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Filosofia da linguagem – C. F.

Costa / UFRN (para o livro Cartografias Conceituais)

A VERDADEIRA TEORIA DA VERDADE

Quero aqui discutir brevemente as quatro principais teorias da verdade,


com o objetivo de avaliá-las comparativamente. As duas teorias que
examinarei primeiro – a pragmática e a da redundância – são improváveis,
embora o seu exame nos permita compreender melhor alguns aspectos do
problema. As outras duas teorias, a correspondencial e a coerencial, são
candidatos mais plausíveis. Mas espero tornar claro que a teoria coerencial
só faz sentido pleno quando integrada à correspondencial, o que nos dá
razões para apostar que esta última seja a verdadeira teoria da verdade.

A teoria pragmática
A teoria pragmática da verdade, tal como foi proposta por William
James, se tomada em sua face de valor, diz o seguinte(1): uma proposição é
verdadeira se houver vantagem prática em sustentá-la. Assim, para James
“Deus existe” é uma proposição verdadeira, pois é vantajoso crer em Deus.
Uma objeção à teoria pragmática é a de que proposições teóricas
reconhecidas como verdadeiras como, por exemplo, “Há numerosas
explosões de supernovas na galáxia Messier 83”, são inúteis e por
conseguinte deveriam ser falsas. Em resposta a isso a teoria pragmática pode
ser estendida, admitindo-se que além da vantagem prática deva existir uma
vantagem cognitiva em se admitir certas proposições. Mesmo assim, a teoria

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– ao menos sob a formulação apresentada(2) – é freqüentemente contra-
intuitiva: pode ser vantajosa a adoção de crenças falsas, bem como
desvantajosa a adoção de crenças verdadeiras, tanto em um sentido prático
quanto cognitivo. Como escreveu o poeta T. S. Eliot, “human kind cannot
bear very much reality”. A mente humana é por natureza voltada para o
sucesso no mundo ao redor e tende a admitir verdades apenas enquanto elas
servem a ele, de outro modo rejeitando-as através de mecanismos de defesa
como o da racionalização. Finalmente, a teoria pragmática têm
conseqüências relativistas: o que é verdadeiro para alguns pode ser falso
para outros, ferindo o princípio do terceiro excluído. Para uns crer em Deus
é vantajoso. Mas para outros, como os ateus, crer em Deus pode ser
degradante por comprometer a liberdade humana com idéias primitivas
como as de pecado e danação eterna. Quem tem razão? A teoria pragmática
não oferece suporte para uma decisão racional.
Minha conclusão é a de que a teoria pragmática – ao menos na forma
acima exposta – incorre em uma falácia causal. Ela confunde a verdade com
um efeito freqüente da adoção de idéias verdadeiras, que é a utilidade. Todos
concordariam que o conhecimento da verdade no mais das vezes é útil, mas
dizer que algo é verdadeiro porque é útil é confundir efeito com causa.

Verdade como redundância


A principal teoria deflacionária da verdade, inicialmente sugerida por
Frege(3), é a da redundância. Ela parte da constatação de que asserções do
tipo “p é verdadeiro” podem ser substituídos por asserções do tipo “p”, sem
que nada seja perdido. Para alguns eu nada teria acrescentado à minha
afirmação “Está chovendo” se tivesse dito “É verdade que está chovendo”,
além de uma certa ênfase, de modo que o último proferimento poderia ser

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substituído por “É... está chovendo” ou “Com efeito, está chovendo”...
Assim, o predicado ‘é verdadeiro’ nada parece acrescentar ao conteúdo da
asserção(4). F. P. Ramsey, outro defensor da teoria da redundância,
considerou o caso da asserção “Tudo o que ele diz é verdadeiro”, em que o
predicado “é verdadeiro” não pode ser eliminado(5). Contudo, essa asserção
pode ser substituída por “Para todo p, se ele afirma p, então p”, na qual o
predicado “é verdadeiro” é eliminado. Para Ramsey, mesmo que “então p”
pareça incompleto, querendo dizer “então p é verdadeiro”, isso se deve a
uma deficiência da linguagem.
O que dizer de uma teoria como essa? Uma questão prévia é a da
distinção entre (a) a contemplação de uma proposição ou pensamento e (b) o
ato judicativo, através do qual se atribui valor-verdade à proposição. A
comunicação do ato judicativo sobre uma proposição é o que chamamos de
asserção da proposição. Considere a diferença entre as sentenças:

1a Afirmo que Colombo descobriu a América.


