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É tarde, não muito depois das três da tarde, como mostraria o relógio

que pende da parede, se alguém fizesse o esforço de checar as horas. O


horário é perceptível, porém, devido ao sol que bate leve na área descoberta
do Café L’Amour.

Alheio a isso, um jovem rapaz observa, entediado, a paisagem que Paris


fornecia aos seus olhares turistas. Não está no ânimo para contemplar as
belezas do horizonte parisiense, entretanto, mais ocupado divagando em seus
próprios pensamentos.

Olha para baixo, aonde repousa o braço direito. É uma mesa bonita, não
muito enfeitada e perfeitamente circular, fixa ao chão da área exterior do Café.
Um cardápio azul repousa na extremidade oposta a qual o rapaz está sentado,
mas ele não se dá ao trabalho de ir buscá-lo. Já sabe o que quer, e está
esperando apenas algum atendente se aproximar para que ele possa
casualmente pedir um pequeno café amargo.

Ninguém vem. Cansativo.

Apoia-se na mesa com o cotovelo esquerdo, colocando a mão no queixo


como quem não quer nada naquele lugar. Sem falar nada, observa o resto do
exterior – e uma pitada da parte de dentro – procurando alguém por perto que
valha a pena assistir enquanto aguarda um atendimento.

Um casal a umas três mesas de distância capta a sua atenção. Brinca


com os próprios cabelos – castanhos como o chocolate e não muito longos –
com os dedos enquanto observa, entretido.

Estão ambos debruçados sobre a mesa, encarando um ao outro em um


olhar ardente, apaixonado e ininterrupto. As mãos do homem repousam sobre
as da mulher, acariciando as costas das mãos com o polegar. Ambos sorriem.
Estão apaixonados, talvez no começo de seu relacionamento – não era do
feitio do rapaz saber definir isso – e só estão aproveitando um momento de
paixão, presumivelmente sozinhos, dividindo o que um sente pelo outro.

O rapaz já havia tido um momento desses com alguém? Acha que não,
seus relacionamentos nunca haviam sido fluídos daquela maneira, com apenas
os dois e uma paixão ardente movendo o relacionamento para frente. Sempre
havia algo a mais.

Um bocado de violência.

Absorto neste pensamento, mal percebe quando o casal deixa de


apenas encararem um ao outro para se enroscarem em um beijo. Talvez não
muito discreto para aquele tipo de ambiente aberto, era um beijo longo e
íntimo. Todas as emoções que ambos dividiam agora escorriam pela saliva que
trocavam, as línguas em contato e as mãos se entrelaçando em um aperto
gentil.

Sentindo-se ligeiramente desconfortável por presenciar um momento


que outrora seria tão íntimo, o rapaz deixa de olhar para os dois fixamente e
passa a ter uma visão mais panorâmica do local aonde se encontrava. Fora
aqueles dois, apenas mais duas pessoas estavam na área exterior do Café
L’Amour, dois homens sentados em mesas separadas. Eles não são
importantes para esta história.

Quem é importante é a mulher que se aproxima do rapaz emburrado na


mesa três. Está com um pequeno bloco de notas na mão e uma caneta na
outra. A garçonete do Café não está interessada no casal trocando carícias na
mesa quinze. Na verdade, não está interessada em muita coisa que não seja
sair dali e colocar uma roupa decente. Detesta o uniforme imposto pelo Café
L’Amour, um traje de cor salmão que parece mais um lençol disfarçado de
vestido do que uma roupa propriamente dita.

Ossos do ofício, tinha um apartamento para manter desde que saíra das
rédeas dos pais. Então, vamos manter as aparências e perguntar ao amigo de
cabelos castanhos o que ele quer para o dia. Ele está sentado, observando a
paisagem de Paris mas provavelmente sem se importar, ela percebe pelo seu
olhar vazio. Não está lá, não em mente.

A simpática – ou nem tanto assim – garçonete do Café L’Amour se


coloca a frente da mesa do rapaz dos cabelos castanhos e pega o cardápio
azul. Ele vira os olhos para ela, pensando “Finalmente”. Os olhos do jovem
senhor são azuis e emanam uma vontade de ir curtir a vida ao invés de estar
sentado na mesa do café observando a Torre Eiffel.

