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PRÁTICAS DE LEITURA NA EDUCAÇÃO BÁSICA E NO ENSINO SUPERIOR:

CONVERGÊNCIAS E TENSÕES

Coordenadora: Maria Celina Teixeira Vieira - PUC/SP


Suzana dos Santos Gomes - UFMG
Cristiane Dias Martins da Costa - UFMG

RESUMO
O presente trabalho investiga as práticas de leitura e sua importância no processo
ensino-aprendizagem na educação básica e no ensino superior. A partir de
conceitos sociointeracionistas e da abordagem discursiva, evidencia-se que ler não
é apenas decodificar, mas, sobretudo, compreender. Professores e alunos
interagem com o texto em todos os níveis de ensino. Em “Práticas de Letramento
em Sala de Aula: Gêneros Discursivos em Circulação nas Disciplinas Curriculares”
Gomes & Castanheria analisam as oportunidades de aprendizagem construídas por
professores e alunos nas aulas de leitura de uma turma de 8ª série do Ensino
Fundamental. Os resultados revelaram que apesar do predomínio do uso do livro
didático nas práticas de leitura, diferentes gêneros circularam na sala de aula e
criaram oportunidades de aprendizagem na leitura. Já o trabalho de Costa & Paiva,
“Literatura premiada nas escolas da Rede Municipal de Belo Horizonte” investigou a
presença da produção literária nas bibliotecas escolares. A análise mostrou que a
prática de leitura literária, em geral, não acontece no espaço da biblioteca escolar,
pelo contrário, a sala de aula foi considerada espaço privilegiado para o letramento
literário. Por fim, Vieira apresenta um estudo de caso desenvolvido no curso de
Pedagogia, por ser este o espaço de formação de professores, responsáveis, por
sua vez, pela formação de leitores. Os resultados ressaltaram o texto como
elemento fundamental no processo ensino-aprendizagem, e que é por meio dele e
com ele que alunos e professores interagem e constroem novos sentidos e novas
leituras. Os trabalhos sugerem a mediação do professor na formação de leitores
proficientes.

Palavras-Chave: Leitura, Letramento, Gêneros Discursivos, Literatura infantil,


Processo ensino-aprendizagem.

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LEITURA NO ENSINO SUPERIOR: LETRAMENTOS EM PAUTA

Maria Celina Teixeira Vieira - PUC/SP

RESUMO

O trabalho aborda a leitura e sua importância no processo ensino-aprendizagem no


ensino superior. A partir de conceitos da teoria de texto, da psicolingüística,
considera-se que ler não é apenas decodificar, mas, sobretudo, compreender.
Professores e alunos dependem do texto em quaisquer disciplinas do currículo. Com
as mais sofisticadas tecnologias, o texto continua tendo seu valor, permeando toda a
comunicação acadêmica, empresarial e social. Pesquisas apontam que os
estudantes universitários no Brasil e em outros países, lêem pouco e pouco
entendem o que lêem o que afeta o processo de ensino e aprendizagem. As
informações de que dispomos, referentes à leitura na universidade, são poucas,
assim, nos propusemos a analisar as razões dos professores no uso de textos no
processo ensino-aprendizagem, a orientação oferecida à leitura e o tratamento em
classe do conteúdo do texto supostamente lido pelo aluno. Este trabalho é reflexão
sobre um estudo realizado no curso de Pedagogia, envolvendo alunos e professores
de uma universidade de referência na cidade de São Paulo. Os resultados
mostraram, entre outros aspectos, que os professores consideram o texto como um
elemento fundamental no processo ensino-aprendizagem, uma vez que ele é um
instrumento que direciona e fundamenta a discussão entre alunos e professores. O
trabalho sugere ao professor a mediação no processo de tornar o aluno um leitor
competente. Entendemos que uma concepção de leitura que sustente estratégias
adequadas e dinâmicas, põe em contato o texto, o leitor e o autor, o mundo de um e
de outro, em uma troca e diálogo enriquecedores.

Palavras-Chave: Leitura significativa - Mediação do professor - Estratégias de


leitura

INTRODUÇÃO
A leitura é um dos meios de o indivíduo manter-se informado e aprender em
todas as esferas do interesse humano. O texto escrito é muitas vezes a chave
mestra, condição por excelência, do processo ensino e aprendizagem. A leitura de
um texto é instrumento básico para o professor, pois tem a consistência de
documento e pode ser examinado, sempre que necessário, possibilitando a
aquisição de informações, novos conceitos, análise e reflexão, em qualquer grau de
ensino. Quaisquer que sejam as estratégias de ensino, sua base repousa, na maior
parte das vezes, na capacidade do aluno de compreender o texto.
O professor, independentemente da disciplina e do nível em que lecione, é
co-responsável pelo ensino da leitura, cabendo-lhe conscientizar o aluno de que ler

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é atividade de busca, em que se transforma a informação em conhecimento. O
papel do professor no diálogo leitor-texto-autor é o de provocador / incentivador, no
sentido de tornar o aluno sujeito do ato de ler disponibilizando-lhe estratégias para
jogar com as possibilidades de previsão e confirmação de hipóteses. Fazer
diferentes tipos de leitura num mesmo texto e em diferentes tipos de texto.
A finalidade deste trabalho foi analisar, por meio de um estudo de caso, as
razões dos professores no uso de textos no processo de ensino e aprendizagem; a
orientação oferecida, o tratamento em classe do conteúdo do texto supostamente
lido pelo aluno, além de caracterizar uma concepção de leitura que sustente
estratégias que põem em contato o leitor- texto-autor.
A ação docente é um permanente exercício de tomada de decisões. Passos e
prescrições de um método de ensino são de pouca valia quando não se tem claro
uma compreensão da natureza do objeto de estudo: a leitura.

1. LEITURA
O que é ler? Para que ler? Como ler? Essas perguntas poderão ser
respondidas de diferentes modos e revelar determinadas concepções de leitura, a
partir da concepção de sujeito, de língua, de texto e de sentido que se considere.
Para Koch & Elias (2006 p.10 a 11) se o foco for o autor temos a língua como
representação do pensamento, ou seja, um sujeito autor é visto como um ego que
constrói uma representação mental e deseja que esta seja captada pelo interlocutor
leitor da maneira como foi “mentalizada”. Neste enfoque o texto é visto como um
produto, lógico, do pensamento do autor, cabendo ao leitor captar essa
representação mental, exercendo, assim, um papel passivo. A leitura é entendida
como uma atividade de captação das idéias do autor ou de reconhecimento das
intenções do autor sem levar em conta as experiências e conhecimentos do leitor.
Se o foco for o texto temos a língua como estrutura, isto é, todo e qualquer
fenômeno, assim como todo e qualquer comportamento individual repousa sobre a
consideração do sistema, quer lingüístico quer social. Nessa concepção a língua é
entendida como código, mero instrumento de comunicação, e o sujeito autor é pré-
determinado pelo sistema. O texto é visto como simples produto da codificação de
um emissor autor a ser decodificado pelo leitor bastando para este leitor o
conhecimento do código utilizado. A leitura é uma atividade que exige do leitor focar

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o texto em sua linearidade, no reconhecimento do sentido de suas palavras e
estruturas.
Se o foco for a interação leitor-texto-autor, concepção interacional, dialógica
da língua, os sujeitos (autor e leitor) são vistos como atores, construtores sociais,
sujeitos ativos que, dialogicamente se constroem e são construídos pelo texto,
considerando o próprio lugar da interação e da constituição dos interlocutores;
contexto sócio-cognitivo dos participantes da interação. Nessa perspectiva o sentido
de um texto é construído na interação, leitor-texto-autor, e não algo preexistente a
essa interação. A leitura é assim, uma atividade interativa altamente complexa, de
produção de sentidos que se realizam, evidentemente, com base nos elementos
lingüísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas
requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do evento
comunicativo.
Autores como Goodman (1982) e Smith (1989), entre outros afirmam que o
significado que o texto tem para o leitor não é uma tradução ou réplica do significado
que o autor lhe quis dar, mas uma construção que envolve o texto com seu
conteúdo e forma, o leitor com suas finalidades, objetivos e conhecimentos prévios
assim como o autor com sua intencionalidade.
Ler é, por um lado, atividade psicológica perceptual; por outro, atividade
lingüística e ainda, habilidade social. O inter-relacionamento da lingüística e da
psicologia, especialmente a cognitiva tem sido altamente vantajoso para o
desenvolvimento de uma perspectiva interdisciplinar utilizada tanto por
sociolinguistas, voltados para os usos e funções da linguagem, quanto por
psicolinguistas, voltados para a interação das relações entre a linguagem e a
mente.

Para Goodman (1982:41 e 1987:18) à medida em que a leitura progride,


segue-se uma série de ciclos, de tal modo que cada um acompanha e precede
outro, até que a leitura tenha chegado ao final. A leitura é composta de quatro ciclos,
começando com um ciclo ótico que passa a um ciclo perceptual, depois a um
gramatical e finalmente termina com o ciclo do sentido.
O leitor está sempre voltado para obter sentido no texto. A atenção está
focalizada no sentido e tudo o que há além, como letras, palavras ou gramática
apenas recebe atenção plena quando o leitor encontra dificuldades na obtenção do

