. Segundo ele, cada elite política se caracteriza anos (1629-1649) na acolhe-
por uma fórmula de governo que equivale ao que dora Holanda, onde escreveu a
maior parte de suas obras. Em
poderíamos chamar de ideologia da legitimidade. Na 1649, a convite da rainha
sociologia de Pareto, as diversas elites são caracte- Cristina da Suécia, partiu para
rizadas, sobretudo, pela abundância de recursos de esse país, onde veio a falecer.
Seu método da dúvida sistemá-
que se valem, a astúcia e a sutileza, mais que a for- tica, foi sintetizado na frase
ça, mantendo-se no poder pela propaganda, multipli- “penso, logo existo”. É consi-
derado o pai do racionalismo
cando as combinações político-financeiras. São as crítico e do empiricismo, ba-
elites dos regimes chamados democráticos, que ses da filosofia de que ele foi o
renovador. Foi um autor pro-
Pareto denominava de “pluto-democráticos”, porque, lífico que escreveu sobre mú-
em última análise, constituem uma plutocracia, sob sica, física, matemática, lógi-
ca e geometria, mas sobretudo
aparência democrática. sobre filosofia e filosofia da
Mosca e Pareto não foram os únicos a ciência. Suas obras de maior
formular uma teoria específica para explicar o cará- significado e relevância são
Discurso sobre o método, de
ter da dominação política, partindo da análise socioló- 1637, os Princípios de Filo-
gica dos sistemas políticos. Na verdade, mais que sofia, de 1644 e sua Corres-
pondência de Descartes, edi-
uma Teoria, estavam aplicando a Sociologia à aná- tadas em 1666 e 1667, onde
lise política, sendo os responsáveis por um novo estão publicadas “as mais bela
questões relativas à moral, à
campo de atuação, o da Sociologia política que, física, à medicina e à mate-
dessa forma proclamava sua autonomia em relação mática”.

23
à Filosofia política. Uma outra contribuição de igual
relevância, tornou essa separação ainda mais clara
e evidente.
Trata-se da obra do terceiro dos autores
acima citados, Robert Michels (1876 – 1936) que se
enquadra no período clássico da sociologia política
européia no começo do séc. XX. De ascendência
franco-alemã, educou-se na Alemanha, na França e
JOHN LOCKE ( * 29/8/1632, na Itália. Quando estudante, foi um socialista com-
Wrington. Ingl. † 28/10/1704,
Oates, Essex) prometido e membro do Partido Social Democrata
Filósofo inglês, considera- da Alemanha, que na época ainda estava sob forte
do por muitos o iniciador do
movimento Iluminista na In-
influência sindical. Em razão de suas convicções po-
glaterra e na França, além de líticas, impedido de seguir a carreira acadêmica em
ter sido o inspirador da Consti- seu país natal, transferiu-se para Turim, onde foi for-
tuição americana de 1787. Foi
autor, entre outras de uma das temente influenciado por Gaetano Mosca e sua
mais importantes obras no doutrina da “classe política”, o que o levou a desen-
campo da Filosofia, Um ensaio
concernente à natureza huma- cantar-se e a se afastar de suas origens social-de-
na, publicada inicialmente em mocratas. Em 1911, publicou a obra que o imortali-
francês, antes de ter vindo à
lume a 1a ed. definitiva de zou, cujo título original é Sobre a sociologia dos
1660, uma síntese do conheci- partidos nas modernas democracias, traduzido em
mento humano, incluindo a
“nova ciência” de sua épo-
inglês simplesmente como Os partidos políticos e
ca, isto é, a filosofia moder- em francês como Os partidos políticos. Ensaio
na. Viveu durante um dos sobre as tendências oligárquicas das democra-
períodos mais conturbados da
história da Inglaterra, o que jus- cias. Adotou a cidadania italiana em 1913, e apesar
tificou uma estadia de quatro de um longo período como professor em Basiléia,
anos na França, onde conhe-
ceu a filosofia cartesiana, e um considerava a Itália seu país natal. Incorporou-se ao
desterro na Holanda, de 1682 Partido fascista italiano e, depois da ascensão de
a 1689. Em outra de suas obras,
Um ensaio concernente à to- Mussolini ao poder, regressou a seu posto universi-
lerância pugnou por um espí- tário em 1928, para contribuir ao desenvolvimento
rito de tolerância de crença,
embora não admitisse o ateís-
de uma ciência política pro fascista.
mo por considerar ser possível Sua teoria sobre a oligarquização dos partidos,
comprovar a existência de também conhecida como a “lei de ferro dos parti-
Deus e combatesse os
“papistas”, vistos por ele como dos”, se baseia na constatação de que, os partidos e
uma ameaça ao Estado. Locke os movimentos de esquerda tinham que necessaria-
passou os últimos anos de sua
vida no retiro tranqüilo de mente perder em radicalização, à medida que au-
Oates, como hóspede de Lady mentavam de tamanho. Segundo ele, para se orga-
Masham, sua amiga de muitos
anos, onde costumava receber nizar um movimento de massas de modo efetivo é
visitas, como a de Sir Issac necessário que a direção se dedique a isso de forma
Newton que ia discutir com ele
as epístolas de São Paulo, um
integral e com a ajuda de um aparato permanente
assunto de interesse de ambos. de funcionários para isso preparados, no que estava