Ela pergunta o que ele vai querer. Ele se ajeita na cadeira, endireitado a
postura e tirando o queixo da mão, e demora um pouco para responder. Mas
pede um café, escuro e amargo. Sua pronúncia é sofrível, com um sotaque
alemão fortíssimo.

Um turista. Não muito incomum.

Ela pergunta se ele tomaria ali ou levaria consigo. Mais uma vez, com o
mesmo sotaque deutsch responde que iria tomar ali mesmo. Fala
pausadamente, visivelmente leigo na fluência em francês. Simpática a isso,
sorri e vai atender ao pedido dele.
O rapaz espera na mesa, repousando mais uma vez a cabeça sobre a
mão. A garçonete é bonita, muito bonita, apesar do uniforme daquele café ser
uma merda completa. Ele acha que um bom uniforme deve realçar as boas
características das atendentes – e acredite, aquela lá tinha de sobra – ao invés
de escondê-los debaixo de um vestido porco. Atrairia mais clientela.

Enquanto espera pelo seu café amargo, muda-se de mesa. Quer ter
mais um vislumbre da garçonete. Senta-se na mesa – que ela chamaria de
Mesa Sete – e observa o interior do estabelecimento.

E lá está ela, com seus cabelos castanhos – mais claros que os do


rapaz alemão – caindo sobre os ombros. Está de costas, e o rapaz toma boa
nota de suas proporções. Nunca foi muito discreto neste departamento. Ela
vira-se de lado e identifica olhos verdes. Lembram o arvoredo do lado de fora
do café, que tapam parcialmente a vista que ele tinha na outra mesa da Torre
Eiffel.

Sorri quando a vê voltando segurando uma xícara entre os dedos, um


pires na mão abaixo. Uma colher pequena e prateada repousa no pequeno
prato. A garçonete aproxima-se, colocando o café na sua frente. Ele sorri,
tentando ser agradável, e agradece. Está envergonhado só de pensar o quão
nítido deve ser o seu sotaque, mas ela não acha de todo ruim. Acha que
sotaques são como uma herança de sua origem, e dependendo de qual pode
dar um toque pitoresco e exótico ao idioma.

Ela observa os lados. Nenhum cliente não atendido. Pergunta ao alemão


se ele gostaria de mais alguma coisa, o qual ele responde, mais uma vez
sorrindo, acenando negativamente a cabeça. Diz que está tudo bem, e toma
um gole do café, fazendo uma careta de leve com a amargura. Começa a
mexer com a colher no líquido escuro, apesar de não ter adicionado nada para
misturar. Apenas um costume.

Ela está quase indo embora, talvez relaxar um pouco enquanto outro
cliente não aparece a porta, mas pensa duas vezes. Ele a está encarando,
aqueles olhos claros e límpidos a estudam. Ela responde ao olhar, meio
constrangida, e pergunta se está tudo bem.

Ele, se tocando do que estava fazendo, se desculpa e diz que está tudo
perfeito. Pede perdão mais uma vez, e se coloca a olhar o café, nitidamente
envergonhado. Ela sorri, fazendo a óbvia pergunta de se ele não era das
redondezas.

A esta ele responde com mais uma negativa, voltando a sorrir. Diz, do
mesmo jeito pausado e não muito seguro, de que era alemão – constatação
óbvia a esta altura do campeonato. Diz que nascera em Calw, uma cidade no
sudoeste da Alemanha, mas que atualmente mora em Berlim. Em um
apartamento, diz, com um colega.

Ela se mostra interessada, perguntando – parecendo distraída – o que


ele fazia em Paris. Férias. O rapaz responde que está tirando férias de tudo, do
apartamento, da universidade, do emprego. Está quase se graduando em
História, diz. Talvez invista um pouco na carreira e quem sabe se torne um
professor.

A garçonete observa o rapaz atentamente, tentando imaginá-lo usando


um óculos em frente a um bando de adolescentes alemães. Não consegue, ele
parece simplesmente ser jovial demais.