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sentido. Cada ciclo é uma sondagem e pode não ser completado se o leitor for
diretamente ao encontro do sentido. Essas estratégias fornecem ao leitor, através do
uso mínimo de informações disponíveis, as predições mais confiáveis. A leitura é
definida pelo autor como “um jogo piscolingüístico de adivinhação” (Goodman,
1982), no qual pensamento e linguagem estão articulados.
Para Smith, (1989) muitas áreas do cérebro entram em atividade quando
lemos. Algumas podem até ser essenciais, mas nenhuma delas está totalmente
envolvida na leitura, excluindo qualquer outra atividade. Não há nada na leitura que
os olhos e o cérebro deixem de realizar quando olhamos ao nosso redor em uma
sala para localizar um objeto ou distinguir um rosto de outro. Não vemos tudo o que
está diante de nossos olhos e não vemos nada imediatamente. É necessário algum
tempo para que o cérebro decida sobre o que os olhos estão vendo. O que vemos é
a interpretação, no cérebro, do acúmulo de impulsos nervosos que nos foram
enviados pelos olhos.
Segundo o mesmo autor possuimos uma visão/concepção de mundo,
intrincadamente organizada e internamente consistente, coerente, construída na
experiência e na cultura vivida pelo ser humano, resultado de uma permanente
aprendizagem. Essa “teoria de mundo” é a base de todas as nossas percepções,
raíz de todo aprendizado, fonte de esperanças, raciocínio, criatividade, entendimento
e/ou compreensão. É o fator que relaciona os aspectos do mundo à nossa volta com
as intenções, conhecimentos e expectativas que já possuímos em nossas mentes.
Considerando as informações de Smith (1989) podemos afirmar, como o
próprio autor o faz, que a leitura depende mais da informação não visual, ou seja,
do conhecimento que o leitor detém sobre o assunto, do conhecimento da linguagem
em que foi escrito o texto, do domínio da estrutura dos textos, da habilidade leitora
geral, do que da informação visual que está diante dos olhos.
A possibilidade de antecipar o que poderá acontecer no desenrolar da leitura
de um texto escrito ocorre graças à previsão, que é a eliminação antecipada de
alternativas improváveis. É uma espécie de adivinhação que ocorre dentro de um
contexto provável e compatível com a “teoria de mundo”, pois à medida em que
vamos lendo, criamos expectativas sobre o que iremos ler em seguida. Se nossas
previsões forem se confirmando, estamos compreendendo o texto, ou seja,
atribuímos sentido à leitura. Isso nos leva a crer que fazer previsão é fazer
perguntas e compreensão é responder essas perguntas. A previsão é o núcleo da

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leitura. Todos os esquemas e “frames” que temos em nossas cabeças nos
possibilitam prever, quando lemos. Assim compreendemos, experimentamos e
desfrutamos do que lemos. A previsão traz um significado potencial para o texto,
reduzindo a ambigüidade e eliminando de antemão alternativas irrelevantes.

2. TEXTO
Com o desenvolvimento dos estudos psicolingüísticos, houve grande
interesse pelo contexto lingüístico onde ocorrem as orações, procurando quais
elementos do contexto dão pistas ao leitor para realizar predições e resolver
ambigüidades. A unidade básica é o texto, que passa a ser visto, não mais como
uma seqüência isolada de frases, mas como um conjunto encadeado das mesmas,
situadas em blocos contextuais: condições em que a comunicação se efetua.
O texto caracteriza-se pelos fatores de textualidade: contextualização
(FÁVERO E KOCH, 1984), coesão, coerência, intencionalidade, informatividade,
aceitabilidade, situacionalidade e intertextualidade (BEAUGRANDE E DRESSLER,
1981). São funções que o texto vai cumprindo como entidade atual, concreta e
situacional, não como um sistema abstrato. Com isto a lingüística de texto é uma
lingüística dos sentidos e processos cognitivos e não da organização pura e simples
dos constituintes da frase. Os fatores de textualidade são funcionais, não “modelos”
descritivos ou explicativos para cada fato. No entanto, apresentam, de algum modo,
um sistema abstrato de relações ou funções observáveis e concretas.
Ainda não há, em lingüistica textual, propostas claras de formalização
categorial. Mesmo as propostas de Van Dijk, Petöfi, Beaugrande e outros são ainda
intuitivas.
Entre os diferentes fatores de textualidade, selecionamos os
contextualizadores e os fatores de conexão-cognitiva (coerência). Os primeiros por
ancorarem o texto numa situação comunicativa; os segundos, por se referirem aos
componentes do universo textual (conceitos, modelos cognitivos globais,
superestrutura), unem-se numa configuração acessível e relevante aos usuários do
texto, no caso, os professores e alunos na situação de ensino e aprendizagem .

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2.1. Fatores de Contextualização
Os fatores de contextualização contribuem para equacionar expectativas de
compreensão, entendidos por muitos como não pertencentes ao texto. Já Fávero e
Koch (1984) os consideram pertencentes ao texto em um processo de interação.
Esses fatores formam dois grupos: os contextualizadores propriamente ditos,
que ajudam a colocar o texto na situação comunicativa, e os perspectivos, que
contextualizam o texto, gerando expectativa.
2.1.1. Contextualizadores
• Localização: local, cidade, país onde a obra foi publicada.
• Data: mês e ano em que foi publicada a obra.
• Assinatura: quem escreve o texto; por exemplo, numa carta comercial, temos
que observar quem assina.
• Elementos gráficos: toda a estrutura do “design” e organização do texto.
2.1.2. Perspectivos
• Título: revela a intenção do autor, decide e orienta a leitura, pois representa a
base para uma primeira seleção entre as possibilidades de expectativas,
podendo tanto nortear como desnortear e criar falsas expectativas.
• Autor: tomar conhecimento do autor leva a uma série de suposições,
expectativas e muitas vezes decide a leitura de um texto.
• Início do Texto: tem funções bem marcadas, cria raios de dependência com o
restante do texto. A primeira sentença pode ser iniciada com palavras de
qualquer categoria gramatical, conforme os efeitos que se deseja obter.

2.2. Fatores de conexão conceitual-cognitiva (coerência)


Para Fávero (1991: 59), os fatores de conexão conceitual cognitiva são os
que dão conta do processamento cognitivo do texto e estruturação do sentido. Para
Beaugrande e Dressler (1981:85), texto coerente é aquele em que há continuidade
de sentidos entre os conhecimentos ativados pelas expressões lingüísticas.
Incoerente é aquele em que o leitor não consegue descobrir nenhuma continuidade
de sentidos, devido à defasagem entre a configuração de conceitos nas relações
expressas no texto e o conhecimento de mundo anterior do leitor.

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2.2.1. Memória
Analisando estudos de Psicologia e Psicolingüística, Kato (2006) discute os
três níveis da memória que nos ajudam na compreensão leitora: memória temporária
ou de curto termo, memória operacional ou de médio termo e memória permanente
ou de longo termo,.
• Memória temporária é o nível imediato de identificação de seqüência de
números e palavras, operando com formas superficiais e tendo limitação
quantitativa de armazenagem. Acredita-se que a capacidade média dessa
memória seja de, aproximadamente, seis a sete itens de cada vez.
• Memória operacional é o nível onde ocorre a recodificação dos elementos
armazenados na memória temporária. Nesse processo há abstração da forma
pela associação do seu conteúdo proposicional a uma informação prévia do
leitor. É na memória operacional que os conceitos são ativados, não como
formas superficiais, mas como unidades de sentido.
• Memória permanente é o nível onde ocorre a armazenagem e a organização do
conhecimento de mundo, que inclui, além do conhecimento lingüístico (regras
gramaticais, léxico e instruções para uso), o conhecimento de fatos gerais e
particulares provenientes da experiência. A memória não é repositório caótico de
coisas e sim um instrumento estruturado com grande dinamismo e capaz de se
reorganizar a todo momento.
Ao compreender um texto o leitor reconhece uma série de expressões
lingüísticas gramaticalmente dispostas na superfície textual que devem ser
interpretadas e retidas para que, no prosseguimento da leitura, possam ter seu
sentido retomado. Com a memória de curto termo, só é possível integrar letras e
palavras. A função da memória operacional é extrair da memória de longo termo as
informações necessárias à abstração da forma superficial textual pela ativação de
conceitos, os quais dependem da interpretação das expressões e relações da
superfície, a partir de hipóteses baseadas em experiência anterior. Os conceitos
ativados possibilitam o prosseguimento da leitura e percepção dos dados
necessários à consistência interna do texto.
2.2.2. Superestrutura textual
A superestrutura textual pode ser caracterizada como um molde global do
texto, que se compõe de categorias convencionais, formando tipos de texto:
narrativo, argumentativo e outros. O texto narrativo possui uma superestrutura e

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seqüência de categorias próprias da narrativa (situação, complicação, resolução,
avaliação e moral). Da mesma forma os textos, descritivo, dissertativo, etc., contêm
uma superestrutura. O conhecimento dessas formas facilita a generalização, a
recordação, a reprodução do conteúdo. A superestrutura define a ordem e as
relações entre seus fragmentos, além de considerar recursos retóricos e estilísticos.
É portanto, um guia para o sentido do texto. Cada leitor representa, para um mesmo
texto, um conjunto possível de sentidos, pois possui objetivos, conhecimentos
prévios e interação com o texto os mais diferenciados e com os quais tece a
coerência do texto.
Não há uma superestrutura universal, mas superestruturas culturalmente
dependentes. Assim, na narrativa, o que se considera, segundo cada cultura, é o
estilo, os níveis de descrição, a ordem, a perspectiva, o ponto de vista, etc. que o
leitor e/ou autor consideram relevantes. É por isso que em muitas há omissão das
categorias avaliação e moral, de forma explícita.

2.2.3. Conceitos
São estruturas de natureza operacional, para obtenção de coerência. Os
conceitos ativados num texto não possuem componentes fixos, pré-existentes, mas
resultam de um jogo de relações entre as expressões dispostas gramaticalmente, as
informações prévias do leitor e o contexto em que está sendo utilizado.
Beaugrande e Dressler (!981:95) propõem uma tipologia com conceitos
primários, e secundários. Os primários funcionam como controles centrais, pontos de
apoio para o processamento textual e os secundários são ativados a partir das
relações com os conceitos primários. Tais conceitos são estruturas cognitivas
operacionais que funcionam como mediadores entre os conhecimentos estabilizados
no texto por expressões lingüísticas e os conhecimentos prévios do leitor.

2.2.4. Modelos Cognitivos Globais


As noções que constituem os modelos cognitivos globais, como “frame” e
esquema, são compartilhadas pela maior parte dos membros de uma cultura. São
estruturas cognitivas que organizam nosso conhecimento convencional de mundo
em conjuntos bem integrados e intensamente utilizados na interação humana.

