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IA
Por sem mais que humano, o espírito livre não é nem santo nem
salvador. Ele pode ser meio monstro para os espíritos cativos ou
mesmo um palhaço que faz chacota da vida apequenada do animal
de rebanho que, como gado, vai caminhando para o precipício se
para lá o levarem.
Liberdade
Dito isto pode parecer que esta é uma visão dura de um homem duro
que apenas esbocei aqui. Também não é verdade. Existe a delicadeza
do espírito livre, pois ele não é inimigo de ninguém, seja grupo ou
indivíduo. Não! Ele somente nega e guerreia com as forças reativas
que sugam do homem aquilo que para o qual ele poderia estar
destinado: exercer a afirmação dionisíaca, trágica de uma sabedoria
que lhe está arraigada em seu âmago e que a sociedade
burocratizada e instrumental apenas fê-lo esquecer. O espírito livre
não esquece que esta Filosofia Trágica é também música e dança. Foi
uma opção que ele fez: guerrear pelo que é mais importante e não
ficar somente sentado, toda noite, diante de uma TV, resmungando
em como a vida é injusta com ele. O espírito livre medita e age sobre
o que impulsiona o seu pensar e sua garganta. Ele é exatamente isto:
um humano que pensa seus pensamentos e os comunica. Mais ainda,
age por si mesmo mostrando em si uma liberdade vivida e não um
conceito democrático que, contraditoriamente, vive em uma
sociedade totalitária, e que nos submete cada vez mais.
Filosofar e pensar
ALERIA
Os mecanismos comunicativos e ideológicos da indústria cultural
tendem a ocupar o lugar do nosso pensar, dizendo-nos o que
devemos considerar importante, além de como e o que devemos
pensar. Tais discussões constituem o interesse dessa edição.
Dizia eu mais acima que existem dois caminhos para fora da Filosofia.
Por eles muita gente entrou e continua a entrar. Mas isso não afeta a
Filosofia. Antes, afeta o próprio homem! O próprio fato de pensar
sobre a existência (que fazer de minha vida? Como viver feliz? O que
é uma vida feliz? Felicidade existe? Por que existe o sofrer?) fica
comprometido. E nenhum ser humano minimamente consciente pode
escapar de pensar sobre si mesmo de vez em quando. O humano é
um ser pensante por des-natureza. Mas passar a filosofante, isto nem
sempre é possível para ele mesmo. É uma escolha. Se eu não me
perguntar, pelo menos de vez em quando, sobre meu existir, é
porque eu renunciei (ou fui levado a renunciar) a uma parte daquilo
que me faz humano: o de possuir uma mente que me permita refletir
sobre como venho levando a minha vida, e ela em relação aos outros.
A Filosofia é uma senda de interesse neste percurso. Foi sob este
ponto de vista que não pude aceitar a fala da mãe de minha ex-
aluna.
Pensando o estar-no-mundo
GALERIA
Somos humanos e nunca saberemos de tudo. Se duvida, tente...
Portanto, em nosso íntimo somos espíritos incompletos e que a
procura de saber é um sinal de incompletude. O homem é um ser
finito: não porque morre, mas porque não sabe de tudo e nunca
saberá. Passamos por situações que provocam nossa ignorância. Mas
se sou ignorante, então ´só sei que nada sei´. Esta é uma frase bem
conhecida e era um dos lemas de Sócrates, filósofo grego. Por esta
consciência de não saber muita coisa, é que, no templo de Apolo, o
conhecido Oráculo de Delfos o considerou o homem mais sábio da
Grécia.
Tudo isso parece muito bonito, mas e daí? Bom, muita gente, é claro,
prefere não dar vazão àquilo que lhe vem como sobressalto e
inquietude, embora a perceba de vez em quando. A letargia mental e
seus frutos podres advindos de um cultural de massa (produto da
indústria cultural); desinteresse numa formação educacional digna;
da falta excessiva de leitura pelo afunilamento dos interesses (ou o
inchaço de atenção em coisas fúteis) os quais não permitem fixar-se
em nada, fazem com que o homem tão-somente sobreviva em
superficialidades e trate as questões realmente importantes de sua
existência de modo semelhante: superficial e com a ´ajuda´ apenas
do seu senso-comum, locus da tranqüilidade típica de um rebanho.