Talvez com o tempo, ela pensa.

Ele não parece mais tão reservado agora, ela constata quando ele
pergunta a sua versão. Sempre morara em Paris, nascera lá e provavelmente
morreria lá, ela diz, parecendo não muito contente com a perspectiva. Não
vinha de uma família rica e resolveu tomar as rédeas da situação, arranjara um
apartamento nas redondezas e trabalhava para se sustentar. Talvez tentasse
uma faculdade quando estivesse em condições melhores. Até lá, só levar a
vida em frente.

Ele recebe a isso ouvindo de bom grado. Não entende uma frase ou
outra, francês é um idioma por demais aviadado para que se captasse o
sentido total da coisa – ao menos na opinião do rapaz.

A moça pergunta se ele tem algum itinerário ou programa turístico a


seguir, ao qual ele responde com uma negativa. Está ali apenas por estar ali, e
continuará assim. Os dois se mantém em silêncio por um curto tempo, ela não
querendo voltar a trabalhar agora e ele tomando goles esparsos de seu café.
Por fim, ele levanta os olhos para a garçonete. Quando o turno dela acabaria?
Não muito tempo depois. Eles poderiam sair juntos, ela poderia mostrar para
ele os pontos divertidos de Paris.

Não seria divertido?

Ela topa.

É noite, não muito depois das sete da noite, como constataria o rapaz se
ele se desse ao trabalho de checar o relógio que levava no pulso. E foi o que
ele fez, para ver se estava no horário. Ele está caminhando pela Rua
Deparcieux, um nome que ele não conseguiria pronunciar de modo
convincente se tivesse por acaso tentado. Mas não está prestando atenção no
nome das ruas, apenas em sua companhia no momento.

A sensual garçonete do Café L’Amour caminha ao seu lado, em trajes


muito mais elegantes do que o porco uniforme do local aonde trabalha. Seu
vestido agora é de um verde-esmeralda bonito, e ela está ligeiramente
produzida. Não do tipo “Vou a um baile de gala”, mas “Um dia comum na
primavera parisiense”. E foi o que, de certa forma, havia acontecido não muito
antes do momento agora representado.

Eles haviam saído juntos após a saída da moça de seu período de


serviço, ela se arrumara e eles foram conhecer um pouco mais de Paris.
Passaram próximos da Torre Eiffel, andaram pelo Arco do Triunfo e até fizeram
uma visita ao Museu do Louvre. Em muito isto interessou o rapaz, quase-
formando em História, sentia uma natural tendência a aproveitar melhor a
passagem por tais tipos de lugares. Não que ele seja um aluno muito dedicado,
mas enfim.

Eles haviam se conhecido melhor nas quatro horas. Apresentaram-se,


trocaram nomes e idades, contaram um pouco sobre a vida de cada um e os
pontos exóticos que cada um tinha em seu dia-a-dia. A moça conta que já
havia sido noiva, por exemplo. Noiva de um bancário de não muito longe, mas
não havia dado certo. Ela não quis entrar em detalhes, o que ele achou
agradável: provavelmente se sentiria constrangido se ela o tivesse. Ele, por sua
vez, contou que não havia tido muita experiência no ramo. Havia dado tempo
com um caso que já se estendia havia algum tempo, mas estava encontrando
suas dificuldades.

Caso este no qual pensava agora.

Apesar de andar pelas ruas escurecidas de Paris com uma jovem e


bonita moça ao seu lado, o rapaz ainda pensa no que havia deixado para trás
na Alemanha durante aquele seu pequeno retiro de primavera. Não a deixara
do nada, disso podem ter certeza – precisa de um tempo, pensa, um tempo
para botar a sua vida em ordem.

Pensa nos cabelos claros e os olhos cinzentos que deixara para trás na
Alemanha. Aquele par de olhos que o acompanhou durante boa parte da sua
vida em Berlim, não muito depois de se juntar à Universidade. Sempre tivera
com esta pessoa uma relação conturbada, brigas recorrentes desde o dia em
que se conheceram, mas sempre houvera algo mais.
Sempre houvera amor. Não era exatamente como a paixão ardente do
casal que entrelaçava mãos no Café L’Amour – casal este que agora dá mais
um beijo ardente, ambos nus dentro do quarto do homem, a quilômetros dali –
mas sempre houvera aquela química, apesar das brigas.

