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O presente ensaio tem por objetivo tratar do atual tema da fidelidade partidária,
abordando, sobretudo, os aspectos processuais relacionados com o processo de decretação
da perda do mandato em razão de desfiliação sem justa causa à luz do que determina a
Resolução 22.610 do Tribunal Superior Eleitoral, de 25 de outubro de 2007 (alterada pela
Resolução/TSE n. 22.733, de 11 de março de 2008).
1
- Professor Doutor de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Juiz Efetivo
do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. Advogado.
2
- Graduado, com láurea acadêmica, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestrando em Direito
Processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Advogado em São Paulo e Campo
Grande/MS.
2
Em seu lugar, surge o mandato livre, no qual o parlamentar toma decisões sem
rígidas amarras à base, em nome da nação como um todo, sem que fique sujeito à
possibilidade de vê-lo revogado.3 Este modelo, associado à doutrina da tripartição dos
poderes e da igualdade (formal) de todos perante a lei – esta, o mais importante instrumento
de cristalização da “vontade geral” – delimita as bases para a consagração da democracia
liberal representativa.
3
Sobre o ponto, CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra:
Almedina, 2003, p. 112-3; AFONSO DA SILVA, José. Curso de direito constitucional positivo. 27. ed. São
Paulo: Malheiros, 2006, p. 138-9.
4
Sucede à democracia de corte liberal a chamada democracia social, na qual – diante do reclamo das classes
menos favorecidas – se agiganta o intervencionismo estatal, especialmente no domínio econômico. O sufrágio
– antes restrito por sistemas censitários (acerca da limitação e da ideologia “proprietarista” subjacente,
influenciada sobretudo pelo pensamento de John Locke, consulte-se CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito
constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 117-8) – torna-se universal. Mas,
em contrapartida, são verificadas excessivas restrições à liberdade individual, que conduzem à opressão e, em
casos extremos, aos regimes totalitaristas. Sobre estas diferentes formas de manifestação do poder, analisando
a passagem da democracia liberal para a social democracia e propondo a democracia participativa como novo
estágio evolutivo, consulte-se CALMON DE PASSOS, J. J. “Democracia, participação e processo”. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo. Participação e
processo. São Paulo: RT, 1998, p. 83-97, especialmente p. 87-92. Desnecessário lembrar, também, os regimes
ditatoriais que marcaram o Brasil durante o século XX. Para um sumário da evolução de nossos sistemas
eleitorais, desde o início da República, consulte-se COMPARATO, Fábio Konder. “Sentido e alcance do
processo eleitoral no regime democrático”. Revista Trimestral de Direito Público, n. 17, 1997, p. 221-224.
3
A tal fim socorrem algumas instituições asseguradas pelo sistema eleitoral. Avulta
em importância o papel desempenhado pelos partidos políticos, que atuam necessariamente
como corpos intermediários por meio dos quais se manifesta e realiza a vontade popular, 6
até porque, consoante reza o art. 14, § 3º, inc. V, da Constituição da República, a filiação
partidária é condição de elegibilidade imprescindível (regra acolhida pela Lei n. 9.504/97 –
Lei das Eleições, que exige, no seu art. 11, III, a “prova de filiação partidária” para fins de
inscrição de candidato; também o Código Eleitoral, no art. 87, dentre outros).
5
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina,
2003, p. 294.
6
O Supremo Tribunal Federal assegurou esse entendimento ao afirmar que “os partidos políticos são
importantes instituições na formação da vontade política. A ação política realiza-se de maneira formal e
organizada pela atuação dos partidos políticos. Eles exercem uma função de mediação entre o povo e Estado
no processo de formação da vontade política, especialmente no que concerne ao processo eleitoral. Mas não
somente durante essa fase ou período. O processo de formação da vontade política transcende o momento
eleitoral e se projeta além desse período. Enquanto instituições permanentes de participação política, os
partidos desempenham função singular na complexa relação entre o Estado e a sociedade” (trecho do voto
do Min. Gilmar Mendes, STF, Pleno, ADI n. 1351-DF, rel. Min. Marco Aurélio, j. 07.12.06, DJ 30.03.07, p.
68)
7
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967. São Paulo: RT, 1967,
t. IV, p. 613.
8
AFONSO DA SILVA, José. Curso de direito constitucional positivo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.
140.
4
construído sobre uma base doutrinal comum, razão de ser da união dos filiados, sob pena de
representar mera “agregação de fôrças, sem fundo moral”. 9
9
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967. São Paulo: RT, 1967,
t. IV, p. 608. Em sentido semelhante, assenta GOFFREDO TELLES JR.: “Sem fidelidade dos parlamentares
aos ideários de interesse coletivo, definidos nos respectivos programas registrados, os partidos se reduzem a
estratagemas indignos, a serviço de egoísmos disfarçados; e os políticos se desmoralizam.” (“A democracia
participativa”. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, v. 100, 2005, p. 117).
10
Expressão destacada do voto proferido pelo Min. Cezar Peluso, TSE, Res. 22.256, rel. Min. Asfor Rocha,
DJ 09.05.07, p. 143, j. em 27.03.07.
11
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina,
2003, p. 628.
12
TSE, Res. 22.256, rel. Min. Asfor Rocha, DJ 09.05.07, p. 143, j. em 27.03.07
5
Neste modelo, os votos são direcionados ao partido, sendo possível que o candidato
eleito por uma determinada legenda, poderia não tê-lo sido por outra, ainda que lograsse
número idêntico de votos em seu próprio nome. Lembre-se, quanto ao ponto, que apenas 31
dos 513 deputados federais eleitos (o que corresponde a ínfimos 6,04%) alcançaram o
quociente eleitoral por si próprios, do que se conclui que a esmagadora maioria dos
representantes da Casa valeram-se de sobras ou restos, reflexos dos votos conferidos à
agremiação como um todo. Tudo a justificar, portanto, a fiel permanência do eleito –
enquanto exerce o mandato – nos quadros do partido.
