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Agência reguladora

Elaborado em 11.2001.

José Maria Pinheiro Madeira

professor da pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade Estácio de Sá,


professor do Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos, professor do CEPAD (Centro de
Estudos Pesquisa e Atualização em Direito), professor palestrante do IBEJ (Instituto
Brasileiro de Estudos Jurídicos)

1. – INTRODUÇÃO

As agências reguladoras surgem com o firme propósito de controlar através do


planejamento e normatização as atividades privadas na execução dos serviços de caráter
público, sendo órgão imprescindível no processo de descentralização estatal vivido pelo
Estado.

Resume de forma brilhante o ilustre administrativista Diógenes de Gasparini o surgimento


das agências reguladoras em nosso ordenamento, aduzindo o seguinte:

"Com a implementação da política que transfere para o setor particular


a execução dos serviços públicos e reserva para a Administração
Pública a regulamentação, o controle e a fiscalização da prestação
desses serviços aos usuários e a ela própria, o Governo Federal, dito
por ele mesmo, teve a necessidade de criar entidades para promover,
com eficiência, essa regulamentação, controle e fiscalização, pois não
dispunha de condições para enfrentar a atuação dessas parcerias. Tais
entidades, criadas com essa finalidade e poder, são as agências
reguladoras. São criadas por lei como autarquia de regime especial
recebendo os privilégios que a lei lhes outorga, indispensáveis ao
atingimento de seus fins. São entidades, portanto, que integram a
Administração Pública Indireta." (1)

E é neste contexto que o presente trabalho se desenvolverá, abordando temas polêmicos


e atuais que envolvam as agências reguladoras, sem a pretensão, contudo, de esgotar o
assunto que é complexo e vasto e que embeleza e engrandece o Direito Administrativo
neste momento de transições e reformas.

2.0 – CONTEXTO HISTÓRICO

As mudanças no cenário político-econômico-social do mundo levaram a interdependência


econômica dos países e influenciaram na política estatal interna de cada um deles que
vive hoje um período de transformações internas, sendo estas transformações mais ou
menos intensas dependendo do grau de desenvolvimento de cada país.
A esse fenômeno deu-se o nome de globalização que, como bem ressaltou o ilustre
mestre Diogo de Figueiredo Moreira Neto é um "fenômeno sociológico de expansão dos
horizontes de interesses das sociedades humanas". Continua, ainda, o douto jurista:

‘A globalização já foi cultural, pelo poder do exemplo, como se deu no


mundo Helênico; foi política, pelo poder da espada, como no mundo
romano; foi econômica, pelo poder das riquezas, como no mundo ibérico
dos descobrimentos e religiosa, pelo poder da fé, como no mundo
cristão.

Outros movimentos globalizantes apresentaram combinações desses


interesses, como o da expansão do Islã e o do imperialismo, sendo que
este último se desdobrou em manifestações específicas, como o inglês,
o norte-americano e, por ultimo, o soviético.

A globalização que se experimenta neste fim de século e de milênio


ultrapassa, porém, todas essas experiências, pois ela não é só mais
ampla e diversificada: é, sobretudo, mais profunda, pois é um produto
da Revolução das Comunicações e, por isso, veio para permanecer.’ (2)

O que podemos extrair desta lição é que em todas as épocas se buscava a globalização
através de um comportamento ativo de seus idealizadores, entretanto, nesta globalização
que vivemos, assumimos um papel passivo de recebermos quase que de forma coercitiva
os dogmas desta nova etapa civilizatória, a qual o próprio Diogo denominou como a "Era
do Conhecimento".

As conseqüências deste novo ciclo são imensas, pois o acesso indiscriminado das
pessoas às informações resulta em se formar uma consciência crítica coletiva que se
desdobra na participação e reivindicação da população por eficiência no atendimento de
suas necessidades, seja pelo poder público seja pelo privado.

Vem a tona a discussão de qual deve ser o "tamanho" do Estado e seu respectivo âmbito
de atuação. A falência do hiper-estado (Bem-estar social e o Socialista), dominante
durante todo o século vinte, fez perceber que a existência de um Poder Central por mais
forte e poderoso que seja, não atende de forma satisfatória aos anseios sociais. Como
bem advertiu Daniel Bell, o Estado se tornou grande demais para os pequenos problemas
e pequeno demais para os grandes problemas. (3)

Desta forma, a busca de um Estado "exato", ou seja, nem ‘grande’ nem ‘pequeno’ é o novo
desafio para o limiar do século que se inicia. Institutos como o da privatização e
concessão, desestatização e terceirização aparecem com força máxima em nosso
ordenamento jurídico. O surgimento de agências reguladoras, agências executivas e
organizações socias torna-se imprescindível à governabilidade do Estado. Busca-se assim
a eficiência através do aprimoramento do modelo gerencial de gestão do Estado, surgindo
o conceito da chamada Administração Pública Gerencial (ou NPM, New Public
Management) que visa a despolitização das decisões eminentemente técnicas que antes
eram tomadas pelo modelo burocrático de gestão permeado pelo capricho de políticos e
interesses de partidos.

O Estado torna-se menor, retirando-se do domínio de áreas conquistadas pela iniciativa


privada, embora subsistente a supervisão administrativa, em resguardo da finalidade
pública. O Poder Público tende a concentrar-se na prestação de serviços públicos
essenciais associados ao bem-estar, à educação, a cultura, a saúde e ao meio ambiente,
limitando-se a exercer a vigilância e o complemento de atividades privadas segundo
princípio da subsidiariedade. (4)

3.0 – NATUREZA JURÍDICA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

Com a política de Reforma do Estado em prática, o legislador, imbuído pelo sentimento da


despolitização da gestão estatal, buscando de forma incansável a aplicação do modelo
gerencial na Administração Pública no que tange, neste primeiro momento, aos serviços
prestados à coletividade, entendeu por bem criar agências reguladoras sob a forma de
autarquia sob regime especial, tendo como único precedente e modelo de tal regime o
Banco Central do Brasil.

Ensina Odete Meduar(5) que "O termo autarquia, que literalmente


significa ´ poder próprio´, foi o usado pela primeira vez pelo
publicista italiano Santi Romano, em 1897, para identificar a situação
de entes territoriais e institucionais do Estado unitário italiano.
Para Romano, autarquia significava administração indireta do Estado
exercida por pessoa jurídica, no interesse próprio e do Estado. Em
monografia sobre comunas, publicada em 1908, no ´Primo Trattato’, de
Orlando, Santi Romano menciona que a autarquia ´ é uma forma
específica de capacidade de direito público ou, mais concretamente, a
capacidade de administrar por si seus próprios interesses, embora
estes se refiram também ao Estado’.

No Brasil, muitas autarquias surgiram a partir do final das décadas 20


e 30. As primeiras obras doutrinárias sobre autarquias datam de meados
desta década (a de Tito Prates da Fonseca, 1935, a de Manoel de
Oliveira Franco Sobrinho, 1939)."