24
antecipando a concepção de Lênin. Ainda que re-
crutados no proletariado, eles vão se afastando gra-
dualmente de suas origens por uma série de razões.
Primeiro, adquirem experiência e conhecimentos que
não estão ao alcance das bases. Segundo, passam a
vida num ambiente de discussões de convênios co-
letivos de trabalho ou de intrigas parlamentares. Ter-
ceiro, e acima de tudo, suas novas tarefas os libe-
ram do trabalho manual e lhes proporcionam um MONTESQUIEU (* 18/1/
1689, Château La Brède,
emprego bem remunerado e seguro, acompanhado Bordeaux † 10/2/1755, Paris)
de um estilo de vida e de uma ótica pequeno-bur- Charles Louis Secondat,
senhor de La Brède e barão de
guesa. Dessa forma, tendo assegurado sua própria Montesquieu, autor, entre ou-
revolução social, seu radicalismo se modera e se volta tras obras, de O Espírito das
contra toda e qualquer política militante que possa Leis, publicado em 1748 é con-
siderado um dos mais impor-
ameaçar a continuidade da organização a que per- tantes pensadores políticos do
tencem e de sua própria existência com seu novo Iluminismo, por ser considera-
do o pioneiro do princípio da
estilo de vida. separação dos poderes do Es-
Valendo-se de sua experiência no Partido tado que tão profundamente
influenciou a teoria política até
Social Democrata Alemão, Michels deu uma enor- hoje. A tal ponto, que chegou
me contribuição à Sociologia política com base na a ser inscrito no art. 16 da De-
claração dos Direitos do Ho-
teoria das elites, ao abordar a necessidade de orga- mem e do Cidadão, aprovado
nização para o êxito de qualquer partido e ao lem- pela Assembléia francesa em
brar que a organização tende, necessariamente, à 26 de agosto de 1789, pouco
mais de um mês da queda da
oligarquização. Algo que, em última análise, está Bastilha que deu início à Revo-
presente na análise política de Mosca e na análise lução francesa que marca o iní-
cio da Idade Contemporânea
sociológica de Pareto. Ele completa com ambos, a na cronologia histórica do
grande contribuição que levou ao surgimento de um mundo ocidental. Nessa dispo-
sição se pode ler: “Toda socie-
ramo especializado da Sociologia e da Política, a So- dade na qual a garantia dos di-
ciologia política. reitos não está assegurada, nem
a separação dos poderes deter-
Essa transição que se pode observar ao lon- minada, não possui uma Cons-
go dos séculos, de como foi se ampliando o campo tituição”. Escreveu ainda as
da Filosofia para a Filosofia política e desta para a Letras Persas, de 1721, Da mo-
narquia universal na Europa,
Sociologia política, mostra que o mundo complexo de 1734, Considerações sobre
da Política foi, progressivamente, tornando-se não a causa da grandeza dos ro-
manos e sua decadência, tam-
apenas mais rico intelectualmente, mais complexo bém de 1734. D’Alembert, res-
culturalmente e mais fascinante cientificamente, mas ponsável pela Enciclopédia, o
convidou para colaborar com
também cada vez mais estimulante, à medida que a artigos sobre democracia e des-
Política foi crescendo de importância, aumentando potismo, mas ele disse preferir
escrever sobre o paladar. E um
seu poder e alargando seu campo de ação, até se ensaio sobre esse tema termi-
tornar a mais desafiadora das atividades humanas. nou sendo sua última obra.

25
Mas essa longa viagem ainda não tinha chegado
ao fim. Faltavam alguns passos decisivos. O próxi-
mo seria dado não através de um salto estimulante,
mas pela descoberta de um caminho intrigante, a
passagem da Sociologia política, para a Ciência
Política.

ROUSSEAU (* 28/6/1712,
Genebra, Suíça – † 2/7/1778,
Ermenonville, França)
Jean-Jacques Rousseau, é o
escritor e filósofo francês de
origem suíça, cujas obras inspi-
raram os líderes da Revolução
francesa e a geração que deu ori-
gem ao romantismo na Fran-
ça. Ele foi o último dos filóso-
fos acadêmicos e, sob muitos
aspectos, um dos mais influen-
tes. Ensinou muitas das gera-
ções que se seguiram a cuidar
da educação dos filhos, em ra-
zão de sua obra Émílio, ou da
Educação e valorizou os sen-
timentos mais que a razão.
Abriu os olhos de boa parte da
humanidade para a importân-
cia da natureza e tornou a li-
berdade uma aspiração genera-
lizada de quase todos os povos.
Nos últimos dez anos de sua
vida dedicou-se a produzir al-
gumas obras biográficas, como
as Confissões, inspiradas na do
mesmo título de Santo Agosti-
nho e que também se tornou
um clássico, enquanto outras se
destinaram a se defender dos
ataques de que foi vítima por
suas idéias e que terminaram o
levando ao exílio. Com seu
Discurso sobre as ciências e as
artes, de 1750, ganhou o prê-
mio da Academia e Dijon. Seu
Discurso sobre a origem da
desigualdade entre os ho-
mens, de 1753, precede sua
obra-prima, o Contrato So-
cial, de 1762, que ajudou a
imortalizar sua obra – a de um
dos maiores pensadores do sé-
culo do Iluminismo que mudou
a história da Humanidade.

26
V – Um Caminho Intrigante: da Sociologia
à Ciência Política
Ao fim da primeira guerra mundial, as con-
cepções sobre a Política tinham se ampliado consi-
deravelmente. A Sociologia política, a que Mosca,
Pareto e Michels tinham dado enorme contribui-
ção, tratava dos fenômenos políticos, sob o as-
pecto social. A Economia política, até bem de- ADAM SMITH (* 5/6/1723,
pois da segunda guerra mundial, incluída no Kirkcaldy, Escócia –
currículo obrigatório das Faculdades de Direito, † 17/7/1790, Edinburgo)
Filósofo, político e eco-
estudava o Estado como agente econômico e como nomista escocês, considera-
regulador do mercado. O Direito político, expres- do o pai da Economia mo-
derna, por sua magistral obra
são ainda corrente na Europa, mas que não pros- A riqueza das Nações, cujo
perou no Brasil, já que aqui é considerado na clas- título completo é: Um inqué-
sificação mais ampla de Direito Público, estudava rito sobre a natureza e as
causas da riqueza das na-
as instituições e as relações públicas, sob o ponto ções, publicada em 1776.
de vista jurídico. Como se não bastassem todas Freqüentou as Universidades
de Glasgow (1737/40) e
essas formas de adjetivar como “políticas” outras Oxford (1740/46) e comple-
atividades e ramos do conhecimento, ainda tínha- tou os estudos em Edinburgo.
Na de Glasgow, ensinou Ló-
mos, a História política que, até Capistrano de gica, Moral, Ética, Jurispru-
Abreu, foi, entre nós, o enfoque predominante da dência e Política, publica Teo-
História nacional, a Filosofia política que tratava ria dos Sentimentos Morais,
em 1759. Em 1778, depois
da evolução e da interpretação do pensamento de passar dez anos isolado na
político e a Geografia política que cuida da divi- terra natal, foi nomeado co-
missário das alfândegas de
são administrativa dos diferentes países, além das Edinburgo e em 1787, reitor
relações entre o Estado e sua organização de Glasgow. Fundou os estu-
dos clássicos da Economia,
territorial. prevendo um futuro otimis-
Todas essas questões começaram a ser ta, em contraste com as pre-
levantadas num período em que a própria Ciência dições pessimistas de Malthus
e de Ricardo. Contrapondo-
política não tinha encontrado definição clara, ob- se aos fisiocratas que, como
jetivos explícitos e caminhos metodológicos ade- Turgot e Quesnay punham
toda ênfase na atividade agrí-
quados e continuava considerada parte integrante cola, defendeu o papel da di-
da Filosofia política. Obras em que a expressão visão do trabalho e defendeu
em sua obra o desmonte dos
política aparece no título mas não encontram controles mercantilistas que
desdobramento e sistematização no texto, foram tinham influenciado todo o
pensamento econômico nos
várias, como a Ciência política de Ivan Golovine, séculos anteriores. Sua obra
publicada em 1844, o Tratado de política e de revolucionário é o melhor
ciência social de P.J.Buchez, considerado discípu- exemplo da influência do
pensamento liberal do
lo de Saint-Simon, de 1885, A política: princípios, Iluminismo do século em que
críticas, reformas, de Theodor Funck-Bretano, ele viveu.

