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Professora do Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, coordenadora do
Laboratório de Novas Tecnologias e do grupo de pesquisa COMUNIC.
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realidade produzida, de distanciarem-se dela e retomarem as rédeas das próprias vidas, fazendo
uma leitura crítica das mensagens midiáticas e assim dominarem as tecnologias ao invés de
serem dominados por elas. A educação emancipadora – a verdadeira formação que forma a
consciência verdadeira –, bem como a comunicação livre e democrática, são caminhos para a
democracia política e social, para a construção de uma sociedade mais justa, mais solidária e
inclusiva. Tal é a perspectiva das reflexões que se seguem e que são fruto dos estudos e
discussões que vimos fazendo no grupo de pesquisa COMUNIC, integrado por professoras e
estudantes do Centro de Ciências da Educação da UFSC.
1. A PRIMAZIA DA TÉCNICA
Vivemos num meio-ambiente cada vez mais técnico e menos natural: este mundo
tecnificado inclui tudo o que é produto da aplicação técnica do conhecimento, da mais simples
ferramenta ao mais sofisticado equipamento industrial, da roda ao avião, da poltrona ao
microcomputador doméstico. Ele está povoado de máquinas cada vez mais “inteligentes” e é
permeado de muitas manifestações culturais, ideologias e mitos que tentam dar-lhe significado.
Um mito é uma história sagrada que dá sentido à vida (Mircea Eliade) tornando-a mais
compreensível e, pois, mais suportável aos seres humanos. Podemos dizer que, nesta passagem de
século, são as mensagens midiáticas (incluindo nesta definição provisória o que hoje está sendo
denominado “cibercultura”) que constróem os mitos fundadores de nossa cultura mundializada.
A crescente tecnificação, manifesta na presença constante de objetos técnicos cada vez
mais sofisticados mediatizando as relações dos homens, entre si e com a natureza, acompanha
uma tendência à secularização –“desencantamento”-- e uma maior racionalização nas formas
como o homem percebe o mundo, típicas da modernidade radical e tardia que vivemos hoje. 0
domínio da natureza, resultante do conhecimento científico e de suas aplicações técnicas,
demonstra todos os dias, irrefutavelmente, à maioria dos homens, a insuficiência das explicações
místicas. Uma nova crença vem predominando no mundo moderno: a crença nos poderes
limitados da ciência e da técnica e em seu papel fundamental para o progresso e melhoria da vida
social. A máquina é o novo ídolo e a televisão é seu arauto (Belloni,2001a, cap.4).
Segundo Cristopher Lasch (1979), uma nova cultura, a cultura do narcisismo, vem se
impondo na sociedade capitalista (leia-se Estados Unidos) desde o período de prosperidade que
se seguiu à 2ª guerra mundial: descrente do futuro pela ameaça nuclear, submerso pela oferta de
mercadorias, o homem contemporâneo esquece seu passado e despreocupa-se com as novas
gerações. Ao abandonar seu passado e seu futuro, o moderno Narciso descarta também os valores
liberais e democráticos tão caros ao indivíduo moderno da sociedade capitalista clássica. A
recuperação capitalista do estilo de vida “liberado” da contra-cultura e de seus ideais (prazer não
é pecado, é proibido proibir) transformando-os em mercadoria, leva o indivíduo a preocupar-se
consigo mesmo, com o prazer e a beleza do corpo, subjugado pela obsessão da velhice e da
morte, orientado para a sobrevivência e não para a posteridade. 0 homem abandona-se ao sistema
(mercantil), o indivíduo se dilui na cultura de massa (mediatizada pelas mídias).
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Frente ao fascínio das máquinas inteligentes, cada vez mais presentes em nossas vidas
neste início do 3º milênio, face às promessas grandiosas das tecnologias, que oferecem o paraíso
ilusório de uma pós-humanidade liberada do corpo e da gravidade, sem no entanto resolver os
problemas sociais, políticos e ecológicos que ameaçam a humanidade, nem minorar a grande
desilusão social das massas desempregadas que emigram do hemisfério sul para o norte, seria
mais prudente lembrar-nos de que ainda somos de carne e osso e prisioneiros deste nosso corpo
cada vez mais sofisticado e de nosso planeta cada vez mais devastado. Antes de acreditar nas
promessas de vida no ciberespaço (ou na realidade virtual), seria melhor atentar para a
advertência de Mark Dery, em sua análise magistral das artes e das culturas americanas, em sua
manifestações tecnificadas:
Embora nos pareçam esdrúxulas e excessivas, tais idéias existem e estão sendo disseminadas
como vírus no imaginário dos jovens de todo o planeta, através de filmes, jogos virtuais e outros
produtos simbólicos que confundem real e virtual, tal como nos filmes Matrix ou ExistenZ, por
exemplo, em que os personagens passam da realidade ao jogo de modo involuntário e sem dar-se
conta, no primeiro, para confundir o espectador, no segundo, para mostrar de modo contundente
esta confusão.
