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Elaborado em 11.2001.
1. – INTRODUÇÃO
O que podemos extrair desta lição é que em todas as épocas se buscava a globalização
através de um comportamento ativo de seus idealizadores, entretanto, nesta globalização
que vivemos, assumimos um papel passivo de recebermos quase que de forma coercitiva
os dogmas desta nova etapa civilizatória, a qual o próprio Diogo denominou como a "Era
do Conhecimento".
As conseqüências deste novo ciclo são imensas, pois o acesso indiscriminado das
pessoas às informações resulta em se formar uma consciência crítica coletiva que se
desdobra na participação e reivindicação da população por eficiência no atendimento de
suas necessidades, seja pelo poder público seja pelo privado.
Vem a tona a discussão de qual deve ser o "tamanho" do Estado e seu respectivo âmbito
de atuação. A falência do hiper-estado (Bem-estar social e o Socialista), dominante
durante todo o século vinte, fez perceber que a existência de um Poder Central por mais
forte e poderoso que seja, não atende de forma satisfatória aos anseios sociais. Como
bem advertiu Daniel Bell, o Estado se tornou grande demais para os pequenos problemas
e pequeno demais para os grandes problemas. (3)
Desta forma, a busca de um Estado "exato", ou seja, nem ‘grande’ nem ‘pequeno’ é o novo
desafio para o limiar do século que se inicia. Institutos como o da privatização e
concessão, desestatização e terceirização aparecem com força máxima em nosso
ordenamento jurídico. O surgimento de agências reguladoras, agências executivas e
organizações socias torna-se imprescindível à governabilidade do Estado. Busca-se assim
a eficiência através do aprimoramento do modelo gerencial de gestão do Estado, surgindo
o conceito da chamada Administração Pública Gerencial (ou NPM, New Public
Management) que visa a despolitização das decisões eminentemente técnicas que antes
eram tomadas pelo modelo burocrático de gestão permeado pelo capricho de políticos e
interesses de partidos.
Nos termos do art. 5º, inciso I, do decreto-lei 200/67, autarquia é "o serviço autônomo,
criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar
atividades típicas da Administração Pública, que requeiram para seu melhor
funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizado."
Na lição de Hely Lopes Meirelles, "A autarquia não age por delegação,
age por direito próprio e com autoridade pública, na medida do jus
imperii que lhe foi outorgado pela lei que a criou. Como pessoa
jurídica de direito público interno, autarquia traz íncita, para a
consecução de seus fins, uma parcela do poder estatal que ele deu
vida. Sendo um ente autônomo, não há subordinação hierárquica da
autarquia para com a entidade estatal a que pertence, porque, se isto
ocorresse, anularia seu caráter autárquico. Há mera vinculação à
entidade matriz de que, por isso, passa a exercer, um controle legal,
expresso no poder de correção finalístico do serviço autárquico".(6)
A solução encontrada foi à criação da autarquia sob regime especial, que se distingue da
autarquia comum apenas por lhe conferir a lei maiores privilégios, de modo a ampliar a sua
autonomia e possibilitar o cumprimento adequado de suas finalidades, conforme ensinou o
professor Eurico de Andrade Azevedo (8).
Insta acrescentar que a expressão autarquias de regime especial surgiu, pela primeira vez,
na Lei 5.540, de 28.11.1968, art. 4º, para indicar uma das formas institucionais das
universidades públicas. (9)
Para o exercício destas funções, escolheu o governo a forma de autarquia sob regime
especial, outorgando-lhe poderes para que, de forma austera e independente, atuasse o
exercício da regulação estatal.
número pequeno de objetivos bem definidos e não conflitantes tende a ser bem mais
eficiente que uma outra com objetivos numerosos, imprecisos e conflitantes.
O festejado autor Diogo de Figueiredo Moreira Neto (11), elenca o que chama de quatro
importantes aspectos de atuação das agências reguladoras:
1º) independência política dos gestores, investidos de mandatos e com estabilidade nos
cargos durante um termo fixo;
Esta é a nova visão da atuação do Estado na economia, que ao mesmo tempo em que
diminui sua participação direta na prestação de serviços, impõe o fortalecimento de sua
função reguladora e fiscalizadora.
Para melhor entendimento dos privilégios que gozam as autarquias especiais no exercício
de suas atividades, veremos detidamente, a seguir, cada um deles.