27
de 1892 e A Política, de Charles Benoist, de 1894. No
Brasil, mesmo, como expoente da corrente positivista
de Augusto Comte, que teve claro protagonismo políti-
co no início da Republica, Alberto Sales é autor de
Sciencia política, livro publicado em 1891, que segu-
ramente pode ser inserido nesse movimento que se pro-
cessou na França, no fim do séc. XIX.
Como a Sociologia em geral ganhou enorme
KANT (* 22/4/1724, Könis- repercussão, depois das obras fundamentais de Max
berg*, Prússia – † 12/2/1804)
Filósofo alemão cuja obra Weber, como A ética protestante e o espírito do ca-
compreensiva e sistemática pitalismo e sobretudo o texto monumental que é Eco-
na teoria do conhecimento,
na Ética e na Estética influ- nomia e Sociedade, que o consagrou como o pai da
enciou enormemente toda a Sociologia contemporânea, essencial para os estudos
filosofia posterior especial-
mente das várias escolas do sob as formas de dominação e as demais instituições
Kantianismo e do Idealismo. políticas, foi ficando cada vez mais claro, que em vez
De família pobre, freqüentou
o Collegium Fredericianum de de ser dominada por essa ou aquela especialidade, a
1732 a 1740 e a partir desse Política estava, cada vez mais, penetrando em todas as
último ano a Universidade de
Könisberg, doutorando-se em categorias do conhecimento humano. Já não eram mais
1746. Em 1755 foi designa- somente a Filosofia política, a Sociologia política, a Eco-
do livre docente na mesma
universidade em que se dou- nomia política, a História política, a Geografia política
torou, lá ensinando durante ou o Direito político que sofriam a influência decisiva
40 anos a maior parte das dis-
ciplinas filosóficas, além de da Política. Esse movimento que se espraiava por tan-
Matemática, Física, Geogra- tas especialidades, estava mostrando como o âmbito
fia e Antropologia em cursos
que sempre entusiasmaram os da Política, abrangente e complexo como é, terminava
ouvintes. Foi simpatizante da permeando e influenciando todos os estudos das ciên-
revolução americana e da
francesa, em seu início, por- cias sociais e das demais ciências sociais aplicadas,
que em sua opinião a ordem como o Direito e a Economia.
era preferível a qualquer for-
ma de violência. Suas obras Na Europa, depois da Sociologia, foi o Di-
foram escritas ao longo de reito que terminou decisivamente influenciado pela
quase meio século e sua dou-
trina é um conjunto comple- Política, levando-a a abrigar-se nas Faculdades de
to e sistemático de indagações Direito. Um movimento diverso se verificou nos
e respostas sobre o comple-
xo mundo do conhecimento. Estados Unidos, onde, desde o fim do séc. XIX,
O seu livro mais conhecido é um grande número de Universidades já tinha ins-
a Crítica da razão pura, mas
sua extraordinária contribui- talado e vinha mantendo em seus cursos cátedras
ção à história do pensamen- de Governo, o que favoreceu o surgimento na área
to e à Filosofia, não pode ser
julgada nem aferida por uma acadêmica de cursos de Ciência Política. A su-
só obra, por mais genial que cessão de duas guerras mundiais na primeira meta-
seja, como é o caso dessa ver-
dadeira obra prima da Filoso-
fia do Iluminismo.
* Atual Kaliningrado, na Rússia.

28
de do séc. XX, o fracasso da antiga Liga das Na-
ções na solução pacífica dos conflitos internacio-
nais que se agravaram, a luta ideológica que se
acentuou depois da revolução de outubro na anti-
ga Rússia, inaugurando um novo sistema político
apenas 69 anos depois da divulgação do Mani-
festo Comunista de Marx e Engels, em 1848 e a
radicalização decorrente da emergência do nazi-
fascismo na Europa, com todas as suas brutais EDMUND BURKE (* 12/1/
1729, Dublin, Irlanda –
conseqüências, foram motivos mais do que suficien- † 9/7/1797, Beaconsfield,
tes para que, depois da fundação da ONU, a Po- Ingl.)
Estadista, parlamentar, bri-
lítica e sobretudo a Política internacional tomas- lhante orador e proeminente
sem o centro das preocupações intelectuais do pensador político, desempenhou
mundo civilizado. um relevante papel na vida pú-
blica inglesa entre 1765 e 1795,
A França, como em outros movimentos in- além de ter dado importante
telectuais, teve papel decisivo nesse novo movi- contribuição à história da teoria
política, ao defender, num dis-
mento. Em 1945, o prof. Maurice Duverger, que curso famoso, distribuído a seus
viria a se tornar um dos pioneiros da ciência polí- eleitores de Bristol, sob a forma
de circular, a autonomia dos
tica francesa, publicou seu primeiro curso de di- mandatos parlamentares. Nos
reito constitucional. Três anos depois, lançou a séculos anteriores, e na maior
parte do séc. XVIII os mandatos
segunda edição que, sem grandes modificações, desempenhados pelos parlamen-
ele resolveu intitular Manual de Direito Consti- tares eram do tipo “imperativo”,
isto é, semelhante aos manda-
tucional e de Ciência Política. Nesse mesmo tos que os advogados recebem de
ano, por sinal o do centenário do Manifesto Co- seus clientes para cumprir a sua
vontade na defesa dos seus inte-
munista, a Unesco convocou um colóquio em resses. Ao defender o chamado
Paris, cidade onde ainda hoje tem a sua sede, para “fiduciário” em que o represen-
tante deve atender ao interesse
tentar, com a participação de vários especialistas, de toda a nação e não o de seus
definir o campo de atuação da Ciência Política, eleitores, Burke proporcionou
tal revolução, que até este sécu-
depois de superada a discussão em que se empe- lo, grande parte das Constituições
nharam alguns autores, sobre a denominação que dos países europeus proíbem ex-
se deveria dar a essa especialidade, ora chaman- pressamente o mandato impe-
rativo. Apesar de sua tese re-
do-a de Politologia, a ciência da política, ora de volucionária, ele liderou o
Estatologia, a ciência do Estado. Ambas as cor- pensamento conservador em
sua época, com seu livro Re-
rentes pareciam ter razão, desde que a questão flexões sobre a revolução em
fosse examinada sob o ângulo estritamente cientí- França, texto em que expri-
miu com virulência sua oposi-
fico. É o que, segundo Marcel Prélot7 , faltava ocor- ção ao jacobinismo. Sua ferre-
rer, quando se declarou a ciência política “impos- nha oposição ao primeiro
ministro inglês Pitt o levou a
perder apoio político com que
contava para ocupar seu lugar
7
PRÉLOT, Marcel. A Ciência Política. São Paulo, Difel, 1964. no Parlamento.