Nos termos do art. 5º, inciso I, do decreto-lei 200/67, autarquia é "o serviço autônomo,
criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar
atividades típicas da Administração Pública, que requeiram para seu melhor
funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizado."

Na lição de Hely Lopes Meirelles, "A autarquia não age por delegação,
age por direito próprio e com autoridade pública, na medida do jus
imperii que lhe foi outorgado pela lei que a criou. Como pessoa
jurídica de direito público interno, autarquia traz íncita, para a
consecução de seus fins, uma parcela do poder estatal que ele deu
vida. Sendo um ente autônomo, não há subordinação hierárquica da
autarquia para com a entidade estatal a que pertence, porque, se isto
ocorresse, anularia seu caráter autárquico. Há mera vinculação à
entidade matriz de que, por isso, passa a exercer, um controle legal,
expresso no poder de correção finalístico do serviço autárquico".(6)

Na mesma esteira de raciocínio entende Diógenes Gasparini, "A


Administração Pública, sempre que desejar descentralizar uma dada
atividade cuja cura lhe foi atribuída pelo ordenamento jurídico,
observado, naturalmente, o interesse público, cria, por lei, uma
pessoa pública de natureza administrativa e para ela transfere a
titularidade da atividade ou serviço e, obviamente, sua execução. A
entidade criada para esse fim é a autarquia. A ela se outorga, como
própria, a atividade, ou serviço, que se pretende ver descentralizada
e, como não podia deixar de ser, a correspondente execução. O
trespasse da atividade à autarquia significa a transferência da
titularidade e, por conseguinte, da execução que lhe corresponda.
Essa, como vimos, a desempenhará em seu próprio nome, prestando-a por
sua conta e risco, embora sob controle da administração pública que a
criou."(7)

Entretanto, no decorrer dos anos, o controle finalístico (controle de resultados) das


autarquias foi sendo substituído pelo controle dos meios de sua atuação, resultando no
engessamento de suas atividades, de tal sorte que pouco se distinguia a autarquia de um
departamento da Administração Direta. Daí a necessidade de encontrar novos caminhos
para escapar dessas restrições genéricas que, visando coibir determinados abusos,
acabarão por emperrar a entidade descentralizada.

A solução encontrada foi à criação da autarquia sob regime especial, que se distingue da
autarquia comum apenas por lhe conferir a lei maiores privilégios, de modo a ampliar a sua
autonomia e possibilitar o cumprimento adequado de suas finalidades, conforme ensinou o
professor Eurico de Andrade Azevedo (8).

Insta acrescentar que a expressão autarquias de regime especial surgiu, pela primeira vez,
na Lei 5.540, de 28.11.1968, art. 4º, para indicar uma das formas institucionais das
universidades públicas. (9)

Conclui-se assim, que a natureza jurídica da agência reguladora é a de autarquia de


regime especial, pois assim foi determinado pela lei que as instituiu. Entende-se por
autarquia de regime especial, em uma conceituação simplista e prática, nada mais do que
uma autarquia que possui maiores privilégios que as autarquias comuns, tais como possuir
ampla autonomia técnica, administrativa, financeira e orçamentária, bem como, poder
normativo que serão vistos detidamente a posteriori.
4.0 – PRIVILÉGIOS DA AUTARQUIA DE REGIME ESPECIAL

Diante desta realidade onde a autonomia e independência são premissas imprescindíveis


ao desenvolvimento da atividade reguladora, alguns privilégios devem ser firmados para
que a autarquia instituída possa atuar de forma eficaz no exercício da fiscalização pelo
Estado.

Desta forma, faz-se necessário ao exercício satisfatório da agência: I) possuir ampla


autonomia técnica, administrativa e financeira, de maneira a ficar, tanto quanto possível,
imune às injunções político-partidárias, aos entraves burocráticos e a falta de verbas
orçamentárias; II) expedir normas operacionais e de serviço, de forma a poder
acompanhar o ritmo extraordinário do desenvolvimento tecnológico e do atendimento das
demandas populares; III) aplicar sanções com rapidez, respondendo aos reclamos da
população e exigências do serviço; IV) por fim, associar a participação dos usuários ao
controle da fiscalização do serviço.

Para o exercício destas funções, escolheu o governo a forma de autarquia sob regime
especial, outorgando-lhe poderes para que, de forma austera e independente, atuasse o
exercício da regulação estatal.

Arnold Wald(10) identifica a independência que caracteriza uma agência reguladora em


quatro dimensões:

1º) independência decisória - consiste na capacidade da agência de resistir a pressões


de grupos de interesses no curto prazo. Procedimentos como o de nomeação e demissão
de dirigente, associados com a fixação de mandatos longos, escalonados e não
coincidentes com ciclo eleitoral, são arranjos que procuram isolar a direção da agência de
interferências indesejáveis, tanto por parte do Governo, quanto da indústria regulada.

2º) independência de objetivos - compreende a escolha de objetivos que não conflitem


com a busca prioritária do bem-estar do consumidor. Uma agência com um

número pequeno de objetivos bem definidos e não conflitantes tende a ser bem mais
eficiente que uma outra com objetivos numerosos, imprecisos e conflitantes.

3º) independência de instrumentos - é a capacidade da agência de escolher os


instrumentos e de regulação de modo a alcançar os objetivos da forma mais eficiente
possível.

4º) independência financeira – refere-se a disponibilidade de recursos materiais e


humanos suficiente para execução das atividades de regulação.

O festejado autor Diogo de Figueiredo Moreira Neto (11), elenca o que chama de quatro
importantes aspectos de atuação das agências reguladoras:

1º) independência política dos gestores, investidos de mandatos e com estabilidade nos
cargos durante um termo fixo;

2º) independência técnica decisional, predominando as motivações apolíticas para seus


atos, preferentemente sem recursos hierárquicos impróprios;

3º) independência normativa, necessária para o exercício de competência reguladora


dos setores de atividade de interesse público a seu cargo; e

4º) independência gerencial orçamentária e financeira ampliada, inclusive com a


atribuição legal de fonte de recursos próprios, como, por exemplo, as impropriamente
denominadas taxas de fiscalização das entidades privadas executoras de serviços
públicos sob contrato.

Esta é a nova visão da atuação do Estado na economia, que ao mesmo tempo em que
diminui sua participação direta na prestação de serviços, impõe o fortalecimento de sua
função reguladora e fiscalizadora.

Para melhor entendimento dos privilégios que gozam as autarquias especiais no exercício
de suas atividades, veremos detidamente, a seguir, cada um deles.

4.1 – INDEPENDÊNCIA NORMATIVA E SUA COMPETÊNCIA DE ATUAÇÃO

Inicialmente, faz-se necessário algumas anotações sobre os Princípios da Legalidade e da


Tripartição dos Poderes para que se possa percorrer o tema abordado de forma precisa.