Visões prometêicas e redentoras costumam estar subjacentes aos discursos deslumbrados
sobre o progresso técnico em geral e, em particular, hoje, sobre as tecnologias da informação e
comunicação, informática, inteligência artificial e realidade virtual. Ao prometer o acesso a uma
vida virtual onde tudo seria possível, eles (os discursos) buscam nos fazer esquecer a devastação
da natureza, a miséria e os conflitos sociais, e, principalmente, o abismo que se aprofunda entre
uma elite tecnocrática superpoderosa e as massas excluídas.
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Foi sob o signo da violência e da devastação que a ciência e a técnica européias chegaram
ao terceiro mundo. A ciência e a tecnologia foram introduzidas no terceiro mundo como
partes integrantes de um aparelho de dominação e de exploração cujo centro se encontra
no exterior (Lé Thàn Khòi, 1982, in Belloni, 1984).
Tal como a riqueza, de que são uma manifestação das mais visíveis, os benefícios (e
malefícios) do avanço tecnológico não são igualmente distribuídos nem social nem
regionalmente. Nos países periféricos, somos ainda mais contaminados por “taras hereditárias
transmitidas não mais pelos gens, pelo esperma, pelo sangue, mas por uma contaminação técnica
indizível” (Virilio,1998:48):
Esta visão apocalíptica das relações entre a tecnologia -- entendida aqui como um
processo social complexo que gera artefatos técnicos que interferem nas ações humanas -- e
outros processos sociais nos quais os indivíduos e grupos interagem, e que constituem a
sociedade, é compartilhada por muitos pensadores.
Nos campos da comunicação e da educação, que ocupam nossa atenção, o incrível
avanço das tecnologias de informação e comunicação fez surgir as interpretações mais diversas
sobre a significação social e cultural destas novas “máquinas de comunicar” (P. Shaeffer, 1972).
Desde a “aldeia global” de Mc Luhan nos anos sessenta, muitas metáforas têm tentado interpretar
os efeitos destas técnicas sobre os modos de produção e reprodução da vida social, especialmente
sobre as estruturas simbólicas. Mc Luhan não apenas profetizou a realidade virtual, muito antes
de esta ter sido inventada, com a idéia de “meios de comunicação como extensões dos sentidos
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humanos”, como previu também grandes mutações na educação (Mc Luhan, 1968 e Lima, 1971).
Muitas outras metáforas existem e outras tantas são possíveis. Baudrillard, por exemplo, há cerca
de duas décadas, profetizava o sucesso da realidade virtual com sua idéia de simulacro, que ele
mesmo retoma, uma década mais tarde, para enfatizar o fato de que suas profecias se tornaram
mais reais do que ele teria ousado prever, o simulacro tendo realmente substituído a realidade na
constituição das representações do mundo (Baudrillard, 1995).
Em sua “Crítica da Comunicação”, resultado de um estudo sobre a inteligência artificial
realizado nos anos 80 nos Estados Unidos, Lucien Sfez propunha três metáforas para
compreender as implicações socioculturais das tecnologias de informação e comunicação (que ele
identifica sobretudo na inteligência artificial e na informática): representar, ou a máquina,
exprimir, ou o organismo, e confundir, ou o Frankenstein. Na primeira, o homem domina a
máquina que lhe é exterior; a metáfora do organismo naturaliza os objetos técnicos integrando-os
a uma natureza controlada à qual os homens devem adaptar-se, pois fazem parte dela, todos,
homens, máquinas e natureza, integrados num grande organismo auto-regulado (hoje diríamos
redes interativas). A metáfora do Frankenstein apresenta uma visão apocalíptica dos efeitos
destas técnicas sobre a capacidade humana de pensar e de produzir conhecimento. Tais efeitos,
que o autor engloba no conceito de “tautismo” (“Frankenstein é uma metáfora e o ‘tautismo é seu
conceito”), revelam com clareza, segundo o autor, a primazia tecnológica e seu caráter redutor
do pensamento humano, ou mais precisamente das competências cognitivas e comunicativas do
ser humano. Nesta metáfora, Frankenstein representa a máquina enquanto dublê do homem,
criatura que escapa ao controle de seu criador, arquétipo muito importante na civilização
ocidental judaico-cristã, desde o golem medieval. E, segundo o autor: “Metáfora apropriada a
essa ficção do computador dotado de alma, que inspira uma parte do público, e até cientistas
que se iludem a si mesmos...” (Sfez,1994, p.32).