O Princípio da Legalidade, dogma consagrado pela Constituição vigente (art. 5º, II) e
imprescindível para a existência do Estado, determina que ninguém será obrigado a fazer
ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
José Afonso da Silva aduz de forma expressa que "a palavra Lei (art. 5º, II da CF), para a
realização plena do princípio da legalidade, se aplica, em rigor técnico, à lei formal, isto é,
ao ato legislativo emanado dos órgãos de representação popular e elaborado de
conformidade com o processo legislativo previsto na Constituição (art. 59 a 69).
Cabe então uma indagação: é possível que a própria Lei (formal) transfira do Poder
Legislativo para o Poder Executivo a competência de "legislar" (não por lei, mas por ato
normativo próprio) sobre matéria determinada? A resposta é positiva, na ocorrência do
fenômeno denominado deslegalização, tipo de delegação de competência, que será visto
detidamente em tópico próprio.
Ocorre que, embora seja o Poder Legislativo o órgão tradicionalmente competente para
elaborar leis, o Princípio da Separação dos Poderes vem sendo gradativamente mitigado,
com a ocorrência do fenômeno das delegações legislativas que têm por escopo
proporcionar a outros órgãos (Executivo e Judiciário) competência normatizadora,
objetivando atribuir "poder legislativo" ao próprio órgão que criará a norma coadunada com
a peculiaridade dos assuntos pertinentes.
Deve-se ressaltar, que a norma delegada só terá validade se houver previsão legal para
sua edição; se forem cumpridos os requisitos elencados pela lei permissora e, por fim, se
estiver de acordo com o ordenamento jurídico vigente.
Como não foi proibido genericamente a deslegalização legal será sempre possível no
ordenamento constitucional vigente desde a Constituição não a proíba expressamente.
I – ação normativa;
Por óbvio que o dispositivo transcrito se propõe a por termo aos abusos praticados pelo
regime ditatorial que vigia até a promulgação da atual Carta, mas não se propõe a por
termo a delegação legislativa, proposta por diversas vezes pela própria Constituição,
conforme supra exposto.
No caso das agências reguladoras, trata-se de uma delegação legislativa conhecida pela
doutrina e jurisprudência americana como ‘delegation with standards’, que ocorre quando o
ato emanado pelo poder legislativo fixa parâmetros (standards) adequados e satisfatórios
para se pautar a atuação do órgão delegado, ou seja é a fixação de limites à atuação do
poder delegado. (22)
Desta forma temos limitações materiais – normas de cunho técnico - e formais, dado pela
normatização de lavra sempre infralegal.
Para Marcos Juruena Villela Souto as agências reguladoras não são tão independentes
quanto deveriam, pois, sua independência, esbarra no princípio da jurisdição una.
Peço vênia para discordar do Douto Jurista, pois se é verdade que para a reforma do
Estado é necessário um órgão que haja de forma célere e eficaz na busca de uma
prestação dos Serviços Públicos, condizentes as necessidades da população, tanto quanto
é verdade que o princípio da Tripartição dos Poderes está sendo mitigado, também é
verdade que não se pode transpor Garantia Constitucional para tanto. Nesse caso os
meios não justificam os fins, até porque os meios são inconstitucionais sendo portanto
inadmissíveis. A possibilidade legal de existência de um órgão que reúna a edição, a
fiscalização e o julgamento de seus atos seria constituir legalmente um poder totalitário,
execrado pelo ordenamento constitucional vigente, através do que dispõe o princípio pétrio
da Separação dos Poderes. Como citou anteriormente o próprio Montesquieu, seria a
possibilidade da criação de um poder tirano.
Desta forma, entendo possível a agência reguladora normatizar, fiscalizar e julgar seus
próprios atos, entretanto entendo impossível retirar do Judiciário o poder de julgar
determinada causa. O que a lei visa possibilitar é uma forma mais rápida de resolver
conflitos mas não retirar de ninguém a possibilidade de discutir essa causa em juízo se
alguma das partes se sentir lesada.
Ademais, a praxe, como se sabe, é o corporativismo, por força do qual dificilmente nos
processos administrativos se conclui por erro da Administração, fatos pelos quais vejo
inafastável a garantia individual proposta pelo art. 5º XXXV; e 2º c/c art. 60 § 4º, III e IV de
nossa Carta Política.