Todavia, em que pese seja de se esperar do mandatário este forte vínculo com a
agremiação pela qual foi eleito, é sobremaneira comum observar-se que, após a
diplomação, o candidato deixa o partido, deformando o resultado do processo eleitoral.
A Constituição de 1988, por sua vez, não repetiu disposição assemelhada ao vetusto
(e derrogado) §5º do art. 152, CF 67/69. Mencionou apenas que os estatutos dos partidos
devem “estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária” (§ 1º do art. 17), não
6
Anos depois, respondendo à consulta 1.398, de 2007, formulada pelo então Partido
da Frente Liberal – PFL (hoje “Democratas”), o Tribunal Superior Eleitoral firmou o
entendimento, por maioria (vencido o Min. Marcelo Ribeiro), de que os mandatos
pertencem aos partidos, não ao indivíduo eleito.14 A antiga inclinação do Supremo Tribunal
13
MS 20.927-5/DF, DJ 15/4/1994, p. 8.061, j. em 11/10/89.
14
Resolução 22.526, rel. Min. Asfor Rocha, DJ 9/5/2007, p. 143, j. em 27/3/2007.
7
Federal, foi então dito, “não está afinada com o espírito do nosso tempo”. O voto do relator
(Min. Asfor Rocha), recorrendo à força normativa dos princípios constitucionais, destacou
longamente a importância dos partidos políticos – “autênticos protagonistas da democracia
representativa” – e reconheceu que os votos são conferidos induvidosamente às legendas.
Tanto assim que são contados em favor das agremiações os votos de candidato que venha a
ser declarado inelegível ou tenha seu registro cancelado após as eleições (art. 175, §4,
Código Eleitoral; também o art. 176).
A Corte Eleitoral foi novamente instada a pronunciar-se sobre o tema, desta vez em
relação aos cargos preenchidos pelo princípio majoritário, diante da consulta n. 1.407/07. 15
Também nestes casos prevaleceria o entendimento de perda do mandato por infidelidade?
15
TSE, Res. 22.600/DF, rel. Min. Ayres Britto, DJ 28/12/2007, p. 1, j. em 16/10/2007.
8
Não há o que censurar nas pronúncias do Tribunal Superior Eleitoral nestes dois
leading cases, exceção feita à afirmação no sentido de que a perda do mandato seria
automática, decorrendo da mera superveniência de um fato jurídico, exatamente como se
daria, segundo analogia empregada, com a morte do mandatário vinculado por contrato de
direito privado (art. 682, II, Código Civil). 16 Tal conseqüência ganha corpo tão-somente
mediante decisão proferida pela Justiça Eleitoral, nos moldes do procedimento previsto pela
Resolução 22.610, balizado, como não poderia deixar de ser, pelo princípio do devido
processo legal (art. 5º, LIV) e seus consectários.
O que surge automaticamente, vale desde logo adiantar, é o direito potestativo (ou
formativo) à decretação da perda do mandato por infidelidade. Ocorrido o fato jurídico
“desfiliação injustificada”, incide a norma correspondente a fim de fazer surgir o direito
indicado, que deverá, entretanto, ser afirmado em juízo pelo respectivo titular ou por
substituto processual, nos prazos decadenciais fixados, sob pena de se consolidar a
migração partidária sem a conseqüente perda do cargo. Trata-se, portanto, na linguagem
processual, de ação constitutiva necessária.
16
A posição relatada, bem assim a analogia com a extinção do mandato por morte do mandatário, são de
autoria do Min. Cezar Peluso. TSE, Res. 22.600/DF, rel. Min. Ayres Britto, DJ 28/12/2007, p. 1, j. em
16/10/2007.
9
Forçoso reconhecer que o Judiciário, neste cenário, acabou por tomar como agenda
sua a Reforma Política,17 postura devida, em grande parte, à inadequação (e conseqüente
ausência de vontade política) do Poder Legislativo para revisar normas que dizem respeito
diretamente a seus próprios interesses.18
3. Justa Causa para fins de desfiliação sem perda do mandato (art. 1º, §1º, incisos I a
IV da Resolução 22.610/TSE).
17
Demonstra amplamente o fenômeno MONICA HERMAN CAGGIANO, em estudo apresentado no V
Encontro Luso-Brasileiro do Direito Constitucional (jan. 2008) denominado “A jurisprudência constitucional
sobre matéria eleitoral”. Refere a autora que vários pontos da Reforma Política constantes, v.g., do Projeto de
Lei nº 2.679/2003 (mais conhecido pelo nome do Relator, Deputado Ronaldo Caiado), documento que
espelhava proposta advinda da Comissão Especial de Reforma Política, aprovada neste colegiado por 26 votos
favoráveis contra 11, foram superados por intervenções do TSE: o número limite de vereadores (Res.
21.702/2004), a vedação da “migração de prefeitos” (Res. 21.608/2004)... ao que se soma, agora, o tema da
infidelidade partidária (Res. 22.610/07).
18
Consoante bem assinalado por FÁBIO KONDER COMPARATO, “a votação, pelos representantes do povo,
das normas que regem o processo pelo qual eles próprios foram eleitos, constitui inadmissível violação do
princípio que proíbe a prática, por um representante, de atos que digam respeito aos seus próprios interesses,
em conflito com os interesses do representado”. (“Sentido e alcance do processo eleitoral no regime
democrático”. Revista Trimestral de Direito Público, n. 17, 1997, p. 228).