2. MUNDIALIZAÇÃO DA CULTURA
Esta nossa sociedade tecnificada possui uma vitrina fantástica: os meios de comunicação
-- as mídias – principalmente os meios eletrônicos, que mediatizam nossas relações com o
mundo. A importância do fenômeno midiático é considerável em nossos dias e sua compreensão
pelas ciências humanas, necessariamente interdisciplinar haja vista sua complexidade, deixa
ainda muito a desejar.
Segundo Miège(1989), um dos efeitos mais importantes da conquista da sociedade pela
comunicação é o caráter irredutivelmente transnacional dos sistemas de mídia, coroando com
sucesso um processo de integração econômica em escala planetária já iniciado pelo consumo de
massa.
Do ponto de vista da gestão industrial, as empresas baseiam suas estratégias na idéia de
um mercado planetário e de um consumidor mundial, que não existe concretamente, que é uma
ilusão (ideologia, símbolo) a ser construída. Para tal, é preciso conhecer as características dos
consumidores e selecionar elementos comuns, gerais, que formarão o tipo ideal (estereótipo) do
consumidor-mundo, cliente ideal da empresa-mundo. Segundo Mattelart (1992), é tarefa dos
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publicitários encontrar este padrão médio que seria a cultura global, um conjunto mínimo de
símbolos, temas, estilos, que seriam identificatórios para a maioria das pessoas. O mercado
mundial busca, assim, criar segmentos mundiais de consumidores, fazendo surgir novos desejos e
necessidades, transplantando costumes e símbolos de uns países para outros, generalizando-os
(padronizando-os) em escala planetária. Estes segmentos de mercado, considerados como “fatias”
mundiais de consumidores, são formados por grupos sociais (jovens, crianças, mulheres, homens
de negócios, esportistas, idosos, etc) existentes em cada sociedade bastando, para transformá-los
em segmentos do mercado mundial, proporcionar a cada um deles um conjunto de valores, mitos,
símbolos e heróis de caráter transnacional, que serão utilizados como apelo nas campanhas
publicitárias (por exemplo : juventude, ecologia, saúde e beleza do corpo, sensualidade,
rebeldia).
É sobre este pano de fundo que se inscrevem as diversas tentativas de desenhar o perfil do
ou dos consumidor(es) transfronteiras. A caça aos universais culturais está aberta. Ela
apóia-se nos investimentos já realizados pela cultura de massa no imaginário das pessoas
perctencentes a culturas muito diversas. A criação de um mercado único de imagens é um
dos objetivos da reorganização da indústria audiovisual (Mattelart, 1992:264 ; minha
tradução).
propostos pelas empresas transnacionais. Estes produtos factícios (jeans, tênnis, brinquedos, etc)
se dirigem a grupos de menor poder aquisitivo e alguns deles tendem a se globalizar também,
como é o caso do contrabando de produtos chineses de baixo preço.
No caso da indústria cultural, por exemplo, existem alguns focos de resistência à lógica
implacável da mundialização, representados especialmente pelo cinema e audiovisual europeus e
por realizações alternativas nos países do terceiro mundo. No entanto, estas « modernidades
alternativas » devem ser vistas com cautela, pois as possibilidades de produções independentes
parecem diminuir na medida do avanço tecnológico (embora as potencialidades técnicas da
digitalização apontem para o efeito contrário, mas, como veremos, isto não é suficiente para
escapar da lógica do sistema capitalista) e não podemos considerar como « alternativas », por
exemplo, poderosas organizações de mídias tais que a Globo ou a Televisa mexicana
(Belloni,1994 :44).