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• “Frame” - O termo, que pode ser traduzido como moldura ou quadro, contém o
conhecimento diário sobre um conceito central, tal como festa junina, reunião de
pais na escola, vestibular, eleições, etc. Seus componentes aparecem soltos sem
qualquer ordem ou seqüência lógico-temporal, mas estabilizados em tipos.
Beaugrande (1980: 168) ressalta a importância dos “frames” no reconhecimento
do desenvolvimento de tópicos do texto. Um texto, cujos tópicos são estranhos
ao leitor, cria dificuldades para ser processado, podendo mesmo ser rejeitado por
insuficiência de conhecimentos que não possibilitam enquadrá-lo em um “frame”
ou fazer associações com outros.
• Esquemas - São elementos ordenados numa progressão, que possibilitam
estabelecer hipóteses sobre o que será mencionado e/ou feito. São como
estruturas de expectativas que possibilitam formular hipóteses entre os
conhecimentos ativados em um trecho do texto e os nossos esquemas prévios.
Ao contrário dos frames, os esquemas contêm elementos interligados por uma
relação temporal, causal, portanto, previsível, fixa e ordenada (RUMELHURT,
1984,1989 e FÁVERO, 1991). Nosso conhecimento de mundo está organizado
em esquemas que podem ser confirmados ou negados.

Os modelos cognitivos globais são hipóteses plausíveis para a representação


do conhecimento na memória. Os frames e os esquemas não são um fim em si
mesmos, mas pontos de apoio para análise da coerência textual.

3. ESTRATÉGIAS
Em que consiste uma estratégia? Qual o papel que ela desempenha na
leitura? O que é procedimento?
Segundo Houaiss (2007) numa derivação por extensão de sentido pode-se
entender estratégia como a arte de aplicar com eficácia os recursos de que se
dispõe ou de explorar as condições favoráveis de que porventura se desfrute,
visando ao alcance de determinados objetivos. É um ardil engenhoso, estratagema,
subterfúgio. Já o termo procedimento, segundo o mesmo autor é um substantivo
masculino que diz respeito ao ato ou efeito de proceder. Maneira de agir, modo de
proceder; de portar-se; conduta, comportamento. Modo de fazer algo; técnica,
processo, método.

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Parece-nos que estratégia - arte de aplicar com eficácia os recursos de que
se dispõe ou de explorar as condições favoráveis de que porventura se desfrute,
visando ao alcance de determinados objetivos - e procedimento - maneira de agir,
modo de proceder, de fazer algo; técnica, processo, método - têm em comum sua
utilidade para regular a atividade das pessoas, à medida em que sua aplicação
permite selecionar, avaliar, persistir ou abandonar determinadas ações para
conseguir determinado objetivo. Também diferem entre si, pois enquanto a
estratégia não detalha nem prescreve totalmente o curso de uma ação, o
procedimento detalha parcimoniosamente o modo de agir e de proceder, de fazer
algo.
Segundo Solé (1998, p.69) a potencialidade da estratégia reside no fato de
ser independente de um âmbito particular e poder se generalizar. Seu componente
essencial é a autodireção e o autocontrole na supervisão e avaliação do próprio
comportamento (objetivos) em função do contexto. O conhecimento monitorado é
um dos elementos que levam à metacognição isto é o controle que o leitor tem dos
diferentes processos cognitivos que permitem construir a relação de sentido do texto
com o contexto, e portanto, à compreensão do texto.
Pensando em leitores proficientes, a utilização de determinadas estratégias
ocorre de maneira automática. Somente quando surge algum aspecto novo, capaz
de bloquear sua compreensão, é que há uma desautomização no processo de
leitura e, nesse caso, o leitor age conscientemente, desacelerando seu processo de
forma metacognitiva.
Leitor maduro é aquele que usa de forma adequada e no momento apropriado
os processamentos ascendente (buttom-up) e descendente (top-down), como uma
estratégia metacognitiva isto é, o leitor tem controle consciente e ativo de seu
comportamento. No primeiro modelo, ascendente (buttom-up), o leitor processa
seus elementos componentes, começando pelas letras, continuando com as
palavras, frases, em um processo ascendente, seqüencial e hierárquico que leva à
compreensão do texto. Nesse processamento têm grande importância as
habilidades de decodificação, pois o leitor só compreende o texto porque pode
decodificá-lo totalmente. É um modelo centrado no texto e que não explica
fenômenos, como inferir informações, ler e não perceber determinados erros
topográficos, compreender um texto sem necessidade de entender em sua
totalidade cada um de seus elementos. No modelo descendente (top-down), o leitor

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não lê letra por letra, mas usa seu conhecimento prévio e seus recursos cognitivos
para estabelecer antecipações sobre o conteúdo do texto, fixando-se neste para
verificá-las. Assim, quanto mais informação um leitor possuir sobre o texto, menos
precisará se fixar nele para construir a interpretação. Neste modelo o processo de
leitura também é seqüencial e hierárquico, mas descendente, ou seja, a partir das
hipóteses e antecipações prévias, o texto é processado para sua verificação (KATO,
2007) e (SOLÉ, 1998).
Qualquer leitor experiente que conseguir analisar sua própria leitura
constatará que a decodificação é apenas um dos procedimentos que utiliza quando
lê. A leitura fluente envolve uma série de estratégias sem as quais não é possível
rapidez e proficiência. É o uso de estratégias que permite controlar as decisões
diante de dificuldades de compreensão, de arriscar-se diante do desconhecido e de
buscar no texto a comprovação das suposições feitas.

4. MÉTODO
Pareceu-nos necessário captar a realidade em sua dinamicidade e
complexidade. O contato pessoal e estreito, durante um determinado período de
tempo, entre o pesquisador e o fenômeno a ser pesquisado, fez com que se
captassem as perspectivas dos sujeitos envolvidos. Realizamos um estudo de um
particular curso de formação de professores, o de Pedagogia, de uma universidade
de referência na cidade de São Paulo. Optamos pelo curso de Pedagogia, por serem
estes alunos os profissionais formadores, entre outras coisas, de leitores.
Os sujeitos do estudo, além dos alunos, em número de onze, foram também
três professores que em suas disciplinas trabalhavam constantemente com textos
escritos no processo de ensino e aprendizagem.
O aprofundamento de nosso estudo deu-se através de técnicas de
triangulação de dados (TRIVIÑOS, 1987). Foram feitas observações cursivas nas
três disciplinas durante um semestre e entrevistas semi-estruturadas com os
professores e com os alunos da classe. O objetivo deste procedimento foi abranger
ao máximo a amplitude na descrição, explicação e compreensão das práticas de
leitura adotadas, de forma a atender aos objetivos da pesquisa.

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5. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A análise dos resultados evidenciou que os professores consideram o texto
um elemento fundamental no processo de ensino, pois contém a informação a ser
explorada em classe. “O texto dá embasamento ao aluno para responder dúvidas
postas em aula e direciona a discussão entre aluno e professor, subsidiando a
estruturação de raciocínio”. (Prof. 1)
Na orientação que os professores oferecem ao texto indicado para leitura, viu-
se que eles, provavelmente por serem leitores, usam práticas de leitura adequadas
do ponto de vista da teoria de texto e da psicolingüística; ativam conhecimentos
prévios, e exploram fatores de textualidade, porém de forma assistemática.
A forma como os professores tratam, em classe, o conteúdo do texto
caracterizou-se pela reprodução do mesmo, de acordo com o ponto de vista do
professor. A leitura é vista como uma atividade que exige do leitor o foco no texto em
sua linearidade, no reconhecimento do sentido das palavras e das estruturas do
texto. Pareceu-nos como na visão de Orlandi (1983), que o texto não dá concretude
à fala do professor, mas dá-se a si próprio, objeto. Em outras palavras, não interessa
explorar o texto para um determinado objetivo, o que interessa é o texto em si. E o
professor faz muito para isso, pois se apropria do autor e se confunde com ele, sem
que explicite a sua voz de mediador. Este fato contribui para o autoritarismo
pedagógico, uma vez que a opinião assumida pela autoridade professoral torna-se
definitória e muitas vezes definitiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todo o processo de aprendizagem passa pela leitura de textos, pequenos ou
grandes, de livros ou revistas, jornais ou internet. Conhecimentos, informações,
experiências e idéias aí estão à espera de quem os compreenda, assimile e
transforme em conhecimentos pessoais, úteis para a vida social e profissional.
Entendemos que cabe ao professor a mediação no processo de tornar o
aluno leitor competente por meio de estratégias adequadas, dinâmicas e variadas,
que despertem o gosto pela leitura, o prazer pela descoberta dos sentidos explícitos
e implícitos do texto, como desafio para a reflexão, formulação de hipóteses,
aplicação à realidade e contexto do aluno.
Sugerimos a necessidade de o professor estabelecer objetivos, finalidades
claras para a leitura, ativar os conhecimentos prévios dos alunos para interpretar as

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novas informações. Para isso é necessário explorar o contexto do texto, levantar
hipóteses com o intuito de fazer previsões, explorar os fatores de contextualização,
explorar a superestrutura do texto de forma a identificar, a partir dos objetivos de
leitura, as macroestruturas/sentidos possíveis. Enfim, desenvolver, junto ao aluno,
as estratégias de compreensão leitora, antes, durante e depois da própria leitura.
Ler a si e ao mundo, entender, reelaborar e expressar o texto, compará-lo
com outros, conhecer o autor e sua obra e tantas outras estratégias podem
contribuir para posicionar melhor o Brasil no lamentável ranking dos que não lêem,
lêem pouco e não compreendem o que lêem, o que se reflete no baixíssimo nível de
escolaridade da população.

REFERÊNCIAS

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Longman.

FÁVERO, L.L.( 1991) Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática.

FÁVERO, L.L.; KOCH, I.G.V. (1984) Critérios de textualidade. Veredas. São Paulo:
Nº 104. pág.17 – 34.

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Routledge and Kegan Paul.

GOODMAN, K. S. (1987) O processo de leitura: considerações a respeito das


línguas e do desenvolvimento. In: FERREIRO, E; PALACIO, M G. ( Orgs.) Os
processos de leitura e escrita. Porto Alegre: Novas perspectivas. Pág. 11 – 22.

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Versão 2.0 Conteúdo revisado.

KATO, M.( 2007) No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística. São


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KOCH,I V & ELIAS,V M. (2006) Ler e compreender os sentidos do texto. São Paulo:
Contexto.

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___________________ (1989) Schemata: The building blocks of cognition. In:
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do aprender a ler. Tradução: Daise Batista, Porto Alegre: Artes Médicas.

SOLÉ, I. Estratégias de leitura. (1998) (6ªed.) Tradução: Claudia Schilling. Porto


Alegre: Artmed.