19
TSE, Agravo Regimental no Mandado de Segurança nº 3.668. rel. Min. Arnaldo Versiani, j. em 20/11/2007.
10
Em Portugal, pode o parlamentar que deixar sua legenda conservar o cargo eletivo,
desde que não se filie a outra agremiação, ou seja, desde que se mantenha como “deputado
independente” (CRP, art. 160/1/c).20 Entre nós, porém, a mera desfiliação injustificada
acarreta a possibilidade de decretação da perda do mandato por infidelidade. Vale dizer: a
desfiliação desacompanhada de justa causa é o fato jurídico do qual decorre o direito à
decretação da perda do cargo eletivo, pouco importando, para este fim, se o mandatário
aderiu ou não a outra agremiação.
Cumpre analisar, pois, ainda que brevemente, as hipóteses de justa causa arroladas
no art. 1º, §1º, incisos I a IV, da Res. 22.610. Comprovada a presença de qualquer uma
delas, a desfiliação não acarretará a perda do cargo eletivo.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, é curial não haver justa causa, por outro
lado, para aqueles filiados do partido incorporador. A agremiação continua a existir e, mais
do que isso, ganha em termos de representatividade,21 com a soma dos votos obtidos por
ambas legendas para efeito de funcionamento parlamentar, de distribuição de recursos do
fundo partidário e de acesso à mídia (art. 29, §6º, Lei 9.096/95). É evidente que, se da
incorporação resultar um desvio do programa do partido incorporador, há justificativa para
a desfiliação; contudo, trata-se de causa autônoma (inc. III do art. 1º, §1º, Res. 22.610),
portanto, independente de haver ou não ocorrido a incorporação, que é, no caso, irrelevante.
20
Sobre o ponto, CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra:
Almedina, 2003, p. 629.
21
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 81.
11
Em decorrência de fusão (ou seja, união de dois ou mais partidos a fim de formar
nova agremiação), ambos partidos são extintos e seus registros cancelados (art. 27 da Lei
9.096/95). Por isso, apesar de também aqui haver um ganho de patrimônio partidário (com
soma dos votos, nos termos do já mencionado §6º do art. 29, Lei 9.096/95), o fato de haver
nova agremiação, com novos estatuto e programa (art. 29, §1º, I, da referida Lei dos
Partidos Políticos), justifica eventual retirada dos filiados dos partidos fundidos.
Aquele que se desfiliar para criar novo partido também não será atingido pela perda
do cargo. É a causa prevista no inc. II do parágrafo em análise, que não oferece maiores
dificuldades ao intérprete. Por meio dela é realçado o valor do pluripartidarismo,
decorrência lógica do pluralismo político, tido este por fundamento da República (art. 1º, V,
CF).
Haverá justa causa, além disso, quando houver “mudança substancial ou desvio
reiterado do programa partidário” (inciso III do dispositivo em comento).
22
TRE-SP, DIV. n. 1.074, rel. Juiz Paulo Henrique Lucon, j. 15.05.08. Segundo a jurisprudência, questões
estatutárias são interna corporis, não cabendo cogitar de justa causa para desfiliação por inobservância do
estatuto, a não ser que desta resulte ato que configure discriminação pessoal grave (fundamento autônomo
previsto no inc. IV do art. 1º, §1º, da Res. 22.610). Contra, entendendo que inobservância do estatuto é justa
causa, CÂNDIDO, Joel J. Direito eleitoral brasileiro. 13. ed. Bauru: Edipro, 2008, p. 633.
12
Ocioso dizer que tal averiguação há de ser realizada necessariamente à luz do caso
concreto. Será fácil apontar hipóteses extremas (mas de difícil ocorrência e de reduzida
relevância prática) hábeis a configurar a justa causa: pense-se, v.g., nos exemplos didáticos
do partido que, admitindo um entrave de classes de matriz marxista, passe a defender
abertamente interesses do segmento industrial, em detrimento da massa operária que lhe
deu substância em sua origem, ou da agremiação partidária de cunho ambiental que se
desvie de seu objeto e coloque-se repetidas vezes ao lado de setores de produção altamente
poluidores em questões cruciais à preservação de determinada região. Complicadíssima,
entretanto, apresenta-se a tarefa de delinear – em abstrato – critérios precisos para a
aferição da mudança substancial em casos menos evidentes.
23
Por todos, sendo do autor as expressões empregadas entre aspas, ENGISCH, Karl. Introdução ao
pensamento jurídico. 9. ed. Tradução de J. Baptista Machado. Lisboa: Calouste Gulbenkian, p. 205-274
passim (capítulo 6 da obra).
13
justa causa. A tanto obsta o princípio da boa-fé objetiva, valendo aqui o brocardo
turpitudinem suam allegans non auditur . 24 E isso porque a razão de ser do inciso III
reside exatamente na discordância do mandatário com as novas diretrizes impressas ao
partido, destoantes das suas convicções pessoais, que se mantiveram fiéis à anterior postura
da agremiação, motivo de sua aderência. Rompendo o partido com a trajetória política
traçada, não estará vinculado o mandato do indivíduo dissonante que, justamente por esta
razão, se desfilia.
