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Livro/Evento: “Brasil, entre o Passado e o Futuro”, org.

Marco Aurélio Garcia e Emir Sader


Mar 24th, 2010
by NPTO.

Estava quase acabando a resenha desse livro quando vi que ia ter o lançamento
ontem na UERJ em um debate com os organizadores. Resolvi misturar os dois, e
contar como foi o lançamento, e enfiar as perguntas que eu fiz no evento, ao
mesmo tempo em que comento o livro. Não sei se vai dar certo, mas, vamos lá.

Isso vai ser longo. Na minha conta, 10 páginas de Word. Leiam o que quiserem.
Minhas perguntas vão entre colchetes.

1.

O debate estava marcado para as 18h na UERJ. Saí da Presidente Vargas às 5 e


pouco, e, já sabendo como é evento com o Marco Aurélio, fiz um lanche, tomei
café, fui na Livraria da Travessa, e cheguei quarenta minutos atrasado, contando
que o cara estaria chegando de algum outro país direto para a palestra. Não deu
outra, começou às 19. Em minha experiência de aluno do Marco Aurélio, não me
lembro dele ter atrasado uma única aula ou chegado na hora em uma única
palestra.

No auditório, muitos professores, muito mais alunos negros do que estou


acostumado a ver em faculdade brasileira. Cotas, suponho, mas pode ser também
curso noturno.
“Brasil, entre o Passado e o Futuro” é um discurso apresentado para ser utilizado
pela militância petista. Não uso aqui “discurso” no sentido pejorativo, por oposição
a “análise cuidadosa e distanciada”, mas no sentido de algo dito para fazer algo
politicamente. O livro tem análises, é feito basicamente de análises (algumas
melhores, outras piores), mas elas se encaixam em uma narrativa que pretende ser
um fator de orientação política.

Depois de 8 anos no governo, o PT mal sobreviveu ao choque entre os vários


discursos que oferecia (nunca foi só um) na militância de base e a realidade do
Estado brasileiro, com suas possibilidades e limites. Dêem uma olhada nos
documentos recentes do partido, e a falta de articulação (não a tendência, o vínculo
lógico) é evidente. Muitas propostas antigas reafirmadas só para deixar claro que
não mudamos tanto assim, propostas novas mal encaixadas, tudo desdobrado para
se acomodar ao que quer que a pauta do nosso sistema político imponha no
momento.

O livro organizado por Sader e Garcia tenta abaixar a poeira e oferecer uma nova
visão, baseada em uma linha de continuidade entre o desenvolvimentismo
brasileiro do século XX e o PT. Às vezes dá certo enquanto argumento, às vezes
não dá.

2.

O artigo que abre o livro dá a linha do que se segue. Escrito pelo Sader, chama-se
“Brasil, de Getúlio a Lula” (não muito sutil, o título). Para ser honesto, é melhor do
que parece. Eis como eu o li:

A partir de 30, a questão nacional explode no meio da arena política brasileira, e


entra em conflito com o projeto das velhas oligarquias agrárias. Os atores que a
propõe são vários, setores da burguesia nacional, da classe média, passando por
várias dissidências do bloco histórico anterior. Significativamente, os militares
nacionalistas quase não aparecem no texto aqui, provavelmente por causa da
maneira como teriam que aparecer depois.

A esquerda, representada pelos partidos socialistas de várias tonalidades, e pelos


sindicatos mais combativos, subestima a importância da questão nacional e se
concentra na luta por conquistas sociais, mas sem focar no principal problema
nacional da época: a luta no campo, onde se constitui o poder das elites agrárias.
Os nacionalistas tem algo a opor a esse poder – o Estado – e triunfam, atropelando
a esquerda e tomando-lhe várias bandeiras sociais.

Esse Estado, entretanto, não é democrático (como não eram democráticos, aliás, os
regimes como os da República Velha). A negação do liberalismo econômico
característico do nacionalismo é acompanhada da negação do liberalismo político.
Diz o próprio Sader: isso deixa a bandeira democrática, por muito tempo, na mão
da direita (que, lembremos, até antes disse não era exatamente democrática).
Faltou, como veremos, o Sader tirar todas as conseqüências desse diagnóstico. Pelo
menos para lembrar que o nacionalismo se especializou em botar a esquerda em
cana.