1b Colombo descobriu a América.

Ambas exprimem a mesma proposição, o mesmo pensamento, que em


cada uma delas é afirmado. Mas só na primeira a asserção é verbalmente
explicitada. Normalmente as asserções são do tipo (1b), mantendo implícito
o ato assertivo, que por sua vez exprime um ato judicativo, um ato de
atribuição de um verdade à proposição expressa. Mas o que (1b) significa é
“Afirmo (ou afirmamos) que Colombo descobriu a América”.
Considere agora as seguintes sentenças:

2a É possível que Colombo tenha descoberto a América.


2b ’Colombo descobriu a América’ é uma sentença sobre
um navegador italiano.

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Neles a proposição ou pensamento é apenas tomada em consideração ou
contemplada, não vindo a sua expressão sentencial acompanhada de
asserção, nem do ato judicativo que costuma acompanhá-la. Frege tinha um
sinal próprio para a asserção: “├”. Devemos, pois, distinguir entre p e ├ p,
quando o pensamento expresso por p é asserido ou judicado. O sinal ├
significa algo como “Profere-se (ou pensa-se) que é verdadeiro que...”.
Considerando o que foi dito sobre a asserção e o juízo, podemos fazer o
seguinte raciocínio. Quando dizemos que “p é verdadeiro” se reduz a “p”,
jamais consideramos “p” em abstração de sua asserção. “É verdade que
Colombo descobriu a América” quer dizer o mesmo que “Afirmo (ou
afirmamos) que Colombo descobriu a América”, e não apenas algo como “É
possível que Colombo tenha descoberto a América” ou “’Colombo
descobriu a América’ é uma sentença em português”. Por conseguinte, o que
a teoria da redundância realmente nos mostra é que “p é verdadeiro” pode
ser reduzido a “(Afirmo (ou afirmamos) que) p” ou, ainda, “(Ajuízo (ou
ajuizamos) que) p”, e que quando afirmamos “p é verdadeiro” ao invés de
somente “p”, o que estamos fazendo é apenas desempacotar a asserção,
explicitá-la. Contudo, a asserção é expressão de um ato judicativo que nada
mais é do que a atribuição de verdade a uma proposição. Não nos livramos
do problema da verdade, posto que ela já vem embutida no juízo e na
asserção.
Em outras palavras: aquilo que a teoria da redundância evidencia não é
que a atribuição de verdade a uma proposição é supérflua, mas que ela pode
ser substituída por uma proposição judicada ou asserida em que tal
atribuição não é lingüisticamente explicitada. Como judicar uma proposição
é o mesmo que pensar que ela é verdadeira, e como asserir uma proposição é

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o mesmo que atribuir publicamente verdade a uma proposição judicada, tudo
o que a teoria da redundância faz é varrer o problema da verdade para
debaixo do tapete do problema da asserção, onde ele já se encontrava sem
ser visto. A teoria da redundância só parece correta devido à propriedade de
nossas línguas naturais de usualmente não atribuir verdade às proposições de
modo explícito, pois o ato de asserir é tão freqüente que a explicitação dessa
atribuição se tornou supérflua. Essa é, aliás, a razão do desconforto com a
tradução de “Para todo p, se ele afirma p, então p”. Em sua última ocorrência
p deveria aparecer aqui como “p é asserido” ou como “p é verdadeiro”. Mas
se isso fosse feito então o contra-exemplo se manteria.

Uma versão da teoria correspondencial da verdade


A teoria correspondencial da verdade é a mais antiga e também a mais
plausível. É a única que se encontra dicionarizada. Ela foi primeiramente
sugerida por Platão no diálogo Sofista, tendo sido sintetizada por Aristóteles,
em sua Metafísica, sob o famoso dito: “dizer do que é que não é e do que
não é que é, é dizer o falso; dizer do que é que é e do que não é que não é, é
dizer o verdadeiro”(6). Em seu ensaio intitulado Da Verdade, Tomás de
Aquino refere-se com aprovação a Isaac Israeli, um filósofo medieval que
sugeriu ser a verdade a adequação da coisa ao intelecto (Veritas est
adaequatio rei et intellectus)(7). Com isso a formulação aristotélica foi
substituída por uma outra muito mais sintética, em que a verdade é a
adequação ou correspondência do que pensamos com a realidade.
Quero no que se segue esclarecer e precisar o quanto possível os termos
da definição de verdade como correspondência ou adequação, além de
evidenciar o seu elemento funcional. Em primeiro lugar é usual substituir a
palavra ‘intelecto’ por ‘proposição’, ‘conteúdo proposicional’, ‘conteúdo

