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Pós-graduanda do Curso de Especialização em Microbiologia e Higiene de Alimentos /
Instituto Athenas / Universidade Católica de Goiás (UCG) – mayramicro@hotmail.com
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Orientadora do Curso de Especialização em Microbiologia e Higiene de Alimentos /
Instituto Athenas / UCG – talissatavares@hotmail.com
RESUMO
A presente revisão descreve os principais aspectos referentes à importância da utilização do reuso de água
para irrigação, salientando a necessidade de regulamentação específica, além dos cuidados cabíveis na
proteção ambiental e conservação da qualidade da água. Adicionalmente, serão abordados os principais
microrganismos presentes em efluentes domésticos, enfatizando especificamente os patógenos virais, a
fim de propiciar um melhor aproveitamento de águas residuárias tratadas e de prevenir a ocorrência de
doenças veiculadas por água, solo e alimentos contaminados por resíduos fecais. Os vírus podem
permanecer potencialmente infectantes no ambiente durante longos períodos, resistindo inclusive aos
atuais processos de tratamento de esgoto aplicados no controle bacteriano, além da maior dificuldade de
identificação laboratorial desses patógenos em efluentes, o que acaba por comprometer a qualidade de
águas residuárias para fins de reuso. Para tal, serão apresentadas as diretrizes necessárias em termos de
prevenção que minimizem a contaminação desses efluentes considerados seguros do ponto de vista
virológico que, até o momento, somente são avaliados em situações ocasionais de controle pelas
autoridades sanitárias.
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1. INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, estima-se que mais de 1,1 bilhões da população mundial não
consume água tratada e 2,6 bilhões de indivíduos não possuem acesso a serviços de
saneamento básico (WHO 2004). Dados da Associação Internacional de Engenharia
Sanitária e Ambiental revelam que no Brasil existem 75 milhões de indivíduos que não
possuem acesso a esgoto sanitário, 20 milhões à água encanada e 60 milhões a serviço
de coleta de lixo, sendo 63% do lixo lançado em cursos de água (Purper & Eidt 2007).
A falta de sistemas adequados de fornecimento de água e de esgotamento
sanitário predispõe a ocorrência de doenças infecciosas que implicam em quase 60%
dos casos de mortalidade infantil em nível mundial (UNESCO 2003). Ainda são
responsáveis por 80% das doenças e 65% das internações hospitalares que ocorrem no
Brasil, representando custos anuais para a economia de até 2,5 bilhões de dólares
(Purper & Eidt 2007).
Por outro lado, a introdução de sistemas de tratamento de água e esgoto
doméstico diminui drasticamente a incidência de doenças de veiculação hídrica (Hutton
& Haller 2004).
A disposição de esgoto doméstico no solo é uma das práticas mais antigas de
tratamento de esgotos (Mehnert 2003). Em muitas regiões áridas e semi-áridas do
planeta, especialmente localizadas nos países do Oriente Médio, milhões de pessoas
necessitam do reuso das águas residuárias na agricultura como fator fundamental para
sobrevivência (Sitton 2000). No Brasil, a região semi-árida do Nordeste, caracterizada
por apresentar um curto período chuvoso, temperatura elevada e alta taxa de
evaporação, vem investindo no reuso planejado de efluentes tratados visando atenuar o
problema da escassez hídrica (Sousa et al 2003).
O aproveitamento planejado de águas residuárias na agricultura além de
favorecer a disponibilização de água para as culturas, também implica no controle da
poluição d’água nos lençóis freáticos, na reciclagem de nutrientes e no aumento da
produção agrícola (Mehnert 2003, Toze 2006).
No entanto, pouco se sabe a respeito do potencial de contaminação que tal
sistema possui sobre o lençol de água subterrâneo. Dessa forma, a aplicação de
efluentes no solo deve ser feita de forma cautelosa e com acompanhamento técnico
necessário, a fim de que o mesmo possa ser relançado sem saturação de nutrientes e sem
contaminantes de natureza química ou biológica (Coraucci Filho 1998, Mehnert 2003).
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Diversos tipos de patógenos são encontrados em efluentes domésticos como
bactérias, parasitos e vírus (Mehnert 2003, Hutton & Haller 2004).
