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RESUMO
O presente trabalho discute a aplicação da legislação ambiental em uma Área de Proteção Ambiental (APA),
na Bacia do Guariroba, Campo Grande, Mato Grosso do Sul, responsável por 50% da água utilizada no
abastecimento urbano da cidade. Este estudo foi desenvolvido por meio de levantamento bibliográfico
relacionado às políticas públicas adotadas na APA e de análises feitas in loco, avaliando a validade e eficácia
da aplicação da legislação nesta área de proteção ambiental, através dos pontos de vista jurídico, social e
ambiental. Os resultados indicam que a legislação ambiental não está sendo aplicada e que ocorre uma
omissão do poder público, que não fiscaliza o cumprimento das normas que deveriam reger esse tipo de
unidade de conservação, que sofre com processos de erosão, assoreamentos, além da substituição contínua
da vegetação nativa por espécies exóticas, tais como braquiária e eucalipto, o que ameaça a biodiversidade
da região e os recursos hídricos da área.
ABSTRACT
This paper discusses the application of environmental legislation in an Environmental Protection Area in the
Guariroba Basin, Campo Grande, Mato Grosso do Sul, which accounts for 50% of water used in urban water
supply in the city. The methodology of the research included a review of the bibliography related to public
policies adopted in the area of Environmental Preservation and local analyses, assessing the validity and the
effectiveness of enforcement in this area of environmental protection, considering legal, social and environmental
points of view.The results indicate that environmental legislation is not being enforced and that there is a failure of
public power, which does not monitor compliance with the standards that should govern this type of conservation
unit, which suffers from erosion, silting of water resources, and continuous substitution of native vegetation by
exotic species, such as pasture and eucalyptus, which threatens the region's biodiversity and the water resources
of the area.
KEYWORDS: Sustainable Development; Protection Units; Area of Environmental Protection; Water Resources;
Watershed.
conservação e preservação ambiental exclusivas do bacia. Posteriormente foram feitas visitas técnicas à
poder público. região, para avaliar a quais impactos antrópicos está
Apesar de atualmente existir no município três sendo submetida. Assim, buscou-se demonstrar e
APAs – Mananciais do Córrego do Guariroba, analisar a validade e a eficácia da aplicação da
Mananciais do Córrego Lajeado e a da Bacia do legislação na APA do Guariroba.
Córrego Ceroula –, a mais relevante é a Área de
Proteção Ambiental do Guariroba, principal fonte RESULTADOS E DISCUSSÃO
de abastecimento de água de Campo Grande. Ela é A APA engloba uma área t o t al de
responsável por 50% de todo o abastecimento local, aproximadamente 360 km², com seu território
sendo criada por decorrência da necessidade que o composto basicamente pela ocupação rural. As
município apresentava, na época, de recuperar e propriedades são de natureza rural privada, voltadas
conservar a principal fonte de água doce no à prática da pecuária extensiva, com 82% do
município (GUARIROBA, 2009). território da APA composto essencialmente de
A APA do Guariroba iniciou-se com a formação pastagens artificiais de Brachiaria decumbes Stapf
da represa (Reservatório do Guariroba), acessada (GUARIROBA, 2009).
pela BR-262 a aproximadamente 35 km de Campo A maior parte dos proprietários não efetua os
Grande. Anteriormente a área era explorada pela devidos manejos estabelecidos pelo programa de
Empresa de Saneamento de Mato Grosso do Sul proteção da APA, alegando que o custo para a
(Sanesul), responsável pela const rução do manutenção ecológica é elevado, em relação à renda
reservatório e implantação do sistema de captação obtida no exercício de suas atividades econômicas,
e adução da água da APA para a cidade em 1985; inviabilizando sua aplicação.
hoje quem realiza essa função é a concessionária Dessa maneira, a legislação ambiental não é
Águas Guarirobas S.A. (GUARIROBA, 2009). cumprida na maioria das propriedades, seja em
Levando em consideração a importância dessas relação às Áreas de Preservação Permanente (APP)
APAs, que abrigam as principais fontes de água e/ou de Reserva Legal, que não possuem o tamanho
potável do município, o objetivo principal deste preconizado pela lei.
