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A RENOVAÇÃO DO PLEITO
1 Abordagem Inicial
Vale registrar, ainda, que a jurisprudência do TSE não compartilha desta tese, o que
não significa que seja matéria pacífica e consolidada naquela corte, haja vista se tratar de
assunto tão polêmico e discutível que ora ela – a jurisprudência – aponta para um norte, ora
adota outro sentido em seu posicionamento.
1
2 Princípio da Razoabilidade
Em seu artigo doutrinário, Ricardo da Silva Gama afirma que “reza o princípio da
razoabilidade que a interpretação do texto constitucional não pode levar o hermeneuta a uma
posição absurda, insustentável logicamente”1.
É este o sentido que deve ser encarada a situação ora sob exame na medida em que se
permite a participação do candidato que cometeu grave irregularidade no pleito anulado
exatamente em razão daquelas práticas escusas e vedadas pela lei eleitoral, causando-lhe em
face disto, a sua nulidade e, por conseguinte, sua renovação.
Além disso, me parece mais razoável e coerente proibir o candidato que deu causa à
anulação da eleição anterior em virtude de corrupção eleitoral (art. 41-A), de se
candidatar quando sobrevierem novas eleições. Oras, aceitar que este tipo de
candidato concorra a novo pleito logo após ter sido condenado à captação ilegal de
votos teria a mesma conotação que perdoá-lo ou presenteá-lo justamente com aquilo
porque pagou ou comprou.2
1
GAMA, Ricardo da Silva. Aspectos relevantes acerca da interpretação do texto constitucional.
Disponível em: <http://www.escritorioonline.com/webnews/noticia.php?id_noticia=3667&>. Acesso em: 09
abr. 2006.
2
BORGHI, Fátima Aparecida de Souza. Captação ilegal de sufrágio. Disponível em:
<http://www.presp.mpf.gov.br/artigos_temas/artigos_temas_pdf1.pdf>. Acesso em: 28 set. 2005.
2
uma vez cassado, num círculo vicioso que abalaria a credibilidade da Justiça
Eleitoral e do próprio trato democrático da res publica.3
Observa-se, desta forma, uma inutilidade da função repressiva da lei eleitoral em punir
os infratores, haja vista que o responsável pelo cometimento de abusos no período eleitoral e
pela nulidade e renovação do pleito poderá perfeitamente concorrer às novas eleições
determinadas justamente em função da torpeza e do comportamento ardil e escuso que se
utilizou.
A hipótese estampada no parágrafo anterior deve ser repudiada a todo custo, com
fulcro no princípio da razoabilidade que veda a solução da lide por meio de situações
insustentáveis pela lógica e pelas máximas do direito.
Direito deve ser visto como sistema, como um conjunto. É um complexo não apenas
de normas positivadas, mas também de valores e princípios jurídicos. Por isso, é
recomendável a prudência, pois nenhuma lei ou artigo de lei deve ser analisado ou
interpretado isoladamente, sem a devida atenção e harmonia com o ordenamento jurídico
como um todo.
3
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso especial nº 19.825. Relator Ministro Fernando Neves da Silva.
Ivinhema-MS. 06/08/2002. p. 9. Disponível em:
<http://www.tse.gov.br/servicos/inteiroTeor/actionGetBinary.do?
tribunal=TSE&processoNumero=19825&processoClasse=RESPE&decisaoData=20020806&decisaoNumero=
19825&noCache=0.9901983716055767>. Acesso em: 14 abr. 2006.
4
FERREIRA, Elaine Garcia. A Interpretação de lei tributária e a jurisprudência dos conceitos.
Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/2431>. Acesso em: 14 abr. 2006.
3
Assim, a interpretação sistêmica é aquela em que o exegeta procura extrair da norma o
sentido que esteja em sintonia ou conexão com todo o conjunto de normas, ou seja, para a
interpretação de determinada norma deve considerar a maneira como está posto o objetivo e o
sentido do ordenamento jurídico.