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enunciativo’ ou ainda ‘pensamento’, ou seja, pelo nome do que mais
comumente é admitido como sendo o portador da verdade. Entre esses
termos dou preferência à palavra ‘pensamento’, escolhida por Frege. Embora
ela seja ambígua (dado que pode denotar o processo de pensar), é a única
que já se encontra disponível na linguagem natural(8),
A palavra ‘coisa’ também é pouco adequada, pois não dizemos
propriamente de coisas que elas são verdadeiras, mas de um complexo que
geralmente as inclui. Esse complexo, que pode ser chamado de o fazedor da
verdade (truth-maker), pode ser uma circunstância ou situação (ex:
“Sócrates é calvo”), um estado de coisas (ex: “O livro está sobre a mesa”)
um evento (ex: “A queda das Torres Gêmeas”) ou um processo (ex: “A
transição para a era da informática”). Quero resumir tudo isso na palavra
tradicionalmente mais usada: fato. A palavrinha ‘fato’ tornou-se, creio,
desnecessariamente controversa em filosofia da linguagem, principalmente
por influência de P. F. Strawson(9). A idéia básica é que o fato não pode ser
alguma coisa no mundo, tal como é o evento, pois o evento (por exemplo, a
travessia do Rubicão por César) é localizável e datável, enquanto o fato (o
fato de que César atravessou o rubicão) não é localizável nem datável, o que
se evidencia pelo uso da cláusula-que (that-clause) antecedendo a frase que
o exprime. Além disso, podemos apontar para eventos, mas não para fatos
etc.
Difícil crer na força desses argumentos. A razão da palavra ‘fato’ ser
lingüisticamente menos maleável e identificável no mundo do que eventos
parece estar simplesmente em sua maior generalidade, no fato de que ‘fato’ é
uma palavra-valise que usamos para designar os mais diversos fazedores de
verdade. Ela abrange:

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(a) circunstâncias, situações e estados de coisas, que são fazedores de
verdade estáticos (que usualmente pedem cláusulas-que), assim como
(b) evento e processos, que são fazedores de verdade dinâmicos
(usualmente não pedindo cláusulas-que)...

Dizemos, por exemplo, que a circunstância de Sócrates ser calvo é um fato e


também que o evento da queda de Roma foi um fato. Não é de se admirar
que com isso a palavra ‘fato’ seja menos avessa à cláusula-que do que a
palavra ‘evento’. Além disso, nada nos impede de usar a palavra ‘fato’ sem a
cláusula-que, se o desejarmos, ao dizermos que o fato (evento) de César ter
atravessado o Rubicão se deu em 96 d.C. ou ao apontarmos para o fato
(evento) das Torres Gêmeas estarem caindo. A meu ver o comportamento
semântico da palavrinha ‘fato’ tem sido um dos mais vilipediados da
filosofia, cabendo a nós a tarefa de restabelecer a sua reputação(10).
Com isso a definição correspondencial passa a dizer que a verdade é a
correspondência do pensamento com o fato. Já com isso podemos produzir
uma definição de verdade como correspondência, na qual o predicado ‘...é
verdadeiro’ é identificado ao predicado ‘...corresponde ao fato’, ambos
funcionando como predicados metalingüísticos aplicáveis a pensamentos ou
proposições ou conteúdos proposicionais. Segundo essa definição, para
qualquer pensamento p, dizer que p é verdadeiro é o mesmo que dizer que p
corresponde ou é adequado a um fato. Por exemplo: dizer que o pensamento
expresso por “Sócrates é calvo” é verdadeiro é o mesmo que dizer que ele
corresponde a certo fato.
Podemos exprimir essa definição correspondencial da verdade
simbolicamente usando o símbolo p como expressão de um pensamento
qualquer, V para o predicado “...é verdadeiro”, C para o predicado
“...corresponde ao fato”, que se aplicam a p em uma metalinguagem

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semântica, que se refere ao conteúdo proposicional ou pensamento expresso
por p. Ei-la:

(Df.C) (p) (V”p” ≡ C”p”)(9)