O rapaz gostava das brigas.

Nem tudo dava certo para sempre, porém. O rapaz de cabelos


castanhos então afastou-se de seu objeto de desejo e o deixou para trás
quando foi à Paris. Tirar umas férias de primavera.

Esfriar a cabeça.

E agora, encontra-se com uma bela garçonete de um Café parisiense, a


qual fora conquistada pelo seu charme (segundo uns, inexistente) e caminhava
ao seu lado por dentre a capital francesa. Havia acontecido algo entre eles,
uma química perceptível desde o momento em que a encarou com seus olhos
azuis faiscando no Café L’Amour.

Ambos sabem disso. Então por que demoram? São dois jovens na noite
de Paris, dois jovens frustrados romanticamente, só querendo um pouco mais
de carinho.

Um pouco mais de paixão.

Então, que tal esquecer os problemas que deixa para trás um pouco?
Por que não aproveitar o momento?

Ele olha para a francesa ao seu lado, seus cabelos castanhos reluzindo
à luz dos postes. Sorri, e o rosto dela volta-se para seu lado, revelando mais
uma vez os límpidos olhos verdes.

É bem mais fácil esquecer de seus problemas assim.

Ele coloca a mão em seu ombro, parando de caminhar, e o coração


palpita quando ela também para. Ela também quer isso, ele sabe, e pode ver a
confirmação em seus olhos. Não para sempre, eles podem ter apenas um
pequeno momento só para eles, não podem?

Ela vira-se para ele, sua mão ainda sobre o ombro coberto por tecido. O
verde encontra o azul, e podem ver mais uma vez que o que está prestes a
acontecer é certo. Nenhuma palavra é trocada, há apenas a aproximação. As
faces se unem, os lábios se tocam. Um beijo casto, envergonhado, de quem
ainda não sabe o que vai acontecer.

Mas eles sabem. Ah, se sabem.


Não se afastam. Muito pelo contrário, os corpos se aproximam e o rapaz
entrelaça os braços pela cintura da moça. Ele vira seu rosto e a beija. Um beijo
de verdade. As línguas se tocam, se entrelaçam, e os dois aproveitam aquele
momento – só deles. Sentimentos que nem sequer existem escorrem por
aquele momento, uma paixão sem amor, porque ambos sabem que é
superficial.

Não há o sentimento por trás do beijo, eles constatam.

Mas não os impedem.


É manhã, não muito depois das oito da manhã, como veriam se algum
dos dois jovens se desse ao trabalho de consultar o relógio digital na mesa de
cabeceira. Do lado esquerdo de uma cama grande – de casal – desarrumada,
repousa o nosso jovem amigo alemão. Seus olhos estão cerrados e ele está
em uma posição no mínimo desajeitada – não estava acostumado a dormir
junto em uma cama, não demais. Normalmente dormia em um beliche – na
cama de cima, obviamente – junto ao seu colega de apartamento.

Quando conseguiu a cama, logo avisou para o colega – de um jeito que


ficasse claro quem mandava por ali – que dormiria em cima. Ele não fez
objeções, o que deixou o rapaz satisfeito. Sempre houve um clima um pouco
pesado entre o rapaz e seu colega quando se tratava de coisas mais
domésticas como esta. Mas eles se entendiam, eventualmente.

De qualquer jeito, sua posição não incomoda a ocupante do lado direito


da cama. A jovem francesa, aquela conhecida originalmente como Garçonete
do Café L’Amour, agora talvez sob a alcunha de Amante do Rapaz Alemão,
está em um sono suave. Não está sorrindo, mas uma paz é visível em seu
rosto, parcialmente escondido pelos lustrosos cabelos quase louros. E é o
rapaz quem acorda primeiro.