O Princípio da Legalidade, dogma consagrado pela Constituição vigente (art. 5º, II) e
imprescindível para a existência do Estado, determina que ninguém será obrigado a fazer
ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

José Afonso da Silva aduz de forma expressa que "a palavra Lei (art. 5º, II da CF), para a
realização plena do princípio da legalidade, se aplica, em rigor técnico, à lei formal, isto é,
ao ato legislativo emanado dos órgãos de representação popular e elaborado de
conformidade com o processo legislativo previsto na Constituição (art. 59 a 69).

Cabe então uma indagação: é possível que a própria Lei (formal) transfira do Poder
Legislativo para o Poder Executivo a competência de "legislar" (não por lei, mas por ato
normativo próprio) sobre matéria determinada? A resposta é positiva, na ocorrência do
fenômeno denominado deslegalização, tipo de delegação de competência, que será visto
detidamente em tópico próprio.

Para Canotilho, "Lei é uma regulamentação intrinsecamente aberta estabelecida segundo


critérios jurídico-constitucionais prescritos." Estaríamos, portanto, no caso das agências
reguladoras, diante de uma forma de regulamentação prescrita pela lei e pela Constituição.
Pela Lei na forma vista acima (fenômeno da deslegalização) e, pela Constituição, no
dispositivo constitucional permissivo (art.21, XI) que acena para um órgão regulador.
Deve-se ressaltar que, para os defensores do princípio da legalidade puro e inviolável, tal
situação é concebida como uma exceção Constitucional à própria regra estabelecida pela
Constituição.

Desta forma, entendo correta a definição moderna do princípio da legalidade trazida na


lição do Constitucionalista Alexandre de Morais, na qual ensina que ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de espécie normativa
devidamente elaborada pelo Poder competente, segundo as normas do processo
legislativo constitucional, determinando a Carta Magna, desta forma, quais os órgãos
competentes e quais os procedimentos de criação das normas gerais. (12)

A Teoria da Separação dos Poderes, incorporada ao constitucionalismo através da obra de


Montesquieu (13), tem como premissa básica assegurar a liberdade dos indivíduos.
Sustenta o filósofo iluminista, que o efeito da reunião dos poderes em uma única pessoa é
a constituição de um poder tirano.

De fato, quando se pretende desconcentrar o Poder, atribuindo seu exercício a vários


órgãos, a preocupação maior é a defesa da liberdade dos indivíduos, pois maior a
concentração do Poder maior será o risco de um governo ditatorial(14).

Atualmente, desenvolvida e adaptada a novas concepções e relacionada à idéia do


controle do Estado Democrático, a Teoria da Separação dos Poderes(15) além de
determinar o sistema de freios e contrapesos entre as funções estatais, objetiva aumentar
a eficiência do Estado pela distribuição de suas atribuições entre órgãos especializados.

O sistema Constitucional vigente adotou a Tripartição dos Poderes, albergando este


princípio no art. 2º do texto constitucional, princípio este de tal relevância para o nosso
ordenamento jurídico, que foi "petrificado" pelo art. 60, § 4º, III da CF.

A divisão dos poderes, conforme foi visto, fundamenta-se em dois elementos: a


especialização funcional e a independência orgânica(16).

A atividade legisferante do Estado, originariamente exercida pelo Poder Legislativo, dentro


da concepção da tripartição, tem como objeto precípuo do Poder- Função a ele atribuído,
produzir normas para o funcionamento racional e equilibrado do Estado e o
desenvolvimento e convivência harmônica de seu povo. Pontua-se, aqui, o principio da
reserva legal, que constitui uma garantia individual em nossa Carta Política atual, e que
tem sido tradicionalmente adotado nos ordenamentos constitucionais dos Estados de
Direito.

Ocorre que, embora seja o Poder Legislativo o órgão tradicionalmente competente para
elaborar leis, o Princípio da Separação dos Poderes vem sendo gradativamente mitigado,
com a ocorrência do fenômeno das delegações legislativas que têm por escopo
proporcionar a outros órgãos (Executivo e Judiciário) competência normatizadora,
objetivando atribuir "poder legislativo" ao próprio órgão que criará a norma coadunada com
a peculiaridade dos assuntos pertinentes.

Deve-se ressaltar, que a norma delegada só terá validade se houver previsão legal para
sua edição; se forem cumpridos os requisitos elencados pela lei permissora e, por fim, se
estiver de acordo com o ordenamento jurídico vigente.

Nesta linha de raciocínio leciona Diogo de F. M. Neto, "Como, em


princípio, não se fazia necessária e nítida diferença entre as
matérias que exigem escolhas político-administrativas e as matérias
que devam prevalecer às escolhas técnicas, a competência legislativa
dos parlamentos, que tradicionalmente sempre foi privativa, na linha
do postulado da Separação dos Poderes, se exerceu, de início, integral
e indiferenciadamente sobre ambas. Somente com o tempo e o
reconhecimento da necessidade de fazer a distinção, até mesmo para
evitar que decisões técnicas ficassem cristalizadas em lei e se
tornassem rapidamente obsoletas, é que se desenvolveu a técnica das
delegações legislativas." (17)

A ocorrência de delegação de poder, inicialmente de competência privativa de outro órgão,


é praxe em nosso ordenamento jurídico, e ocorre em todas as Funções Estatais
(Executivo, Legislativo e Judiciário), enriquecendo e fortalecendo o regime democrático de
Direito vigente, pois de uma forma mitigada cumpre-se o Princípio da Separação dos
Poderes que previa a desconcentração dos poderes. O que temos hoje é a
desconcentração do poder que já era desconcentrado, permitindo uma melhor gestão do
Estado.

De fato, a independência normativa das agências reguladoras, como dito anteriormente, é


condição sine qua non para que a regulação ocorra de forma satisfatória e íntegra. Para
Diogo de F. M. Neto, (...) "essa competência normativa atribuída às agências reguladoras
é a chave de uma desejada atuação célere e flexível para a solução, em abstrato e em
concreto, de questões em que predomine a escolha técnica, distanciada e isolada das
disputas partidarizadas e dos complexos debates congressuais em que preponderam as
escolhas abstratas político-administrativas". (18)

Devemos diferenciar três tipos de delegação do poder legislativo. A delegação receptícia,


que consiste na transferência ao Poder Executivo da função de produzir normas com força
de lei, assumindo o poder Legislativo como próprio o conteúdo da norma delegada. O art.
59, IV, c/c art. 68 da Constituição Federal de 1988 trata das Leis Delegadas, tendo suas
condições formais e materiais estipuladas no art. 49, V da mesma Carta Política, podendo,
ainda, submeter-se ao controle político em caso de exorbitância dos limites da delegação,
que é o chamado veto legislativo. A delegação remissiva, outra forma de delegação,
consiste na remessa, pela lei, a uma norma subseqüente a ela que deverá ser elaborada
pela Administração, sem força de lei. Não vincula o poder delegante podendo ser
revogada a qualquer tempo, pois o Poder Legislativo não assume como próprio o conteúdo
da norma delegada. Trata-se, aqui, da regulamentação ou do poder regulamentar.(19) A
deslegalização, que será vista detidamente em tópico próprio, por tratar-se exatamente de
uma modalidade nova de delegação e por ter sido a modalidade adotada pelas agências
reguladoras.