Note-se que essa definição depende da aplicação dos predicados


monádicos ‘...é verdadeiro’ e ‘...corresponde ao fato’. Contudo, também
podemos entender tais predicados como abreviações de predicados diádicos
que relacionam, em uma metalinguagem semântica, o pensamento expresso
por p ao fato (homonimamente referido) de que p (da mesma forma que o
predicado monádico ‘...é pai’ é uma abreviação do predicado diádico ‘...é pai
de...’). Através disso a definição acima pode ser mais completamente
explicitada como afirmando que para um pensamento qualquer p, dizer que
ele é verdadeiro para o fato de que p é o mesmo que dizer que p
corresponde ou é adequado ao fato de que p. Em um exemplo: dizer que a
proposição “Sócrates é calvo” é verdadeira para o fato de que Sócrates é
calvo é o mesmo que dizer que o pensamento “Sócrates é calvo”
corresponde ao fato de que Sócrates é calvo.
Simbolicamente, utilizando o símbolo V para o predicado
semanticamente metalingüístico ‘...é verdadeiro para o fato de que...’ e
utilizando C para o predicado também semanticamente metalingüístico
‘...corresponde ao fato de que...’, temos a seguinte versão formalizada da
definição mais completa, em que o pensamento “p” é metalingüisticamente
acessado por Vp e Cp:

(Df.C’) (p) (“p”Vp ≡ “p”Cp)

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Uma questão que ficou em aberto é a de uma explicitação adequada do
sentido de termos como ‘correspondência’ ou ‘adequação’. Uma interessante
e quase esquecida explicitação da noção de correspondência foi proposta por
Moritz Schlick há cerca de um século(12). Schlick sugeriu a existência de
um ato de aferição de correspondência que nada mais é do que um ato
verificacional através do qual se evidencia que o conteúdo de uma hipótese
(um pensamento que se supõe verdadeiro) é idêntico ao conteúdo da
observação (o fato observado) que verifica essa hipótese. Essa identidade de
conteúdo é a correspondência. Suponha, para tornar isso claro, que você leia
em um jornal a frase “Irá fazer bom tempo local amanhã”. Contudo, quando
o amanhã chega você sai a passeio e é surpreendido por uma tempestade.
Você pensa: “A previsão era falsa”. O que você fez? Ora, comparou o
conteúdo da previsão com o conteúdo da observação e percebeu que a
esperada identidade não existe. Isso lhe fez concluir que o pensamento “Irá
fazer bom tempo amanhã” é falso. Se o céu estiver azul você verifica a
identidade entre o conteúdo da observação e o pensamento pensado na
suposição e conclui que ele é verdadeiro.
Buscando precisar a idéia de Schlick, podemos sugerir que há aqui um
ato verificacional no qual três momentos são idealmente distinguidos:

(1o) o momento de postulação de uma hipótese “?p”, onde p indica um


pensamento “?” é o operador que indica o caráter hipotético do que cai sob
o seu escopo.
(2o) o momento da observação (ou das observações) “Oq”, onde O é o
operador que indica o caráter observacional do que cai sob o seu escopo.
(3o) o momento de verificação da correspondência, no qual há uma
comparação entre a hipótese considerada no momento (1o) e o conteúdo da
observação considerado no momento (2o), ou seja, entre ‘?p’ e Oq.

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Se uma identidade é verificada, ou seja, se p = q, então podemos concluir
“├ p”, ou seja, que p é um pensamento verdadeiro. Se a identidade é
refutada, se p é ≠ q então concluímos que “├ ~p”, ou seja, que p é uma
proposição falsa. Ao menos no que concerne a frases observacionais, a idéia
de que afirmar a verdade é constatar a correspondência entre o conteúdo de
uma hipótese e o resultado de atos observacionais parece correta.
Como Schlick também percebeu, um procedimento similar pode ser
aplicado às proposições de ciências formais como a matemática, que são
usualmente campo de aplicação da teoria coerencial da verdade. Como eu
sei, por exemplo, que a soma dos ângulos de um triângulo deve, em um
espaço euclidiano, resultar em 180 graus? Ora, eu comparo o conteúdo dessa
hipótese com o conteúdo resultante de uma prova baseada nos axiomas da
geometria euclidiana... Dessa prova concluo que tal soma deve dar 180
graus. Como o conteúdo da hipótese e o conteúdo do resultado da prova são
idênticos, concluo que a hipótese é verdadeira. Mesmo para um axioma
podemos aplicar esse procedimento diretamente, conferindo se o seu
pensamento corresponde à sua definição, em um caso paralelo ao da verdade
dos pensamentos expressos em enunciados observacionais. Dessa maneira a
teoria correspondencial passa em princípio a valer também para proposições
analíticas ou não-empíricas.
Essa explicação pode ser complementada por outra, qual seja, a noção de
isomorfismo estrutural, que foi resgatada na reconstrução feita por Erick
Stenius da teoria pictórica do pensamento desenvolvida por Wittgenstein no
Tractatus Logico-Philosophicus(13). A noção de isomorfismo entre os
conjuntos A e B, tal como quero definir aqui, exige que