Não se dá conta de onde está pelo primeiro minuto – e não checa o


relógio digital a cabeceira da cama. Fica alheio ao horário, mas se lembra o
local onde está. É o apartamento na qual mora a sua amante, a sua mais nova
amante, que agora repousa do seu lado.

A noite havia caído sobre Paris anteriormente, e com ela veio a diversão.
Eles se uniram sob a luz da lua, juntaram corpos na Rua de Nome
Impronunciável, e lá suas bocas se tocaram pela primeira vez. Dirigiram-se ao
apartamento da moça, e lá fizeram amor pela primeira vez – no mesmo dia em
que se conheceram.

Corpo sobre corpo, ele a despiu lentamente no escuro, sentindo sua


respiração logo a sua frente. Sorriu ao sentir o toque da pele sobre a sua, ao
sentir seu seio sob sua mão, sua respiração ofegante. Sentiu-se bem ao
executar o ato com aquela mulher de formas tão invejáveis, ao ver seus olhos
verdes turvos de êxtase, sentir seu corpo vibrando. Por fim, sentiu-se relaxado
quando terminou, ouvindo os barulhos que ela produzia ao encerrarem o ato
sexual e deitou-se ao lado dela, cansado.

E acorda então, horas depois.

Apenas agora pensa em tudo o que fizera e o que pode ter significado.
Seu romance na Alemanha em nada era parecido com aquele que acabara de
conhecer, e também distinto era o ato de ambos. Em sua terra, agia de modo
mais agressivo, mais violento e talvez mais cruel. Será que havia sido isso que
o afastara de seu desejo de cabelos claros? Acha que não, pois sempre sentiu
que a violência fora consensual.

Ambos gostavam.

Com a francesa, era algo mais suave. Não sentia toda a adrenalina,
sentia-se porém mais seguro. Algo mais carnal, entretanto, um ato com menos
significado.

Levanta-se devagar, sentando-se nu sobre a cama. Suas roupas não


estão longe, e as coloca devagar uma por vez, sem querer acordar a francesa.
Ao terminar, olha para ela, sorrindo. Fora realmente uma boa noite, mas ele
deveria partir. Provavelmente ela teria que trabalhar no Café L’Amour mais
uma vez naquele dia.

E quem sabe ele não pague uma visita? Veremos.

Até lá, o rapaz sai e fecha a porta sem barulho. Vai embora sem acordar
a moça que dorme do lado direito da cama, depois de tanto tempo sem
ninguém com quem dividir o móvel. Agora, está mais uma vez sozinha. Foi
uma boa noite, sem dúvida.

Não demora muito para ela acordar, e se consultasse o relógio digital –


pobre relógio, esquecido por todos – teria visto que eram oito e meia. O alemão
já tinha ido embora, como ela esperasse que ele tivesse. Espera que ele
entenda que o que aconteceu entre os dois não passou de uma noite, uma
noite de falsa paixão e de bom sexo, mas nada mais do que isso.

Talvez, um pouco mais. Talvez mais uma vez ou duas – ele, afinal de
contas, era bom nisso – mas não deveria deixar-se levar pelo charme do rapaz.
Não, não gosta mais de manter laços afetivos desde que seu noivo a traíra com
a madrinha

(oh, tão clichê)

mas parece que ele entende tudo. Deve estar acostumado com isso, ela
pensa. Ele tem cara de cara que seduz as universitárias e tem sexo casual com
elas uma vez por semana.

Nem tanto, na verdade.


É tarde, não muito depois das duas da tarde se a agora de volta
Garçonete do Café L'Amour perceberia se checasse o relógio de pulso que
carrega consigo. Mas ela não está preocupada com o horário, mas com o
rapaz que acabou de sentar-se a frente de uma das mesas do lado de fora do
Café. Ela reconheceu o corte de cabelo – não muito incomum, na verdade, mas
percebera de qualquer jeito – no momento em que olhara para fora, e agora
não sabe se deve ir confrontar o alemão que a aguarde com o cardápio em
mãos. Provavelmente pediria o mesmo café amargo, para fazer as mesmas
caretas. Mais provável ainda é que nem ligasse para o café, mas para a moça
que possivelmente o serviria: ela.