29
sível de ser encontrada”, por ter sido “farejada
em toda a parte onde não estava”. As contribui-
ções de Jean Dabin e da Escola de Lovaina, na
Bélgica, foram cruciais, quando o primeiro recor-
dou que “não poderia haver aí nenhuma dúvida: a
ciência política é e não pode deixar de ser senão a
ciência do Estado... e de tudo quanto diz respeito
ao Estado. Tal era o objeto da política na Antigüi-
THOMAS PAINE (* 29/1/ dade (...) Não há motivo para que, desde Platão,
1737, Norfolk, Ingl. – † 8/6/
1809, New York, USA) Aristóteles e Cícero, o objeto dessa ciência tenha
Político e escritor anglo- desaparecido”. Para ele, ainda segundo Prélot,
americano, cujas obras O senso
comum e A crise tiveram gran- aqui invocado, a ciência política possui um objeto
de importância na Revolução específico perfeitamente distinto, a saber – res
americana. Seu pai pertencia à
seita “quaker” e sua mãe era política – “(...) todas as realidades, noções e va-
anglicana. Depois de uma ju- lores que a coisa política implica, relação política,
ventude conturbada, chegou
aos Estados Unidos em 1774 e
grupos políticos, poder político, instituições políti-
dois anos depois publicou o cas, partidos políticos, acontecimentos políticos,
ensaio que tanto influenciou o
curso da política americana,
idéias políticas, forças políticas, vida política, re-
alistando-se no exército revo- voluções políticas”.
lucionário. Regressou à Ingla- O colóquio reunido em Paris, de acordo
terra onde se indispôs com o
primeiro ministro Pitt, publi- com o testemunho insuspeito do francês Marcel
cando Os direitos do homem, Prélot, “foi dominado pelo empirismo anglo-saxão”
uma candente defesa da Revo-
lução francesa e dos princípios e “ao invés de procurar definir a priori a ciência
republicanos, que lhe valeu o política, houve um esforço no sentido de recensear
exílio. Desempenhou um pa-
pel ativo na Convenção, duran- aquilo pelo que, na realidade, se interessavam as
te a revolução, sendo preso du- instituições e os homens devotados à sua pesqui-
rante o “Terror”, por ter
tentado salvar a vida de Luís sa ou ao seu ensino”. Assim, de comum acordo,
XVI. Na prisão, concluiu o es- estabeleceram-se quatro rubricas fundamentais,
tudo de filosofia teísta A idade
da razão, apontando o lugar da
abrangendo as respectivas áreas abaixo indicadas:
religião na sociedade. Liberta-
do dois anos depois, publicou
1o) A teoria política:
Declínio e queda do Sistema a) Teoria política;
inglês de finanças. Regressou b) História das idéias.
em 1802 aos Estados Unidos,
onde sua popularidade tinha 2o) As instituições políticas:
sido profundamente afetada,
em razão da carta que em 1796 a) A Constituição;
endereçou a Washington, ata- b) O governo central;
cando sua reputação como mi-
litar e político. Seu obituário, c) O governo regional e local;
num jornal novaiorquino assi- d) A administração pública;
nalou que “viveu muito tem-
po, fez algumas coisas boas e e) As funções econômicas e sociais do
várias muito más”. governo;

30
f) As instituições políticas comparadas.
3o) Partidos, grupos e opinião pública:
a) Os partidos políticos;
b) Os grupos e as associações;
c) A participação do cidadão no governo e
na administração;
d) A opinião pública.
4o) As relações internacionais: HEGEL (* 27/8/1770, Stutt-
a) A política internacional; gart, Alemanha – † 14/11/
1831, Berlim)
b) A política e a organização internacional; Georg Wilhelm Friedrich
c) O direito internacional. Hegel, filósofo alemão que de-
senvolveu o esquema dialético
Com o estabelecimento dos campos de in- segundo o qual o progresso das
idéias e da história parte de uma
teresse e de atuação da Ciência Política, listados tese que, confrontada com sua
com um amplo e irrestrito consenso de todos os antítese, produz a síntese, con-
tendo elementos tanto da tese
participantes do Colóquio de Paris promovido pela quanto da antítese, superando
Unesco, evitou-se cair no atoleiro das definições. assim a suposição de que um sis-
A cabível é aquela capaz de abranger todos os cam- tema substitui outro completa-
mente diferente. Hegel viveu
pos em que necessariamente deve atuar a Ciência, numa época influenciada pelo
dele extraindo, pela observação, as hipóteses, teo- pensamento de Kant e, embo-
ra se possa admitir que isto
rias e teses que hoje, mais de meio século depois também tenha ocorrido com
dessa iniciativa, constituem já um formidável acer- ele, é considerado o último ar-
quiteto dos grandes esquemas fi-
vo de informações que nos permitem compreender losóficos dos tempos moder-
melhor não só o mundo complexo e desafiador da nos. Forma com Friedrich
Schelling e Fitche, a grande
vida pública, mas também os mecanismos que a tríade do Idealismo que termi-
movem. nou tendo enorme significação
Esse importante passo para delimitar os nas idéias que alimentaram outros
filósofos, como o existen-
contornos da Ciência Política foi seguido da fun- cialista dinamarquês Soren
dação, também em Paris, em 1949, da Associa- Kierkgaard, os marxistas vol-
tados para a pregação social e
ção Internacional de Ciência Política, conhecida os positivistas da escola de
por sua sigla em inglês IPSA (International Viena, entre tantos outros pen-
sadores modernos e contem-
Political-Science Association) que a cada três anos porâneos. Sua obra é monu-
realiza seu Congresso, procurando mostrar que mental e continua até hoje a
influenciar a história das idéias,
este ramo de atividades e do conhecimento hu- sobretudo por algumas delas,
mano, caminha hoje por uma larga avenida que, como a Fenomenologia do
nem por isso, deixou de ser um caminho provo- espírito, a Filosofia do Direito,
Filosofia da História e Filosofia
cante: a parcela do mundo da Política que ainda da Religião. Sua influência na
nos resta por descobrir. história da filosofia pode ser
avaliada pela existência, até
hoje, de um pensamento
“hegeliano”.