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(1) os elementos do conjunto A estejam em relação biunívoca com os
elementos do conjunto B,
(2) que as propriedades monádicas dos elementos do conjunto A também
estejam em relação biunívoca com as propriedades dos correspondentes
elementos do conjunto B, e
(3) que as propriedades relacionais vigentes entre os elementos do
conjunto A também estejam em relação biunívoca com as
correspondentes relações entre os elementos do conjunto B.

Assim, se o conjunto A exprime a estrutura do conteúdo proposicional da


hipótese, e o conjunto B exprime o conteúdo da observação, A é dito
verdadeiro quando é estruturalmente isomórfico a B. Disso deve ser retirada
a exigência de que os elementos e as propriedades ou relações do conjunto A
devam ter a mesma natureza que os elementos, propriedades e relações do
conjunto B. Assim ‘a/b’ pode ser uma proposição ou pensamento que possui
isomorfismo estrutural com o fato de que o gato está sobre o tapete,
conquanto ‘a’ e ‘b’ tenham correspondência biunívoca respectivamente com
o gato e com o tapete e conquanto a relação ‘/’ entre ‘a’ e ‘b’ também tenha
correspondência biunívoca com a relação de “estar sobre” entre o gato e o
tapete.
Aplicando isso à sugestão de Schlick podemos dizer que o conteúdo da
observação é idêntico ao conteúdo da hipótese quando ambos são
estruturalmente isomórficos entre si, ou seja, quando os elementos e
propriedades do que é observado têm relação biunívoca com os elementos e
propriedades que constituem o conteúdo da hipótese, sejam eles quais forem.
Isso explicaria o caso paradigmático de correspondência entre proposições
singulares hipotéticas e fatos observacionais e muitos outros. E talvez seja
também um pressuposto necessário à explicação da correspondência entre
hipóteses gerais e fatos gerais, embora não haja aqui só uma
correspondência estrutural interna a cada fato, mas também uma

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correspondência externa a eles, como a de um grupo de soldados com os
seus capacetes(14).
Uma questão que aqui se coloca é a de se saber quais são os elementos do
conteúdo da observação ou da hipótese. Longe de optarmos por uma solução
metafísica como a de Wittgenstein no Tractatus, segundo a qual o mundo
tem apenas uma divisão em elementos simples, nós optamos aqui –
inspirados pelo Wittgenstein das Investigações – por uma múltipla e variada
divisão do mundo, dirigida pelos contextos, ou seja, tendo como critério os
elementos, propriedades e relações reconhecíveis do ponto de vista das
regras da prática lingüística, do jogo de linguagem no qual a hipótese e a
observação são feitas. Por isso, quando digo que o gato está sobre o tapete,
pode bem ser que os elementos participantes do conteúdo pensado sejam
representações (que não precisam ser naturalistas) do gato e do tapete, que a
relação seja a de estar sobre, e que uma análise ulterior deixe de ser
justificada.
Uma objeção comumente feita à teoria correspondencial é que
proposições só podem ser comparadas com proposições. Quando
pretendemos comparar proposições hipotéticas a observações, o que estamos
fazendo, na verdade, é comparar proposições hipotéticas a proposições
observacionais. Não rompemos, portanto, o círculo da linguagem, o que nos
sugere que a verdade deva ser reduzida a algo como a coerência de nossas
proposições umas com as outras. A resposta que correspondencialistas dão a
isso é de senso comum. O conteúdo da proposição observacional é, para
todos efeitos, a realidade tal como ela é observada por nós. Como escreveu
Schlick:

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É a minha humilde opinião que podemos comparar qualquer coisa com
qualquer coisa se assim escolhermos. Você crê que proposições e fatos
estão demasiado distantes um do outro? São demasiado diferentes? Que
há uma misteriosa propriedades das proposições que as impede de serem
comparadas com qualquer outra coisa? Isso parece-me mais uma
concepção mística.(15)