[Após o debate de ontem, um pentelho da platéia (eu) fez a seguinte pergunta ao


Sader:
Você caracteriza o governo Vargas como progressista. Vinte anos atrás, diríamos,
“Revolução Passiva”. Nada contra refinar as análises de tempos em tempos, mas,
nesse caso, o revisionismo não foi longe demais?

Respondeu o Sader (cito, aqui e em outros lugares, de memória e na linguagem


esculhambada com que funciona minha cabeça):

A esquerda errou ao analisar o Vargas, principalmente nós em São Paulo.


Comparado ao cara que dizia que a questão social era uma questão de polícia, o
cara que fazia discursos começando com “trabalhadores do Brasil” era progressista,
principalmente porque implementou várias políticas sociais de acordo com o
discurso – embora tenha cometido o erro, gravíssimo, de não levar os direitos
sociais ao campo (e era uma ditadura).

As perguntas eram escritas, e muitas, de maneira que não houve tempo para
réplica, mas eu diria que o cara também fechou os sindicatos em uma estrutura
estatal, e reprimiu toda demanda popular espontânea que lhe apareceu na frente
(pelo menos durante o Estado Novo; o segundo governo Vargas é mais complexo).
E lembro que o Lula dizia que a CLT era o AI-5 dos trabalhadores.

E lembro de uma professora da UNICAMP, amiga do Marco Aurélio (que era dessa
turma de historiadores que valorizava muito os movimentos de esquerda pré-
Vargas como uma esquerda autônoma, não disciplinada pelo populismo), quando
ouviu, em uma palestra do João Quartim de Moraes (comunaço velha guarda), a
pergunta “no que teria dado uma aliança do PCB com os tenentistas?”. Um amigo
meu sentado ao lado dela a ouviu responder, baixinho: teria dado merda]

Lá pela altura da segunda guerra, a esquerda começa finalmente a se aproximar


dos nacionalistas, o que foi feito com idas e voltas, mas se acelerou no fim do
primeiro período democrático, e terminou com o golpe de 64.

Abro um parêntese para lembrar o que me dizia uma excelente professora que eu
tive: em grande parte, o racha PCB vs. PcdoB foi uma divergência a respeito de
qual questão era a central no momento: a questão social (claramente ligada às
lutas no campo, com as ligas camponesas) ou a questão nacional (que sugeria uma
aliança com a burguesia brasileira pelo desenvolvimento anti-imperialista). Isso é
importante para entender porque, durante a ditadura, o PcdoB foi pro mato
(justamente enquanto o Brasil se urbanizava e a questão social virava outra coisa)
e o PCB foi para o MDB (justamente depois da burguesia nacional receber os
militares de braços abertos). Fecho o parêntese, deixando a ponta solta para depois
ligar com o surgimento do PT.

E aqui começa o grande ponto fraco do texto do Sader, o regime militar. Não é fácil
para a esquerda analisar o regime militar, porque não é fácil o cara pensar
friamente sobre um negócio que botou ele no pau de arara, o fez enlouquecer de
dor, e fez isso com todos os amigos dele, vários dos quais morreram da maneira
mais horrenda possível. Mas, se você não consegue, deixe pra outra pessoa. Porque
tem que fazer.

O regime militar é tratado exclusivamente em termos da luta contra a ditadura por


parte da esquerda, inicialmente com a luta armada, depois com a aliança com os
liberais no MDB (na verdade, grande parte da esquerda esteve com a oposição
legal desde o início). E não se toca no ponto chave: o regime militar, nos anos 70,
levou o desenvolvimentismo brasileiro do século XX a seu ponto máximo. Os
militares eram atores chave do nacionalismo dos anos 30, e não tinham perdido o
hábito de mandar a esquerda para a cadeia. Legitimados, justamente, pelo
anticomunismo, conseguiram implementar planos de desenvolvimento estatal que
dificilmente teriam sido possíveis sob qualquer governo Jango. Terminaram a
industrialização e urbanizaram o país, e, se não enfrentaram o campo, reduziram
dramaticamente sua importância.