Então dá para viver sem Filosofia? Claro! Todavia, devo dizer que
quando nos assaltam questões existenciais e seu sentido (e elas
sempre vêm e vão de vez em quando remoendo em nosso íntimo);
quando decisões e indecisões nos afligem; desejos e quereres os
quais refletem nossa vida potencialmente pensante, merecendo de
nós que a pensemos (assim como o pensamento torna-se também
vivo se pensamos a nossa vida), então desde sempre já estamos no
terreno filosófico. Isso se confirma quando percebemos com certa
facilidade que parte de nosso ser abre-se em um certo
desconhecimento sobre nós mesmos e sobre o mundo que nos
circunda. Até mesmo aqueles que se dedicam a depreciar a Filosofia
se vêem às voltas em construir argumentações para esse fim. Por
incrível que pareça, ao fazerem isso, também estão filosofando!! Ou
seja, pensar a Filosofia, como se estivesse de fora, é entrar ainda
mais nela. Mesmo para desqualificá-la. É o exercício do pensamento
analítico, sintético, crítico e promovedor de alternativas. Pensar é um
atributo utilizável por todos, mas pode ficar emperrado...
Para o vulgo, a vida só tem sentido se for vivida como rotina e como
a prática de seus afazeres diários. Estes, é óbvio, são todos
amparados pelo volumoso arsenal tecnológico que tornam as
existências humanas mais ´confortáveis´. Se o comum dos homens
não sabe o que fazer de sua vida, ele vai aos manuais de auto-ajuda
ou à medicina ou às ciências em geral. Elas ´respondem´ algo para
ele com toda certeza. E se há sempre o que fazer para resolver
´todos os problemas´ sob os auspícios da tecnologia, para que
pensar? Afinal, se aprendemos coisas importantes na escola (e
realmente são) e se somente elas têm serventia para o dia-a-dia, não
há razão para filosofar. ´Ninguém disse que eu tinha de pensar para
viver!! Pensar demais não me deixa viver, ou (o que dá na mesma),
se eu pensar muito, não vivo´. Parece até aquela música do Gabriel,
o Pensador, Retrato de um jovem playboy: ´Minha cabeça tá doendo!
Quem mandou eu pensar?´. A medicina diz que devo me prevenir
para não contrair nenhuma DST. Mas ela não diz como viver minha
sexualidade e que critérios devo criar para vivê-la. Filosofar já ajuda
nisso.Mas se optamos por pensar, seria então uma espécie de tarefa
ininterrupta que estou a sugerir? De modo algum! Ninguém é filósofo
todo tempo. Mas está sob nossa vontade meditar sobre a vida e o
mundo. Só não controlamos a inquietude que, de vez em quando,
nos provoca. Explico-me. O filósofo alemão Martin Heidegger, em
uma célebre conferência intitulada O que quer dizer pensar?,
tentando responder esta pergunta, diz que não sou eu que desejo
pensar, mas qualquer coisa que possa vir a me inquietar; me
provocar. Isso mostra-me o quanto não sei. É esta inquietude que me
põe na pista do saber. Aquilo que mostra minha ignorância, deixa
tenso meu pensamento. Nem a mídia, nem a tecnologia conseguem
me responder tudo o que é importante para mim. É quando percebo
que a tarefa da decisão é só minha e que sempre estou só para
decidir.
Foi nesta mesma conferência que ele afirma que os pensadores são
os filósofos. Não é nada de elitismo. E não se trata somente dos
filósofos reconhecidos como tais. Diz respeito a qualquer um que se
lance nesta tarefa do pensar. Se a Filosofia já caiu em um certo
domínio público, isto é, do leigo, do vulgo, ela pode ser empreendida
por qualquer um que se inspire neste espírito da docta ignorantia. O
que vejo é que, se ela é para todos, ela não é para qualquer um:
nem todos topam a empreitada do filosofar. Já conheci graduados e
mestrandos em Filosofia com mentes enciclopédicas sobre vários
filósofos e seus ditos. Mas eram incapazes de manter um diálogo
filosófico. Havia um apego apaixonado às próprias opiniões. Postura
estranha vinda de... filósofos.
Com certeza, a Filosofia não é se deixar levar pelo que a maioria das
pessoas pensa, tão preocupadas apenas com suas vidinhas miúdas,
fruindo de seus bens de consumo na esperança de recheá-las como
um peru de Natal. Filosofia é buscar viver bem, em sermos um pouco
mais felizes, ou menos infelizes. A via filosófica é bem outra do que
aquela que o vulgo percorre: a vida filosofante é mais lúcida, mais
racional (o que não quer dizer isenta de paixões), menos dependente
de meras opiniões e mais apoiada em razões realizem sentidos
verdadeiros.