De outro lado, é possível que a mesma mudança programática seja substancial para
alguns, mas não para outros filiados, conforme a “proposta eleitoral” particular do
candidato. Pense-se, a título exemplificativo, em partido que sempre repudiara a reforma
previdenciária, mas que venha ulteriormente a rever sua postura e prestar-lhe apoio, com
isso alterando o seu programa ou desviando-se dele. Poderá reconhecer-se, no caso em tela,
relevante alteração face ao mandatário cujos projetos e discursos estejam vocacionados de
maneira nítida à defesa dos interesses patrimoniais dos pensionistas, não se podendo dizer
necessariamente o mesmo no tocante ao colega que reconhecidamente volta seu foco de
atuação ao amparo de populações indígenas, por exemplo. O dado insere, é verdade, novo
conceito indeterminado na já complicada equação da justa causa. Contudo, ratifica o
entendimento de que tão-somente à luz das circunstâncias particulares do caso poderá o juiz
fundamentar adequadamente sua decisão.
Por fim, o inciso IV estatui que a vítima de discriminação pessoal grave também
poderá desfiliar-se, sem prejuízo do mandato. A norma tem fundamento no enunciado da
igualdade e no regime democrático, decorrendo, em última análise, da aplicabilidade de
direitos fundamentais ao âmbito privado. 25
24
Sobre o tema, discorrendo sobre a figura do tu quoque, MENEZES CORDEIRO, Antônio Manuel da
Rocha. Da boa fé no Direito Civil. Coimbra: Almedina, 1984, v. 2, p. 837 e ss.
25
MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 770.
14
liberdade interna. Assim, as normas básicas inerentes ao regime democrático deverão ser
observadas, de modo que se impõe uma “democraticidade interna” das legendas; em feliz
síntese, seguindo ainda lição de Canotilho, podemos afirmar que “a democracia de partidos
postula a democracia nos partidos”.26
A fidelidade partidária é uma via de mão dupla: o representante eleito deve ser fiel
ao partido pelo qual foi eleito e, por sua vez, o partido deve ser igualmente fiel ao seu
filiado. Se é certo que o mandato eletivo pertence ao partido, é do mesmo modo certo que
aquele também pertence ao mandatário.
Para fins de justa causa, deve-se entender discriminação pessoal como o ato da
agremiação que singulariza um indivíduo – no presente e de forma definitiva – de tal forma
26
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina,
2003, p. 318.
27
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina,
2003, p. 318.
28
ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 41.
29
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3.ed. São Paulo:
Malheiros, 1998, p. 12.
15
30
Consoante lição valiosa de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, a perquirição quanto à
legitimidade de uma diferenciação se deixa desdobrar em três etapas, de forma que devem estar presentes: a)
um critério de desigualação, residente na situação ou nas pessoas atingidas, que não “singularize no presente
e definitivamente” um único e determinado sujeito a beneficiar ou prejudicar; b) correlação lógica entre o
critério e a disparidade estabelecida; e c) compatibilidade desta mesma correlação lógica com os interesses
protegidos pela Constituição (Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros,
1998, p. 12)
31
TRE-SP, DIV. n. 1.074, rel. Juiz Paulo Henrique Lucon, j. 15.05.08.
32
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004,
v. 2, p. 126-128. Com fartas indicações desse posicionamento da generalidade dos juristas brasileiros
(apontando também dissidências, como a de Botelho de Mesquita), CRUZ E TUCCI, José Rogério. A ‘causa
petendi’ no processo civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2001, p. 144-148.
16
autoridade da coisa julgada e de sua eficácia preclusiva (arts. 468 e 474, CPC,
respectivamente).
Vale o que foi narrado pelo demandante ab initio; outros fatos – ressalvados os
secundários33 – não podem ser considerados em momento ulterior, em razão da regra da
eventualidade reinante entre nós e da vedação da alteração do objeto litigioso. O juiz, por
sua vez, está vinculado tão-somente a tais alegações fáticas, mas não às razões jurídicas
invocadas, nem muito menos à indicação da categoria jurídica em que esses fatos se
enquadram (regra iura novit curia), embora não possa surpreender as partes com decisão
apoiada em tese jurídica não debatida.
Vale lembrar que de desfiliação ocorrida anteriormente aos termos fixados (isto é,
consumada antes de 27 de março de 2007, quanto a mandatários eleitos pelo sistema
proporcional, ou de 16 de outubro daquele mesmo ano, quanto a eleitos pelo sistema
majoritário – conforme o art. 13, Res. 22.610) não pode resultar perda do cargo. Assim,
especialmente importante é a indicação da data da desfiliação, sob pena de julgamento de
improcedência de plano (por carência de ação – impossibilidade jurídica do pedido).
5. Legitimados ativos
33
Quanto ao ponto, considerando não ser recomendável suprimir a possibilidade de que estes sejam
conhecidos, inclusive de ofício, ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil.
2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 152 e ss.
34
Assim, v.g., é legitimado ativo o diretório municipal, tratando-se de cargo eletivo de vereador. Nesse
sentido, TRE-RJ, Req. 32.467, rel. Jacqueline Lima Montenegro, DOE 29/5/2008, p. 2, j. em 26/5/2008.
17
integrante da mesma coligação pela qual foi eleito. Decretada a perda do mandato, portanto,
será este sempre restituído ao partido, não à coligação. 35
35
Afirmando os argumentos expendidos no texto, TSE, Consulta n. 1.439/DF, rel. Min. Caputo Bastos, j. em
30/8/2007; TRE-SP, DIV. 1151, rel. juiz Paulo Henrique dos Santos Lucon, DOE 1/7/2008, p. 2, j. em
17/6/2008; TRE-RJ, Req. 32.488, rel. Márcio André Mendes Costa, DOE 11/3/2008, p. 2, j. em 3/3/2008. É
interessante ressaltar o entendimento de que, apesar de ser a coligação ente de existência transitória, terá
legitimidade o partido do suplente, ainda que de outra legenda da coligação (GOMES, José Jairo. Direito
Eleitoral. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 85).