31
VI – Um caminho provocante:
O mundo ainda por descobrir
A Ciência política, por fim emancipada da
Sociologia, do Direito e das teorias que antecede-
ram o reconhecimento de sua autonomia come-
çou, nos anos 50, a percorrer um longo caminho
que nos leva, necessariamente, à parcela da Polí-
TOCQUEVILLE (* 29/7/
tica que ainda nos falta desvendar. Em sua 5 a
1805, Paris – † 16/4/1859, Conferência geral, realizada em maio e junho de
Cannes) 1950, a organização da ONU para a ciência, a
Conde Aléxis Charles
Henri Maurice Cléret de educação e a cultura, resolveu “empreender em
Tocqueville, considerado por alguns países investigações sobre os tipos de cur-
alguns um pioneiro da ciência
política no séc. XIX, por ter sos e métodos de ensino no domínio das ciências
sido o primeiro escritor a se sociais”. Para dar curso a essa decisão, uma in-
utilizar de bases empíricas na
análise de um sistema políti- vestigação foi realizada em 1951 e 1952 por cinco
co, foi também historiador, co- organizações internacionais não governamentais,
nhecido por sua obra A demo-
cracia na América. Publicada em colaboração com a Unesco. Os recursos dis-
em quatro volumes entre 1835 poníveis limitavam a oito o número de países ofi-
e 1840, é, até hoje, a melhor
descrição do sistema político cialmente designados como campo de observação
e social dos Estados Unidos sobre o ensino das ciências sociais. Entretanto,
produzido naquela época. Foi
juiz-auditor em Versailles em
cada associação foi convidada a completar o tra-
1827, encarregado em 1831 balho, procurando, se lhe parecesse útil, obter re-
de estudar o regime peniten- latórios oriundos de outros países.
ciário dos Estados Unidos, de-
putado por Valognes em 1839, Com base nesses relatórios nacionais, fo-
integrou a oposição liberal ram redigidos cinco outros sobre o conjunto dos
contra Guizot e previu a re-
volução de 1848. Eleito países examinados, destinados à coleção O En-
constituinte e novamente de- sino das Ciências Sociais. O relativo ao ensino
putado, apoiou o general
Cavaignac contra Luís da Ciência Política, realizado a convite da Asso-
Napoleão. Ministro do Exte- ciação Internacional de Ciência Política foi ela-
rior após as eleições de 1849,
opôs-se à revolução de 1851,
borado pelo prof. William A. Robson, da “London
o que o levou à prisão. Posto School of Economics and Political Science”, ain-
em liberdade alguns dias de- da hoje uma das mais prestigiosas nessa área,
pois, viajou pela Europa, onde
tornou-se conhecido por sua com base nos documentos relativos ao Egito,
obra sobre os Estados Unidos. Estados Unidos, França, Índia, México, Polônia,
Escreveu ainda O Antigo re-
gime e a revolução, publica- Reino Unido, Suécia e relatórios adicionais do
do em 1856, em que defendeu Canadá, Alemanha, Grécia e Iugoslávia. Foi pre-
a tese de que o movimento
não representou uma ruptura cedido de um encontro realizado em Cambridge,
com o passado, mas a realiza- de 6 a 10 de abril de 1952 e publicado em março
ção das aspirações e ideais da
monarquia.
de 1955.

32
As partes essenciais desse esclarecedor
documento, que serão usadas nas publicações que
compõem este curso, sempre com a indicação da
origem, perfazem um conjunto de dez capítulos, com
os títulos e conteúdos seguintes:
Cap. 1o – A Ciência política: seu objeto, seu
domínio, sua natureza.
Cap. 2o – O ensino da Ciência Política nos
PROUDHON (* 15/1/1809,
diversos países. Besançon, França – †
Cap. 3o – Os fins do ensino da Ciência Política. 19/1/1865, Paris)
Pierre Joseph Proudhon,
Cap. 4o – Que matérias associar ao ensino graças à sua dura experiência da
da Ciência Política? condição operária, como foi
revisor de provas, tipógrafo,
Cap. 5o – As relações internacionais e a representante comercial, jor-
Ciência Política. nalista e escritor, tornou-se o
mais importante pensador so-
Cap. 6o – A Ciência Política nas Universidades. cialista e o maior revolucioná-
Cap. 7o – Métodos de ensino da Ciência rio militante, como ele mes-
mo escreveu, a favor de “seus
Política. companheiros e irmãos”. Es-
Cap. 8 o – Formação e recrutamento de creveu em 1840 O que é a pro-
priedade?, livro elogiado por
professores de Ciência Política. Marx em 1843 no texto A sa-
Cap. 9o – O Ensino e a pesquisa. grada família. É nessa sua pri-
meira obra que se encontra a
Cap. 10o – Alguns problemas relativos ao famosa afirmação de que “toda
ensino da Ciência Política. propriedade é um roubo”, com
a qual quis condenar os aspec-
Em anexo, o documentário traz os progra- tos lucrativos de uma proprie-
dade sem trabalho, segundo ex-
mas dos cursos de Ciência Política da Suécia, plicou nas duas memórias de
França, Grã-Bretanha, Estados Unidos, Índia, 1842 e 1843, Carta a Blanqui
e Carta a Considérant. Depu-
México, Egito, Canadá e da então República Federal tado em 1848, publicou em
da Alemanha. 1851 Idéia geral da revolução
A maior parte dos dez fascículos que com- do século XIX e em 1858 A
justiça na revolução e na Igre-
põem o presente curso Política ao Alcance de To- ja, em que expôs a idéia de um
dos, abrange os principais temas da lista do Coló- banco do povo que não funci-
onou por falta de fundos. Foi
quio da Unesco e dos programas dos países listados ainda autor de Sistema das con-
na sua publicação de 1955. Um deles, o relativo às tradições econômicas ou Filo-
sofia da miséria, duramente cri-
Relações Internacionais, constante da quarta rubri- ticado por Marx, o que levou
ca, foi excluído porque, com o passar do tempo, gran- ao rompimento entre ambos.
de parte dos cursos que antes abrangiam as áreas Escreveu também Solução do
problema social (1848),
de Ciência Política e Relações Internacionais termi- Confissões de um revolucio-
nou se separando para constituir cursos ou departa- nário (1848), A guerra e a
paz (1861) e Da capacida-
mentos autônomos, transformando-se as duas áreas de política da classe operá-
em especialidades separadas. ria (1865).