4.1.1 - A QUESTÃO DA DESLEGALIZAÇÃO


Surgido na França, o instituto da deslegalização traz em seu bojo a possibilidade de outras
fontes normativas, estatais ou não, regular por atos próprios determinada matéria, ou seja
é a retirada do âmbito da lei propriamente dita o condão de reger determinada matéria.

De forma resumida a deslegalização modificou a postura tradicional da técnica de


delegação, no sentido de que o titular de um determinado poder não ter dele a disposição,
mas tão somente o exercício, passando-se a aceitar, como fundamento da delegação, a
retirada, pelo próprio legislador, de certas matérias, do domínio da lei (domaine de la loi)
passando-as ao domínio do regulamento (domaine de l’ordonnance).(20)

O conceito de deslegalização oferecido por Gianmario Demuro, trazida à colação pelo


mesmo Diogo, determina de forma concisa e precisa os contornos deste instituto: "é a
transferência da função normativa (sobre matérias determinadas) da sede legislativa
estatal a outra sede normativa" (21)

No Brasil, a Constituição Federal traz em vários dispositivos a possibilidade da


deslegalização, quais sejam: art.22, parágrafo único; art. 217, I e seu parágrafo 1º; art.
220, parágrafos 3º e 4º; a Emenda Constitucional nº 8 que alterou a redação do art. 21, XI;
a Emenda Constitucional nº 9 que alterou a redação dada ao art. 177 parágrafo 2º, III.

Como não foi proibido genericamente a deslegalização legal será sempre possível no
ordenamento constitucional vigente desde a Constituição não a proíba expressamente.

Deve se consignar que o art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,


determinou a revogação de todas as normas delegadoras de competência normativa, in
verbis:

"Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da


promulgação da Constituição, sujeito esse prazo a prorrogação por lei,
todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder
Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso
Nacional, especialmente no que tange a:

I – ação normativa;

II – alocação ou transferência de recursos de qualquer espécie."

Por óbvio que o dispositivo transcrito se propõe a por termo aos abusos praticados pelo
regime ditatorial que vigia até a promulgação da atual Carta, mas não se propõe a por
termo a delegação legislativa, proposta por diversas vezes pela própria Constituição,
conforme supra exposto.

No caso das agências reguladoras, trata-se de uma delegação legislativa conhecida pela
doutrina e jurisprudência americana como ‘delegation with standards’, que ocorre quando o
ato emanado pelo poder legislativo fixa parâmetros (standards) adequados e satisfatórios
para se pautar a atuação do órgão delegado, ou seja é a fixação de limites à atuação do
poder delegado. (22)

Para o Procurador do Estado do Rio de Janeiro, Luís Roberto Barroso(23)


(...)"a doutrina brasileira passou a encarar com certa atenuação a
questão das delegações legislativas, para admiti-las, com reservas,
sempre que o legislador oferecesse standards adequados, isto é, quando
houvesse início de legislação apta a confirmar dentro em limites
determinados a normatização secundária do órgão delegado.
Inversamente, quando o órgão legislativo abdicasse de seu dever de
legislar, transferindo a outros a responsabilidade pela definição das
alternativas políticas e diretrizes a seguir, a invalidade seria
patente".

(...) "Cumpre remarcar, nesse passo, que o poder regulamentar, em


sentido rigorosamente técnico, é privativo do Presidente da República,
nos termos da letra expressa do inciso IV do art. 84 da Constituição
Federal. De sorte que, a rigor, não deve utilizar a expressão quando
se trate de atribuição desempenhada por órgão qualquer do Poder
Executivo ou por entidade da Administração Direta. Tais órgãos e
entidades, é certo, titularizam, em certos casos, competências para
expedir atos administrativos normativos – gênero do qual regulamento é
espécie. Mas, por evidente, não desfutram, no particular, de franquias
mais amplas do que as que pode desfrutar o Chefe do Poder Executivo."

De fato o ato normativo é gênero do qual regulamento é espécie, entretanto, em virtude do


exposto pelo Dr. Barroso sobre a nomenclatura errônea – Poder Regulamentar – entendo,
que não de trata de Poder Regulamentar e sim de Poder Regulador (buscando aqui uma
nomenclatura diferenciada), pois cria, dentro de padrões pré-fixados (standards) pela lei
originária da agência reguladora, uma normatização que "inova no ordenamento" visto que
não visa explicitar a lei ou lhe dar executabililidade como deve fazer o regulamento
propriamente dito, mas sim direcionar a execução dos serviços públicos prestados ou
resolver conflitos através da norma infra legal advinda da necessidade setorial concreta e
inédita.

Exemplos de deslegalizações Legais, visto que os exemplos supracitados são de


deslegalizações constitucionais, são os casos da Lei 9427/96 que instituiu a Agência
Nacional de Energia Elétrica – ANELL, onde possibilita a agência de regular, entre outras,
a produção, transmissão e comercialização de energia elétrica. (art. 2º) (24)

Essa é a espécie de delegação que as agências reguladoras deverão possuir. A lei


determina seu âmbito de atuação e os atos normativos produzidos pelas agências regerão
o mercado de atuação específica de cada agência. A celeridade das decisões é
imprescindível para a gestão eficaz do negócio e essas normas direcionaram rapidamente
o rumo a ser tomado sem a morosidade que impera no poder legislativo seja pela desídia
de seus parlamentares, seja pelo devido processo legal, normalmente longo e lento.

Insta acrescentar que não há de se falar em riscos de injustiças neste processo de


deslegalização pois as empresas reguladas não são hipossuficientes juridicamente para
sofrerem alguma lesão irreversível visto que a Constituição Federal disponibiliza a
qualquer tempo a ida ao Poder Judiciário para proteger qualquer lesão ou ameaça a direito
(art.5º, XXXV).

4.1.2 – LIMITES AO PODER NORMATIVO

O objetivo da delegação de poder normativo às agências reguladoras tem como causa


única e exclusiva, dar a possibilidade de se editar de forma rápida normas de cunho
exclusivamente técnico. A discricionariedade técnica é o fundamento de validade das
normas reguladoras baixadas pelas agências.