Da simples leitura dos r. comandos legais, nota-se que os bens protegidos pela lei são
a liberdade do voto, a normalidade e legitimidade do pleito, estando esse intimamente
relacionado com a lisura das eleições.
5
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução nº 21.608/2004. In: TRE. Compêndio de legislação eleitoral:
eleição 2004. João Pessoa: Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, 2004.
6
Ibid., p. 16.
4
A interpretação teleológica consiste no instrumento de compreensão da norma a partir
da adaptação de sua finalidade com as exigências do bem comum e dos anseios sociais,
segundo uma inserção nas necessidades práticas provenientes da realidade social.
Não se pode olvidar que a interpretação teleológica, em busca da solução justa ao caso
concreto, pode utilizar como parâmetros os ditames do art. 5º da Lei de Introdução ao Código
Civil, in verbis: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum”7.
No que diz respeito a esta maneira de interpretar, mister trazer à baila os ensinamentos
de Anderson Sant’Ana Pedra:
Forçoso registrar que os “fins sociais” e o “bem comum” estão, no âmbito deste
estudo, patentes no objetivo precípuo da lei eleitoral em resguardar a liberdade de sufrágio do
eleitor e em assegurar a normalidade e a legitimidade das eleições, de forma a preservar o
interesse público da lisura do pleito.
7
ANGHER, Anne Joyce (Org.). Código civil. 9. ed. São Paulo: Rideel, 2003.
8
PEDRA, Anderson Sant’Ana. Os Fins sociais da norma e os princípios sociais de direito. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3762>. Acesso em: 14 abr. 2006.
9
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso especial nº 19.825. op. cit., p. 12, nota 3.
5
sua participação não estaria em conformidade com o espírito constante no conjunto de normas
eleitorais.
Neste tópico, o enfoque estará direcionado para os benefícios trazidos pela nulidade à
parte que lhe deu causa, ocasionando, assim, total afronta ao disposto no parágrafo único do
art. 219 do CE.
Art. 219. Na aplicação da lei eleitoral o juiz atenderá sempre aos fins e resultados a
que ela se dirige, abstendo-se de pronunciar nulidades sem demonstração de
prejuízo.
Parágrafo único. A declaração de nulidade não poderá ser requerida pela parte que
lhe deu causa nem a ela aproveitar.10 (Grifo nosso)
O grifo foi proposital para chamar a atenção de que existe a vedação legal de que a
nulidade seja aproveitada pelo responsável pela sua ocorrência, de forma que, no caso em
exame, o candidato corruptor terá indubitavelmente provocado alguma repercussão, que lhe é
favorável, nas eleições designadas na forma do art. 224 do CE em razão da compra ilegal de
votos.
A expressão “nem a ela aproveitar”, presente na parte final do parágrafo único daquele
dispositivo legal, exprime bem o sentido que a norma desejou revelar, qual seja, a parte
responsável pela nulidade não pode tirar nenhum proveito dela.
6
Em outras palavras, percebe-se que o candidato desembolsou quantias para poder
pagar o voto dos eleitores, e, em seqüência, ser premiado com a sua participação no novo
certame, angariando a simpatia e a escolha daqueles que foram favorecidos com a benesse
fornecida pelo candidato.
Segundo o escólio de Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira, os reflexos das
condutas ilícitas estariam presentes da seguinte forma:
Assim é que, aberto o certame, o candidato cujo registro foi cassado (art. 41-A)
requereu novo registro, negado em primeiro e segundo graus no Estado de Goiás.
Mas, o TSE concedeu-lhe o direito de registro, sob o argumento de a convocação
para a nova votação correspondia a outra eleição, eis que suportada na previsão do
artigo 224 do Código Eleitoral. Logo, o mencionado candidato, beneficiado pelos
reflexos das condutas que desequilibraram a isonomia do certame, nessa
segundo chamada logrou sagrar-se vencedor nas eleições das eleições. Neste
sentido: (...)13 (Grifo nosso)
Outrossim, a referida solução não estaria cominando nenhuma punição àquele que
empregou meios de captação de voto escusos e vedados pelo Direito Eleitoral, haja vista que
poderia disputar o novo pleito bem como, em relação ao anterior, nenhuma validade teve no
mundo jurídico pois restou nula, de forma que o sentido da cassação do candidato,
praticamente, se perdeu, se esvaziou.