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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 15
LITERATURA PREMIADA NAS ESCOLAS DA REDE MUNICIPAL DE BELO
HORIZONTE

Cristiane Dias Martins da Costa – FAE/UFMG


Maria Aparecida Paiva Soares dos Santos – FAE/UFMG

RESUMO

Esta pesquisa se insere na linha de Educação e Linguagem e tem como foco de


investigação a produção literária para crianças. O corpus dessa pesquisa foi
composto por 49 títulos premiados pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil
(FNLIJ), na categoria criança, durante os anos de 1974 até 2006. A escolha do
prêmio concedido pela FNLIJ justificou-se por ser esse prêmio o mais representativo
concedido às publicações destinadas à infância no Brasil, contando com a
participação de dezenas de votantes. Os principais teóricos que nortearam a
pesquisa estão vinculados ao campo da educação e das práticas de leitura, sendo a
bibliografia básica, em grande parte, extraída da Coleção Literatura e Educação sob
a coordenação do Grupo de Pesquisa do Letramento Literário (GPELL). Destaca-se,
ainda, a produção de autores como Chartier (1996), Coelho (1991, 2007), Lajolo &
Zilmerman (2005), Soares (1999, 2004), entre outros. O procedimento de análise da
pesquisa foi o mapeamento da presença dos livros premiados para a criança nas
bibliotecas escolares da Rede Municipal de Belo Horizonte através da resposta a um
questionário, por parte dos profissionais responsáveis pelas bibliotecas. Os
resultados revelaram que esses profissionais não se apropriam, efetivamente, do
trabalho da FNLIJ. Além disso, a análise dos dados apontou que a prática de leitura
literária, na maioria das vezes, não acontece no espaço da biblioteca escolar.
Segundo os entrevistados a sala de aula seria o espaço privilegiado para ocorrerem
as práticas de letramento literário. A proposta de analisar a presença da produção
literária premiada pela FNLIJ, na categoria criança, visa a contribuir para os estudos
que enfocam diferentes aspectos da literatura infantil brasileira.

Palavras-chave: Literatura infantil – Formação de leitores - Letramento literário

1 Introdução
A história da literatura infantil nasceu comprometida com a educação e é
nessa instituição que a maioria das crianças tem seu primeiro contato com os livros
infantis. Conforme Soares (1999), não é possível ter escola sem escolarização de
conhecimentos, saberes, artes, etc. Afinal, o surgimento da escola está
indissociavelmente ligado à constituição de “saberes escolares” e é fundamental que
nós, professores, desde o início da escolarização, incorporemos em nossa prática
de formação de leitores duas perspectivas de análise, quando abordamos as
relações entre o processo de escolarização e a Literatura Infantil.

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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 16
Numa primeira perspectiva pode-se interpretar as relações entre
escolarização e Literatura Infantil, como sendo a apropriação, pela escola, desta
última. Neste caso, faz-se uma análise do processo pelo qual a escola toma para si
a Literatura Infantil e a escolariza, didatiza e pedagogiza os livros de literatura para
crianças, com o objetivo de atender a seus próprios fins, ou seja, faz dela uma
literatura escolarizada. Uma segunda perspectiva é interpretar as relações entre
escolarização e Literatura Infantil a partir do ponto vista de que existe uma produção,
para a escola, de uma literatura destinada às crianças. Aqui, analisa-se o processo
pelo qual uma literatura é produzida para a escola, para os objetivos da escola, para
ser consumida na escola e pela clientela escolar, buscando-se literaturizar a
escolarização infantil.
Portanto, não há como evitar que a literatura, qualquer literatura, não
só a literatura infantil e juvenil, ao se tornar “saber escolar”, se
escolarize, e não se pode atribuir, em tese, como dito anteriormente,
conotação pejorativa a essa escolarização, inevitável e necessária;
não se pode criticá-la, ou negá-la, porque isso significaria negar a
própria escola (SOARES, 1999, p.21)

A formação do leitor literário se apresenta como uma das grandes


preocupações dos professores, tanto de Português, quanto daqueles que irão
mediar os contatos dos alunos com os livros de literatura nos primeiros anos de
escolaridade. Soares (1999), ao discorrer sobre a escolarização adequada da
literatura, ressalta o papel da escola em conduzir eficazmente o aluno às práticas de
leitura literária que ocorrem no contexto social. Para a autora, uma escolarização
adequada da literatura conduz ao letramento literário, uma vez que deve conduzir a
uma prática de leitura literária efetiva, que ultrapasse os muros da escola. Contudo,
segundo a pesquisadora, é a escolarização inadequada da literatura que vem
ocorrendo na escola. Dessa forma, a escolarização acaba adquirindo um sentido
negativo.
Enfim, a literatura escolar desenvolveu-se em meio à tensão entre o prazer e
a funcionalidade, entre a ética e a estética, entre o educativo e o recreativo. Ainda
hoje, a escola não foi capaz de superar os antagonismos entre arte e pedagogia
para encontrar o equilíbrio de uma produção que pode educar e, ao mesmo tempo,
produzir a adesão e o prazer do leitor. Há ainda que considerar que, para muitos,
encantar, despertar a imaginação e promover o desenvolvimento da sensibilidade
são, em si, práticas educativas.

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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 17
Para possibilitar essas práticas educativas é importante refletir sobre a
realidade do professor, que se encontra no centro de uma luta de forças, sobre
como deve caminhar a educação face a tantas demandas sociais neste novo
milênio, tendo que descobrir o seu papel nesse processo. Não se pode esquecer
que o professor é destinatário de um tanto de discursos que questionam sua prática,
muitas vezes, desqualificando direta e enfaticamente os saberes e não saberes
acumulados ao longo de anos, embora não apontando caminhos.
Foi a partir dessas discussões e considerando a afirmação de Perrotti (1990)
de que boa parte da história da literatura infanto-juvenil e de sua promoção se
confunde com a história da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, que se
decidiu investigar a efetivação do trabalho que vem sendo realizado pela FNLIJ a
partir da presença, ou não, dos títulos premiados na categoria criança dentro do
acervo das bibliotecas escolares da Rede Municipal de Belo Horizonte (RMBH).

2 – A presença dos livros premiados para crianças nas bibliotecas escolares


Esta pesquisa tem como foco de investigação a presença das 49 obras que
foram premiadas (anexo 1), na categoria criança, pela Fundação Nacional do Livro
Infantil e Juvenil (FNLIJ) durante o período de 1974 a 2006. É incluída nesta relação
o Prêmio “Hors Concours”, outorgado ao escritor, tradutor ou ilustrador que tenha
sido premiado três vezes numa determinada categoria do Prêmio FNLIJ. Criada em
1968, a Fundação tem como objetivo institucional a promover a leitura e divulgação
de livros de qualidade para crianças e jovens. É a seção brasileira do International
Board on Books for Young People - IBBY, uma associação internacional de
Literatura Infantil e Juvenil, existente em 70 países.

A escolha do prêmio concedido pela FNLIJ justifica-se por ser este o prêmio
mais representativo, entre os concedidos às publicações destinadas à infância no
Brasil. A Fundação, como seção do IBBY, tem como um dos seus ideais divulgar
livros de qualidade para crianças e jovens e promover a leitura como direito básico
para a formação da cidadania. Em um país onde as oportunidades de conhecer e
entender o mundo, por meio das expressões artísticas, ainda são um privilégio,
completar 40 anos de trabalho em prol da formação de leitores confirma a
importância do nosso objeto de pesquisa.

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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 18
Desde 1974, a FNLIJ vem premiando livros de literatura em categorias como:
criança, imagem, informativo, jovem, literatura de língua portuguesa, livro-brinquedo,
poesia, reconto, teatro, teórico, tradução/adaptação criança, tradução/adaptação
informativo, tradução/adaptação jovem e tradução/adaptação reconto. Além dessas
categorias, a FNLIJ premia como “revelação” escritores, ilustradores, o melhor
projeto gráfico e a melhor ilustração. A opção pela categoria criança foi feita por
acreditarmos na importância da formação leitora desde o início da escolarização. A
escola, além de assumir a responsabilidade de iniciar a criança no processo de
alfabetização através da apropriação das operações de um código, precisa preparar
a criança para se tornar um leitor efetivo, ou seja, letrar o aluno para que ele seja
capaz de utilizar socialmente a “competência alfabética” (Soares, 1999).
De acordo com Zilberman, a literatura infantil contribui para a formação leitora
dos alunos:
A literatura infantil é levada a realizar sua função formadora, que não
se confunde com uma missão pedagógica. Com efeito, ela dá conta
de uma tarefa a que está voltada toda a cultura – a de “conhecimento
do mundo e do ser”, como sugere Antônio Cândido (...)
(ZILBERMAN, 2003, p.29).

Para alcançar o objetivo desta pesquisa foi necessária a elaboração de um


questionário, que se constitui de um roteiro de questões fechadas, permitindo um
mapeamento da rede de ensino, assim como um conjunto de questões abertas que
possibilitam captar mais informações sobre os entrevistados e suas práticas. O
formulário foi aplicado por quatro pesquisadoras, que interrogaram pessoalmente os
179 profissionais que atuam nas bibliotecas escolares de todas as escolas da Rede
Municipal de Belo Horizonte RMBH. Os dados levantados através do questionário
são os principais condutores da pesquisa.
A Rede Municipal de Belo Horizonte é composta por 181 escolas divididas em
nove regionais: Barreiro, Centro Sul, Leste, Nordeste, Noroeste, Norte, Oeste,
Pampulha e Venda Nova. De todas as escolas visitadas, em apenas cinco fomos
impedidos de aplicar os questionários, por motivos diversos:. Na época da aplicação,
encontramos escolas sem bibliotecas (regionais Nordeste e Noroeste), uma escola
fechada, na regional Nordeste, cujo prédio passou a ser usado pelo Estado. Por fim,
houve ainda uma escola, também na regional Nordeste, cuja biblioteca estava
fechada e sem funcionários para nos atender. Dessa maneira, podemos considerar
que a pesquisa conseguiu atingir a quase totalidade das escolas da RMBH.

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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 19
Neste estudo são examinadas as seguintes questões: os livros premiados
pela FNLIJ estão presentes nas bibliotecas escolares da RMBH? Os profissionais
que atuam nas bibliotecas escolares conhecem a FNLIJ? O trabalho da FNLIJ tem
repercussão na composição dos acervos das bibliotecas de escolas públicas? Que
práticas de leitura literária são desenvolvidas com os livros premiados no espaço da
biblioteca escolar?