33
Tomada como ciência autônoma, delimita-
do seu campo de atuação, a Política tornou-se um
mundo aberto à investigação, à teoria e ao exame
empírico das experiências humanas na organiza-
ção do Estado e de suas relações com a sociedade
e a economia. Quando examinada desde os tem-
pos em que os gregos a conceberam como campo
de estudos, a Política estava apenas voltando às
MARX (* 5/5/1818, suas origens. Afinal, foi Aristóteles quem deu à
Trier, Alemanha – † 14/
3/1883, Londres) Ciência a sua individualidade e a sua primeira ca-
Filósofo e revolucionário racterização. Para ele, o espírito humano é capaz
alemão, estudou Direito nas
Universidades de Bonn e de três operações:
Berlim, onde cursou Filosofia
e História, doutorando-se em a) saber, que os gregos chamaram de
Filosofia na Universidade de theorein;
Iena em 1841. Foi jornalista
em Bonn e em Colônia em b) fazer, a que deram o nome de prattein e
1843, mudando-se para Paris c) criar, por eles denominado de poein.
em 1845, onde se ligou a
Engels, sendo expulso no Baseado nessa divisão, ele indicou as três
mesmo ano pelo governo de
Guizot. Em 1848 publicou o grandes categorias científicas:
Manifesto Comunista, parti-
cipando das agitações revolu- I) as ciências teóricas: matemática, física
cionárias que nesse ano e no e metafísica;
seguinte sacudiram a Europa,
transferindo-se então para
II) as ciências práticas: ética, economia e
Londres, onde permaneceu política e
até o fim da vida. Lenine es- III ) as ciências poéticas: a lógica, a retóri-
creveu que sua obra é “uma
confluência da Filosofia alemã, ca e a poética.
do Socialismo francês e da
Economia inglesa”. Produziu Um fato que chama a atenção é a circuns-
incessantemente e se tornou tância de que, com toda a sua acuidade, sua liberda-
autor de uma obra ciclópica
em que ainda hoje é impossí- de de especulação e sua capacidade criativa que
vel delimitar onde começa sua tanto progresso trouxe para a civilização de que so-
filosofia, até onde vão suas
concepções ideológicas de que mos herdeiros, os gregos não deram ao Direito a
nasceram, junto com a con- expressão, a dimensão e a especialização que lhe
cepção comunista, a teoria
marxista, em permanente es- concederam os romanos, por sinal sua maior contri-
tado de interpretação, sua buição ao mundo a que pertencemos. Vimos que os
poderosa construção do ma-
terialismo histórico, hoje tão
gregos chamavam as normas a que estavam sujei-
duramente contestada e a es- tos, de nomos, mas elas não tiveram a mesma re-
trutura onto-teológica de seu
ateísmo. Sua obra prima, O
levância que, no mundo romano, adquiriu o direito
Capital, Crítica da Economia escrito.
Política é um dos livros mais Quando no início dos anos 50 do século pas-
citados e dos menos lidos até
hoje. sado a Ciência política começou a se desenvolver,

34
foi preciso estabelecer também, de maneira clara,
a sua independência em relação à sua origem, a
Filosofia política. E aqui chegamos ao ponto crucial
que ainda confunde os que com ela estão se fami-
liarizando.
Os conceitos, as afirmações e as conclusões
da Filosofia política não têm compromisso com a
realidade que nos cerca. Elas concluem, não cons-
tatam, por isso a Filosofia política, como toda filoso- COMTE (* 18/1/1798, Mont-
pelier, França – † 5/9/1857,
fia, é prescritiva ou, se quisermos, normativa. Isto Paris)
significa que ela prescreve ou, em outras palavras, Isidore Auguste Marie
François Xavier, filósofo fran-
estabelece como as coisas devem ser. Exatamente cês, criador da Filosofia
o contrário do que ocorre com a Ciência política. positivista e da Sociologia, for-
Como toda ciência, ela é descritiva, e por isso, não mou-se na Escola Politécnica
de Paris e foi influenciado por
diz como as coisas devem ser, mas como elas são. Saint Simon, que conheceu em
Daí estarmos tratando de duas categorias de conhe- 1817. Em 1842, elaborou sua
obra fundamental o Curso de
cimento diferentes. O conhecimento filosófico é fruto Filosofia Positiva, em que ex-
da dedução, da constatação lógica que explica por- pôs o seu sistema filosófico, di-
vulgado em lições interrompi-
que as coisas devem ser classificadas desta ou da- das para um tratamento clínico
quela maneira. O conhecimento científico é fruto da mental. Em 1825 tinha se ca-
sado com Carolina Massin, de
experiência que, repetida, serve de comprovação do quem se separou no mesmo ano
que se está afirmando. Este é o método utilizado da publicação de sua principal
pelas ciências naturais, na observação dos fenôme- obra. Dois anos depois, encon-
trou Clotilde de Vaux, por quem
nos físicos. se apaixonou e transformou
Quando digo que a água, ao nível do mar, sua vida, ao morrer no ano se-
guinte, passando a ser objeto de
ferve na temperatura de 100 graus centígrados, posso culto de sua “religião da Huma-
comprovar essa afirmação repetindo esta experiên- nidade” e a quem, segundo
Comte se deve a inspiração de
cia tantas vezes quantas necessárias. Isto porque, sua obra Sistema de Política
nas ciências naturais, os fenômenos são repetitivos. Positiva. Sua religião tem como
base a frase “o amor como
Nas ciências sociais, os fenômenos são singulares, princípio, a ordem como base
únicos, e portanto não podem ser comprovados pela e o progresso como fim” que,
repetição. Como não estão sujeitos à comprovação por influência dos positivistas
brasileiros, consta resumida-
por esse meio, têm que ser objeto de observação. A mente da bandeira nacional. O
observação de características comuns com outros positivismo é fruto do
mecanicismo cartesiano e ter-
fenômenos idênticos e da mesma natureza é que nos minou influenciando decisiva-
permite tirar ilações que, por sua razoabilidade, po- mente a concepção do
positivismo jurídico que preva-
dem permitir conclusões válidas dotadas de maior leceu em diversos países lati-
ou menor grau de aceitação. Eu posso comparar a nos, inclusive o Brasil. Trans-
formou-se, no séc. XIX, na
guerra dos cem anos, com a primeira guerra mundial. Filosofia serva da Ciência, a
E, ao fazê-lo, valendo-me dos dados de ambas, qual Comte a subordinou.