13
CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. Direito eleitoral brasileiro. 3. ed. Belo Horizonte: Delrey,
2004.
14
BORGHI, op. cit., nota 2.
7
Da mesma forma, torna-se inadmissível na compreensão de qualquer cidadão ou
julgador que quem cometesse prática tão reprovável, quanto esta de compra de voto, estivesse
com o caminho livre para participar da renovação do pleito, sendo ainda o culpado direto
deste novo certame, justamente porque a sua conduta irregular foi levada a efeito em larga
escala, segundo se depreende do seguinte excerto haurido do multicitado Acórdão nº 19.825:
Quando se alterou a Lei nº 9.504/97, com a inclusão desse art. 41-A, a intenção era
afastar imediatamente do processo eleitoral pessoa que praticasse o tipo descrito.
Daí o cumprimento imediato da decisão.
Veja-se o paradoxo: se comprar um voto e não obtiver cinqüenta por cento da
votação, ele sai da eleição. Agora, se ele comprar mais de cinqüenta por cento dos
votos, a eleição se refaz com sua participação. Isso é que me traz grande
perplexidade.15
Merece frisar, ainda, que, como forma de refutar a tese de que se trataria, in casu, de
aplicação da pena de inelegibilidade, o que implicaria na inconstitucionalidade do art. 41-A da
Lei 9.504/97, a eleição renovada seria, em verdade, um pleito realizado em substituição ao
anterior, o qual foi decretada a sua nulidade.
Desta forma, nota-se que não apresenta consistência o argumento de que seria outra
eleição no caso em exame porquanto o pleito tornado nulo não apresentaria mais nenhum
efeito no mundo jurídico, restando, assim, imperioso atingir a conclusão de que o certame
eleitoral realmente válido seria o segundo. Esta interpretação se enluva perfeitamente naquela
em que se defende a prevalência do efeito imediato do aludido dispositivo legal, pois retirar o
candidato cassado do pleito anulado e permitir sua participação na renovação daquele,
praticamente, resulta no esvaziamento da efetividade imediata do citado art. 41-A.
A perda do sentido presente naquela interpretação está patente na medida em que seria
mais conveniente e vantajoso para o candidato cometer a captação ilícita de sufrágio de modo
a provocar a nulidade das eleições haja vista que no pleito inicial lhe será amputado o direito
de continuar na campanha eleitoral, enquanto nas novas eleições este direito estará
amplamente assegurado.
15
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso especial nº 19.825. op. cit., p. 11, nota 3.
16
CERQUEIRA, op. cit., p. 1175, nota 13.
8
porquanto ao candidato corruptor não haveria nenhum impedimento em disputar a renovação
do processo eleitora. Logo, como forma de fazer prevalecer a executividade imediata daquela
decisão judicial, urge a consolidação desta tese no sentido de se vedar a participação daquele
candidato na nova campanha eleitoral.
Sendo assim, buscando a sólida sustentação para a tese ora sob abrigo, torna-se cabível
consignar que o bom julgador deve sempre almejar as soluções que estejam em harmonia com
os ditames e ideais de justiça, mesmo que para isso deixe de atuar ou evite a forma mecânica
ou automática, típica de alguns julgadores excessivamente condicionados ao texto da lei, em
detrimento aos efeitos nocivos que decorrem de decisões contrárias ao bom senso e às
máximas do direito.