3 – A visibilidade do trabalho da FNLIJ


Para responder à questão sobre a presença dos livros premiados para
criança, apresentamos alguns dados relacionados à quantidade de exemplares dos
títulos premiados pela FNLIJ nas bibliotecas escolares da RMBH. Alguns fatos
chamam bastante a atenção, como a grande quantidade de exemplares de alguns
títulos, A bolsa amarela, Sua alteza a Divinha, Minhas memórias de Lobato e Dez
Sacizinhos com: 658, 646, 473 e 441 exemplares respectivamente. Em contrapartida
há outros títulos cuja quantidade encontrada foi ínfima: Felpo Filva, com 4 e O
menino e o cachorro e Uma ilha lá longe, com apenas 7 livros. Isso não significa que
os livros com maior quantidade de exemplares são os que contemplam um maior
número de escolas. O livro A bolsa amarela se encontra em um maior número de
escolas, ou seja, das 181 escolas pesquisadas, encontramos o título em 149
escolas. Em segundo lugar, temos o livro Asa de papel, presente em 145 escolas e
logo em seguida, Dez sacizinhos, presente em 138 escolas. Os outros títulos variam
de 4 a 127 livros premiados por escola.
Outra análise interessante foi observar as escolas que têm o maior e o menor
número de títulos premiados para a criança em suas bibliotecas. Na RMBH, as
bibliotecas escolares que tiveram a maior concentração de livros entre os 49
premiados, contavam com 30, 29 e 28 títulos respectivamente. No contraponto
entre as que contavam com os menores índices de títulos premiados encontramos
escolas que possuem apenas um, dois e três títulos.
Em relação ao conhecimento que os profissionais responsáveis pelas
bibliotecas escolares tinham da FNLIJ, os dados demonstraram que 56% dos
profissionais que atuam nas bibliotecas não conhecem o trabalho realizado pela
Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, sendo que dos 41% dos entrevistados
que disseram conhecer a FNLIJ, apenas 3% deles utilizam o trabalho realizado pela
fundação na hora de compor o acervo da biblioteca. Percebemos que ao afirmar

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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 20
conhecerem a fundação, em sua maioria, esses profissionais apenas reconhecem o
seu selo (“premiado para criança”, “altamente recomendável” etc.), mas não sabem
do seu trabalho, nem conhecem a relação de livros recomendados, por categorias.
Um dos critérios apontados nas entrevistas como definidor na escolha dos
livros foi o preço, sendo que, na maioria das vezes, a quantidade de aquisições
prevalece à qualidade dos livros. Além disso, muitos entrevistados disseram
escolher os livros através dos catálogos das editoras que visitam regularmente as
bibliotecas escolares, oferecendo os seus livros. Diante dos dados levantados,
podemos confirmar que a relação dos livros premiados pela FNLIJ não influencia o
acervo escolar. Afinal, 86% dos entrevistados não utilizam essa seleção.
Quando perguntamos aos entrevistados sobre como tomaram conhecimento
da FNLIJ (anexo 2), surgiram as mais diversas respostas. Entretanto, a maior parte
dos entrevistados (59%) não soube informar. Como dito anteriormente, 15%
disseram conhecer a FNLIJ através dos seus selos, 4% através de artigos de
imprensa e dos encontros na PBH. Outros fatores variam entre 3% e 2%,
prevalecendo respostas individuais. Percebemos que o conhecimento sobre a FNLIJ
pelos profissionais das bibliotecas parte do interesse individual de cada um.
Entretanto, durante as entrevistas, houve consenso geral ao dizer da grande
rotatividade do cargo de auxiliar de biblioteca. Encontramos ainda uma grande
discrepância na formação dos profissionais que atuam nas bibliotecas escolares,
compondo-se principalmente por pessoas que permanecem na escola até
conseguirem outro emprego.
De acordo com os entrevistados da pesquisa o trabalho realizado pelos
profissionais responsáveis pelas bibliotecas escolares é direcionado prioritariamente
para a organização da biblioteca, “é um trabalho mais técnico do que humanizador”,
segundo eles. O trabalho com a literatura acontece preferencialmente em sala de
aula e “não há uma integração dos projetos de sala com a biblioteca”. Como se pode
observar (anexo 3), o trabalho que mais se realiza nas bibliotecas escolares é o
empréstimo de livros, seguido das visitas programadas e das pesquisas escolares.
Acredita-se que para um profissional conseguir atingir todas as atribuições
necessárias, não basta apenas o gosto pela leitura, é necessário uma formação que
possa dar um suporte teórico para se fazer um bom trabalho. Além disso, para que a
biblioteca escolar seja de fato parte central da escola e não apenas um apêndice, é
necessário que o profissional que nela atua participe ativamente das reuniões

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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 21
pedagógicas, conheça o projeto político pedagógico e seja o fio condutor de todos os
movimentos que possam fazer da biblioteca um espaço plural, aberto, onde alunos e
professores possam juntos sentir o gosto da descoberta, das múltiplas leituras, da
diversidade de informações e opiniões.

4 – Considerações finais
Com base na análise apresentada, podemos afirmar que as obras premiadas
estão presentes nas bibliotecas escolares da RMBH mesmo que de forma bastante
desigual. Entretanto, para se estimular a leitura na escola, além da presença do livro
é preciso planejar os lugares e atividades que serão convenientes para proporcionar
o encontro entre crianças e livros. A biblioteca passou a ser um local de referência
para criar o hábito de leitura e a sua promoção. Contudo, a rotina de uma biblioteca
escolar não está direcionada apenas para ações no sentido de subsidiar os leitores
em seus processos de formação. Vários fatores levam a biblioteca a mudar o
enfoque da sua atuação como: a presença dos livros didáticos, a exiguidade do
espaço, a utilização do local como espaço alternativo, o limitado número de
profissionais que ali atuam, a imagem negativa associada a esse espaço (espaço
estático, monótono, inanimado), a falta de vínculo com o projeto pedagógico, entre
outros. (Morais, 2009)
Apesar dos fatores apontados, encontramos, nas visitas às bibliotecas, a
realização de atividades com a literatura que demonstram uma preocupação de
muitos dos profissionais em mediar a leitura, de forma a propiciar a formação de
leitores literários. No entanto, percebemos que essas iniciativas ainda estão ligadas
a interesses e valorizações muito particulares, dependendo dos profissionais que
estão no momento na biblioteca, na coordenação escolar, ou de determinados
professores. São ainda iniciativas pouco ligadas a projetos mais abrangentes que
façam parte dos ideais e políticas pedagógicas da escola, fator que prejudica a
continuidade desses projetos quando aqueles profissionais não fazem mais parte
daquela instituição. Esta percepção foi também ressaltada por Paulino (2004):
Aproxima-se desta a constatação de Aracy Alves Martins, ao fim de
sua pesquisa sobre os auxiliares de biblioteca da Rede Municipal de
Belo Horizonte. Embora muitos deles tenham formação superior, não
são chamados a participar ativamente dos projetos pedagógicos
interdisciplinares. Tratados como subalternos pelos professores,
esses profissionais muitas vezes se sentem desrespeitados, não só
dentro da escola onde trabalham, como também pelas autoridades
educacionais que pouca atenção têm dado à sua formação

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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 22
continuada. Se alguns tomam, mesmo assim, iniciativas para
dinamização do acervo e promoção da leitura literária, outros se
limitam, defensivamente, a cumprir a função burocrática que deles o
sistema espera. (PAULINO, 2004, p. 58-59)

Em nossa pesquisa consideramos a biblioteca como um espaço coletivo, cuja


função básica é a transmissão dos bens culturais às novas gerações. Torna-se
então necessário que seja bem equipada com os mais variados gêneros textuais de
boa qualidade, dos clássicos aos populares. O que caracteriza uma biblioteca é seu
acervo, sua capacidade de atrair o público leitor, sua organização e os serviços que
atendam às expectativas dos usuários e leitores. A qualidade do acervo de uma
biblioteca será estabelecida pelo atendimento às necessidades reais de leitura dos
usuários, voltadas para a fruição estética, recreação e busca de informações e
conhecimentos.
A biblioteca é um espaço propício para o acesso a um capital cultural –
utilizando a expressão de Bourdieu (1983). Nesse lugar o indivíduo tem acesso a
bens culturais como quadros, livros, dicionários, instrumentos, máquinas e outros
que, muitas vezes, não encontra na família e no meio onde vive. Cabe à biblioteca
então, cumprir o papel de propiciadora desses bens culturais às crianças, jovens e
adultos, oriundos de meios populares. Desse modo,
“torna-se a biblioteca um espaço de formação de leitores num sentido
polissêmico, onde o sujeito tem a oportunidade de encontrar
conhecimentos dos mais variados, diversão, senso estético e cultura”.
(Maciel e Maia, 2003)

Segundo Soares (2004), reconhecendo que a distribuição equitativa da leitura


é condição para uma plena democracia cultural, é preciso reconhecer também que
os obstáculos a essa distribuição, isto é, à democratização da literatura, são
fundamentalmente de natureza estrutural e econômica, ultrapassando, assim, os
limites de nossas possibilidades como educadores, mas, por outro lado, obrigando-
nos, como cidadãos, à luta contra a desigual distribuição dos bens simbólicos, entre
eles, a leitura.
A responsabilidade é que, reconhecendo a leitura, particularmente a
leitura literária, além de dever ser democratizada, é também
democratizante, nós, os educadores comprometidos com a formação
não apenas como desenvolvimento de habilidades leitoras e de
atitudes positivas em relação à leitura, mas também, talvez sobretudo,
como possibilidade de democratização do ser humano, consciente de
que, em grande parte, somos o que lemos, e que não apenas lemos
os livros, mas também somos lidos por eles. (SOARES, 2004, p.32)

De qualquer forma, a proposta de investigar a presença de obras premiadas


para crianças pela FNLIJ visa a contribuir para os estudos que enfocam diferentes
aspectos da literatura infantil brasileira. A partir do levantamento e análise dos
dados, esta pesquisa pode funcionar também como um diagnóstico das bibliotecas

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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 23
escolares da Rede Municipal de Belo Horizonte por contemplar a sua quase
totalidade, permitindo conhecer um pouco da sua realidade e fomentar futuras
pesquisas. Além disso, acreditamos na formação do leitor literário através da
escolarização adequada do livro de literatura infantil. Também se pretende, de
alguma forma, difundir o trabalho de qualidade realizado pela FNLIJ para aqueles
professores e profissionais que atuam nas bibliotecas.