estudo foi examinar a real situação da sub-bacia É importante lembrar que as APPs e Reservas
hidrográfica do Guariroba. Legais estão discriminadas na Lei n.º 4.771/65
Visou-se discutir a regulamentação de Áreas de (Código Florestal), sendo alguns dispositivos
Prot eção Ambient al no Brasil, a part ir da alterados pela Lei Federal n.º 7.803/89. As APPs
Constituição Federal de 1988, pretendendo estão regulamentadas nos artigos 2.º e 3.º do
demonstrar se há validade e eficácia na aplicação Código Florestal, e podem ser definidas como áreas
da legislação ambiental nesta área municipal, e que podem ser cobertas ou não por vegetação nativa,
avaliando se os impactos causados ao ambiente com a função de preservar e conservar o ambiente,
estão sendo efetivamente tutelados do ponto de vista assim como preservar os recursos hídricos, a
jurídico e ambiental. paisagem, a est abilidade ecológica, a
biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora,
M ETODOLOGIA proteger o solo e assegurar a qualidade de vida das
Este estudo foi desenvolvido primeiramente por populações humanas (REBOUÇAS et al., 2006).
meio de levantamento bibliográfico, relacionado às Ressalta-se que qualquer intervenção em área de
políticas públicas de manejo adotadas na referida preservação permanente, seja em APAs ou não,
área, e em legislações referentes ao estudo, para pode gerar uma significativa interferência nas
enquadrar a previsão legal à realidade atual da sub- formações ripárias, devendo possuir uma extensão
específica a ser protegida de acordo com a largura representantes que falem ou se omitam em seu
do recurso hídrico, podendo ser ele rio, nascente, nome. Décadas de uso ilícito da propriedade
represa ou lago. rural não dão salvo-conduto ao proprietário ou
O Código Florestal atribui a importância de se posseiro para a continuidade de atos proibidos
preservar as APPs para impedir vários tipos de ou tor nam legais práticas vedadas pelo
impacto ambiental aos recursos hídricos locais, legislador, sobretudo no âmbito de direitos
utilizando-se das formações ripárias na manutenção indisponíveis, que a todos aproveita, inclusive
dos ecossistemas, evitando, por exemplo, escassez às gerações futuras, como é o caso da proteção
da água, erosão e assoreamento, perda da qualidade do meio ambiente. As APPs e a Reserva Legal
da água e da biodiversidade, entre outros fatores justificam-se onde há vegetação nativa
(COELHO, 2010). remanescente, mas com maior razão onde, em
Já a Reserva Legal pode ser definida, com base consequência de desmatamento ilegal, a flora
no Código Florestal, como "área localizada no local já não existe, embora devesse existir. Os
interior de uma propriedade ou posse rural, deveres associados às APPs e à Reserva Legal
excetuada a de preservação permanente, necessária têm natureza de obrigação propter rem, isto é,
ao uso sustentável dos recursos naturais, à ader em ao título de domínio ou posse.
conservação e reabilit ação dos pr ocessos Precedentes do STJ. Descabe falar em culpa
ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao ou nexo causal, como fatores determinantes do
abrigo e proteção de fauna e flora nativas" dever de recuper ar a vegetação nativa e
(REBOUÇAS et al., 2006). aver bar a Reser va Legal por par te do
Portanto, é a área de Reserva Legal que sofre proprietário ou possuidor, antigo ou novo,
uma limitação administrativa, e ela vem discriminada mesmo se o imóvel já estava desmatado quando
no Art. 16 do Código Florestal, segundo o qual o de sua aquisição. Sendo a hipótese de
proprietário ou o possuidor somente poderá utilizá- obrigação propter rem, desarrazoado perquirir
la sob manejo florestal sustentado – o que deveria quem causou o dano ambiental in casu, se o
ocorrer na APA e não vem sendo cumprido pelos atual propr ietário ou os anteriores, ou a
proprietários privados, devendo se efetivar mediante culpabilidade de quem o fez ou deixou de fazer.
projeto próprio e com prévia autorização do Poder Pr ecedentes do ST J. Recur so Especial
Público (REBOUÇAS et al., 2006). parcialmente conhecido e, nessa parte, não
A não observância dos proprietários sobre a provido. (REsp 948.921/SP, Rel. Ministro
prática de um manejo adequado na APA tem gerado HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA
várias ocorrências de passivos ambient ais, TURMA, julgado em 23/10/2007, DJe 11/11/
associados diretamente à erosão e principalmente à 2009)."
supressão vegetal em APPs.