No campo da comunicação, duas tendências aparentemente contraditórias delineiam-se
claramente: de um lado uma extrema concentração da produção globalizada de bens culturais
com base na publicidade; de outro, uma fragmentação cada vez mais acentuada de textos,
máquinas, meios, mitos, linguagens e públicos que se mixam, se adaptam e se transformam,
transformando as diversidades culturais. Na América Latina, no Brasil e no México por exemplo,
temos culturas híbridas, onde coexistem, se adaptam e se transformam muitos elementos da
modernidade, sentimentos e lealdades pré-modernos e situações comunicacionais de alta
tecnicidade e de caráter “pós-moderno”. Nestas culturas híbridas, as narrativas antigas e
arquetípicas constituidoras das identidades culturais adaptam- se às linguagens audiovisuais e aos
estilos pós-modernos, configurando mensagens que nada mais têm a ver com os mitos originais
aos quais se referem, senão seu poder de persuasão: assim as novelas, os folhetins diversos, a
música, o cinema. Os limites entre a cultura erudita e a popular foram confundidos pela cultura
de massa, onde tudo se mistura, fragmenta e repete como numa sala de espelhos (Canclini, 1989).
O caráter heterogêneo das sociedades latinoamericanas fez surgirem “formas
descontínuas, alternativas e híbridas que desafiaram a hegemonia do grande relato da
modernidade”, caracterizando uma espécie de pós-modernidade avant la lettre (Yudice,1995:64).
Nela, o cidadão se dilui no consumo de massa, confundindo acesso às mercadorias com exercício
de direitos: estes próprios direitos se tornam mercadoria na medida em que são objeto de
campanhas de marketing político extremamente sofisticadas e baseadas no uso intensivo das
técnicas de comunicação.
3. ESPETACULARIZAÇÃO DA POLITICA
A globalização econômica, típica deste período « radicalmente moderno » das sociedades
contemporâneas, deu maior visibilidade às características essenciais do sistema capitalista nesta
passagem de século : o aprofundamento irremediável das desigualdades sociais, gerando, em todo
o planeta, multidões de excluídos, e uma invasão irreversível da técnica e suas regras (a famosa
racionalidade instrumental) em todas as esferas da vida social, agravando desigualdades regionais
em nível planetário. No campo da cultura, observa-se um fenômeno de mundialização de
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Neste contexto de desordem planetária, que lembra canções de Caetano e Gil, tudo parece
estar fora da ordem, e os “haitis” de miséria e ignorância crescem e se multiplicam na mesma
proporção do avanço técnico. Analisando as culturas híbridas típicas da América Latina,
especialmente do México e buscando identificar possibilidades de transformação social, Canclini
propõe uma abordagem nova e interessante que considera o consumo como uma forma de exercer
a cidadania:
Ao repensar a cidadania em conexão com o consumo e como estratégia política, buscamos um
marco conceitual a partir do qual se possa considerar conjuntamente as atividades do consumo
cultural que configuram uma dimensão da cidadania, e transcender o tratamento atomizado com
que agora se se renova sua analise. A insatisfação com o sentido jurídico-político de cidadania
está levando a defender a existência de uma cidadania cultural, e também de uma cidadania
racial, outra de gênero, outra ecológica, e assim podemos continuar despedaçando a cidadania
em uma multiplicidade infinita de reivindicações.”( Canclini, 1995:21).
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Seria esta uma solução possível? Tranferir da esfera pública para a esfera privada o
exercício dos direitos civis? Esta é a única brecha que nos deixa um sistema extremamente
complexo e competente? Estamos consumindo candidatos políticos como quem compra sabão?
A dispersão da cidadania em reivindicações multiculturais não significa justamente seu contrário,
isto é, sua recuperação pelo sistema (mercantil), esvaziado de seu caráter transgressor?
A espetacularização da política, entendida como encenação deliberada do jogo político,
transforma radicalmente os processos de participação e de representação políticas. Ao pôr em
cena a vida política, colocando-a diretamente em contato com o público, o espetáculo põe em
questão o próprio princípio da representação política, enfraquecendo partidos, movimentos e
grupos sociais como atores políticos e favorecendo o surgimento e o sucesso de líderes
midiáticos e aventureiros políticos.