36
Assim, acaso já ajuizada a ação pelo partido, será repelida eventual demanda levada a cabo pelos
legitimados “subsidiários” ou “secundários”. Nesse sentido, TRE-SP, DIV 1.162, rel. juiz Paulo Henrique dos
Santos Lucon, DOE 12/02/2008, p. 01, j. em 22/1/2008.
37
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 84.
38
Reproduz-se, aqui, o trecho pertinente do referido voto: “(...) parece-me incogitável que alguém possa obter
para si – e exercer como coisa sua – um mandato eletivo, que se configura essencialmente como uma função
política e pública, de todo avessa e inconciliável com pretensão de cunho privado” – o grifo é nosso.
18
39
O Parquet pleiteia, em nome próprio, direito que pertence à coletividade como um todo, diante do interesse
público presente. Não substitui o partido, pois é pressuposto da atuação do órgão ministerial que o prazo
decadencial (extintivo do direito) já tenha transcorrido integralmente para este. Logo, o direito potestativo à
decretação da perda do mandato, a esta altura, já não mais existe para a agremiação partidária, pelo que não
pode ser dela o direito alheio defendido. O órgão ministerial não substitui, igualmente, o suplente, porquanto
não se afigura razoável conceber uma fattispecie de legitimação extraordinária diante de um legitimado
“subsidiário” e não do próprio legitimado “primário”. É substituto, pois, da sociedade. Da premissa decorrem
as conseqüências usuais da atuação do Ministério Público enquanto legitimado extraordinário:
indisponibilidade sobre o direito material e sobre a própria demanda (inviabilidade de desistência). Contra,
baralhando os conceitos, mas dando a entender que o Ministério Público atuará como legitimado ordinário,
CÂNDIDO, Joel J. Direito eleitoral brasileiro. 13. ed. Bauru: Edipro, 2008, p. 637.
40
MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 775.
41
Conforme já decidiu o STJ, em casos semelhantes, Resp n. 289.231/SC, rel. Min. José Augusto Delgado, DJ
26/3/2001, p. 390, j. em 13/2/2001.
19
Na contramão, há quem sustente que o suplente não teria legitimidade para propor a
ação de perda de cargo eletivo. Nesta ordem de idéias, entende-se que “não se pode aceitar,
em primeiro lugar, tenha o suplente direito ao mandato perdido por conta da infidelidade
e, nessa medida, não há como reconhecer uma legitimação ordinária do suplente. Admitir-
se tal ordem de legitimação seria, embora às avessas, tratar a questão da infidelidade de
forma privatística, permitindo-se que a vontade de um indivíduo sobrepujasse a vontade do
partido. O que, como visto, foi expressamente repudiado nas razões que levaram à edição
da Resolução TSE 22610. Não há, em suma, um direito subjetivo do suplente à obtenção
da vaga perdida pelo infiel. Pensar diferente seria, por vias oblíquas, negar-se tudo quanto
serviu de fundamento à edição do citado ato normativo”.43
42
CALAMANDREI, Piero. Instituzioni di diritto processuale civile. Padova: Cedam, 1943, p. 286
(Instituciones de derecho procesal civil. Tradução de Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: EJEA, 1973, v.
2, p. 440).
43
TRE-SP, DIV. n. 1334, rel. Juiz Flávio Yarshell, j.18.01.08, DJ 12.02.08
20
Na ação que visa à decretação da perda do mandato por desfiliação, será um dos
demandados, evidentemente, o próprio indivíduo que se desfiliou. Também será citado para
responder, de acordo com o art. 4º da resolução, “o eventual partido em que esteja
44
Veja-se VIGORITI, Vincenzo. Interessi collettivi e processo: la legitimazione ad agire. Milano: Giuffrè,
1979, p. 273-274. O jurista, mais adiante, aduz que o demandante se apresenta sempre como um legitimado
ordinário, embora não deixe de ser esta uma legitimação sui generis, com traços de extraordinariedade, dado o
fato de agir também como representante adequado dos demais (p. 285). É o que ocorre no caso discutido no
presente texto. Pela Resolução TSE nº 22.610/07, o suplente tem mesmo uma espécie aproximada de
“legitimação extraordinária” (ou, ao menos, contornos dela), pois age também em nome próprio na defesa de
direito alheio, consistente nos ideais e interesses do partido a que pertence.
45
TSE, Resolução n. 22.669, de 11.02.2008, Rel. Min. Caputo Bastos; TRE-SP, DIV 1.350, rel. juiz Paulo
Alcides Amaral Salles, DOE 6/3/2008, p. 2, j. em 12/2/2008; TRE-RS, Pet. 1332007, rel. Des. Vilson Darós,
DJ 9/4/2008, p. 88, j. em 3/4/2008; TRE-MG, Ac. 1.027, rel. Antônio Romanelli, DJ 28/5/2008, p. 86, j. em
13/5/2008.
21
inscrito”, ou seja, o novo partido do mandatário, aquele para o qual possa ter migrado após
deixar a agremiação de origem.
Não se concebe processo fora das balizas do devido processo legal (art. 5º, LIV,
CF), norma de encerramento que serve ao controle racional dos atos de poder e à garantia
da igualdade substancial das partes no processo.48 É componente inafastável deste modelo
constitucional mínimo do processo civil contemporâneo o princípio do contraditório,
erigido também em direito fundamental49 (art. 5º., LV) e intimamente relacionado com a
46
TRE-SP, DIV. n. 1598, rel. Juiz Paulo Henrique Lucon, j. 17.04.08. Foge aos escopos deste ensaio tratar a
delicada questão de poder ou não se conceber litisconsórcio unitário facultativo. A favor, BARBOSA
MOREIRA, José Carlos. Litisconsórcio unitário. Rio de Janeiro: Forense, 1972, n. 75-6, p. 131-3;
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, v.