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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 24
Anexo: Livros premiados para Comunicação.
criança
- 1974 - O Rei de Quase Tudo. - 1983 - Os bichos que tive.
Eliardo França. Sylvia Orthof.
Il. Eliardo França. Il. Ge Orthof.
Mary & Eliardo França Editora Zit. Salamandra.

- 1975 - Angêlica. - 1984 - É isso ali.


Lygia Bojunga. José Paulo Paes.
Il. Vilma Pasqualini Il. Roger Mello.
Casa Lygia Bojunga. Salamandra.

- 1976 - A bolsa amarela. - 1985 - Uxa, ora fada, ora bruxa.


Lygia Bojunga. Sylvia Orthof.
Il. Marie Louise Nery. Il. Tato.
Casa Lygia Bojunga. Nova Fronteira.

- 1977 - Pedro. - 1986 - O menino marrom.


Bartolomeu Campos de Queirós. Ziraldo.
Il. Sara Ávila de Oliveira. Il. Ziraldo
Miguilim. Melhoramentos.

- 1978-O pega–pega. Coleção Gato e o - 1987 - Uma ilha lá longe.


rato. Cora Rónai.
Mary França. Il. Rui de Oliveira.
Il. Eliardo França. Record.
Ática.
- 1988 - A mãe da mãe da minha mãe.
- 1979 - Raul da ferruagem azul. Terezinha Alvarenga.
Ana Maria Machado. Il. Ângela Lago.
Il. Rosana Faria. Miguilim.
Salamandra.
-1989 - As viagens de Raoni.
Pedro Veludo.
- 1980 - O curumim que virou gigante. Il. Demóstenes Vargas.
Joel Rufino dos Santos. Miguilim.
Il. Lúcia Lacourt.
Ática. - 1990 - Sua alteza a Divinha.
Ângela Lago.
- 1981 - O que os olhos não vêem. Il. Ângela Lago, com colaboração
Ruth Rocha. de ilutradores anônimos e antigos.
Il. Carlos Brito. RHJ.
Salamandra.
- 1991- O menino de olho d’água.
- 1982 - Uni duni e te. José Paulo Paes.
Ângela Lago. Il. Rubens Matuk.
Il. Ângela Lago. Ática.

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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 25
Cia. das Letrinhas.

- 1992 - Eu e minha luneta.


Cláudio Martins.
Il. Cláudio Martins. - 1998 - Dez sacizinhos.
Formato. Tatiana Berlinky.
Il. Roberto Weigand.
- 1992 De morte! – Hors-concours. Paulinas.
Ângela Lago.
Il. Ângela Lago. - 1999 - Ludi na revolta da vacina:
RHJ. uma odisséia no Rio antigo.
Luciana Sandroni.
-1992 - O problema de Clóvis Hors- Il. Humberto Guimarães.
concours Salamandra.
Eva Furnari.
Il. Eva Furnari. - 1999 - Fiz voar o meu chapéu –
Global. Hors-concours.
Ana Maria Machado.
- 1993 - Asa de papel. Il. Zeflávio Teixeira.
Marcelo Xavier. Formato.
Il. Marcelo Xavier.
Formato. - 1999 - ABC doido – Hors-concours.
Ângela Lago.
- 1994 - Chamuscou, não queimou. Il. Ângela Lago.
Coleção Assim é se lhe parece. Melhoramentos.
Ângela Carneiro, Lia Neiva e Sylvia
Orthof. - 2000 - Chica e João.
Il. Elisabeth Teixeira, Mariana Nelson Cruz.
Massarani e Roger Mello. Il. Nelson Cruz.
Ediouro. Formato.

- 1995 - A cristaleira. - 2000 - Indo não sei aonde buscar


Graziela Bozano Hetzel. não sei o quê – Hors-concours.
Il. Roger Mello. Ângela Lago.
Manati Il. Ângela Lago.
RHJ.
- 1996 - Menino do rio doce.
Ziraldo. - 2001 - Mania de explicação.
Il. Bordados de Ângela Dumont, Antonia Adriana Falcão.
Dumont, Marilu Dumont, Martha II. Mariana Massarani.
Dumont e Sávia Dumont sobre Salamandra.
desenhos de Demóstenes Vargas.
Cia. das Letrinhas. - 2001 - Meninos do mangue
Hors-concours.
- 1997 - Minhas memórias de Lobato. Roger Mello.
Luciana Sandroni. Il. Roger Mello.
Il. Laerte. Cia. das Letrinhas.

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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 26
- 2002 - A princesinha medrosa. - 2005 - Cacoete – Hors-concours.
Odilon Moraes. Eva Furnari.
Il. Odilon Moraes. Il. Eva Furnari.
Cia. das Letrinhas. Ática.

- 2002 - O dono da verdade. - 2005 - Jõao por um fio – Hors-


Bia Hetzel. concours.
Il. Mariana Massarani. Roger Melo.
Manati. Il. Roger Melho.
Companhia das Letras.
- 2002 - Sete histórias para sacudir o
esqueleto – Hors-concours. - 2005 - Murucututu a coruja grande
Ângela Lago. da noite.
Il. Ângela Lago. Marcos Bagno.
Il. Nelson Cruz.
- 2002 - De carta em carta – Hors- Ática.
concours.
Ana Maria Machado. - 2005 - Procura-se Lobo – Hors-
Il. Nelson Cruz. concours.
Salamandra. Ana Maria Machado.
Il. Laurent Cardon.
- 2002 - Menina Nina – Hors-concours. Ática.
Ziraldo.
Il. Ziraldo. - 2006 - O menino e o cachorro.
Melhoramentos. Simoni Bibian.
Il Mariana Massarani.
- 2003 - O segredo da chuva. Manati.
Daniel Munduruku.
- 2006 - Felpo Filva – Hors-concours.
Il. Marilda Castanha.
Eva Furnari.
Ática
Il. Eva Furnari.
Moderna.
- 2003 - Até passarinho passa Hors-
concours
Bartolomeu Campos de Queirós.
Il. Elizabeth Teixeira.
Moderna

- 2003 - Abrindo caminho – Hors-


concours.
Ana Maria Machado.
Il. Elizabeth Teixeira.

- 2004 - Pedro e Lua.


Odilon Moraes.
Il. Odilon Moraes.
Cosac Nayf.

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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 27
Anexo 2: Como tomou conhecimento da FNLIJ

Anexo 3: Atividades mais comuns desenvolvidas nas bibliotecas


Principais Atividades da Rotina das Número de bibliotecas que as
Bibliotecas desenvolvem
Empréstimo 176

Visita programada 92

Pesquisa 75

Contação de histórias 65

Consulta a internet 15

Projeção de filmes 7

Leitura de HQ e jogos durante o recreio 5

Cumprimento de penalidades 5

Ensaios para festividades 4

Referências

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12/01/2009

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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 29
PRÁTICAS DE LETRAMENTO EM SALA DE AULA: GÊNEROS
DISCURSIVOS EM CIRCULAÇÃO NAS DISCIPLINAS CURRICULARES

Suzana dos Santos – FAE/UFMG


Maria Lucia Castanheira – FAE/UFMG

RESUMO

Este estudo tem como objetivo analisar as oportunidades de aprendizagem


construídas por professores e alunos nas aulas de leitura em diferentes
disciplinas curriculares, tendo em vista garantir o domínio e o uso da língua
escrita. Com base nos pressupostos da teoria de Vygotsky (1984, 1989) e da
teoria discursiva e dialógica de Bakhtin (1981, 1997) foi examinado o contexto
em que professores e alunos utilizaram gêneros discursivos nas aulas de
leitura e os procedimentos adotados para a compreensão leitora. Trata-se de
uma pesquisa etnográfica interacional que considerou o estudo de Castanheira,
Crawford, Dixon & Green (2001) e cujo exame micro-etnográfico envolveu
observação participante, registros de notas etnográficas a partir das
contribuições de Spradley (1980), Emerson, Fretz & Shaw (1995), Heath &
Street (2008); gravações em vídeo e áudio em Ericson (1986 e 2006);
transcrições e representação da análise de dados coletados em uma turma de
8ª série do Ensino Fundamental por meio das contribuições de Ochs (1979),
Tannen & Wallat (2002). Os resultados revelaram que apesar do predomínio do
uso do livro didático nas práticas de leitura, diferentes gêneros circularam nas
aulas de Português, Educação Artística, Inglês, Geografia, História, Ciências e
Matemática e criaram oportunidades de aprendizagem na leitura. Os dados
também demonstraram que a construção do conhecimento na sala de aula é
dinâmica e reflete a natureza complexa e multifacetada das práticas discursivas
e interacionais entre professores e alunos situados em contexto social, cultural
e histórico.

Palavras-chave: Letramento Escolar – Leitura – Gêneros Discursivos –


Etnografia Interacional

1. Introdução

A situação de fracasso escolar vivida por alunos do ensino fundamental


das escolas da rede pública brasileira é antiga e é objeto da atenção de
pedagogos, lingüistas e sociólogos, entre outros profissionais. Ferraro (2002),
em seus estudos sobre as “grandezas e misérias” das estatísticas educacionais
no Brasil, avaliou índices de alfabetização e analfabetismo revelados pelos
censos ao longo do século XX, , assim como conceitos de alfabetização,
analfabetismo e letramento, subjacentes às medidas censitárias. O

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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 30
experimento de classificação da população em níveis de letramento revelou,
com toda a crueza, a situação do país no ano 2000:
Entre a população de 15 anos ou mais, apenas 1/3 havia atingido o
nível 3 de letramento, que não significa nada mais que o número
constitucional (8 anos ou mais de estudo concluídos ou o fundamental
completo). Os outros 2/3 da população de 15 anos ou mais (cerca de 71
milhões), compreendendo desde os sem instrução e menos de um ano
de estudo até os distribuídos em todas as categorias de um a sete anos
de estudos, dizem muito bem do tamanho do desafio posto à educação
nos próximos anos (FERRARO, 2002, p. 44).