Este processo serve a fins deliberados de mascarar os verdadeiros rumos da política, as
decisões importantes, tomadas em segredo, que assim tendem a passar despercebidas pelo
público, saturado no entanto de informações -- verdadeiras, muitas vezes -- sobre fofocas, vida
privada de pessoas públicas, faits divers violentos ou mesmo corrupção. Este processo de
desinformação organizada (Debord, 1988) visa construir um jogo político fictício feito para
publicação, obnubilando a compreensão da política real, baseada no segredo. Alguns exemplos
famosos deste tipo de relação dialética entre o o espetáculo político e o segredo de Estado são a
Máfia na Itália, o esquema de corrupção do governo Collor no Brasil e a atual cobertura
jornalística intensa e exclusiva da CNN sobre a guerra que os Estados Unidos fazem no
Afganistão, em retaliação aos atentados terroristas, que elude completamente os objetivos
econômicos de tal guerra (apropriar-se do petróleo das antigas repúblicas soviéticas, através de
um oleoduto que atravessaria o Afganistão). Além destes , podemos citar os diversos mecanismos
de lavagem de dinheiro de origem ilícita, nos quais estão implicados muitos sistemas financeiros
oficiais (Belloni,1995).
Felizmente porém, os processos sociais são contraditórios e dialéticos e a
espetacularização da política nem sempre alcança os resultados esperados. Deste modo, um
governo tipicamente espetacular como o de Collor acabou derrubado justamente pela
competência comunicacional que a sociedade civil (estudantes, sindicatos e muitos outros grupos
sociais) soube mostrar na ocasião. Não se pode duvidar que a intensa publicização de todos os
passos do processo de impeachment (quando as mídias jogaram um papel fundamental) foi um
fator muito importante para o efeito multiplicador e mobilizador que levou o povo às ruas,
articulou todos os setores organizados da sociedade e pressionou a classe política a decidir o
desfecho (Belloni,1995 e 1999).
Podemos ainda considerar possível formar o cidadão emancipado face à influência
avassaladora da mídia no contexto de uma cultura pós-moderna fragmentada e fragmentadora?
Estão irremediavelmente perdidos os ideais de igualdade e liberdade? Preferimos pensar que
“para construir a cidadania pós-moderna é necessário resgatar as origens e os significados da
conquista da cidadania moderna, chegar às suas raízes iluministas. Para a formação do indivíduo
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emancipado será preciso re-iluminar a modernidade, colocando os ideais das “luzes” sob as luzes
dos refletores para ver se eles resistem ao charme eletrônico das mídias” (Belloni, 1995:25).
Funcionando como instituições de mediação entre Estado e sociedade civil, intérpretes e
formadoras da opinião pública, as mídias constituem um fenômeno essencialmente contraditório,
sendo instrumentos fundamentais de conquista e manutenção da hegemonia política. Atores de
grande importância no cenário político, mecanismos indispensáveis aos sistemas de dominação,
as mídias só poderão se transformar em instrumentos de emancipação -- a exemplo da imprensa
no século XVIII, para a burguesia -- se a sociedade, por meio de suas instituições de
representção, tiver a capacidade de controle sobre elas. Tal capacidade de controlar o poder
massificador dos sistemas de mídia passa necessariamente por dois caminhos, ambos
relacionados com a educação: de um lado, a educação do consumidor das mensagens, o
“receptor”, para formar o usuário crítico, criativo e inteligente, capaz de distanciar-se das
mensagens e exercer sobre elas seu poder de análise e crítica; de outro lado, a formação do
comunicador, visando à qualificação plena do profissional não apenas competente,mas
principalmente responsável e consciente, capaz de distanciar-se do imediatismo típico da
mensagem midiática e de exercer sobre ela uma influência esclarecedora, realmente informativa -
- ética -- escapando das armadilhas da manipulação fácil.
4. POR UMA SOCIOPOLÍTICA DOS USOS
A construção de uma sociedade democrática se faz com cidadania, uma palavra tão gasta
que para usá-la temos que definí-la. Cidadania, na era da cibercultura de massa, exige a
articulação de diferentes lógicas : o cidadão de hoje é consumidor e usuário de objetos e serviços,
inclusive virtuais ; é também sujeito e objeto dos processos de comunicação e de educação e é
nestes espaços ou fóruns que ele pode exercer -- ou não -- seus direitos.
A noção de usuário, no entanto, está contaminada por sua relação com o consumo, ou,
numa perspectiva pós-fordista, pela « focalização excessiva sobre o indivíduo e suas capacidades
de criatividade e de expressão enquanto consumidor » . Para evitar os equívocos decorrentes
deste tipo de análise demasiado centrada no « poder e nas artimanhas do indivíduo consumidor »,
será necessário uma « abordagem sóciopolítica » dos usos que indivíduos e grupos fazem dos
objetos técnicos, contextualizando-os na sociedade contemporânea, ou seja, reconhecer o poder
do usuário como um « poder fortemente limitado pelo poder dominador da produção » (Vitalis e
Vedel, 1994).