Por outro lado, o texto do Sader tem o mérito de não fazer uma picaretagem bem
comum: a de pular a crise do Estado desenvolvimentista e fazer o neoliberalismo
aparecer do nada, como um negócio mauzão aí que inventaram. Sobre a derrota de
94, ele diz o seguinte:

A esquerda ficou presa à sua plataforma tradicional – políticas sociais e ética na


política – sem atacar os temas da crise de um Estado historicamente esgotado e
sem propostas para um novo modelo econômico. A direita ofereceu a sua solução à
crise, tornando o Estado alvo das transformações, por meio da desregulamentação
da economia: privatizações, abertura econômica, precarização das relações de
trabalho, enfraquecimento do Estado, e substituição do tema do desenvolvimento
pelo da estabilidade monetária, entre outros. (…) A esquerda ficou relegada a
defender um modelo esgotado, a resistir às modernizações sem dispor de projetos
alternativos. (p.25)

Certíssimo, mas aqui entram duas questões:

(a) se ninguém conseguiu oferecer outra alternativa, não é razoável tratar o


programa neoliberal simplesmente como um retrocesso, como faz o texto a partir
daí. A herança inflacionária do colapso desenvolvimentista foi controlada; várias
medidas foram tomadas que aumentaram a eficiência da máquina pública, a
começar pela LRF (recomendo, para quem se interessar, o depoimento do Palocci
na comissão de assuntos econômicos na época em que era ministro). Na entrevista
da Dilma que encerra o livro, ela nota que o FHC investiu mais em aperfeiçoar os
controles à ação estatal do que a execução de projetos pelo Estado, mas ela
mesma admite a importância dos controles. Muitos trabalhadores perderam com a
liberalização, mas não se pode simplesmente supor que teriam perdido menos se a
crise do desenvolvimentismo tivesse continuado indefinidamente.

(b) Reconhecendo a crise do modelo desenvolvimentista, mas não reconhecendo


que algo de bom tenha ocorrido depois, a idéia de retomar o desenvolvimentismo
perde inteiramente o sentido. Qual é o plano, fazer a mesma coisa que o Geisel e
esperar uma outra crise do petróleo, ou da dívida, ou de algum outro limite externo
à vontade política, que nos arrebente? Até porque agora o plano não é mais se
financiar externamente (suponho), é necessário que o novo desenvolvimentismo se
preocupe com a situação da competitividade da indústria brasileira, isto é, em fazer
o capitalismo brasileiro funcionar melhor. Isso me parece estar na entrevista da
Dilma, em que o Estado aparece produzindo infra-estrutura, política de inovação,
etc., para o setor privado, mas não quando o Sader manifesta olímpico desprezo
pelos temas liberais.

Uma maneira (minha) de resumir a conclusão do Sader seria: a esquerda, no


começo do século XXI, foi forte o suficiente para impor a agenda social e ainda
tomar a bandeira do desenvolvimentismo das mãos dos nacionalistas. Isso é boa
análise.
Mas falta: isso foi possível porque estabeleceu-se um diálogo com a direita
democrática, já durante o regime militar (isto é, em boa medida, contra o
nacionalismo desenvolvimentista), e ela também deu importante contribuição para
que chegássemos onde estamos, inclusive durante o período liberal, durante o qual,
e isto é um fato raríssimo na história nacional, não fomos para a cadeia, para onde
os nacionalistas costumavam nos mandar antes mesmo de terem cópia da chave da
sala da presidência.

E falta: não há a menor possibilidade de repensarmos a questão nacional sem


discutirmos temas pendentes da agenda liberal, como a globalização, a governança
global, e nossa competitividade econômica.

Um texto que gera uma discussão dessas, eu acho bom.

3.

O texto do Jorge Mattoso não me impressionou muito, porque perde muito tempo
com afirmação de princípios, e nós aqui queremos ver é os argumentos tirando
sangue um do outro.

Como texto sobre o legado de FHC, não dá certo, porque precisaria ter reconhecido
os aspectos positivos do período, o que só faz muito rápido. Mesmo na crítica,
poderia ter passado mais tempo discutindo a manutenção do câmbio até a eleição
de 98 e suas conseqüências, mas isso também passa rápido. Em um certo sentido,
repete a falha do PT durante o primeiro mandato FHC: o cara fazendo uma puta
besteira no câmbio e a gente preocupado em falar mal do neoliberalismo.

Posso ter ficado de má vontade com o texto por causa do começo meio literário. Se
alguém tiver lido e discordar, registre que eu coloco aqui.

4.

O texto de Nelson Barbosa e José Antonio Pereira de Souza é o melhor do livro, um


balanço dos sete anos de política econômica do Lula. Eu discordo dele em pontos
importantes, e se vocês só lerem o que eu vou dizer pode parecer que é ruim, mas
não é, não. Recomendo vivamente.