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, P or t ant o , a jur ispr udência é clar a ao
publicada no Diário de Justiça do dia 17/12/2009, demonstrar que devem ser respeitadas as áreas
entende que: de pr o t eção per manent e ( AP P ) co mo as
Reservas Legais, cabendo ao proprietário o dever
"(...) Inexiste direito adquirido a poluir ou de recuperá-la, caso haja eventual dano ao
degradar o meio ambiente. O tempo é incapaz ambiente. Porém, apesar de a determinação legal ser
de curar ilegalidades ambientais de natureza bastante evidente em relação a responsabilidade
permanente, pois parte dos sujeitos tutelados – objetiva do proprietário, na APA do Guariroba o
as gerações futuras – carece de voz e de manejo e a recuperação são inexistentes, pela falta de
ambiental, aplicada ao agente que comete algum expressamente o dever do poluidor ou predador
tipo de degradação ou impacto ao ambiente, de recuperar e/ou indenizar os danos causados,
deverá sempre possuir um caráter objetivo. Assim além de possibilitar o reconhecimento da
se determinado sujeito praticar algum dano às responsabilidade, repise-se, objetiva, do poluidor
APAs, deverá ser responsabilizado objetivamente em indenizar ou reparar os danos causados ao
e, dependendo do caso, até criminalmente, com meio ambiente ou aos terceiros afetados por
base na Lei n.º 9.605/1998 (Lei dos Crimes sua atividade, como dito, independentemente da
Ambientais). existência de culpa, consoante se infere do art.
É o que se tem evidenciado nos precedentes 14, §1.º, da citada lei.
judiciais do Superior Tribunal de Justiça, como o 6. A aplicação de multa, na hipótese de dano
julgado em 5/8/2004, e publicado no Diário de ambiental, decorre do poder de polícia –
Justiça no dia 20/9/2004, página 196: mecanismo de fr enagem de que dispõe a
Administração Pública para conter ou coibir
"DANO AMBIENTAL. CORT E DE atividades dos particulares que se revelarem
ÁRVORES NAT IVAS EM ÁREA DE nocivas, inconvenientes ao bem-estar social, ao
PROT EÇÃO AMBIENTAL. desenvolvimento e à segurança nacional, como
RESPONSABILIDADE OBJETIVA. sói acontecer na degradação ambiental.
1. Contr ovér sia adstr ita à legalidade da 7. Recurso especial provido (REsp 578.797/RS,
imposição de multa, por danos causados ao meio Rel. Ministr o LUIZ FUX, PRIMEIRA
ambiente, com respaldo na responsabilidade TURMA, julgado em 05/08/2004, DJ 20/09/
objetiva, consubstanciada no corte de árvores 2004 p. 196)."
nativas.
2. A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente Este julgado serve como paradigma na correta
(Lei 6.938/81) adotou a sistemática da aplicação legislativa interpretada pelo já pacificado
r esponsabilidade civil objetiva (art. 14, entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal
parágrafo 1.º) e foi integralmente recepcionada de Justiça, que considera o ambiente natural como
pela ordem jurídica atual, de sorte que é algo de difícil reparação, por ser complexo, logo o
irrelevante e impertinente a discussão da indivíduo nunca conseguirá equilibrar o ambiente
conduta do agente (culpa ou dolo) par a exatamente como ele se encontrava.
atribuição do dever de indenizar. Assim sendo, "basta haver o nexo causal entre a
3. A adoção pela lei da responsabilidade civil lesão infligida ao meio ambiente e a ação ou omissão
objetiva significou apreciável avanço no do responsável dano", para que seja configurada a
combate à devastação do meio ambiente, uma Responsabilidade Objetiva do agente, devendo ele
vez que, sob esse sistema, não se leva em conta, reparar o dano causado no ambiente.