2, p. 358-9; contra, BAPTISTA DA SILVA, Ovídio Araújo. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed.
São Paulo: RT, 2005, v. 1, especialmente p. 231-233; MITIDIERO, Daniel Francisco. Comentários ao Código
de Processo Civil. São Paulo: Memória Jurídica, 2004, t. I, p. 275-277. O fato decisivo, para fins de
compreensão do tema de que ora nos ocupamos, é simplesmente fixar a hipótese tratada pela Resolução
como um litisconsórcio necessário-unitário.
47
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. “Litisconsórcio necessário e eficácia da sentença na Lei de
Improbidade Administrativa”. In: SCARPINELLA BUENO, Cássio; PORTO FILHO, Pedro Paulo de
Rezende (coord.). Improbidade administrativa: questões polêmicas e atuais. 2. ed. São Paulo: Malheiros,
2003, passim, especialmente páginas 348-350 e 360-369.
48
Consulte-se LUCON, Paulo Henrique dos Santos “Devido processo legal substancial”. In: DIDIER, Fredie
(org.). Leituras complementares de processo civil. Salvador: Juspodium, 2007, especialmente p. 19-34.
49
Liebman afirmara pertencer o contraditório à categoria dos direitos cívicos, por competir a todos,
indistintamente, como atributo imediato da personalidade (Manual de direito processual civil. 2. ed. trad. e
notas de Cândido Rangel Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense,, v. 1, n. 73, especialmente p. 150-151).
22
paridade de armas.50 Tanto assim que prestigiosa doutrina contemporânea assenta a própria
natureza jurídica do processo na noção de procedimento em contraditório.51
50
Sobre a relação entre tratamento paritário e contraditório, LUCON, Paulo Henrique dos Santos. “Garantia
do tratamento paritário das partes”. In: CRUZ E TUCCI, José Rogério (coord.). Garantias constitucionais do
processo civil – homenagem aos dez anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: RT, 1999, p. 102-108.
51
FAZZALARI, Elio. “Procedimento (teoria generale)”. In: Enciclopedia del diritto. Milano: Giuffrè, 1986, v.
35, p. 827; “Processo e giurisdizione”. Rivista di Diritto Processuale. Padova: Cedam, 1993, primeira parte,
p. 3-5. Na doutrina brasileira, criticando o conceito clássico de relação jurídica pela sua abstração e
inadequação diante da dinamicidade do processo, abraçou a idéia MITIDIERO, Daniel Francisco. Elementos
para uma teoria contemporânea do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.
138-145. Tomando a crítica como ponto de partida e acrescentando a necessária conformação de dito
procedimento aos “fins constitucionais”, MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006, p. 466-7.
52
ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. “A garantia do contraditório”. In: Do formalismo no processo
civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, passim, especialmente p. 232-238; MITIDIERO, Daniel Francisco.
Bases para construção de um processo civil cooperativo: o direito processual civil no marco teórico do
formalismo-valorativo. 2007. Tese (Doutorado em Direito Processual Civil) - Faculdade de Direito,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2007, p. 99-104.
23
preconiza o art. 47, parágrafo único, CPC) venha a beneficiar o litisconsorte (potencial)
preterido,59 não há motivo para considerá-la nula (e ineficaz). A sentença, em tais casos, é
utiliter data, não se mostrando razoável aplicar cegamente a regra, em detrimento de sua
própria finalidade, qual seja, a de proteger a esfera jurídica daquele que não participou do
contraditório.60 Em tais casos, aproveitando a decisão ao terceiro, não há porque tê-la por
ineficaz, postura que só prestigiaria a contraparte, que já teve oportunizado o amplo
exercício das posições processuais subjetivas inerentes ao contraditório ao longo do iter
procedimental.
59
Ou seja, quando a demanda for julgada improcedente, em casos de litisconsórcio necessário passivo, ou,
inversamente, der-se pela procedência, naquelas hipóteses em que a obrigatoriedade da pluralidade de sujeitos
pese sobre o pólo ativo.
60
Nesse sentido, CRUZ E TUCCI, José Rogério. Limites subjetivos da eficácia da sentença e da coisa
julgada civil. São Paulo: RT, 2006, p. 239-244. O ilustre Professor, contudo, enxerga na solução uma
ampliação subjetiva da autoridade da coisa julgada, a fim de abranger terceiros (no caso, o litisconsorte
preterido a quem a sentença beneficia), orientação que, tecnicamente, não parece afigurar-se a mais exata. A
nosso ver, a questão diz respeito à eficácia da sentença.
61
É na esfera dos direitos potestativos (ou formativos), que dão lugar a sentenças constitutivas, que o
fenômeno se manifesta com maior freqüência, conforme já acentuara CHIOVENDA, Giuseppe. “Sul
litisconsorzio necessario”. In: Saggi di diritto processuale civile. Milano: Giuffrè, 1983, v. 2, p. 440.
25
Assim, acaso não seja citado o eventual novo partido, na forma estipulada pelo art.