O texto tem como premissa que houve uma mudança de rumo pós-Palocci, de uma
política econômica mais ortodoxa para uma mais heterodoxa. É verdade, houve.
Mas se vocês lerem o texto, que é bem cuidadosamente escrito, dá a impressão de
que boa parte dos sucessos foi causada pela linha do Palocci (se você entendê-la
como ortodoxia econômica + expansão do crédito + Bolsa Família e similares), com
uma exceção importante e meia, os aumentos do mínimo, que passaram a ser bem
maiores depois, e a estratégia de redução da vulnerabilidade externa, (acumular
reservas, virar credor em dólar) que começa ainda com o Palocci, mas já no final do
período (e aí cada um que especule o que o Palocci teria feito; eu acho que teria
acumulado), e que foi crucial para o Brasil sobreviver bem à crise (e, a propósito,
não é simples continuidade com a era FHC).

Certo, no segundo mandato tem PAC, Minha Casa, Minha Vida, etc., e isso é mais
heterodoxo, mesmo, mas eu não exageraria muito o tamanho da mudança, não. Se
você chegasse em 2002 e dissesse, “o Lula vai fazer um negócio heterodoxo!”,
todos diriam, aaaaaaahhhhhh!, mas se você emendasse, “vai fazer um programa
de investimentos públicos e um troço de habitação popular!” todos diriam,
uuuuuuuufa!

E outras medidas mais recentes são impossíveis de serem compreendidas sem


relação à crise internacional, que fez governos do mundo todo aumentarem o gasto
público. Vale dizer, até a crise, a dívida como proporção do PIB tinha caído
consideravelmente sob o Lula. Os autores deixam claro que os programas de
investimento público podem ser feitos em parceria com a iniciativa privada.
Defendem a desoneração da folha de pagamento, o que é excelente, embora digam
que só não foi feito porque acabaram com o CPMF; de fato, o debate – levantado
pelo Mangabeira Unger, vejam só – travou naquela época, mas não sei se não
poderia ter sido levantado depois.

[um filhadaputa que foi no debate só pra anarquizar (eu) fez a seguinte pergunta,
respondida pelo Marco Aurélio:

Muitos dos méritos da política econômica são originários da gestão Palocci, mas o
livro sugere uma mudança significativa Pós-Palocci. As medidas mais estatistas não
seriam só resposta à crise mundial?

Ao que respondeu o MAG:

A inflexão começa ainda com o Palocci, mas a medida central da inflexão foi o PAC,
que começou antes da crise. Quanto às medidas recentes, refletem “a boa tradição
do enfrentamento de crises” [anotei essa frase – NPTO].]

Pessoalmente, não vi nada de muito heterodoxo doidão nesse texto, e, como os


leitores mais antigos aqui já sabem, um dos slogans do blog é “naufragarei como o
último Paloccista” (o que, aliás, já fiz). Entretanto, daria mais ênfase em coisas que
podem ser vistas como neoliberais, mas são cruciais para aumentar nossa
competitividade, como a desoneração da folha, desburocratização da fundação de
novas empresas, etc.

Se o novo desenvolvimentismo for por aí – investimento em infra-estrutura, política


social, e – algo que só aparece no livro na fala da Dilma – política de inovação, vou
dizer de novo, política de inovação, e vou dizer mais uma vez, política de inovação,
eu apóio, defendendo, apenas, que essa agenda não se descole da preocupação
com o bom funcionamento do setor privado que era característico da agenda
Palocci. Seria o bom e velho “Estado Indutor”.

E, claro, apóio desde que coloquem o BC em boas mãos. BC ortodoxo, BNDES


heterodoxo, Fazenda mais pra lá mais pra cá conforme o contexto, é a ordem
natural das coisas. Podem ir checar lá no Levítico.

5.

O texto do Pochmann, escrito em parceria com Guilherme Dias, é concebido para


ser mais doidão, uma versão do que seria o projeto de longo prazo, meio utópico, o
que der pra fazer disso aqui beleza, do PT. Ele tem dois eixos, que eu não acho que
se encaixem tão bem.
O primeiro, se eu entendi direito, é reduzir a importância do capital especulativo
“improdutivo”, aumentar o “fundo público” não comprometido com o rentismo.
Imagino que isso queira dizer, pagar menos juros, taxar mais o capital financeiro,
coisas assim. Aqui o Pochmann simplesmente nos deixa na mão: a gente tem que
acreditar na palavra dele que dá para abaixar juros na maior moleza, ou que a
especulação financeira não gera benefícios sociais quaisquer que sejam (e mais:
que é possível distinguir muito facilmente especulação financeira e alocação pelo
mercado). Se for verdade, permanece não demonstrado. E tem consquências para
o segundo ponto.