Também à luz dos resultados do Sistema Nacional de Avaliação da


Educação Básica – 1999 (SAEB) e do Programa Internacional de Avaliação
dos Estudantes - 2000 (PISA), observou-se que a proficiência em Língua
Portuguesa não se distribuiu homogeneamente, nem entre as séries, nem
tampouco nas regiões do País. É o que mostra o trecho a seguir:
Na 4ª série, por exemplo, os maiores percentuais de alunos estão
concentrados abaixo do nível 1 e no nível 1 de proficiência (35,6% e
39%), o que indica que a maioria dos alunos brasileiros ou não sabe ler
ou tem dificuldades básicas com a leitura de um texto. Na 8ª série, a
maioria dos alunos se concentra no nível 2 de proficiência, ou seja,
aquele nível em que a operação de ler não vai além da compreensão de
idéias gerais que estão em grande parte explícitas no texto”
(BONAMINO; COSCARELLI; FRANCO, 2002, p. 103-104).

No que se refere aos resultados gerais do PISA em leitura, a proficiência


dos alunos brasileiros foi significativamente inferior à dos demais países
participantes (INEP, 2001). O percentual de alunos abaixo do nível 1 é bastante
elevado entre alunos de 15 anos de idade que têm até sete anos de estudo
(57%). Mesmo entre os alunos que têm oito séries escolares, a maioria
concentra-se no nível 1 de proficiência (40%). Esses resultados mostram que
alunos com 15 anos de idade cursando a 7ª ou 8ª série estão com atraso
escolar.
Os resultados posteriores, tanto do PISA (2003) quanto do SAEB (2003),
também mostram que os alunos, mesmo depois de freqüentarem a escola por

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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 31
muitos anos, apresentam domínio limitado das habilidades e estratégias de
processamento de informação necessárias para enfrentar com sucesso as
atividades diversas que envolvem a leitura e a escrita em seu cotidiano.
Diante desse cenário complexo, acredita-se que a tentativa de
desmistificar o fracasso dos alunos das camadas populares seja o primeiro
passo de uma prática inclusiva. Na escola pública, o compromisso com o
sucesso dos alunos das camadas populares é um desafio. A ação do
professor pode contribuir para o fracasso ou para o sucesso escolar. Lahire
(2004) apresenta contribuições para o entendimento do sucesso e do fracasso
escolar das camadas populares. O autor realizou estudos etnográficos de
casos improváveis de sucessos em meios populares para compreender as
razões que fazem com que se tenha sucesso ali onde estatisticamente se
deveria fracassar.
Nesse sentido, “[...] a ação pedagógica é um espaço de possibilidades
para a superação do fracasso escolar, apesar de todas as dificuldades
socialmente construídas para que essa transformação possa ocorrer”
(ESTEBAN, 1992, p. 86). A construção de novas relações entre professor,
aluno e conhecimento no cotidiano da sala de aula pode criar bases para a
superação do fracasso escolar.
Por esses motivos, torna-se importante conhecer as práticas de
letramento adotadas por professores para compreender como práticas de
alfabetização e letramento são discursivamente construídas em sala de aula.
Neste trabalho de pesquisa, objetiva-se caracterizar a interação que se
estabelece entre professores e alunos no contexto da sala de aula, conhecer a
abordagem metodológica de ensino explorada e identificar o uso de diferentes
gêneros discursivos utilizados pelos professores, tendo em vista a aquisição e
o domínio da língua escrita. Com base nessas análises, é importante
compreender as conseqüências desses processos interativos para o
delineamento daquilo que os alunos podem conhecer e aprender sobre leitura
na escola.

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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 32
2. Metodologia da Pesquisa

Esta pesquisa foi desenvolvida em uma escola pública situada na


periferia de Belo Horizonte, numa turma de 8ª série, que contava com 35
alunos na faixa etária de 13 a 16 anos, sendo 17 meninas e 18 meninos, todos
oriundos de famílias de baixa renda e referenciados como de baixo rendimento
acadêmico. Muitos desses alunos carregam o estigma da reprovação e foram
retidos em uma ou mais séries, em determinado momento da vida escolar.
Os professores que participaram da pesquisa eram graduados em suas
respectivas áreas de atuação, de acordo com a exigência legal. Eles também
participaram de cursos de aperfeiçoamento promovidos pela Secretaria de
Educação. Dos professores, cinco eram do sexo feminino e dois, do sexo
masculino.
A coleta de dados, mediante observação participante, aconteceu no
período de fevereiro a dezembro de 2007. As fontes de dados incluíram
gravações em vídeo da rotina da sala de aula, gravações em áudio de
entrevistas semi-estruturadas com professores e alunos, além de análise do
material usado e/ou produzido na sala de aula. As atividades da turma foram
observadas durante as aulas de Português, Inglês, Artes, História, Geografia,
Ciências e Matemática.
No desenvolvimento dessa pesquisa adotou-se como referência analítica
a teoria sócio-histórica de Vygotsky (1991), a teoria dos gêneros do discurso e
o dialogismo de Bakhtin (1981; 1997). Adotou-se, também, as contribuições da
etnografia em Castanheira; Crawford; Dixon & Green, (2001) para a descrição
e análise da dinâmica discursiva e interacional nos eventos de leitura. Neste
estudo etnográfico, são examinadas as seguintes questões: Quais as
oportunidades de aprendizagem que são construídas pelos professores e
alunos nas aulas de leitura? Como essas práticas de leitura contribuem para a
definição daquilo que é considerado letramento acadêmico, na 8ª série do
ensino fundamental?

3. Gêneros Discursivos Explorados nos Eventos de Letramento

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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 33
As pesquisas sobre práticas de letramento acadêmico – leitura e escrita
interdisciplinar – dão suporte ao argumento de que tais práticas constituem
processos centrais por meio dos quais os alunos aprendem novos conteúdos e
desenvolvem seus conhecimentos sobre novas áreas de estudo (HEATH &
STREET, 2006). Nas últimas décadas, o ensino de língua (português, por
exemplo) mudou da abordagem voltada para a gramática, ou metalingüística,
para uma abordagem funcional e epilingüística, tanto no Brasil como em outras
partes do mundo. Essa nova perspectiva trouxe para o ensino uma variedade
de usos e funções sociais desempenhados pelo texto na sociedade. Essa
perspectiva parte de uma visão dialógica e discursiva da linguagem (BAKHTIN,
1981 e 1997) e dá suporte à compreensão de texto como qualquer elemento
oral, escrito ou visual usado na produção de significado pelas pessoas, em
determinado contexto social. Nesse novo contexto conceitual, o professor é
desafiado a explorar diferentes gêneros discursivos em sua prática de ensino e,
assim, trazer o mundo real da escrita para dentro da sala de aula, criando a
possibilidade de conexão do letramento escolar com as práticas sociais
letradas das quais os alunos podem participar fora da escola (por exemplo,
escrever para as autoridades enquanto cidadãos, ler e se posicionar em
relação a notícias de várias esferas sociais, leitura para diversão, etc.).
Dada a centralidade do uso de textos e da variedade de gêneros
discursivos na constituição dos eventos de letramento acadêmico foram
levantadas as seguintes questões: a quais gêneros discursivos os alunos
tiveram acesso durante a primeira semana de aula? Quais textos foram
utilizados nas aulas observadas?
O conhecimento dos textos utilizados na sala de aula é importante para
a identificação das práticas que permitem aos alunos expandir sua visão sobre
o que define um texto, quando ele é usado, como é produzido, por quem e
como pode ser utilizado na escola no aprendizado de conteúdos acadêmicos.
A análise da informação apresentada no Anexo 1 demonstra a
variedade de gêneros discursivos explorados nos eventos de letramento
acadêmico entre as disciplinas curriculares. Demonstrou também algumas
formas padronizadas de uso do texto nos vários eventos de letramento
construídos interacionalmente pelos participantes. Em todas as aulas, os
professores propuseram a leitura de um texto como uma atividade acadêmica.

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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 34
Em todas as disciplinas, exceto em História, esses textos foram lidos primeiro
de forma individual (TI) e, depois, explorados no espaço interacional Professor-
Aluno (P-A) e/ou em um Seminário. Na aula de História, por exemplo, a
atividade começou com os alunos lendo o texto em duplas e terminou com a
discussão nos espaços interacionais Professor-Aluno e em Seminário. Em
todas as disciplinas, à leitura de um texto (TI ou TD) seguiu-se o
desenvolvimento de atividades no espaço interacional Professor-Aluno.

4. Análise Exploratória: Eventos de Letramento e Oportunidades de


Aprendizagem

A análise dos eventos de letramento em sala de aula torna visível a


variedade deles com relação à estrutura de participação e às práticas sociais
estabelecidas (HEALTH, 1982; BLOOME; BAILEY, 1992). Com base nos
estudos de Soares (1998), evento de letramento pode ser entendido como
contextos, situações que permitem aos sujeitos se envolverem com as práticas
sociais de leitura e escrita. Dependendo da forma como são organizados os
eventos de letramento, estes podem ou não possibilitar o desenvolvimento de
uma multiplicidade de habilidades lingüísticas, comportamentos e
conhecimentos. Já para Bloome e Bailey (1992, p. 185), o evento de letramento
é “interacionalmente construído”. Na sala de aula envolve a interação face a
face e é construído pelas ações e reações de professores e alunos.
Para exemplificar a maneira como estão sendo interrogados os dados
quanto ao referencial teórico adotado, apresenta-se, no Anexo 2, a análise do
evento de letramento ocorrido na aula de Português. Nesse dia, trabalhou-se a
produção de texto jornalístico com base em um capítulo do livro didático sobre
o tema “A cor de um país plural”, que traz notícias da Folha de S. Paulo. A
transcrição abaixo representa o evento em que se leu a notícia O lixo do 3º
mundo: mãe e filhos buscam restos de comida para saciar a fome – Brasil, um
retrato da miséria, apresentada no livro didático. Para essa transcrição foram
adotadas as seguintes convenções: Prof. = professor; VA= vários alunos;
((Pesq.))= informações contextuais e pistas de contextualização fornecidas
pela pesquisadora; T= turma; [...] = pausa e ANI = aluno não identificado.