35
concluir que provocaram vítimas, o que é comum
em todas as guerras; que tiveram um ou vários ven-
cedores, o que, da mesma forma ocorre nos confli-
tos dessa natureza, tanto quanto pode ter havido um
ou vários perdedores. Posso examinar os antece-
dentes que desencadearam cada um dos conflitos e
concluir que tiveram motivações semelhantes ou di-
ferentes. As conclusões calcadas na observação dos
WEBER (* 21/4/1864, Efurt, fenômenos semelhantes verificados no âmbito das
Alemanha – † 14/6/1920,
Munique) ciências sociais constituem uma Teoria empírica, por
Economista e sociólogo contraste com a Teoria normativa ou prescritiva,
alemão, cursou a Universida-
de de Heidelberg onde estudou característica da Filosofia.
Direito, História, Economia, Assim é na Ciência política, quando Maurice
Filosofia e Teologia, inter-
rompendo o curso para cum-
Duverger, em uma de suas mais conhecidas obras, Os
prir o serviço militar, reto- partidos políticos, concluiu que os sistemas eleitorais
mando-os em Berlim e proporcionais favorecem a presença de vários parti-
Göttingem,, doutorando-se
em Direito em Berlim, come- dos no parlamento e que os majoritários tendem a re-
çando sua carreira acadêmica duzir esse número. Ao comparar essa conclusão com
em 1891, interrompida duran-
te 4 anos, por sua doença ner- outros sistemas semelhantes de outros países, ele for-
vosa. Retomou o ensino em mulou o que chamamos de uma lei tendencial. Se-
1902, e fundou com Werner
Sombart os Arquivos de eco- gundo ela, sistemas proporcionais provocam a prolife-
nomia e política social e no ração partidária, enquanto os sistemas majoritários os
ano seguinte publicou A ética
protestante e o espírito do ca-
desestimulam ou os constrangem, favorecendo a redu-
pitalismo. Em 1907, uma he- ção do número de partidos. Neste caso, dizemos que
rança lhe permite retirar-se da os sistemas eleitorais são variáveis condicionantes e
vida acadêmica e dedicar-se
exclusivamente à ciência. Em os sistemas partidários são variáveis condicionadas.
1910, em virtude de uma po- Em outras palavras os primeiros condicionam os se-
lêmica sobre a neutralidade
axiológica, abandona a direção gundos, isto é, dão-lhe forma e características que
da Associação Alemã de So- mudam quando mudamos os condicionamentos. Se ado-
ciologia por ele fundada e na
1a guerra mundial dirigiu um tarmos o sistema eleitoral majoritário, a tendência é
complexo de hospitais milita- que ocorra o contrário, isto é diminua o número de par-
res. Participou da elaboração
da Constituição de Weimar e
tidos com representação no Parlamento.
em 1919/20 aceitou a cátedra Vemos, portanto, que a Ciência política,
de Economia na Universidade como todas as ciências sociais, trabalha com variá-
de Munique. Em 1922 publi-
cou sua monumental obra veis, hipóteses, teorias e teses. Vejamos como li-
Economia e Sociedade, con- darmos com cada um desses recursos essenciais à
siderada uma das mais pode-
rosas construções intelectuais análise política.
do séc. XX, e fundador das 3 Comecemos pela Teoria, indagando exata-
disciplinas sociológicas: so-
ciologia da religião, sociologia mente, – O que é uma teoria?. No livro de Stephen
política e sociologia jurídica. Van Evera, diretor de estudos de pós-graduação e

36
professor de ciência política do prestigioso MIT
(Massachussets Institute of Technoly)8 o autor dá a
sua própria definição:
“As teorias são afirmações gerais que
descrevem e explicam as causas ou efeitos de
classes de fenômenos. São compostas por leis
causais ou hipóteses, explicações e condições
antecedentes. As explicações são também com-
postas por leis causais ou hipóteses, as quais, MOSCA (* 1/4/1858, Paler-
mo, Itália – † 8/11/1941,
por sua vez, se compõem de variáveis dependen- Roma)
tes ou independentes”. Gaetano Mosca, jurista e
autor da teoria política sobre a
Além da sua própria, ele transcreve várias classe dirigente, é considera-
outras definições, entre as quais as de: do, juntamente com seu
a) Brian Fay e J. Dinald Moon, citada por conterrâneo Vilfredo Pareto e
com Robert Michels, nascido
Michael Martin e Lee McIntyre9 : Uma na Alemanha, mas naturaliza-
teoria social é uma “explicação unificada do italiano o iniciador da Ciên-
cia política, antes mesmo de
e sistemática de uma diversidade de fe- sua sistematização ao fim da
nômenos sociais”. segunda guerra mundial. Edu-
cado na Universidade de
b) Earl Babbie1 0: “Uma teoria é uma ex- Palermo, nela Mosca ensinou
plicação sistemática das observações Direito Constitucional entre
1885 e 1888 e foi professor
que se vinculam a um aspecto parti- das de Roma, de 1888 a 1896
cular da vida”. e na de Turim, de 1896 a 1908.
c) W. Phillips Shively1 1: “Uma teoria toma Integrou a Câmara dos Depu-
tados italiana a partir de 1908,
um conjunto similar de coisas que tendo servido como Subsecre-
ocorrem – digamos, o desenvolvimento tário de Estado para as Colô-
nias de 1914 a 1916, sendo no-
dos sistemas partidários nas democra- meado senador vitalício pelo
cias – e encontra um padrão entre elas rei Vítor Emanuel III, em
1919. Seu discurso final no Se-
que nos permite tratar a cada uma nado italiano foi um duro ata-
dessas diferentes ocorrências como um que ao líder fascista Benito
Mussolini, o que não impediu
exemplo repetido da mesma coisa”. que os seus seguidores se inspi-
d) Kenneth N. Waltz1 2: Teorias são “me- rassem na teoria de Mosca para
ras coleções de leis”, sem as quais “as promover sua ideologia. Publi-
cou em 1884 o livro Teoria do
proposições não se explicam”. governo e governo parlamen-
tar, seguido, dois anos depois
de sua mais importante obra A
8
classe dirigente, considerada
EVERA, Stephen Van. Guia para estudiantes de ciência política. Métodos y
recursos. Barcelona, Editorial Gedisa, 2002, p. 15.
uma das mais importantes
9
“In” Readings in the Philosophy of Social Science. Cambridge, MIT Press, obras de teoria política, em
1996, p. 26 que contrariando a tese de
10
Practice of Social Research. Belmont, Ca. Wadsworth, 1995, 7a ed., p. 40. que a democracia é o gover-
11
The Craft of Political Research. Englewood Cliffs. N.J. Prentice Hall, no da maioria, mostrou que
1990, 3a ed., p. 2. todo regime é dirigido pela
12
Theory of International Politics. Reading, Mass. Addison-Wesley, 1979, p. 5. minoria que governa.