Suspira e vai, hesitante, até a parte de fora. O alemão a vê chegando e


sorri, mostrando seus olhos azuis que ela já não via havia três dias. A sua fala,
com sotaque demais e fluência de menos, entretanto, pudera checar em sua
caixa postal telefônica. Pedindo para marcar um novo encontro, dizendo como
gostara da noite que haviam passado juntos, tudo em um tom naturalmente
tímido. O rapaz parece tímido, afinal de contas, mesmo quando se coloca de
frente a ele mais uma vez.

Ele a saúda com o cumprimento, com a qual ela responde com um


parecido, tentando parecer o mais simpática possível. Ela pergunta o que ele
deseja, segurando o bloco de notas à frente. Ele pede um café amargo, como
ela esperava, e um pãozinho para acompanhar. Ela pergunta se é para a
viagem ou se ele irá comer no local, pergunta que julga ser completamente
desnecessária. Obviamente o rapaz comerá no mesmo lugar, tentando marcar
um novo encontro enquanto admira as formas do seu corpo, do corpo que
conheceu como homem há três noites.

Ela não se desaponta, porque é exatamente isso que o rapaz pretende.


E é exatamente isso que ele faz, logo após ela trazer os pães. Pergunta se
está afim de repetir a experiência, quem sabe saírem para um cinema ou
comerem algo juntos. Ela diz que não estava no ânimo. Para não magoar o
rapaz, alguma coisa do tipo que ficara sabendo que o tio morrera e que
precisaria ir ao enterro e não estava bem para sair.

Ele faz uma expressão triste – não de todo convincente, mais frustrada –
e diz que sente muito. Um pedido não sincero para uma notícia não sincera.
Ela diz que está tudo bem, e volta para dentro sem dirigir mais uma vez a
palavra. Não de todo convencido, o rapaz sente vontade de pedir outra vez,
mas não.

Não ainda.
Toma o café em goles longos, mas rápidos. A borra fica no fundo e ele
não se importa, deixa o café na mesa e vai pagar o que tomou. Não demora,
paga tudo e, dando mais uma olhada na garçonete – meu Deus, como aquele
uniforme é horroroso – ele sai do Café L’Amour, para andar por Paris.

Ele deixa o café e anda pelas ruas. É começo da tarde ainda, ele sabe
disso mesmo em consultar seu relógio de pulso ou o relógio que pendia na
parede do café, mas o sol em seu raiar já indica o horário do dia e isto é o
suficiente para um rapaz como ele.

Enquanto anda, pensamentos brotam de sua mente e desta vez está


desacompanhado – não pode repeli-los. Volta a pensar em sua vida antes da
primavera, das pessoas que deixou para trás e nas quais provavelmente
voltará a encontrar quando voltar para Berlim.

E mais uma vez, aquele rosto coberto pelos cabelos lisos e louros volta
a encará-lo em sua mente. Volta a ser absorvido por aqueles olhos cinzentos,
normalmente sérios, Geralmente bravos mas sempre cheios de amor. Ele pode
perceber só pelos olhos que apenas o seu bem era querido, que as brigas
eram todas apenas fantasias. Eles se dão bem, eles se dão muitíssimo bem, e
isso é perceptível. Sentimentos vêm a tona quando se beijam, e o rapaz pode
perceber que não é mecânico – é sincero, mais sincero do que qualquer sexo
que a francesa pôde lhe proporcionar.

Ele pensa na francesa. Estaria ela o evitando? Talvez ela realmente não
queira nada com ele. Será que ela quer? Será que ela gosta dele?

Mas, acima de todas as perguntas, será que ele gosta dela? Ainda está
o rapaz encantado pelos olhos cinzentos que agora o fitam em sua mente?

Ele sente vontade de voltar. Olhar mais uma vez para aqueles olhos,
brincar mais uma vez com aqueles cabelos, beijar mais uma vez aqueles
lábios. Só sentir mais uma vez o gosto do amor, o amor que sempre
compartilharam e que foi afastado por erros que não vinham ao caso.