subjetivamente, a conduta do causador do dano, A Lei n.º 6.902/1981 (sobre a criação de
mas a ocorrência do resultado prejudicial ao estações ecológicas e áreas de proteção ambiental),
homem e ao ambiente. Assim sendo, para que em seu Artigo 8.º, dispõe que:
se observe a obrigatoriedade da reparação do
dano é suficiente, apenas, que se demonstre o "Quando houver um r elevante inter esse
nexo causal entre a lesão infligida ao meio público, o Poder Executivo Federal, Estadual e
ambiente e a ação ou omissão do responsável Municipal poderá declarar determinadas áreas
pelo dano. dos seus territórios de interesse para a proteção
4. O art. 4.º, VII, da Lei n.º 6.938/81, prevê ambiental, a fim de assegurar o bem-estar das
populações humanas, a proteção, a recuperação se considerar o Plano de Manejo como sendo "o
e a conservação dos recursos naturais." documento técnico que se baseia nos fundamentos
e objetivos gerais de uma Unidade de Conservação,
Esse aspecto torna as áreas de proteção deve estabelecer o seu zoneamento e normas que
ambiental uma unidade de conservação em que a delimitem o uso das áreas de manejo dos recursos
capacidade de intervenção do Estado é limitada naturais, contendo, ainda, as implementações
pelos princípios constitucionais, que estabelecem à encontradas nas estruturas físicas necessárias para
coletividade e ao poder público o direito à a gestão da unidade."
propriedade. Portanto, dispõe a definição da função Com base no que dispõe a recomendação legal,
social da propriedade rural. o Plano de Manejo é consolidado como um
Desse modo, o uso dessas áreas rurais no documento técnico que traça as diretrizes para se
planejamento de ocupação de determinado território ter um gerenciamento das Áreas de Proteção
necessitará ocorrer de forma efetiva e conjunta, Ambiental, que posteriormente poderão estabelecer
devendo o município ou o Estado agir conforme os o zoneamento de toda a unidade, de modo a ordenar
preceitos legais, buscando uma exploração dos o uso e a ocupação do solo rural, buscando sempre
recurso s nat urais das APAs de maneira coibir os impactos ambientais nas Áreas de Proteção
eco logicament e equilibr ada, at r avés da Ambiental.
sustentabilidade no ambiente natural.
Para que haja a devida aplicação e interpretação C ONCLUSÕES
da legislação, deve-se observar a redação do A APA não atende a sua função social, uma vez
Decreto Federal n.º 4.340/2002 (regulamenta que não protege de modo sustentável a utilização
artigos da Lei n.º 9.985, de 18 de julho de 2000, do ambiente. Apesar da existência de um extenso
que dispõe sobre o SNUC e dá out r as plano de manejo, este não está sendo respeitado
providências), que em seu Art. 17 estabelece que pelos proprietários rurais, deixando com que
as Áreas de Proteção Ambiental devem dispor de ocorram impactos negativos na área.
um "Conselho Gestor" composto por representantes A agropecuária exercida no local não ocorre
dos órgãos públicos e responsáveis por sua dentro dos parâmetros da sustentabilidade,
administração: ocasionando inúmeros impactos lesivos ao
ambiente.
"Ar t. 17. As categor ias de unidade de Pela falta de consciência e educação ambiental
conservação poderão ter, conforme a Lei n.º da comunidade que reside na APA, e que se utiliza
9.985, de 2000, conselho consultivo ou dela como meio de subsistência, verifica-se a
deliberativo, que serão presididos pelo chefe da ausência de manejo adequado no ambiente e da
unidade de conservação, o qual designará os própria recuperação das áreas degradas.
demais conselheiros indicados pelos setores a Outro fator que fica evidente na análise da
serem representados." ausência de funcionamento da APA é a falta de
fiscalização por parte do poder público, não sendo
Trata-se, portanto, de um sistema de gestão exigido, assim, o cumprimento da legislação
integrada e participativa, tendo como base para sua ambiental vigente.
sustentação o Plano de Manejo. O que agrava a situação é a falta de interesse
Destarte, o Plano de Manejo é definido pela Lei do poder público e da coletividade na divulgação
Federal n.º 9.985/2000 em seu Art. 27, "caput" e da real situação apresentada na APA, transformando
seus parágrafos. Logo, de maneira sucinta, pode- este fato em um puro descaso público.
REsp 578.797/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, CC 36.666/MG, Rel. Ministro PAULO
PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/08/2004, DJ GALLOTTI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em
20/09/2004 p. 196. 22/02/2006, DJ 08/02/2008 p. 636.
RECEBIDO EM 15/4/2010
ACEITO EM 19/7/2010