Que é algo que me entusiasma profundamente: o tema da redução da jornada de


trabalho, e seus temas correlatos, a educação por toda a vida, a valorização do
trabalho social (cuidar de velhos, por exemplo) . A esquerda tem que ser pós-Gorz
(digo eu, não o Pochmann).

O cara de esquerda tem que ter como objetivo central fazer com que a peãozada
não passe o tempo todo presa na máquina (e aqui pode ser o computador, ou a
máquina registradora da loja) como um apêndice, ou balançando no trem indo e
voltando pra máquina, mas que a riqueza humana torne possível cada vez mais
tempo para os caras terem uma vida, no sentido forte do termo. Não é à toa que o
movimento operário teve, durante muito tempo, a bandeira da redução da jornada
(que já foi de 12, 14 horas, lembremos). 8 horas não é um limite natural.

Esse tipo de consideração claramente utópica, mas que pode ser implementada aos
poucos (pode passar a ser sete e meia, depois sete, …), na medida do possível, me
seduz muito mais que os slogans desenvolvimentistas, pra ser honesto. Sua utopia
é uma porrada de funcionário público? Porra, meu amigo, tenha mais imaginação.
Parabéns ao Pochmann, que fugiu completamente do tema “Vargas era um cara
batuta”.

Mas onde eu acho que o Pochmann está errado? É em dizer que “a base material”
dessa utopia já existe, construída pelo aumento absurdo de produtividade do
capitalismo pós-industrial., e daí partir para propor um monte de coisas que me
parecem minar o capitalismo pós-industrial (que é, por exemplo, financeiro pra
cacete).

Isso é um erro clássico em marxistas (mas não sei se o Pochmann é marxista): dar
de barato que o progresso técnico do capitalismo vai acontecer de qualquer
maneira sem o capitalismo, e por isso a gente pode já pensar em como aproveitar
o progresso técnico quando a gente não precisar mais trabalhar tanto (e de
maneira tão opressiva) quanto no capitalismo.

O “Programa Gorz” deve ser o programa da esquerda mundial, mas deve


acompanhar o desenvolvimento do capitalismo (sem o qual ele é insustentável) e,
isto é crucial, a democratização do tempo livre, com o desenvolvimento dos valores
da liberdade, da tolerância (inclusive da fé tolerante), da criatividade, da
solidariedade, etc. Vai dar tempo livre pro cara ir assistir enforcamento de gay em
praça pública? Tranca o vagabundo na fábrica que todo mundo ganha mais
(inclusive ele). Esse é aquele parágrafo que você acaba de escrever e já pensa,
“vão me encher o saco”.

E não adianta um país sozinho reduzir muito a jornada: ele se tornará pouco
competitivo, e a riqueza vai para outro lugar. E, se a riqueza não puder se mexer,
vai ser ruim pra todo mundo (porque os lugares que precisam dela mais não são os
lugares onde ela está agora). É uma luta dos, atenção, vou falar, olha lá, vou falar,
ó, ó, ó, vou falar, cês tão duvidando, vou falar, tirem as crianças da sala, eu falo
mesmo, ah, é, duvida?, toma! PROLETÁRIOS DO MUNDO TODO, cada um lutando
em seu contexto nacional, de acordo com as possibilidades de cada país,
convergindo milímetro por milímetro, voltando atrás quando necessário.

E é por isso que a política externa de esquerda precisa, necessariamente, em


alguma medida – novamente, dentro do mais ponderado pragmatismo, sem a
participação de ninguém que esteja mais interessado em defender princípio 100%
do que em realizar princípio 2% – defender a democracia nos países mais pobres,
sem os quais os trabalhadores jamais poderão se organizar autonomamente para
exigir a redução da jornada.

Lembrando, para concluir, que se os trabalhadores, ao longo do processo,


acabarem com a democracia, cedo ou tarde trancam eles na fábrica de novo; e, se
acabarem com o mercado, cedo ou tarde eles mesmos vão querer se trancar lá de
novo.