O rapaz coloca a mão no bolso, aonde guarda o celular. Talvez ligar,


talvez ouvir mais uma vez aquela voz. Aquele leve sotaque russo que se
denuncia nas falas – como se já não eram necessárias as feições para
denunciar a sua nacionalidade.

Hesita. Talvez não. Por mais que ele queira ouvir a sua voz, será que a
própria voz era desejada pelo outro lado da linha?
O rapaz não sabe dizer. Pensa na francesa. Pensa em olhos verdes.
Agora em cinzentos. Não sabe o que fazer.

Senta-se em um dos bancos da cidade francesa, observando os prédios


ao redor sem realmente prestar atenção neles. Por mais que admirasse
arquitetura, sua mente estava ocupada demais agora.

Deve voltar para Berlim mais cedo? Deve esperar a garçonete se ajeitar
com ele?

Suspira. Vamos esperar mais um pouco.

É noite, não muito depois das onze da noite, como a francesa ou o


alemão perceberiam se pegassem seus celulares e observassem os números
marcados no visor. Mas não, este momento não é para ser interrompido. Eles
estão fazendo amor mais uma vez.

É seu quinto encontro. Desde que deixamos o alemão em seus


devaneios, ele convenceu a francesa a lhe dar mais uma chance de encontro.
A levou para jantar, a levou ao cinema, tentou ao máximo fazer por merecer a
companhia desta. Percebeu, lentamente, que havia se apaixonado por aquela
moça do momento em que pusera os olhos nela no Café L’Amour pela primeira
vez. Percepção esta não de todo verdade – atração ocorreu, não paixão. A
paixão só veio a ele depois.

Para ela, ainda nada.

Mas ambos colocavam-se em mais um ato de amor. Este ato encerra


cada encontro destes dois protagonistas, como se fosse a chave que fechasse
as melhores noites de Paris, o bom corpo-a-corpo.

Se tivéssemos um vislumbre agora, poderíamos vê-los mais ou menos


como da vez anterior em que realizaram o ato sexual. Corpo sobre corpo, a
respiração pesada. Cabelos balançando ao ritmo do ato, os rostos contorcidos
em prazer. Ela o arranha ocasionalmente, fazendo sons intensos, não podendo
resistir aos impulsos. Ele não parece ligar para a dor, por mais vermelhas que
as marcas de unhas fiquem. Talvez esteja acostumado.

Eventualmente, chegam ao clímax. Estão com calor, apesar de a noite


estar fria. Não chegam a suar. A francesa vira-se para o outro lado, não
querendo encarar o alemão de frente. Este a abraça por trás, como se
quisesse mais um pouco de chamego antes de dormir. Meio carente, este
rapaz.
Ela tenta desvencilhar-se do abraço dele. Ele a deixa ir, e parece
confuso. Sente frio, mas não reclama. Ele pergunta o que acontece, e ela o
encara mais uma vez. Olhos verdes, olhos azuis. A mata e o mar se encontram
circundando pontos de escuridão. Olhos cinzentos, claros, assombrando a
mente do rapaz, mas ele tenta afastá-los – sem sucesso. O toque dos cabelos
que não são da francesa lhe vem a mente, e ele não se arrepende de pensar
isso.

O faz sentir bem.

Entretanto, ela diz, devagar, que não estava de acordo com toda aquela
intimidade. Apenas carnal, não emocional. Se sentia como uma prostituta
falando aquilo – só o sexo, afinal de contas, nada mais. Sem emoção.

Superficial.

Ele parece entender, a princípio, sua expressão se desfazendo em uma


silenciosa frustração. Ele a encara, e os olhos se encontram mais uma vez. Ele
lhe pergunta o porquê; Por que não estava de acordo com envolvimento
emocional? Por que não podem tentar se apaixonar, iniciar um relacionamento
que envolva mais do que aqueles momentos na cama?

Ela não está pronta, diz. Balela. Ela não quer. O rapaz percebe isto em
seus olhos. Estes olhos nunca estariam prontos.