37
e) Christopher H. Achen e Duncan Sindal1 3:
Uma teoria é “um conjunto geral de
proposições das que se derivam ou-
tras, incluindo leis”.
f) Carl Hempel1 4: “As teorias (...) são cor-
pos de hipóteses sistematicamente re-
lacionadas”.
g) Miller e Wilson1 5: “[Uma teoria é] um
PARETO (* 15/7/1848, Paris conjunto de hipóteses elaboradas
– † 19/8/1923, Genebra)
Economista e sociólogo para explicar classes particulares de
italiano, obteve o grau de acontecimentos”.
doutor em Engenharia na Itá-
lia, em 1869. Depois de de-
h) Gary King, Robert O. Keohane e Sidney
sempenhar funções de admi- Verba1 6: “As teorias causais são ela-
nistrador em uma grande boradas para mostrar as causas de
empresa metalúrgica, fixou-
se em Lausanne, na Suíça, um fenômeno ou conjunto de fenôme-
onde veio a suceder Walras na nos” e incluem “um conjunto inter re-
cátedra de Economia políti-
ca da Faculdade de Direito, por lacionado de hipóteses causais. Cada
ele ocupada até 1906. Como hipótese especifica uma relação pos-
economista deve-se a ele a
aplicação e aperfeiçoamento tulada entre variáveis”.
do método matemático, a des-
coberta de novos instrumen- Pode parecer, como neste caso, que dez
tos de análise como as curvas definições diferentes indiquem um caos conceitual.
de indiferença e a contribui-
ção decisiva para a teoria do
No entanto, é preciso lembrar que a complexidade
equilíbrio econômico geral. Se das ciências sociais, em geral, e da ciência política
a sua obra de economista é al- em particular, decorre do fato de lidarmos com fe-
tamente abstrata, matemáti-
ca e pura, sua formação de nômenos também complexos, dependentes de inú-
engenheiro e sua experiência meras variáveis, e por isso singulares, não repetitivos,
empresarial o levaram para o
terreno mais concreto da so- como são todos os fenômenos sociais, que guardam
ciologia, onde se distinguiu por relação de pertinência entre si, mas não relação di-
sua formulação de uma teoria
aristocrática da história. reta de causa e efeito. Essa relação causal direta e
Como político foi anti-igua- invariável é característica dos fenômenos verifica-
litário e anti-parlamentar, o
que o levou a ser identificado
dos na esfera das ciências naturais. Isto explica por-
com as idéias fascistas. Em que nas ciências naturais, as leis são deterministas,
suas obras de sociologia políti- isto é, a mesma causa produz o mesmo efeito, en-
ca, como Sistemas socialistas,
e Transformações da Demo-
cracia, feriu o tema da Teoria
das elites, o que provocou 13
Rational Deterrence Theory and Comparative Cases Studies. “in” World
enorme polêmica, sobretudo
Politics, 41 (jan. 1989), p.147.
quando explicou sua perma- 14
The function in General Laws of History, “in” Martin and McIntyre,
nência com a teoria comple- Readings in the Philosophy of Social S cience, p. 49.
mentar de circulação das elites, 15
Dictionary of Social Science Methods, p. 112.
sendo acusado de imitar seu 16
Designing Social Inquiry: Scientific Inference in Qualitative Research.
conterrâneo Mosca. Princeton, Princeton University Press, 1994, p. 99.

38
quanto nas ciências sociais elas são probabilísticas,
isto é, um mesmo condicionante pode produzir um
ou vários resultados diferentes. MICHELS (* 9/1/1876,
Quando aludimos a “leis”, quer nas ciências Colônia, Alemanha –
† 3/5/1936, Roma)
naturais, quer nas ciências sociais, estamos nos re- Robert Michels é um so-
ferindo a uma relação que ocorre entre dois fenô- ciólogo político e economis-
ta italiano nascido na Itália
menos. Quando Gaetano Mosca afirma que em toda que se tornou notório por sua
sociedade há sempre a minoria que governa e a maio- formulação da “lei de ferro
da oligarquia”, segundo a qual
ria que é governada, ele formulou uma lei que é uma os partidos, tal como outras
probabilidade mas que, examinada empiricamente, instituições que dependem de
uma estrutura organizacio-
isto é, verificada em várias sociedades, passa a ser nal, inevitavelmente tendem
uma lei, neste caso, até determinista, pois não há à oligarquização, ao autori-
sociedade que seja governada pela maioria. Teori- tarismo e à burocratização.
Nascido no seio de uma rica
camente, essa afirmação é correta, quando nos re- família burguesa, tornou-se
ferimos à sociedade política, ao Estado, às cidades socialista, tendo feito parte
em sua juventude do SPD, o
contemporâneas. Se aplicada a pequenas socieda- Partido Social Democrata
des de cunho político, como os Parlamentos, por alemão, passou a maior par-
te de sua vida na Itália, ten-
exemplo, ela perde o seu caráter determinista, pois do lecionado nas Universida-
nessas instituições, sem exceção, quem governa e des de Turim, Basiléia e
Perúgia. Sua mais importan-
decide não é a minoria, mas a maioria. Um conjunto te obra, Um estudo socioló-
de leis ou hipóteses, desde que comprovadas gico das tendências oligár-
empiricamente, constituem uma teoria. O que nos quicas da moderna demo-
cracia, publicada em 1911,
permite concluir que, a despeito de tantas definições desenvolve a idéia do inevi-
como as acima transcritas, teoria não é mais que um tável desenvolvimento das
oligarquias, mesmo nas ins-
conjunto de leis ou hipóteses comprovadas pela tituições baseadas numa es-
constatação empírica. trutura democrática de poder,
uma vez que necessitam ba-
Mas a Ciência política não se utiliza apenas sear-se num processo decisó-
de teorias, mas também, como vimos, de hipóteses rio rápido e eficiente calca-
do numa organização de ca-
que podem ou não ser variáveis que estabelecem ráter profissional. Nos seus
certos condicionamentos e que, por isso, podem ser últimos escritos, Michels
condicionantes ou condicionadas, como no exem- adotou um ponto de vista em
que via essa estrutura elitista
plo invocado da lei tendencial formulada por Maurice não só como inevitável, mas
Duverger, aqui citada, em relação aos sistemas elei- também como desejável, o
que terminou levando a ade-
torais que são variáveis condicionantes dos siste- rir à ideologia fascista, em
mas partidários que são variáveis por eles condicio- ascensão na Itália. Seu Cur-
so de Sociologia Política e
nadas. Neste sentido, uma variável condicionada em outros estudos foi publicado
relação a uma hipótese, pode ser variável condicionante em inglês em 1949.
em relação a outra. Serve de exemplo a relação entre
sistemas eleitorais e partidários. Estes últimos, como
variáveis condicionadas, podem, por sua vez, ser

39
variáveis condicionantes dos sistemas de governo.
Sistemas eleitorais proporcionais favorecem, segundo
a constatação empírica, e de acordo com a lei
tendencial de Duverger, a proliferação partidária. E
a proliferação partidária, por sua vez, diminui o grau
de governabilidade, pois torna mais difícil a forma-
ção de maiorias partidárias necessárias, nos regi-
mes democráticos, para propiciar a governabilidade.
Por fim, já que mencionamos elementos es-
senciais da análise política como hipóteses, variá-
veis e teorias, é indispensável, também, uma alusão
às teses que fazem parte do mundo da ciência polí-
tica, como de resto, de todas as ciências sociais.
Resumindo, e valendo-nos do livro de Van Evera de
que aqui, sumariamente nos utilizamos, convém men-
cionar dois dos principais tipos de teses a que ele se
refere1 7:
a) A que “propõe uma teoria, formula no-
vas hipóteses, se apresenta um argumen-
to dedutivo em favor delas”; e
b) A que “contrasta uma teoria emprega
evidência empírica para avaliar teorias
existentes.
Com esses esclarecimentos metodológicos,
supomos atender o objetivo deste fascículo, que é o
de mostrar a longa e fascinante trajetória histórica
da Política, desde suas origens até o movimento que,
na década de 1950, permitiu fazer da Ciência políti-
ca uma ciência do séc. XX, em contraste com a
Filosofia política, velha de mais de 25 séculos, desde
que Sócrates, Platão e Aristóteles a criaram na era
gloriosa de Péricles, no séc. V a.C.

17
Op. cit., p.105.

40

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