Entre os vírus entéricos, poliovírus, rotavírus, calicivírus, alguns adenovírus e
vírus da hepatite A, estão presentes no meio ambiente e representam grande risco à
saúde da população. Estes patógenos são eliminados em grandes concentrações pelas
fezes de indivíduos infectados, podendo permanecer viáveis e infecciosos durante vários
meses no ambiente e, assim, contaminar os lençóis freáticos e águas destinadas ao
consumo humano, além de resistirem aos atuais processos de tratamento de esgoto
aplicados no controle bacteriano. (Mehnert 2003, Tavares et al. 2005, Toze 2006 ).
Adicionalmente, deve-se considerar que o tipo de solo, a água da chuva, o pH
do solo, cátions, orgânicos solúveis e a taxa do fluxo podem afetar o movimento das
partículas virais em direção à água subterrânea, favorecendo a persistência desses
patógenos no ambiente (Sair et al. 2002, Fong & Lipp 2005).
A presença dos vírus em efluentes não tratados de forma adequada para fins de
reuso contribuem para a ocorrência de doenças em indivíduos susceptíveis. A dose
infectante destes agentes é extremamente baixa, podendo variar de uma a dez unidades
infecciosas (Tavares et al. 2005, Toze 2006 ).
Considerando todos esses aspectos, a presente revisão descreverá os principais
patógenos virais veiculados por águas residuárias, bem como as enfermidades causadas
por esses agentes e seus prejuízos à saúde humana, além dos principais parâmetros que
devem ser adotados para assegurar a qualidade do ponto de vista virológico de águas
residuárias tratadas destinadas à irrigação.
2. ESGOTO DOMÉSTICO
O esgoto doméstico é uma combinação de excretas de humanos e animais
(fezes e urina) e águas cinza, resultantes de lavagens, banhos e cozimento, além de
esgoto proveniente do comércio e de algumas indústrias (Bitton 1997, Barrella 2008).
Fazem parte da composição do esgoto doméstico água, sólidos orgânicos
(nutrientes, proteínas, carboidratos e lipídeos) e inorgânicos (amônia, nitrato e orto-
fosfatos), além de outros elementos e microrganismos (Metcalf & Eddy 2003, Zoratto
2006). Alguns constituintes presentes no esgoto doméstico representam risco à saúde
humana e aos recursos hídricos e estão descritos na Tabela 1 (Metcalf & Eddy 2003).
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Tabela 1. Constituintes presentes em esgotos domésticos que apresentam possíveis efeitos prejudiciais à
saúde pública e aos recursos hídricos
Constituinte Importância
Sólidos em suspensão Formação de bancos de lodos e condições anaeróbias nos leitos de
mananciais de água.
Compostos inorgânicos O uso da água nas cidades aumenta o conteúdo de sais que se
dissolvidos encontram originalmente dissolvido na fonte de água.
Nos resíduos fecais, que compõem o esgoto doméstico, podem estar presentes
vários microrganismos patogênicos, incluindo vírus, bactérias e parasitos, que são
identificados como agentes potenciais de diversas doenças infecciosas que acometem
humanos (Tabela 1) (Rusin et al. 2000, Barrella 2008).
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Adenovírus humanos Gastroenterite, infecções respiratórias e conjuntivite
Norovírus Gastroenterites epidêmicas com grave diarréia
Astrovírus humanos Gastroenterite
Parvovírus humanos Gastroenterite
Coronavírus humanos Gastroenterite e doenças do trato respiratório
Torovírus humanos Gastroenterite
Vírus da hepatite A Hepatite
Vírus da hepatite E Hepatite
Poliovírus Paralisia, meningite, febre
Coxsackievírus Meningite, pneumonia, hepatite, febre
Echovírus Meningite, paralisia, encefalite, febre
Fonte: Bitton et al. (1997), Bosh (1998), Gerba e Smith Jr (2005).
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de óbitos acometendo principalmente crianças com até cinco anos de idade (Linhares &
Bresee 2000, O’Ryan et al. 2005).