Levanta-se da cama, despido de suas roupas. Ele não parece satisfeito,


e realmente não está, enquanto recolhe suas veste e as coloca. A francesa
parece desapontada, mas não de todo surpresa. Afinal, ele é bom naquilo que
estavam fazendo, mas talvez cobre um preço caro demais.

Ela não quer se envolver. Não quer, não quer ser machucada mais uma
vez como sabe que iria acontecer. Prefere deixá-lo ir agora, sem se envolver,
sem sofrer demais.

É para o bem de ambos.

(ou não)

Por fim, ela o vê partindo. Os olhos se encontram mais uma vez.


Nenhum parecia de todo feliz com aquela decisão, mas talvez fosse para o
melhor.

Talvez eles não se merecessem. Talvez eles encontrassem alguém com


quem seguir a vida, talvez. Talvez eles encontrassem suas pessoas amadas e
com elas construir uma família, viver bem e em segurança. Em seus
respectivos países.

Talvez, talvez, talvez.

Com certeza?

Ela o vê fechando a porta. Ela não vai vê-lo no dia seguinte, observando
entediado a Torre Eiffel. Talvez veja o casal da paixão ardente – na verdade
não, eles viajaram para a Itália havia dois dias, mas ela não sabia disso – mas
não verá o alemão. Sabe disso.

É a última vez que ela vê o rapaz.

Será tarde, não muito depois das quatro horas, o rapaz irá constatar
quando checar o relógio gigantesco que pende do teto. Não poderá confiar no
seu relógio de pulso devido ao fuso horário ajustado para a França, porque
estará na Alemanha, muito bem, obrigado. Estará de volta a Berlim, mas não
estará pensando no horário – apenas nos olhos.

Porque sim, ele telefona, no final das contas. Ele telefona e ouve, aquela
voz rouca, aquela voz a qual tanto já ouvira sussurrar, gritar, gemer. Ama
aquela voz, nunca deixou de amar e tem certeza disso. Quer uma reconciliação
com a pessoa dona daquela voz, dona daqueles olhos e daquele cabelo que
tanto infestam seus pensamentos.

Chega de dúvidas.

Pensando nisso, chegará na Alemanha naquela hora, seu avião


pousando no aeroporto como tudo deve ser. Descerá com sua bagagem de
mão e ao desembarque pegará a mala que levara consigo para a sua
Primavera em Paris.

Fora uma boa primavera, não? Mas tudo acaba.

Irá para a área de desembarque. Suas pernas estarão bambas. Estará


com medo do que vai encontrar. Estará com medo de ver um olhar de
reprovação, um olhar de raiva ou ódio nos olhos que deixara para trás.

Chegando a área de desembarque, não irá mais querer avançar. Estará


realmente assustado, como um adolescente antes de pular de bungee-jump,
antes de saber se é seguro.

Mas ele irá. Eventualmente, ele irá.


E para recebê-lo, estarão aqueles olhos. E a pessoa a qual eles
pertencem. Aquela pessoa que passou tanto tempo em um conflito como o
dele, aquela pessoa que também morrerá de medo de ver em seus olhos um
olhar negativo. Aquela pessoa que também busca a reconciliação, por mais
clichê que isso soe – afinal, a vida não tem um pouco de clichê? – aquela
pessoa cujo rosto estará parcialmente coberto pelos cabelos cujo toque o rapaz
alemão sempre imaginou.

Aquela pessoa olhará para o rapaz, e o rapaz olhará de volta. Ambos


sorrirão, tímidos, um para o outro, mas recebem as mensagens no olhar. Ainda
se amam. Ainda se querem, e ainda vão fazer de tudo para que possam passar
a eternidade próximos. Com brigas – ah, muitas brigas – mas com emoção.
Com amor.

O alemão, o rapaz correrá na direção daqueles olhos. E abraçará então


o seu colega de quarto, seu parceiro e amante, a pessoa com a qual ele quer
passar o resto da vida. Não viverão felizes para sempre – nenhuma felicidade é
eterna – mas eles viverão, e viverão bem. Talvez juntos, talvez não, isso não
podemos saber agora.

O rapaz terá boas estações após sua primavera em Paris.

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