Ultrapassar os limites técnicos ao acrescentar as normas reguladoras critérios políticos-


administrativos onde não deviam existir, caracterizará invasão de poder próprio à esfera
das decisões do poder legislativo. Deve-se atentar, portanto, que a discricionariedade
técnica existe apenas quando a decisão que nela se fundar poder ser motivada também
tecnicamente. Esta é, quiçá, a limitação mais importante, pois afasta, ao mesmo tempo, o
arbítrio, o erro, a impostura e a irrazoabilidade. (25)

Desta forma temos limitações materiais – normas de cunho técnico - e formais, dado pela
normatização de lavra sempre infralegal.

4.2 – INDEPENDÊNCIA DECISÓRIA

Para Marcos Juruena Villela Souto as agências reguladoras não são tão independentes
quanto deveriam, pois, sua independência, esbarra no princípio da jurisdição una.

Para ele "a citada independência dos órgãos reguladores é relativa,


posto que vigora o ‘ princípio da jurisdição una, o que implica em
dizer que nenhuma lesão ou ameaça de lesão escapará à apreciação do
Poder Judiciário. Essa submissão das decisões das agências reguladoras
ao magistrado diminui-lhes a força e a eficácia de agilizar o
procedimento, solucioná-los através da intervenção de técnicos
habilitados e reduzir os custos do contencioso. O ideal é introduzir a
limitação da lei nº 9307 (que regula arbitragem), somente admitindo o
questionamento jurisdicional se houver vícios formais na decisão,
respeitadas as situações em que há direitos indisponíveis do estado".
(26)

Peço vênia para discordar do Douto Jurista, pois se é verdade que para a reforma do
Estado é necessário um órgão que haja de forma célere e eficaz na busca de uma
prestação dos Serviços Públicos, condizentes as necessidades da população, tanto quanto
é verdade que o princípio da Tripartição dos Poderes está sendo mitigado, também é
verdade que não se pode transpor Garantia Constitucional para tanto. Nesse caso os
meios não justificam os fins, até porque os meios são inconstitucionais sendo portanto
inadmissíveis. A possibilidade legal de existência de um órgão que reúna a edição, a
fiscalização e o julgamento de seus atos seria constituir legalmente um poder totalitário,
execrado pelo ordenamento constitucional vigente, através do que dispõe o princípio pétrio
da Separação dos Poderes. Como citou anteriormente o próprio Montesquieu, seria a
possibilidade da criação de um poder tirano.

Desta forma, entendo possível a agência reguladora normatizar, fiscalizar e julgar seus
próprios atos, entretanto entendo impossível retirar do Judiciário o poder de julgar
determinada causa. O que a lei visa possibilitar é uma forma mais rápida de resolver
conflitos mas não retirar de ninguém a possibilidade de discutir essa causa em juízo se
alguma das partes se sentir lesada.

Se a regulação no que tange a resolução de conflitos for eficiente, havendo concessões


mútuas com objetivo de um fim comum, qual seja, a melhor prestação do serviço, não há
porque se preocupar com a ida ao Judiciário, pois as partes não o procurarão. Contudo, se
a mediação não for feita de forma adequada, a busca do Judiciário é imperativa. Assim, se
houver uma boa atuação das agências reguladoras na resolução de conflitos e na edição
de normas, o judiciário não assusta, entretanto, se essa atuação não se der de forma
eficaz e adequada o Judiciário é imprescindível para a manutenção do Estado de Direito.

Ademais, a praxe, como se sabe, é o corporativismo, por força do qual dificilmente nos
processos administrativos se conclui por erro da Administração, fatos pelos quais vejo
inafastável a garantia individual proposta pelo art. 5º XXXV; e 2º c/c art. 60 § 4º, III e IV de
nossa Carta Política.

4.3 – AUTONOMIA ECONÔMICA-FINANCEIRA

A fim de impedir a submissão das agências reguladoras a qualquer tipo de condição,


garantindo-lhe a autonomia exigida para seu funcionamento de acordo com o modelo
fixado, estabeleceu-se uma forma de aquisição de receita sem que os recursos transitem
pelo erário. Instituiu-se, para tanto, a "taxa de regulação" ou "taxa de fiscalização dos
serviços concedidos ou permitidos", que é devida pelo concessionário ou permissionário
dos serviços e pagas diretamente às agências reguladoras. Calcula-se o valor da taxa com
base em percentual sobre o proveito obtido com a concessão ou permissão.

A primeira celeuma criada foi no tocante ao custeio da regulação pelo próprio fornecedor
do bem ou serviço regulado, fato este assim criticado pelo douto Marcos Juruena Villela
Souto: "A agência, com isso, não depende de recursos orçamentários, mas, em
compensação, submete-se à crítica de ser custeada pelo sujeito fiscalizado".(27)

Traz, ainda à colação na mesma obra, o festejado jurista, parecer de Lucia Helena
Salgado, que analisa a questão nos seguintes termos:

"O argumento inicial é no sentido de que regulação seria ´adquirida´


pela indústria e desenhada e operada primariamente para seu benefício
(Stigler), ao que se contrapõe a inteligência de que nenhum interesse
econômico captura de forma exclusiva o corpo regulatório. Ele deriva
um equilíbrio em que o político maximizador de utilidade aloca
benefícios entre grupos otimamente. Assim, dado que consumidores podem
oferecer votos ou dinheiro em troca de algum afastamento do equilíbrio
de cartel, a proteção pura do produtor não será, em geral, a
estratégia política dominante (Peltzman)". (28)

Entendo, entretanto, que não há de se falar em submissão, pois as receitas adquiridas são
de natureza compulsória e os valores determinados por uma base de cálculo pré-
estabelecida por lei. Ademais, não se trata de uma relação comercial propriamente dita e
sim de uma ação fiscalizadora e reguladora do Estado no exercício legítimo de seus
poderes. Qualquer verba recebida a maior do valor estipulado, com objetivo outros senão
os da mantença do órgão regulador, tipificaria crime punido pelas leis penais.

O segundo ponto controverso da questão é no que tange à natureza jurídica da taxa de


regulação devida. Parte da doutrina entende que se trata de um tributo e a outra parte
entende que a referida taxa tem natureza contratual.

Para os que entendem tratar-se de um tributo, a defesa caminha no sentido de que a taxa
fora instituída por lei cujo fato gerador é o exercício do poder de polícia definido no art.145,
II da CF e no art. 78 do Código Tributário Nacional, posto que se trata de prestação
pecuniária, compulsória, que não constitui sanção de ato ilícito, instituída por lei e cobrada
mediante atividade administrativa vinculada. E assim sendo, seria vedada tal previsão, vez
que taxa não pode ter base de cálculo típica de imposto.