Verdade e coerência
As teorias coerenciais da verdade são o mais sério concorrente das teorias
correspondenciais. Elas foram colocadas em discussão por filósofos
idealistas como Hegel, com o pensamento de que a verdade está no todo,
tendo sido posteriormente desenvolvidas, tanto por idealistas quanto por
empiristas(16). A idéia básica é a de que uma proposição é verdadeira
quando é coerente com o conjunto de proposições constitutivas de nosso
sistema de crenças. Suponha que alguém diga “Ontem à noite eu estava
respirando”, ou então “Ontem à noite eu vi um fantasma”. A primeira
proposição será imediatamente admitida como verdadeira e a segunda como
falsa. Chegamos a essa conclusão, não por termos verificado se essas
proposições correspondem ou não aos fatos, mas porque a primeira é
coerente com o nosso sistema de crenças, enquanto a segunda não.
A teoria coerencial da verdade também se encontra aberta a objeções.
Uma delas é a de que segundo ela qualquer proposição pode ser verdadeira,
pois ela pode ser coerente com algum sistema de proposições concebível.
Uma proposição de um conto de fadas, por exemplo, é coerente com as
outras proposições do mesmo conto. Podemos, além disso, ter sistemas
incomensuráveis entre si e, diante de uma proposição que é consistente com
um sistema e inconsistente com outro, não teremos mais como decidir se ela
é verdadeira ou falsa. Uma resposta plausível poderia ser a de negar que
existam sistemas de proposições completamente incomensuráveis e

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considerar o sistema mais abrangente possível – o “sistema da realidade” –
como paradigmático, avaliando as proposições somente com relação a ele.
Exemplos de atribuições de verdade baseadas na coerência com outras
crenças são freqüentes nos tribunais, pois poucas vezes o crime é
diretamente testemunhado. O seguinte exemplo nos ensina algo sobre os
limites da teoria coerencial e sobre a sua dependência da teoria
correspondencial. O pastor americano David, logo após o seu casamento
com a senhora Rose, foi internado em um hospital com fortes dores
abdominais. Em pouco tempo foi concluído que a seguinte proposição p
seria verdadeira: “A senhora Rose tentou envenenar o reverendo David”. A
razão dessa conclusão é que p é uma proposição coerente com as seguintes
proposições que se revelaram verdadeiras:

q: Foi encontrado no sangue de David uma grande quantidade de


arsênico.
r: A senhora Rose tinha o costume de preparar sopinhas para o seu
marido, levando-as até mesmo ao hospital.
s: Foram encontrados traços de arsênico na dispensa da casa da senhora
Rose.
t: Exumaram-se os corpos dos três primeiros maridos da senhora Rose,
todos mortos por causas desconhecidas, com a surpreendente descoberta
de uma grande quantidade de arsênico em seus cabelos.

A proposição p é tornada verdadeira por sua coerência com as


proposições q, r, s e t. O ponto a ser notado, porém, é que as proposições q,
r, s e t são verdadeiras por corresponderem à realidade. Ora, isso parece
mostrar que a teoria coerencial não se sustenta sozinha. Por isso parece
inclusive lícito dizer que a proposição p é verdadeira porque corresponde ao
fato, mas que sabemos disso indiretamente, por sua coerência com outras
proposições que correspondem aos fatos que puderam ser observados.

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Assim, parece que a coerência não é alguma coisa independente, mas apenas
parte dos meios através dos quais verificamos a correspondência.
Finalmente, se seguirmos aqui o mesmo caminho pelo qual Schlick
aplicou a sua versão da teoria correspondencial às ciências formais,
concluiremos que no início temos uma hipótese “?p”, cujo conteúdo é
comparado com uma conclusão resultante das verificações de q, r, s, e t.
Indutivamente, a conjunção “q & r & s & t”, nos permite inferir que p é a
melhor explicação para o envenenamento do reverendo. Ora, como p, como
resultado de observações, tem um conteúdo idêntico a p em “?p”,
concluímos que p em “?p” é uma proposição verdadeira. A correspondência
é estabelecida indiretamente, via uma coerência de p com as proposições
observacionais, aquelas que assumimos como verdadeiras. Vemos que
também nesse caso a coerência é um modo como a correspondência pode se
evidenciar.