6.

Gostei do texto do Dulci sobre participação dos movimentos sociais no governo


Lula, mas confesso que não entendo nada disso. Por esse motivo, não comento.

7.

O artigo do Marco Aurélio Garcia é uma defesa do que já se chamou, em diferentes


momentos, de política externa independente (durante o governo Jânio), ou
pragmatismo responsável (durante o regime militar). Sobre essa diferença de
nomenclatura, o Marco Aurélio fez uma boa piada ontem, que cito de cabeça:

O governo militar percebeu a conveniência de adotar a política externa


independente, mas não podia usar o mesmo nome da era Santiago Dantas. Aí,
como tantas coisas de esquerda durante o regime militar, a política externa
independente ganhou um nome de guerra. E, como todo mundo que tinha nome de
guerra, uma hora ela entrou em crise de identidade.

O quer seria a PEI nos dias de hoje? Na época da guerra fria, designava uma certa
desenvoltura para se mover entre países capitalistas, comunistas, e não-alinnhados
conforme o interesse nacional. Hoje parece querer dizer uma política externa que
não se limite a aceitar os acordos propostos pelo primeiro mundo.

Até porque, e, olhem só, isso que eu vou dizer agora é importante, até porque do
fato de querermos ser iguais aos países de primeiro mundo não se deduz que
devamos aceitar todos os acordos que o primeiro mundo nos propõe. Alguns
observadores da política externa falam como se, cada vez que nos aproximarmos
da Nigéria, nos tornássemos menos parecidos com a Suécia (e vice-versa). País
que já foi colônia européia não deveria esquecer que não é o caso.

A melhor afirmação da PEI que eu já vi foi quando o Lula disse algo como “Temos
que ser como os americanos: primeiro eles pensam neles, depois neles, e aí eles
pensam neles de novo”. Acho inacreditável que isso tenha sido tomado como crítica
aos americanos. Só merece uma explicação, que será dada abaixo.

Agora, eu tenho com relação à ressurreição da PEI no governo Lula (que eu apóio)
suspeita semelhante à que tenho com relação à “virada desenvolvimentista”: que
ela seja, em boa parte, resposta a uma crise global. No caso, a crise da
globalização política, que vem ainda do final dos anos 90, passa pelo fracasso da
rodada da Doha, e desemboca no colapso da ONU durante a guerra do Iraque.

Porque, se vocês pensarem, que grande acordo o primeiro mundo tem nos
oferecido ultimamente? A ALCA ninguém me convenceu até agora que seja muito
bom negócio, e eu sou cético de integração comercial que não inclua liberdade de
migração. E os EUA acabaram, por eles mesmo, se desinteressando por outros
motivos. A União Européia tem a diplomacia mais roda-presa do mundo: os caras
não conseguem fazer acordo. A China está free-riding a hegemonia americana
escandalosamente, e se mostra singelamente desinteressada em promover
qualquer coisa que seja, em escala global, que não seja acordo comercial dela com
todo mundo, nos termos dela.

Certa está ela, dirão vocês, não foi isso que você disse dos americanos? Né não.
Porque é do interesse da China, como nova superpotência, que o mundo seja bem
governado. Aos chineses não interessa que colapsem os acordos nucleares, ou,
Deus os livre, o comércio internacional. Mas eles estão contando que os EUA vão
continuar indefinidamente arcando com os custos políticos dessa gestão. No longo
prazo, não aposto dez centavos nisso.

Da mesma forma, defendo que o Brasil faça os acordos que der com quem quer
que seja, mas, uma vez que, devido à extraordinária competência de nossa
democracia recente (dessa vez eu não avisei que ia falar uma coisa chocante, vocês
devem ter se assustado), aumentou muito nossa importância nacional, nossa nova
PEI precisa se preocupar mais com os princípios que queremos ver imperando na
esfera global (além do da soberania nacional, que é justo, mas não é absoluto). E
temos como imensa vantagem sobre a China o fato de que quando falarmos em
democracia ou tolerância globais, ninguém vai poder responder “que que tu tá
falando aí, ô stalinista?”.

Vocês já sabem onde eu quero chegar.

[no final da palestra, um escroto que gosta de constranger os outros em público


(eu) fez a seguinte pergunta ao Marco Aurélio:

Se o Lula tivesse defendido os presos políticos cubanos, não teria chegado com
muito mais força para negociar na Palestina?