Diferente, contudo, é o entendimento da ilustre procuradora do estado do Rio de Janeiro


Vera Lucia Kirdeik (29), que em parecer trazido a lume na obra de Marcos Juruena (30),
esclarece que "a referida ´taxa´ tem natureza contratual, não sendo cobrada em função de
um serviço público prestado pelo Estado às concessionárias nem, tampouco, pelo
exercício do poder de polícia, caracterizado este, valendo-se da eleição de Celso Antônio
Bandeira de Mello, pelas manifestações impositivas da Administração limitadoras da
liberdade, distinguindo-se de outras manifestações impositivas da Administração porque ´
originam-se de um título jurídico especial relacionador da Administração´. Visa, pois,
remunerar os serviços de fiscalização do cumprimento das normas contratuais ou legais
pertinentes. E o faz amparada na lição sempre atualizada de Hely Lopes Meirelles, que
expõe:

"É comum ainda nos contratos de concessão de serviços públicos a


fixação de um preço, devido pelo concessionário ao concedente a título
de remuneração dos serviços de supervisão, fiscalização e controle de
execução do ajuste a cargo deste último.".

Dever-se ressaltar que a aplicação prática de tal discussão se faz no sentido de


transfigurar como inconstitucional a taxa de regulação sendo esta concebida como tributo,
visto que por vedação constitucional a taxa não pode ter base de cálculo própria de
imposto.(art. 145 § 2º da Constituição da República).

Ocorre que o STF vem sistematicamente se posicionando no sentido de entender legitima


a cobrança da taxa, o que faz esta discussão se limitar ao campo meramente doutrinário,
conforme publicado em seus informativos abaixo transcritos:

"INFORMATIVO do STF Nº 119 - TAXA E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA.

Iniciado julgamento de recurso extraordinário afetado ao plenário pela


segunda turma (ver informativo 112) em que se discute a
constitucionalidade de taxa de fiscalização dos mercados de títulos e
valores mobiliários, instituídos pela lei nº 7.940/89. O ministro
Carlos Velloso, relator, proferiu voto no sentido da
constitucionalidade da referida lei, afastando a tese da empresa
recorrente na qual sustenta que a variação do valor da taxa em função
do patrimônio líquido contribuinte equivaleria à adoção desse
patrimônio como base de cálculo do tributo, descaracterizando a
natureza contraprestacional da taxa. Salientou, ainda, que a tabela
prevista na lei questionada - que é apenas uma referência sobre o
valor fixo, não estabelecendo para agressividade de alíquotas -
observa o princípio da capacidade contributiva, que também pode ser
aplicado às taxas (CF, art. 145, § 1º: ´ sempre que possível, os
impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade
econômica do contribuinte, facultado à administração tributária,
especialmente para conferir efetividade esses objetivos, identificar,
respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio,
os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte´.). Após os
votos do ministro Nelson Jobim, Maurício Corrêa e Ilmar Galvão,
acompanhando o voto do ministro Carlos Velloso, o julgamento foi
adiado em virtude do pedido de vista do ministro Marco Aurélio. RE
182.737-PE, rel. Min. Carlos Velloso, 20.08.98."

"INFORMATIVO do STF Nº 146 - TAXA DE FISCALIZAÇÃO: CVM.

Concluído o julgamento de recursos extraordinários em que se discute a


constitucionalidade da taxa de fiscalização do mercado de títulos e
valores mobiliários, instituídos pela lei nº 7.940/89 (ver
informativos 82,112 e 119). O tribunal, por maioria, mantendo as
decisões recorridas, entendeu constitucional a referida taxa.
Considerou-se: 1) que o fato de a taxa variar em função do patrimônio
líquido da empresa não significa que se patrimônio líquido constituam
sua base de cálculo - serve, apenas, de elemento informativo num
montante a ser pago, quando da aplicação da tabela prevista na lei; 2)
que o critério adotado para a cobrança da taxa observo princípio da
capacidade contributiva, que também pode ser aplicado essa espécie de
tributo, principalmente quando se tem como fato gerador o poder de
polícia. (CF, art. 145, § 1º: ´ sempre que possível, os impostos terão
caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do
contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para
conferir efetividade esses objetivos, identificar, respeitados os
direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos
e as atividades econômicas do contribuinte´.). Vencido o Min. Marco
Aurélio, que declarava a inconstitucionalidade da referida lei. RE
177.835-PE; 179.177-PE; 182.737-PE; 202.533-DF e 203.981-PE, rel. Min.
Carlos Velloso, 22.04.99."

"INFORMATIVO do STF Nº 137 - TAXA E CRITÉRIOS DE INCIDÊNCIA

Indeferida medida liminar em ação direta ajuizada pela Confederação


Nacional do Transporte - CNT, contra a Taxa de Fiscalização e Controle
dos Serviços Públicos Delegados, instituída pelo Estado do Rio Grande
do Sul (Lei estadual 11.073/97, regulamentada pelo Decreto 39.228/98),
cujo valor, a ser pago pelos Delegatários dos Serviços Públicos
prestados no referido Estado, é definido de acordo com o faturamento
do contribuinte, conforme tabela de incidência progressiva. À primeira
vista, o Tribunal, por maioria de votos, afastou a alegação de ofensa
ao art. 145, § 2º, da CF ("As taxas não poderão ter base de cálculo
própria de impostos."), uma vez que o referido tributo não incide
sobre o faturamento das empresas contribuintes, mas apenas utiliza-o
como critério para a incidência de taxas fixas. Vencido o Min. Néri da
Silveira, relator, que, considerando relevante a tese de
inconstitucionalidade sustentada pela autora da ação - no sentido de
que a variação do valor da taxa em função do faturamento do
contribuinte equivaleria à adoção desse faturamento como base de
cálculo do tributo, descaracterizando sua natureza jurídica,
transformando-a em imposto – deferia o pedido de medida liminar.
ADInMC 1.948-RS, rel. Min. Néri da Silveira, 4.2.99."

4.4 – INDEPENDÊNCIA ADMINISTRATIVA DOS GESTORES

As leis instituidoras das agências reguladoras estabeleceram um processo peculiar de


nomeação de seus dirigentes, não sendo através de concurso público, provimentos de
cargos de confiança através da livre nomeação ou contratação excepcional de mão-de-
obra temporária.

A diretoria é composta através da escolha dos dirigentes (pessoas de reputação ilibada e


notório saber do setor regulado) pelo Chefe do Poder Executivo, passando em seguida
pela aprovação do Poder Legislativo, conhecido como sabatina do Congresso.

Trata-se portanto de agentes políticos e não de agentes administrativos, não tendo que
estar portanto submetido às condições de "contratação" do servidor público nas formas
vistas (concurso, livre nomeação ou temporário). Submetem-se, os dirigentes das
agências reguladoras, a critérios definidos em lei, que determina a forma e as condições
de sua contratação e sua exoneração, não podendo sê-la feita senão nas hipóteses
legalmente autorizadas.
Deve ainda a lei estipular que durante o mandato ou na quarentena posterior a ele não
poder os dirigentes da agência manter qualquer vínculo com o concedente, concessionário
ou associação de usuários.(31)

Estas e outras medidas legais têm o intuito de desvincular da atividade reguladora


qualquer interesse que não seja o interesse Público, objetivando um direcionamento eficaz
na prestação do serviço para que atenda assim os anseios da população.