A primeira celeuma criada foi no tocante ao custeio da regulação pelo próprio fornecedor
do bem ou serviço regulado, fato este assim criticado pelo douto Marcos Juruena Villela
Souto: "A agência, com isso, não depende de recursos orçamentários, mas, em
compensação, submete-se à crítica de ser custeada pelo sujeito fiscalizado".(27)
Traz, ainda à colação na mesma obra, o festejado jurista, parecer de Lucia Helena
Salgado, que analisa a questão nos seguintes termos:
Entendo, entretanto, que não há de se falar em submissão, pois as receitas adquiridas são
de natureza compulsória e os valores determinados por uma base de cálculo pré-
estabelecida por lei. Ademais, não se trata de uma relação comercial propriamente dita e
sim de uma ação fiscalizadora e reguladora do Estado no exercício legítimo de seus
poderes. Qualquer verba recebida a maior do valor estipulado, com objetivo outros senão
os da mantença do órgão regulador, tipificaria crime punido pelas leis penais.
Para os que entendem tratar-se de um tributo, a defesa caminha no sentido de que a taxa
fora instituída por lei cujo fato gerador é o exercício do poder de polícia definido no art.145,
II da CF e no art. 78 do Código Tributário Nacional, posto que se trata de prestação
pecuniária, compulsória, que não constitui sanção de ato ilícito, instituída por lei e cobrada
mediante atividade administrativa vinculada. E assim sendo, seria vedada tal previsão, vez
que taxa não pode ter base de cálculo típica de imposto.
Trata-se portanto de agentes políticos e não de agentes administrativos, não tendo que
estar portanto submetido às condições de "contratação" do servidor público nas formas
vistas (concurso, livre nomeação ou temporário). Submetem-se, os dirigentes das
agências reguladoras, a critérios definidos em lei, que determina a forma e as condições
de sua contratação e sua exoneração, não podendo sê-la feita senão nas hipóteses
legalmente autorizadas.
Deve ainda a lei estipular que durante o mandato ou na quarentena posterior a ele não
poder os dirigentes da agência manter qualquer vínculo com o concedente, concessionário
ou associação de usuários.(31)
O Estado no exercício do jus imperii, no decorrer do século que se finda, sempre exerceu
a função reguladora da economia em suas diversas vertentes. Entretanto, com surgimento
do Welfare State o Estado assumiu a economia, tomando para si a responsabilidade de
seu desenvolvimento, sendo esta gradativamente estatizada o que determinou o
afastamento da iniciativa privada e a proliferação de entidades estatais industriais, de
início, sob a forma autárquica e, posteriormente de paraestatais (empresas públicas,
sociedades de economia mista, fundações econômicas e subsidiárias).
Desta forma, a regulação e o controle feito pelo Estado passaram a se tornar inócuos e
sem sentido, já que não havia necessidade de uma duplicidade de controles, haja vista a
existência do controle inerente à própria atividade administrativa pública. Assim, os órgãos
estatais de controle foram desaparecendo quando não confundidos em uma mesma
entidade que ao mesmo tempo em que prestava o serviço fazia seu controle.
Com a busca de um Estado preocupado apenas com suas atividades essenciais, e por
conseqüência imbuído na vontade de desestatizar a economia passando assim, as
atividades essencialmente econômicas para o setor privado, ressurge a necessidade da
fiscalização e controle estatal dessas atividades.
No Brasil, como bem lembrou Diogo de F. M. Neto, esta evolução sofreu atraso de quase
uma década pois, a Constituição de 1988, estava destinada a ser o último modelo
instituidor de um Estado do Bem-Estar Social e, por isso, não continha nem previa
providências para a retomada do desenvolvimento dos serviços públicos no país. Como já
nasceu obsoleta, com pouco mais de três anos de existência já sofria sua primeira
Emenda. O Brasil enveredado pela contramão da história foi levado a promulgar uma carta
política ditada pelo o utopismo; pela demagogia dos populistas e progressistas; pelo
corporativismo dos grupos organizados; pelo socialismo dos que criam piamente ser
possível fazer justiça social sem liberdade econômica pelo estatismo; pelo paternalismo,
pelo assistencialismo; pelo fiscalismo dos que se despreocupavam com as conseqüências
desmotivadoras da sobrecarga tributária; e por fim da xenofobia dos que viam o país como
alvo de um imenso complô internacional (32).