Dentre os patógenos que possuem o potencial de causar gastroenterite em
humanos, os vírus são os mais comuns (Gutierrez et al. 2006, Reither et al. 2007). Mais
de 20 vírus têm sido reconhecidos como agentes causadores da síndrome, dos quais
rotavírus (Rotaviridae), norovírus e saporovírus (Caliciviridae), adenovírus entéricos
(Adenoviridae) e astrovírus (Astroviridae) são considerados os mais importantes
(Wilhel et al. 2003, Iturriza-Gómara et al. 2007).
As gastroenterites virais ocorrem em dois grupos epidemiológicos distintos:
diarréia infantil (doença endêmica) e surtos (doença epidêmica) (Barrella 2008).
Apesar da maioria das gastroenterites por rotavírus manifestarem de forma
assintomática, os casos sintomáticos mais graves caracterizam-se por diarréia intensa,
vômitos, febre e dor abdominal e desidratação (Koopmans & Duizer 2004, Tavares et
al. 2005). Os rotavírus são os responsáveis pela maioria dos casos de diarréia aguda em
crianças com menos de cinco anos de idade, causando cerca de 111 milhões de
episódios diarréicos anuais, 25 milhões de consultas médicas, dois milhões de
hospitalizações e mais de 600 mil óbitos em crianças com até cinco anos (Parashar et al.
2003, 2006). Em geral, as gastroenterites por rotavírus têm maior prevalência no
inverno nos países de clima temperado, porém ocorrem durante todo o ano nos países de
clima tropical. Os principais veículos que transmitem rotaviroses aos humanos são água
potável e moluscos comestíveis contaminados, principalmente as ostras (Koopmans &
Duizer 2004, Tavares et al. 2005, Knipe & Howley 2007).
Os adenovírus entéricos são a segunda maior causa de doença diarréica infantil
em crianças menores de quatro anos, apresentando incidências variáveis de infecções,
de 1 a 8% nos países desenvolvidos e de 2 a 31% nos países em desenvolvimento
(Wilhelmi et al. 2003, Barrella 2008). Como as gastroenterites por rotavírus, as
infecções por adenovírus ocorrem predominantemente no inverno nos países
desenvolvidos e durante todos os meses do ano nos países em desenvolvimento. Os
frutos do mar e águas potáveis contaminadas são também reconhecidos como os
principais veículos de transmissão da infecção por este patógeno (Koopmans & Duizzer
2004, Tavares et al. 2005, Knipe & Howley 2007).
Os norovírus são responsáveis pela maioria dos surtos de diarréia não
bacteriana e também têm sido associados aos surtos causados por água e alimentos
contaminados. Podem causar infecção em indivíduos de qualquer faixa etária, embora
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sejam reconhecidos, atualmente, como os principais agentes etiológicos de
gastroenterites virais em adultos. As gastroenterites por norovírus são geralmente
brandas e autolimitadas, caracterizadas por aparecimento abrupto de vômito ou diarréia,
ou ambos, tendo em média duração de 12 a 60 horas. Os alimentos freqüentemente
envolvidos em surtos por este patógeno são ostras, mariscos, mexilhões, frutas e
vegetais, além de águas de beber contaminadas. Os locais onde os surtos são mais
comumente notificados são enfermarias, hospitais, hotéis, cruzeiros, escolas,
universidades, restaurantes e instalações militares (Koopmans & Duizer 2004, Tavares
et al. 2005, Knipe & Howley 2007, Barrella 2008).
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quando se manifesta sintomaticamente é caracterizada por dores abdominais, anorexia,
colúria, febre, hepatomegalia, icterícia, mal-estar, náusea e vômito. No entanto, pode
apresentar maior gravidade, especialmente quando o vírus infecta mulheres grávidas até
o terceiro trimestre gestacional, provocando índices de mortalidade de 15 a 25%. Os
surtos de hepatite E são mais comumente adquiridos após consumo de água potável
contaminada, embora a ingestão de carne crua de cervo ou de porco também tem sido
sugerida como importante veículo de transmissão do vírus (Bofil-Mas et al. 2005,
Vasickova et al. 2005, Knipe &Howley 2007).
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mar foram inativados na ausência de luz, enquanto que 99% foram destruídas na
presença de luz (Sail et al. 2002, Fong & Lipp 2005).