5.0 – FUNÇÃO REGULADORA

O Estado no exercício do jus imperii, no decorrer do século que se finda, sempre exerceu
a função reguladora da economia em suas diversas vertentes. Entretanto, com surgimento
do Welfare State o Estado assumiu a economia, tomando para si a responsabilidade de
seu desenvolvimento, sendo esta gradativamente estatizada o que determinou o
afastamento da iniciativa privada e a proliferação de entidades estatais industriais, de
início, sob a forma autárquica e, posteriormente de paraestatais (empresas públicas,
sociedades de economia mista, fundações econômicas e subsidiárias).

Desta forma, a regulação e o controle feito pelo Estado passaram a se tornar inócuos e
sem sentido, já que não havia necessidade de uma duplicidade de controles, haja vista a
existência do controle inerente à própria atividade administrativa pública. Assim, os órgãos
estatais de controle foram desaparecendo quando não confundidos em uma mesma
entidade que ao mesmo tempo em que prestava o serviço fazia seu controle.

Com a busca de um Estado preocupado apenas com suas atividades essenciais, e por
conseqüência imbuído na vontade de desestatizar a economia passando assim, as
atividades essencialmente econômicas para o setor privado, ressurge a necessidade da
fiscalização e controle estatal dessas atividades.

No Brasil, como bem lembrou Diogo de F. M. Neto, esta evolução sofreu atraso de quase
uma década pois, a Constituição de 1988, estava destinada a ser o último modelo
instituidor de um Estado do Bem-Estar Social e, por isso, não continha nem previa
providências para a retomada do desenvolvimento dos serviços públicos no país. Como já
nasceu obsoleta, com pouco mais de três anos de existência já sofria sua primeira
Emenda. O Brasil enveredado pela contramão da história foi levado a promulgar uma carta
política ditada pelo o utopismo; pela demagogia dos populistas e progressistas; pelo
corporativismo dos grupos organizados; pelo socialismo dos que criam piamente ser
possível fazer justiça social sem liberdade econômica pelo estatismo; pelo paternalismo,
pelo assistencialismo; pelo fiscalismo dos que se despreocupavam com as conseqüências
desmotivadoras da sobrecarga tributária; e por fim da xenofobia dos que viam o país como
alvo de um imenso complô internacional (32).

Contudo, o Estado de forma hercúlea conseguiu superar os percalços e obstáculos


impostos e iniciar seu processo de modernização tendo como passo marcante à criação
das agências reguladoras.
Segundo Vital Moreira(33), podemos vislumbrar três concepções de regulação: (a) em
sentido amplo, é toda a forma de intervenção do estado na economia, independente dos
seus instrumentos de fins; (b) num sentido menos abrangente, é a intervenção estadual na
economia por outras formas que não a participação direta na atividade econômica,
equivalendo, portanto, ao condicionamento, coordenação e disciplina da atividade
econômica privada; (c) num sentido restrito, é somente o condicionamento normativo da
atividade econômica privada (por via de lei outro instrumento normativo).

Tony Posner(34) destaca que na visão dos economistas, trata-se de uma intervenção estatal
em decisões econômicas das empresas, normalmente vista como ato político de restrição
de mercados.

Por fim, de forma acertada, Marcus Juruena Villela Souto (35), define a função regulatória,
afirmando que a regulação deve ser considerada sob três aspectos, a saber, a regulação
de monopólios, em relação aos quais os devem ser minimizadas as forças de mercado
através de controles sobre os preços e a qualidade do serviço, regulação para a
competição, para viabilizar a sua existência e continuidade, e a regulação social,
assegurando prestação de serviços públicos de caráter universal e a proteção ambiental.

6.0 - CRIAÇÃO E EXTINÇÃO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

Sendo uma autarquia, as agências reguladoras devem ser criadas por Lei ordinária
específica, conforme exige o inciso XIX do art. 37 da Constituição Federal, e por
representar uma opção discricionária de descentralização de uma função da
Administração, a iniciativa desta lei é privativa do chefe do poder executivo pelo que
dispõe a Constituição Federal em ser art. 84, II, c/c 61, § 1º, II, alínea ‘e.

As agências reguladoras, pelo princípio da simetria, só poderão ser extintas por Lei, cujo
juízo de conveniência e oportunidade inclui-se no exercício do poder hierárquico de quem
a instituiu. Assim, a iniciativa de Lei que vise a extinção de determinada agência
obrigatoriamente terá que ser de iniciativa do chefe do Poder Executivo.

7.0 – EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL (DIREITO COMPARADO)

O termo agências reguladoras advém da tradução direta da expressão regulatory agencies


(ou regulatory commissions), surgida na Inglaterra em 1834 e nos Estados Unidos em
1887 com a criação da Interstate Commerce Commission. (36)

Cabe transcrever a brilhante obra de pesquisa do Prof. Mauro Roberto Gomes de Mattos
que traduz de forma concisa a trajetória deste instituto:

"No direito norte-americano o vocábulo agência tem sentido amplo, e


segundo a lei de procedimentos administrativos (Admistrative Procedure
ACT), abrange qualquer autoridade do governo dos EUA, esteja ou não
sujeita ao controle de outra agência, com exclusão do Congresso e dos
Tribunais".

É uma passagem sumária, as agências administrativas são divididas em


reguladoras - regulatory agency - e não reguladoras - non regulatory
agency. As agências reguladoras são as que exercem, por delegação do
Congresso, poderes normativos e decisão que afetam os administrados
com que se relacionam, condicionando seus direitos, liberdades ou
atividades econômicas, resolvendo conflitos entre a própria
administração e os mesmos cidadãos.(...).

O fenômeno das agências marcou a transformação dos serviços públicos,


que deixaram de ser prestadas diretamente pelo Estado, passando para
os particulares tal tarefa. Este novo quadro significa que os modelos
anglo-saxão e norte-americano não seguiram o tradicional modelo
francês adotado pela Europa continental e pelo nosso país, pois o
Estado fica com a incumbência de regular serviços prestados pelo ente
de direito privado. Nessa moldura, Héctor A. Mairal destaca que a
Argentina imitou modelo norte-americano". (37)

Como já foi dito, a criação das agências reguladoras é o resultado direto do processo de
retirada do Estado da economia. Na Alemanha, este novo conceito tem sido chamado de
"economia social de mercado".