Algumas pessoas sustentam o ponto de vista contrário, de que os juízes devem tentar
melhorar a lei sempre que possível, que devem ser sempre políticos, no sentido
deplorado pela primeira resposta. Na opinião da minoria, o mau juiz é o juiz rígido e
‘mecânico’, que faz cumprir a lei pela lei, sem se preocupar com o sofrimento, a
injustiça ou a ineficiência que se seguem. O bom juiz prefere a justiça à lei.17
(Grifo nosso)
Como pode ser visto, deve-se enfocar a valoração dos ideais de justiça, amparada nos
postulados mais sólidos do direito, sempre que a decisão judicial sinalizar para uma solução
inviável e divorciada do norte presente na finalidade precípua de uma legislação, consistente
no repúdio ao perfil ilógico e insustentável de posicionamentos que privilegiam a impunidade
de atos ilícitos cometidos no direito eleitoral.
Outrossim, não se pode olvidar que a solução apregoada neste trabalho se deve muito
ao caráter excepcional assim como à peculiaridade da situação examinada, implicando em
interpretar os fatos de forma distinta do que normalmente se faz, pois o que se está em risco é
a validade e o respeito aos preceitos jurídicos fundamentais até agora expostos e analisados.
Como arremate, deve-se salientar que já existe uma perspectiva de que, retornando ao
posicionamento anterior, a jurisprudência possa seguir e consolidar a linha de entendimento
esposada neste trabalho, conforme pode se verificar na recentíssima decisão no Mandado de
Segurança nº 3413, em que a colenda Corte Superior Eleitoral adota o pensamento aqui
defendido.
6 Considerações Finais
17
DWORKIN, Ronald. O Império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes,
1999. p. 11.
9
A abordagem específica circunscreveu-se em fazer o estudo da problemática
consistente na renovação do pleito decorrente da corrupção eleitoral levada a efeito por um
candidato cujo registro ou diploma tenha sido cassado pela justiça eleitoral.
Assim, exsurge o candidato corruptor que, por ter cometido intensamente o ilícito
eleitoral acima mencionado, provoca a nulidade do pleito eleitoral, e, numa clara
demonstração de impunidade e descrédito da justiça eleitoral, a renovação das eleições se
refaz com a sua participação.
Ademais, não se pode olvidar que aos olhos da sociedade, repleto de cidadãos
esperançosos por uma lei e um Poder Judiciário eficaz e acima de tudo justo, não se admite
ou, por assim dizer, não se compreende o motivo pelo qual um candidato que tenha contra si
uma decisão judicial de que cometeu atos reprováveis e ilegais de compra de voto possa,
como se não houvesse nenhuma decisão neste sentido, concorrer a um mandato eletivo nas
novas eleições designadas em razão da nulidade da anterior, sendo que estas providências
foram decorrências diretas do seu comportamento vedado por lei, na campanha eleitoral.
Por outro lado, o caráter inconcebível da permissividade ora atacada ecoa de forma
grandiosa no meio da doutrina, pois a incongruência detectada deve ser rejeitada ou, pelo
menos equacionada, na forma como restou demonstrada pelos inúmeros autores citados neste
trabalho.
Em virtude disso é que abrigamos a tese abraçada pelos Acórdãos nºs. 19.825 e
19.878, ambos do TSE, pois a proibição ao candidato corruptor, e responsável direto pela
nulidade do prélio eleitoral, de disputar a sua renovação emerge como um remédio lógico e
em consonância com os ideais de justiça e aos preceitos acima tratados, sem deixar de
mencionar que pode significar uma tendência inicial marchando rumo a um processo de
reestruturação das leis eleitorais, as quais necessitam serem mais severas e revitalizadas.
10
7 Referências
ANGHER, Anne Joyce (Org.). Código civil. 9. ed. São Paulo: Rideel, 2003.
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso especial nº 19.825. Relator Ministro Fernando
Neves da Silva. Ivinhema-MS. 06/08/2002. p. 9. Disponível em:
<http://www.tse.gov.br/servicos/inteiroTeor/actionGetBinary.do?
tribunal=TSE&processoNumero=19825&processoClasse=RESPE&decisaoData=20020806&
decisaoNumero=19825&noCache=0.9901983716055767>. Acesso em: 14 abr. 2006.
CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. Direito eleitoral brasileiro. 3. ed. Belo
Horizonte: Delrey, 2004.
DWORKIN, Ronald. O Império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.
11