5º da Resolução, a sentença será inválida. O vício é insanável, e a desconstituição do
julgado poderá ocorrer por meio de ação rescisória (art. 485, V, CPC) ou ação
desconstitutiva autônoma (a querela nullitatis insanibilis), esta não sujeita a prazo. Em tese,
também pela via da impugnação (art. 475-L, I, CPC) poderá ser decretada a invalidade da
sentença portadora de tal vício, embora o meio não tenha utilidade prática na hipótese
tratada pela Resolução, que dispensa uma fase de cumprimento. De fato, diante da
gravidade da situação, todo e qualquer meio será adequado para fins de desconstituição do
julgado,62 ressalvado que electa una via, non datur regressus ad alteram, ou seja, veiculada
a pretensão por quaisquer dos caminhos disponíveis, fecham-se os demais se caracterizada
litispendência, em seu aspecto negativo (identidade total em relação a todos os elementos
identificadores da demanda).63
Em caso de omissão deste legitimado, poderão agir “quem tenha interesse jurídico”
ou, ainda, o Ministério Público eleitoral, nos trinta dias subseqüentes ao escoamento do
prazo destinado ao partido (art. 1º, §2º, in fine). São as hipóteses de legitimação secundária
ou subsidiária, já mencionadas.
62
LIEBMAN, Enrico Tullio. “Nulidade da sentença proferida sem citação do réu”. In: Estudos sobre o
processo civil brasileiro. Notas de Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Bushatsky, 1976, p. 184; STF, Pleno,
RE 97.589, rel. Min. Moreira Alves, DJ 3/6/1983, j. em 17/11/1982.
63
FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. “Réu revel não citado, ‘querela nullitatis’ e ação rescisória”. In: Ensaios de
direito processual. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 264.
26
improcedente, com arrimo no art. 269, IV, do Código de Processo Civil, tendo em vista a
extinção do direito à decretação da perda do mandato por infidelidade. O juízo poderá
pronunciar a decadência mesmo in limine litis, isto é, indeferindo a petição inicial, à luz do
art. 295, IV, Código de Processo Civil.
8. O problema da competência.
64
TSE, Res. 22.196/DF, rel. Min. Gerardo Grossi, DJ 1/6/06, p. 69, j. em 9/5/2006; Indicando fartos
precedentes da Corte, STJ, CC 88.2366/SP, 1ª Seção, rel. Min. Castro Meira, DJ 17/3/2008, p. 1, j. em
27/2/2008.
27
pelo Tribunal Superior Eleitoral, ainda que o intérprete tenha de fazer certo esforço
hermenêutico a fim de responder, de uma maneira ou de outra, a tal indagação (exercício de
todo necessário, a menos que se admita sem quaisquer explicações ou fundamentos a nova
orientação).65
Ab initio, importante constatar que a infidelidade não é mais vista como matéria
meramente intrapartidária. Longe disso, a imposição está hoje ligada antes à noção de ser
fiel ao eleitor do que ao próprio partido,66 porquanto, ainda que seja fato superveniente à
diplomação, não há como negar que a desfiliação injustificada é ato que falseia o processo
eleitoral em si mesmo considerado, distorcendo o seu resultado.
65
Ou, contrariamente, opte-se por rechaçá-la de maneira sumária. Faria pouco sentido invocar, por exemplo, o
argumento de que a hipótese não é contemplada nos elencos taxativos da Lei 4.737/65, pois o diploma
normativo é anterior tanto à introdução expressa da perda do mandato por infidelidade (CF 67/69) quanto à
consagração deste mesmo entendimento em sede jurisprudencial, à luz da “força normativa dos princípios
constitucionais” (Min. Asfor Rocha). Vale dizer: o legislador não se preocupou com a questão, que não estava
na pauta do dia, o que reclama do operador solução afinada com o novo paradigma.
66
Conforme ressaltou expressamente o Min. Cezar Peluso, no voto proferido ao responder à Consulta. n.
1398-DF (TSE, Res. 22.256, rel. Min. Asfor Rocha, DJ 09.05.07, p. 143, j. em 27.03.07).
28
Logo, se este escopo magno é frustrado, ainda que por fato ulterior (superveniente à
diplomação), dificilmente poder-se-á negar a pertinência da matéria ao processo eleitoral,
afastando-se de maneira absoluta e a priori a competência da respectiva Justiça
especializada.
De fato, causa estranheza que uma Resolução fixe competência originária dos
tribunais, matéria em que sabidamente existe reserva constitucional. Contudo, lembre-se
67
A expressão foi empregada pelo Min. Eloy da Rocha, então desembargador do TJ/RS, em voto proferido no
MS 352 e 359, j. em 15/5/1961, que consagrara a infidelidade partidária como causa de perda do mandato. O
trecho é citado em voto do Min. Paulo Brossard (STF, MS 20.927-5/DF, DJ 15/4/1994, p. 8.061, j. em
11/10/89).
68
COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p. 17 e ss.
69
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 83.
29
que a própria Constituição remete à lei complementar a tarefa de fixar a competência dos
tribunais eleitorais (art. 121) e, por sua vez, o Código Eleitoral investe o Tribunal Superior
Eleitoral de amplo poder para expedir instruções convenientes à execução da legislação
pertinente (art. 23, IX). Forte neste raciocínio, vem a jurisprudência admitindo a
regularidade das disposições da Res. 22.610, ainda que nitidamente processuais. 70
Acaso falte dito documento, determinará o juiz a emenda da petição inicial em dez
dias (art. 284, CPC). Não cumprida a exigência dentro do prazo estipulado, haverá o
indeferimento da peça (parágrafo único, art. 284, CPC).
O autor também poderá requerer a produção de outras provas, dentre as quais avulta
em importância a prova testemunhal, facultado o arrolamento de até três testemunhas.
70
TSE, AgRg no MS Coletivo n. 3.713/SC, rel. Min. Caputo Bastos, DJ 14/5/2008, p. 14, j. em 27.3.2008;
enfrentando os argumentos contrários, ainda que admitindo certa “perplexidade”, TRE-SP, Div. 1.111, rel. juiz
Flávio Yarshell, j. em 29/5/2008.
71
CÂNDIDO, Joel J. Direito eleitoral brasileiro. 13. ed. Bauru: Edipro, 2008, p. 637.