Tony Posner(34) destaca que na visão dos economistas, trata-se de uma intervenção estatal
em decisões econômicas das empresas, normalmente vista como ato político de restrição
de mercados.
Por fim, de forma acertada, Marcus Juruena Villela Souto (35), define a função regulatória,
afirmando que a regulação deve ser considerada sob três aspectos, a saber, a regulação
de monopólios, em relação aos quais os devem ser minimizadas as forças de mercado
através de controles sobre os preços e a qualidade do serviço, regulação para a
competição, para viabilizar a sua existência e continuidade, e a regulação social,
assegurando prestação de serviços públicos de caráter universal e a proteção ambiental.
Sendo uma autarquia, as agências reguladoras devem ser criadas por Lei ordinária
específica, conforme exige o inciso XIX do art. 37 da Constituição Federal, e por
representar uma opção discricionária de descentralização de uma função da
Administração, a iniciativa desta lei é privativa do chefe do poder executivo pelo que
dispõe a Constituição Federal em ser art. 84, II, c/c 61, § 1º, II, alínea ‘e.
As agências reguladoras, pelo princípio da simetria, só poderão ser extintas por Lei, cujo
juízo de conveniência e oportunidade inclui-se no exercício do poder hierárquico de quem
a instituiu. Assim, a iniciativa de Lei que vise a extinção de determinada agência
obrigatoriamente terá que ser de iniciativa do chefe do Poder Executivo.
Cabe transcrever a brilhante obra de pesquisa do Prof. Mauro Roberto Gomes de Mattos
que traduz de forma concisa a trajetória deste instituto:
Como já foi dito, a criação das agências reguladoras é o resultado direto do processo de
retirada do Estado da economia. Na Alemanha, este novo conceito tem sido chamado de
"economia social de mercado".
Nos países que adotam um sistema similar ao que está sendo implantado no Brasil, ou
seja, um sistema regulador, observa-se uma oscilação no poder das agências, ora maior,
ora menor, variando de acordo com o período histórico de transição de cada nação. Várias
nações contam com agências reguladoras, e o número destas varia de acordo com cada
país. Os EUA contam com 72 agências; o Canadá com 15; a Argentina com 12; a
Dinamarca com 9; a Holanda com 7; Alemanha e Suíça com 6; China com 5 e França com
4.
O Brasil concebeu inicialmente três agências, ANP - Agência Nacional do Petróleo (lei nº
9.478/96); ANATEL - Agência Nacional de Telecomunicações (lei nº 9.472/97) e ANEEL -
Agência Nacional de Energia Elétrica (lei nº 9.427/96). Posteriormente a estas, foram
criadas a ANVS - Agência Nacional de Vigilância Sanitária (lei nº 9782/99) ; ANS - Agência
Nacional de Saúde e por fim a ANA - Agência Nacional de Águas (lei nº 9.984/2000).
Em alguns estados foram criadas agências que visam, da mesma forma que as nacionais,
regular serviços delegados. Encontram-se agências reguladoras de serviços públicos
delegados nos estados do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Bahia, Pará, Ceará,
Rio de Janeiro, Sergipe, Pernambuco e São Paulo. Além de suas funções específicas em
relação aos serviços delegados dos estados, as agências estaduais podem firmar
convênios com as agências nacionais, com escopo de realizar os serviços de regulação
nacional dentro de seu território.
Neste passo, entendo que o Estado está no caminho certo, iniciando uma nova era da
Administração Pública através de conceitos modernos e investindo em uma administração
gerencial que busca acima de tudo transparência e efetividade objetivando dar eficiência
aos serviços públicos prestados.
Notas
1.GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo, 5ª Edição. São Paulo, Saraiva, 2000. Pág.
342
6 - MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 23ª Edição, 1998. Pág. 298.
14 - Elementos de Teoria Geral do Estado – DALLARI, Dalmo de Abreu, 19ª Ed. - Saraiva,
1995.
28 – A economia política da ação antitruste. São Paulo: Singular, 1998, pp 84-86. Extraído
da ob. cit. item 28. Pág. 268.
29 – Parecer s/nº, exarado em 1/12/1998 no processo administrativo nº E-04/887.145/98,
provocado por consulta da ASEP – Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos
do Estado do Rio de Janeiro. Extraído da ob. cit. item 28. Pág. 269.
34- Tony Posner, Law and the regulators. Oxford. Claredon Press, 1997, pág. 3/7.