Nesta abordagem, de uma sócio-política dos usos, que se inscreve na tradição francesa de
Simondon e Friedmann, o usuário é considerado como sujeito ativo de suas relações – de uso –
com as mídias ou tecnologias de informação e comunicação, e o objetivo do pesquisador é
investigar as formas destas relações, os procedimentos e modalidades de apropriação; o desvio e
a pirataria ; a adesão ou incorporação e a rejeição, definida na sociologia funcionalista como
“ resistência à inovação”(Belloni,2001b).
Segundo estes autores, as formas de utilização dos artefatos tecnológicos – seus usos –
estruturam-se a partir de três lógicas principais : uma lógica técnica que define o campo dos
« possíveis » ; uma lógica econômica que determina o campo das «utilizações rentáveis» ; e uma
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lógica social que determina a « posição particular do consumidor », com seus desejos e
necessidades. Permanece porém, a questão crucial de saber qual destas « lógicas » é
determinante, do mesmo modo que o caráter ambivalente dos objetos técnicos na sociedade : são
eles « estruturantes da prática ou estruturados pelas práticas » (Vedel,op.cit. p.13)? Qual o lugar
do usuário na história das inovações técnicas ? Somos cidadãos-sujeitos que usam objetos
técnicos como ferramentas de trabalho e meios de informação e lazer, ou usuários passivos,
quase autômatos, « correndo atrás de máquinas » cujos ritmos ou cadências estão cada vez mais
auto-incrementados ?
Colocar esta questão é imprescindível para avançar na discussão das relações que os seres
humanos estabelecem com a técnica em geral e especialmente com as tecnologias de informação
e comunicação, embora seja muito difícil respondê-la. Não podemos esquecer que o mercado
oferece sempre novos produtos, criando uma obsolescência artificial e monitorando de perto os
desejos e necessidades do cidadão consumidor « médio » para melhor transformá-los em
mercadorias (Belloni,2001b).
Gostaríamos de poder afirmar que o usuário tem grande margem de escolha e de
autonomia frente às tecnologias de informação e comunicação, porém acreditamos que tal
afirmação faz mais sentido como uma proposta de ação pedagógica do que como uma análise da
realidade. Enfocar as possibilidades de autonomia do cidadão consumidor é válido numa
perspectiva de mudança, de educação para o exercício desta autonomia. Estas possibilidades,
porém, não são oferecidas pelas novas potencialidades técnicas, como a abordagem sócio-
técnica tende a enfatizar, mas situam-se na capacidade política de os grupos sociais se
organizarem em projetos de mudança, de modo a assegurar que os sistemas sociais sejam capazes
de oferecer oportunidades de acesso a estas tecnologias, a todas as crianças e jovens. Não é a
natureza mais suave e mais amigável das máquinas que permitirá a apropriação criativa destas
tecnologias, muito antes pelo contrário, estas características técnicas aumentam seu poder de
sedução frente ao usuário desprevinido.
Acreditamos que no campo emergente de inter-relação entre os processos de comunicação
e educação, já existem alguns pontos de referência que são importantes destacar e que podemos
assim resumir: à formação de educadores sintonizados com as novas linguagens presentes
nas mídias deve corresponder a formação de comunicadores mais sintonizados com as
funções educacionais das mídias e sua responsabilidade social. Da mesma forma que o
espaço escolar necessita deixar entrar as mídias, é imprescindível que os espaços
comunicacionais ou midiáticos voltem-se mais para objetivos realmente educativos, tentando
escapar à lógica mercantil. A formação de comunicadores e educadores é condição sine qua non
para que isto ocorra, embora infelizmente esteja longe de ser condição suficiente. 2
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As questões relativas às delimitações dos campos educação e comunicação foram objeto de muitas discussões em
nosso grupo de pesquisa e estão contempladas no artigo Mídia-educação ou Comunicação educacional: campo
emergente de teoria e prática, que consta da coletânea de textos . Belloni (org.)—A Formação na Sociedade do
Espetáculo, ainda no prelo.
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RESUMO
TECNOLOGIA, SOCIEDADE E OUTRAS ABSTRAÇÕES
MARIA LUIZA BELLONI
CED/UFSC