Os vírus entéricos normalmente permanecem mais estáveis no ambiente em
baixas umidades por alguns dias. Foi demonstrado que os rotavírus permanecem viáveis
por 10 dias a temperatura ambiente em UR de 25%, tendo sua sobrevida diminuída para
12 horas quando a UR alcança 85% (Sail et al. 2002, Fong & Lipp, 2005, Tavares et al.
2005).
Quanto ao pH, alguns vírus entéricos, como os rotavírus e enterovírus, são
estáveis em uma ampla faixa de pH (3,0-9,0), podendo ainda resistirem, em
determinadas situações, a desinfecção por compostos com pH abaixo de 3,0 (Koopmans
& Duizer 2004, Tavares et al. 2005).
Em superfícies e objetos não porosos, em geral, as partículas viras possuem um
maior tempo de sobrevivência. Os norovírus podem persistir potencialmente infecciosos
em superfícies inanimadas secas num período de oito horas a sete dias. Os adenovírus
podem permanecer por até 35 dias em superfícies plásticas por (Sail et al. 2002,
Koopmans & Duizer 2004, Fong & Lipp, 2005).
Os vírus possuem a capacidade de adsorção a sólidos, que agem como um fator
de proteção para as partículas. Em estuários, observou-se que tanto rotavírus como
HAV tiveram uma menor sobrevida em sólidos dissolvidos do que no sedimento (Sail et
al. 2002, Azadpour et al. 2003).
O pequeno diâmetro das partículas virais (nanômetros) quando comparado aos
demais microrganismos (micrômetros), é outro fator que favorece a persistência viral no
ambiente, justificando, por exemplo, a maior a resistência destes patógenos ao processo
de filtração empregado nas estações de tratamento de água e esgoto, que é eficaz para
remoção de bactérias e parasitos (Payment 1998, Tavares et al. 2005).
Outro fator de proteção para os vírus entéricos é a ausência de envelope na
estrutura, tornando-os mais resistentes a inativação por determinados compostos
químicos como éter e cloro. Entre os vírus entéricos, os norovírus e o HAV são mais
resistentes ao processo de cloração, pois permanecem viáveis em águas tratadas com
concentrações de cloro e cloreto livres normalmente empregadas no controle bacteriano
(Appleton 2000, Sail et al. 2002, Tavares et al. 2005).
Os vários nutrientes e microrganismos presentes no esgoto podem
comprometer o tempo de sobrevivência dos vírus no ambiente. Enzimas como as
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proteases e nucleases extracelulares podem inativar as partículas, e conseqüentemente
diminuir a viabilidade dos vírus no ambiente (Sail et al. 2002, Fong & Lipp, 2005).
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empregados em áreas urbanas, apresentam custos significativos e somente realizam
análises de amostras volumosas de esgoto (Henze et al. 1995, Zoratto 2006).
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O crescente aumento na demanda de água provocada pelo crescimento
populacional, desenvolvimento industrial e expansão agrícola têm causado desgastes
sobre os recursos hídricos do planeta. Em muitas regiões, devido à falta de alternativas,
os recursos hídricos têm sido explorados de maneira não sustentável. Neste contexto, o
reuso de esgotos é uma alternativa bastante atraente a ser avaliada no contexto da gestão
integrada dos recursos hídricos.
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A utilização de esgotos tratados na agricultura deve ser bem planejada de modo
a garantir à saúde dos trabalhadores e dos consumidores, assim como prevenir a
deterioração da qualidade do solo, devido à salinização e das águas superficiais e
subterrâneas por contaminantes químicos e biológicos. Atualmente, já existe
conhecimento suficiente para permitir a implantação de projetos de irrigação com o uso
de esgotos sanitários tratados do ponto de vista bacteriológico, entretanto estes projetos
não garantem a qualidade dos efluentes em termos de segurança virológica.
Dessa forma, é necessário o desenvolvimento de metodologias para ser
utilizado na avaliação da qualidade virológica de efluentes tratados, como também o
estabelecimento de um indicador viral “universal” capaz de assegurar a qualidade destes
efluentes para fins de reuso, visto que, até o momento, esse monitoramente somente é
realizado em situações ocasionais de controle pelas autoridades sanitárias.
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