Disse o Marco Aurélio (ou me lembro eu que ele disse):

Aproveito para esclarecer que nossa não ingerência nesse assunto dos presos
cubanos não implica indiferença. Nós temos outros canais de influência para agir
quanto a isso, mais distantes dos holofotes, e às vezes os consideramos mais
convenientes. De fato, a declaração do Lula, bastante lateral, causou apreensão em
alguns interlocutores [suspeito eu: a Europa – NPTO], mas no geral nossa recepção
no Oriente Médio foi ótima, todos os atores envolvidos se mostraram bastante
receptivos a nossas propostas, e o governo de Israel inclusive nos pediu que
fizéssemos algumas intervenções. O chanceler israelense não quis participar porque
queria encontrar com o Lula em particular, mas nosso protocolo determina que
deveria ter se encontrado com o Celso Amorim”.

NPTO: Quanto aos presos políticos cubanos, aceito a jogada dos bastidores desde
que funcione. Ainda estamos esperando pra ver. E quanto à moral que isso teria
dado ao Lula, o que eu acho é o seguinte: se ele defende os presos, a Europa fecha
com ele, e, junto da EU – que tem a mesma posição que nós sobre a questão –
seríamos atores de peso na Palestina. Sem a crítica, qualquer denúncia que se faça
sobre Gaza será recebida com “é, mas em Cuba tu ficou quieto”.

Agora, é claro que Israel ainda paga meio PIB para o Brasil ser o cara que apóia os
Palestinos. O que quer dizer, o Brasil ao invés do Irã.

Queria ver o que o Sader diria disso, mas pouco antes da pergunta ser lida um
sujeito arrastou ele pra fora do auditório para conversar]

8.

O livro acaba com a entrevista da Dilma, que eu adorei, pela imagem que fica da
Dilma. Os caras querendo levantar altos papos sobre as rupturas com o
neoliberalismo, essas coisas, e ela concorda, e tal, mas você vê que a dona fica
amarradona mesmo é falando que agora tem uma hidrelétrica que é uma
plataforma, que é mais eficiente, que no lugar do desmatamento fizeram um
negócio pra coletar castanha de caju, de drenagem (única estocada no Serra, por
causa das chuvas de SP), enfim, se deixar ela falar só de projeto ela só fala disso.
Dilma disse ao Alon, em entrevista, que sua prioridade seria aumentar a eficiência
do Estado, e parece ser disso que ela gosta, mesmo.

Já disse várias vezes e digo de novo: o PT tem que seguir o exemplo de sua
candidata e discutir mais a sério política de inovação. Causou grande comoção nas
fileiras da SchumPTr, a tendência do PT adepta do individualismo metodológico (só
tem eu), a hora da entrevista em que ela puxa o assunto. Way to go, girl.

Claro, ser presidente é bem mais que isso. Mas é isso também.

9.

Antes das perguntas, cada organizador teve uns quinze minutos para falar o que
quisesse. O Sader se saiu muito mal: fez discurso para movimento estudantil, falou
mal da mídia, enfim, pareceu desconhecer que de um terço à metade da sala eram
professores. O Marco Aurélio se saiu bem melhor. Defendeu a PEI, criticou quem
falou mal do Amorim se filiar ao PT (lembrando, por exemplo, que o Celso Lafer foi
tesoureiro de campanha do FHC, e vários outros chanceleres famosos brasileiros
eram claramente ligados a partidos).

E levantou um tema que ficou meio deslocado na entrevista com a Dilma, e gerou
certa polêmica: o da sub-intelectualidade de direita brasileira, que estaria
preenchendo o vazio deixado pelo pensamento crítico. Se eu ainda tivesse saco de
escrever papelzinho com pergunta, teria dito: o problema não é a sub-
intelectualidade, é o vazio: podemos nos considerar ainda pensamento crítico se
não criticamos o regime cubano, ou se nos recusamos a discutir economia mais
abertamente com os liberais?

Marco Aurélio encerrou sua participação com uma excelente tirada, pedindo aos
intelectuais “ Escrevam tudo o que esqueceram”. Eu diria “escrevam como
esqueceram”, isto é, com a abertura intelectual que a esquerda já teve. Ou se
conformem com o Magnoli.

10.

Um livro que dá uma discussão dessas, eu acho bom.

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