Nos países que adotam um sistema similar ao que está sendo implantado no Brasil, ou
seja, um sistema regulador, observa-se uma oscilação no poder das agências, ora maior,
ora menor, variando de acordo com o período histórico de transição de cada nação. Várias
nações contam com agências reguladoras, e o número destas varia de acordo com cada
país. Os EUA contam com 72 agências; o Canadá com 15; a Argentina com 12; a
Dinamarca com 9; a Holanda com 7; Alemanha e Suíça com 6; China com 5 e França com
4.

O Brasil concebeu inicialmente três agências, ANP - Agência Nacional do Petróleo (lei nº
9.478/96); ANATEL - Agência Nacional de Telecomunicações (lei nº 9.472/97) e ANEEL -
Agência Nacional de Energia Elétrica (lei nº 9.427/96). Posteriormente a estas, foram
criadas a ANVS - Agência Nacional de Vigilância Sanitária (lei nº 9782/99) ; ANS - Agência
Nacional de Saúde e por fim a ANA - Agência Nacional de Águas (lei nº 9.984/2000).

Em alguns estados foram criadas agências que visam, da mesma forma que as nacionais,
regular serviços delegados. Encontram-se agências reguladoras de serviços públicos
delegados nos estados do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Bahia, Pará, Ceará,
Rio de Janeiro, Sergipe, Pernambuco e São Paulo. Além de suas funções específicas em
relação aos serviços delegados dos estados, as agências estaduais podem firmar
convênios com as agências nacionais, com escopo de realizar os serviços de regulação
nacional dentro de seu território.

O Estado ao perceber que seu modelo burocrático de funcionamento emperrava o novo


processo de desenvolvimento vivido, impossibilitando a sua gestão e afetando sua
governabilidade, tanto no tocante a prestação de serviços quanto à própria forma de
administração estatal, resolveu pôr fim ao chamado "Welfare State" iniciando a política de
um Estado voltado apenas para as suas funções essenciais, concedendo a exploração dos
serviços públicos não essenciais ao particular.

Para a gestão do serviço público concedido criamos então as agências reguladoras,


instituto europeu que se desenvolveu com força total nos Estados Unidos que atuam
controlando e regulando o exercício da prestação de serviço público por empresa privada.
Este órgão, desburocratizado e profundo conhecedor das novas técnicas do mercado
regulado, surge sob o regime de autarquia especial, possuindo privilégios em relação às
autarquias comuns como autonomia técnica, financeira, administrativa e normativa, o que
o desvincula da burocracia e politicagem da administração estatal.

Neste passo, entendo que o Estado está no caminho certo, iniciando uma nova era da
Administração Pública através de conceitos modernos e investindo em uma administração
gerencial que busca acima de tudo transparência e efetividade objetivando dar eficiência
aos serviços públicos prestados.

Notas

1.GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo, 5ª Edição. São Paulo, Saraiva, 2000. Pág.
342

2 - MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo Globalização, Regionalização, Reforma do


Estado e da Constituição, Rio de Janeiro, Revista de Direito Administrativo nº 211: jan.
/mar.1998. Pág. 1.

3 - Ob. Cit. Item 2 – pág. 2.

4 - TÁCITO, Caio. A Reforma do Estado e a Modernidade Administrativa, Rio de Janeiro,


Revista de Direito Administrativo nº 215: jan. /mar.1999. Pág. 2.

5 - MEDUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno, 4ª Edição revista, ampliada e


atualizada. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000. Pág. 77.

6 - MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 23ª Edição, 1998. Pág. 298.

7 – Ob. Cit. Item 1, pág. 271/272.

8 - AZEVEDO, Eurico de Andrade. Agências Reguladoras. Rio de Janeiro, Revista de


Direito Administrativo nº 213: jul. /set.1998. Pág. 143.

9 – Ob. Cit. Item 5, pág. 81.

10 - WALD, Warnold e MORAES, Luiza Rangel de. Agências Reguladoras. Brasília,


Revista de Informações Legislativas jan. / mar. 1999.
11 - MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo, Rio de
Janeiro; Renovar, 2000. Pág. 148.

12 - MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 6ª edição revista, ampliada e


atualizada com a EC Nº 22/99. São Paulo, Atlas, 1999. Pág. 487.

13 - Espírito das Leis – Montesquieu, Livro XI, cap. VI.

14 - Elementos de Teoria Geral do Estado – DALLARI, Dalmo de Abreu, 19ª Ed. - Saraiva,
1995.

15 - Embora seja clássica a expressão Separação de Poderes, é pacífico que o poder do


Estado é uno e indivisível. O que existe de fato é a Separação de Funções estatais, quais
sejam: Função Executiva, Legislativa e Judiciária.

16 - Independência Orgânica significa que além da especialização funcional, cada órgão


deve ser efetivamente independente, postulando sem qualquer meio de subordinação.

17 – Ob. Cit. Item 11. Pág. 162.

18 – Ob. Cit. Item 11. Pág. 162.

19 - Ob. Cit. Item 11. Pág. 165.

20 - MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Natureza Jurídica, Competência Normativa e


Limites de Atuação, Rio de Janeiro, Revista de Direito Administrativo nº 215: jan.
/mar.1999. Pág. 77.

21 – Ob. Cit. item 20. Pág. 78.

22 - BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro, Renovar,


2001. Pág. 173.

23 – Ob. Cit. item 22. Pág. 173. Pág. 182.

24 - Ob. Cit. Item 11. Pág. 172.

25 - Ob. Cit. item 20. Pág. 81/82

26 - Marcos Juruena Villela. Agências Reguladoras. Rio de Janeiro, Revista de Direito


Administrativo nº 216: abr. / jun. 1999. Pág. 132.

27 - SOUTO, Marcos Juruena Villela. Desestatização, Privatização, Concessões e


Terceirizações, 3ª Edição Atualizada. Rio de Janeiro; Lumen Juris, 2000. Pág. 268.

28 – A economia política da ação antitruste. São Paulo: Singular, 1998, pp 84-86. Extraído
da ob. cit. item 28. Pág. 268.
29 – Parecer s/nº, exarado em 1/12/1998 no processo administrativo nº E-04/887.145/98,
provocado por consulta da ASEP – Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos
do Estado do Rio de Janeiro. Extraído da ob. cit. item 28. Pág. 269.

30 – Ob. cit. item 28. Pág. 269.

31 – Ob. cit. Item 27. Pág. 140.

32- Ob. cit. 2. Pág. 149/150.

33- Vital Moreira, Auto-Regulação profissional e a Administração Pública. Coimbra.


Almedina, 1997. Pág. 3/7.

34- Tony Posner, Law and the regulators. Oxford. Claredon Press, 1997, pág. 3/7.

35- Ob. cit. Item 28. Pág. 249.

36 – Ob. cit. Item 5. Pág. 87

37 - MATTOS, Mauro Roberto Gomes. Agências Reguladoras e Suas Características. Rio


de Janeiro, Revista de Direito Administrativo nº 218: out. /dez.1999. Pág. 87.

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