Notas:
1 William James: “Pragmatism’s Conception of Truth” in, M. P. Linch (ed.):
The Nature of Truth (Bradford: Cambridge 2001).
2 A formulação de C. S. Peirce, por exemplo, escapa a objeções fáceis, pois
segundo ela verdadeira é a proposição que se torna aceita pela comunidade
científica como vantajosa em um processo histórico indeterminadamente
longo (in the long run...). Mas é questionável se com isso ele analisa o
conceito de verdade ou uma propriedade das proposições verdadeiras.
3 Gottlob Frege: “O Pensamento” (“Der Gedanke”), tradução publicada
como suplemento em C. F. Costa, Estudos Filosóficos (Tempo
Brasileiro/EDURN: Rio de Janeiro 1999) pp. 159-160.
4 A chamada teoria performativa da verdade, proposta (e depois
abandonada) por P. F. Strawson, sugere que o predicado ‘...é verdadeiro’ é
semanticamente, mas não performativamente redundante, pois ele

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recomenda a proposição. Ver “Truth”, in M. P. Linch: The Nature of Truth
(Bradford: Cambridge 2001).
5 Peter Ramsey: “Facts and Propositions” (1927), in Philosophical Papers,
ed. D. H. Mellor (Cambridge University Press: Cambridge 1990), pp. 38-39.
6 Aristóteles: Metafísica Γ 7. 1011b, 26-7.
7 Tomás de Aquino: Quaestiones Disputatae de Veritate, q. 1, a. 1.
8 Ver capítulo 15 do presente livro.
9 P. F. Strawson: “Truth”, in Logico-Linguistic Papers (Oxford University
Press: London 1971).
10 Minhas razões para crer na superfluidade dessa controvérsia foram mais
detalhadamente expostas no artigo “Fatos empíricos”, in C. F. Costa: A
Linguagem Factual (Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro 1996). Ver também J.
L. Austin: “Unfair to Facts” in Philosophical Papers (Oxford University
Press: Oxford 1979). Ver também a discussão entre J. R. Searle e Strawson
em The Philosophy of P. F. Strawson, ed. L. E. Hahn, The Library of Living
Philosophers (New York: Open Court 1998), cap. 20.
11 Parece-me que a fórmula disquotacional de Alfred Tarski, segundo a qual
(p) (“p” é v ≡ p), escamoteia mais do que supera as questões filosóficas da
teoria correspondencial, que tento considerar aqui. Contudo, ela enfatiza
corretamente o caráter metalingüístico da atribuição de verdade, que em
minha definição também aparece como um predicado que conecta
metalingüisticamente pela correspondência o pensamento ao mundo. (Ver
A. Tarsky: “The Semantic Conception of Truth”, Philosophy and
Phenomenological Research, 4, 1944.)
12 Moritz Schlick: “Das Wesen der Wahrheit nach der modernen Logik“, in
Philosophische Logik (Suhrkamp: Frankfurt 1996).
13 Ludwig Wittgenstein: Tractatus Logico Philosophicus. Ver
especialmente o artigo de Stenius: “The Picture Theory and Wittgenstein’s
Philosophical Investigations”, I. Block (ed.): Perspectives on the Philosophy
of Wittgenstein (Oxford University Press: Oxford 1981). Um antecedente da
teoria da correspondência como isomorfismo é a teoria de Russell, segundo
a qual a verdade da crença de Otelo de que Cássio ama Desdêmona consiste
na congruência dessa relação de quatro termos com a relação de três termos
constituída pelo fato de que Cássio ama Desdêmona. Ver Bertrand Russell,
The Problems of Philosophy (Oxford University Press: Oxford 1912), pp.
128-9
14 Ver “A Pragmática da Relação Correspondencial”, in C. F. Costa, A
Linguagem Factual (Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro 1996), p. 163.
15 Moritz Schlick, apud W. P. Alston, “A Realist Conception of Truth”, in
M. P. Linch (ed): The Nature of Truth, ibid. Uma observação similar é feita

243
por A. J. Ayer in “Truth”, The Concept of Person and Other Essays
(Macmillan Press: London 1963) p. 186.
16 Teorias coerenciais da verdade foram defendidas por Spinoza, Leibniz,
Hegel, Brand Blanchard, Carl Hempel, Michael Dummett e Hilary Putnam.
Ver R. Walker: The Coherence Theory of Truth: Realism, Anti-realism,
Idealism (Routledge: London 1989).

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