30
72
Contra, CÂNDIDO, Joel J. Direito eleitoral brasileiro. 13. ed. Bauru: Edipro, 2008, p. 640. Para o autor, o
mero fato de não haver intimação bastaria para afastar a exigência de prévia indicação das testemunhas.
Contudo, é sabido e ressabido que o rol de testemunhas (e, ainda, o lapso temporal exigido pelo Código de
Processo Civil entre a apresentação deste e a audiência) “é destinado não só a viabilizar a intimação das
testemunhas, mas à preparação de eventual contradita pelo advogado adversário” (DINAMARCO, Cândido
Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, v. 3, p. 556-557).
Exigência, portanto, destinada a potencializar o contraditório e a evitar surpresas.
31
Respondeu o Tribunal Superior Eleitoral – pela pena do Min. José Augusto Delgado
– negativamente à questão, firmando que o direito à ampla defesa deve ser resguardado,
especialmente quanto à oitiva de testemunhas para fins de demonstração de uma das
hipóteses de justa causa.73
No que toca ao ônus da prova, será este distribuído segundo as regras ordinárias do
art. 333 e incisos do Código de Processo Civil (desnecessariamente reproduzidas, em parte,
pelo art. 8º da Res. 22.610). Ao requerente caberá fazer prova do desligamento do
mandatário dos quadros do partido, em datas ulteriores àquelas determinadas pela Res.
22.610 (quais sejam, 27 de março e 16 de outubro de 2007, para cargos preenchidos pelos
sistemas proporcional e majoritário, respectivamente), enquanto fato constitutivo do direito
formativo à decretação da perda do mandato.
De seu turno, o requerido deverá provar que se enquadra em alguma das hipóteses
de justa causa arroladas no art. 1º, §1º, da Resolução (conforme o art. 8º), hipótese em que
fica afastada a perda do mandato. 76
ser interpretada no sentido de realizar-se a audiência “o quanto antes”, a partir do quinto dia útil
subseqüente...
76
TSE, AC 2378, rel. Min. Caputo Bastos, DJ 26/05/2008, p. 10, j. em 20/5/2008; TRE-PR, Req. 1.237, rel.
Gilberto Ferreira, DJ 2.6.2008, j. em 20.5.2008
77
KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007, especialmente
p. 34-48. Em verdade, o autor defende a existência de um quarto modelo, aplicável à condenação penal
fundada em prova indiciária (ou indireta), ainda mais rigoroso do que aquele da prova além da dúvida
razoável, que se traduziria na excludente de qualquer hipótese de inocência (p. 41-3).
33
ordenamento que a mera pecúnia (aproximando-se, por vezes, dos processos penais),
recebendo este o nome de prova clara e convincente.
78
TRE-SP, DIV. n. 1020, rel. Juiz Paulo Henrique Lucon, j. 01.04.08, DJ 24.04.08; TRE-RS, Pet. 882007, rel.
Katia Elenise Oliveira da Silva, DJ 28/4/2008, p. 88, j. em 22/4/2008.
34
82
LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1968, n. 3, p. 6.
83
Não nos parece haver, na hipótese, violação ao princípio da independência dos Poderes. Fixada a
competência da Justiça Eleitoral para decretar a perda do mandato por infidelidade, caberá ao presidente do
respectivo órgão legislativo empossar o suplente, sob pena de sub-representação do partido afetado na
respectiva bancada. Sugerindo entendimento contrário, GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 2. ed. Belo
Horizonte: Del Rey, 2008, p. 80.
84
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 14. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2008, p. 240; MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de
conhecimento. 2. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 522-528; NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na
Constituição Federal. São Paulo: RT, 1992, p. 149 e ss.; ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. São Paulo:
RT, 2007, p. 72-75; CHEIM JORGE, Flávio. Teoria geral dos recursos. Rio de Janeiro: 2003, p. 186 e ss.
36
No entanto, isso não quer dizer que a própria Constituição não possa prever
hipóteses de cabimento de determinados recursos, como faz, v.g., com os recursos
extraordinário e especial (arts. 102, III e 105, III, respectivamente). Em tais casos, é
evidente que ao legislador ordinário não é dado restringir os permissivos constitucionais,
em razão da hierarquia normativa. Ou seja, sempre que houver previsão recursal
constitucional, não poderá haver restrição, salvo por emenda; pelo contrário, não dispondo
a Constituição sobre o cabimento do recurso, o legislador infraconstitucional poderá
disciplinar diversamente a matéria, inclusive restringindo o cabimento ou mesmo
eliminando um dado recurso.
Já terá observado o leitor atento que o recurso (ordinário) previsto no art. 121, §4º,
IV, CF, é cabível daquelas decisões que decretarem a perda de mandatos eletivos federais
ou estaduais. Pergunta-se, diante do dispositivo: estaria excluída a via em caso de
85
TSE, MS n. 3.699/PA, rel Min. José Augusto Delgado. DJ 11/4/2008, p. 9, j. em 11/3/2008.
37
decretação de perda de cargo eletivo municipal, lembrando que para tanto são também
originariamente competentes os Tribunais Regionais Eleitorais?
Daí por que, quando confrontado com a experiência posterior, a que sua própria
manifestação deu causa, fixou o Tribunal Superior Eleitoral nova postura: diante de
decisões que decretem a perda de cargo eletivo municipal, é cabível o recurso especial, não
o ordinário, embora se admita aplicação da regra da fungibilidade, a fim de receber, como
especial, eventual recurso ordinário erroneamente interposto. 86
Referências bibliográficas.
AFONSO DA SILVA, José. Curso de direito constitucional positivo. 27. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006.
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40
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NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: RT,
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41
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