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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 35
Nesse evento de letramento, pode-se ver que o livro didático foi utilizado
como recurso para a leitura e a produção de texto. Resta examinar em que
condições tal leitura e escrita foram realizadas e as possíveis implicações
desse uso para que os alunos possam aprender na escola. O evento
representado acima pode ser dividido em cinco seqüências interacionais,
estabelecidas com base na identificação do que estava sendo realizado pelos
participantes à medida em que a interação se estabelecia, assim como para
quem se orientavam e sobre o que falavam.
Na primeira seqüência interacional (linhas 01 a 08), inicia-se o
estabelecimento das condições de produção da leitura. Antes de iniciar a leitura
do texto, a professora relembra aos alunos os “principais pontos” que deverão
identificar na notícia a ser lida: o que (fato); quem (personagem/pessoas);
quando (tempo); onde, como e por quê (01). Após fornecer essa orientação, a
professora solicita aos alunos que leiam, silenciosamente, a notícia da página
seguinte (02). Depois dos 07 minutos utilizados para a realização da leitura
silenciosa, a professora pede à aluna Luíza que leia, em voz alta, a legenda de
uma foto que acompanha a matéria (06). Enquanto a aluna lê, a professora
anota no quadro: Fazer a proposta de redação da página 52. Ao terminar a
anotação no quadro, a professora se volta para a turma e diz: Vocês vão
observar a foto e escrever um texto sobre a imagem. Vou recolher. É avaliativo
(08).
Essa seqüência interacional constitui o enquadre (TANNEN & WALLAT,
2002) para a realização da tarefa proposta. Esse enquadre privilegia a
localização de informações no texto sobre quem lê a notícia, qual fato é
relatado, quando, onde e por que ocorreu. Estabelecem-se, ainda, outras
condições para a sua realização: a leitura silenciosa de uma notícia e a
observação de uma foto feita individualmente pelos alunos. É, então, com base
em uma atividade de leitura realizada nessas condições que a proposta da
escrita de um texto é apresentada. O texto a ser escrito deve tratar da imagem
observada e será avaliado posteriormente. Deve-se observar que a preparação
para a produção escrita por meio da leitura da notícia ou da observação da foto
não possibilitou, em momento algum, a troca de idéias sobre a polêmica
temática apresentada pelo texto. Essa troca de idéias foi feita por um grupo de
alunos na segunda seqüência interacional (linhas 09 a 14).

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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 36
Diferentes aspectos da análise da conversa podem ser observados entre
os alunos nessa seqüência interacional. Pedro, que anteriormente (03) já havia
demonstrado dúvidas ao acompanhar as orientações da professora, fez a
seguinte pergunta (09): Inventar o quê? A pergunta proposta por Victor é
indicativa de que esse aluno ainda não tinha elementos suficientes para a
realização da tarefa proposta pela professora. Faltava-lhe saber sobre o que
deveria escrever. Pode-se argumentar que a escolha do verbo “inventar” por
esse aluno talvez seja decorrente da sua vivência escolar em que muitas vezes
a escrita surge como uma “invenção”, uma criação a ser feita com imprecisões,
sem função e usos claros. Nesse dia, o objeto da escrita foi esclarecido pela
colega Luíza (10) – Uma história sobre esse menino, que entendeu que o texto
seria “uma história”. Pedro ouviu de seu colega Victor a escolha do título que
trouxe elementos caracterizadores do personagem: (11): Meu título vai ser:
“Menino trabalhador”. Ao participar dessa conversa, Carla (12) estabeleceu
relações entre as condições de vida do menino que virou notícia e sua própria
vida: Isso acontece na minha casa. Minha mãe manda eu trabalhar 10 horas
por dia. Duas de suas colegas reagiram a esse comentário: uma ri (13) e a
outra, ANI, confirmou a experiência vivida por Carla (14): É verdade. Carla é
também trabalhadora, a exemplo do menino da notícia ou do texto de Victor.
Note-se que, em momento algum, antes de a produção textual ser proposta ou
após o início da escrita do texto, a professora procurou discutir, no espaço
coletivo da sala de aula, tais relações ou problematizar, questionar a realidade
denunciada pela notícia apresentada no livro didático. Essas relações foram
estabelecidas no espaço interacional constituído pela participação de um grupo
restrito de alunos.
Na terceira seqüência interacional (15 a 18), é possível ver que Victor
não mais se orientou pelos seus colegas, mas voltou-se para a professora,
interessado em receber esclarecimentos sobre o que é pra fazer (15). Victor já
tinha o título do seu texto (11), entretanto, isso não foi suficiente para que ele
iniciasse sua produção. Estaria ele querendo saber sobre as características
desse texto? Afinal, como deveria ser o texto? Seria uma notícia ou uma
história, como sugeriu Luíza? Não temos como recuperar as orientações dadas
pela professora a Victor em razão das limitações da gravação. Certamente,
elas seriam esclarecedoras das expectativas da professora que,

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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 37
posteriormente, avaliaria o texto. Entretanto, o comentário feito por Victor, após
a conversa com a professora, indica que a conversa entre a professora e Victor
é que definiu o nome do menino trabalhador (Ramon) e uma característica
pessoal: é doidão.
A quarta seqüência interacional refere-se ao comentário feito pela
professora para a turma, após terminar sua conversa com Victor: Trabalhem no
texto, gente! O tom de voz da professora e a ênfase no verbo trabalhem é
resposta a certa inquietude dos alunos, que continuaram a conversar e
pareciam pouco concentrados na tarefa. Conforme foi sugerido pela professora
em outros momentos, escrita é sinônimo de trabalho, algo que exige esforço.
Possivelmente, os alunos estariam se lembrando de que esse esforço seria
avaliado. Ao chamar atenção dos alunos para trabalharem no texto, a
professora relembrou que a atividade valia ponto e teria que ser concluída
durante a aula. Em resposta ao comentário da professora, os alunos
concentraram-se na realização da tarefa e as conversas diminuíram.
Passados trinta e cinco minutos nos quais os alunos se ocuparam com a
escrita do texto, Victor indagou sobre os seus possíveis leitores (Professora, vê
se tá bom? Quem vai ler esse texto?). Um aluno não idenficado respondeu a
Victor: Nós. O silêncio da professora é também uma resposta a Victor. Talvez,
para ela, essa questão já tivesse sido abordada antes: sendo avaliativo, ela
seria a destinatária do texto. É Victor, então, quem propõe outra possibilidade:
desejava enviar seu texto a um jornal. O seu comentário se alinha àqueles
feitos pelos alunos na segunda seqüência interacional, quando estabeleceram
correspondência entre suas experiências de vida fora da escola e o texto lido.
Nesse caso, Victor sugeriu que o texto escrito na escola encontrasse
interlocutores fora dela.
A quinta seqüência interacional inicia-se pelo sinal que toca, avisando o
término da aula (observação da pesquisadora entre parênteses). Em resposta,
Victor celebrou (23): Graças a Deus! Até que enfim, livre. Fui!!!. A liberdade,
enfim. Sentimento que parece ter sido partilhado por seus colegas que pararam
de escrever e recolheram seus materiais sobre a carteira.

4. Considerações Finais

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Com base na análise apresentada, podemos afirmar que a produção de
texto observada na sala de aula caracteriza-se como uma produção
tipicamente escolar a ser lida e avaliada pelo professor, não havendo
indicações de que tenha sido lida por outros participantes da sala de aula.
Nessa perspectiva, compartilhamos a visão de Leal, que questiona práticas que
“transformam o texto escrito em um objeto fechado em si mesmo” (LEAL, 2005,
p. 54).
A análise dos dados levou à identificação de diferentes espaços
interacionais constitutivos das relações e oportunidades de aprendizagem
estabelecidas diariamente por professores e alunos na turma observada. Essas
oportunidades estão vinculadas aos diferentes propósitos das várias atividades
realizadas em sala de aula, a saber: atividades planejadas pelos professores
envolvendo o uso do livro didático para o ensino de Português, Inglês, Artes,
Geografia, História, Ciências e Matemática; distribuição de tarefas escolares
para serem feitas em casa; práticas sociais organizadas informalmente pelos
alunos na chegada, recreio ou intervalo de uma aula para outra; atividades de
leitura e produção de textos.
O processo analítico tem evidenciado que a organização de espaços
interacionais em cada disciplina segue normas, direitos e deveres, papéis e
relações, demandas e expectativas estabelecidas pelos participantes ao longo
do tempo. O professor, por exemplo, inicia a aula, coordena a ação dos demais
participantes, levanta determinadas questões, posiciona-se diante das
respostas dos alunos; essas atividades realizam-se em espaços físicos e
horários determinados pelo tipo de disciplina e suas especificidades, estilo do
professor e suas demandas, tipos de textos utilizados; esses processos
envolvem materiais (quadro-negro, fotos, atividades xerocadas, livro didático);
e ainda, propósitos e ações diferenciadas (orientações sobre a atividade
proposta, escrita do texto, leitura do texto produzido).
A análise evidencia, também, que a construção interacional dos eventos
de letramento é dinâmica e reflete a natureza complexa e multifacetada das
decisões e processos articulados pelos professores e alunos situados no
contexto social, cultural e histórico. Professores e alunos participam de um
processo de interação em diferentes dimensões contextuais que informam e
possibilitam a construção do conhecimento na sala de aula. Trata-se de um

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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 39
processo dialógico que influencia e determina a natureza das oportunidades de
ensino-aprendizagem da leitura e da escrita. Existem diferenças contextuais
que indicam a necessidade de examinar o que os alunos podem aprender
sobre a leitura e a escrita nas diferentes disciplinas escolares e de que maneira
tais experiências limitam ou expandem o seu repertório de capacidades
lingüísticas (BATISTA et al, 2006) envolvidas na leitura e na produção de
textos, bem como seus conhecimentos sobre os usos e funções sociais da
escrita. Nesse sentido, muitos fatores determinam e moldam os resultados dos
processos de aprendizagem da língua. É o que lembra Cook-Gumperz (1991,
p. 19) ao afirmar que “a aprendizagem da leitura e da escrita ocorre em um
ambiente social através de intercâmbios interacionais nos quais o que deve ser
aprendido é, até certo ponto, uma construção conjunta de professor e aluno”. O
estudo da interação em sala de aula por meio da linguagem busca a
compreensão desses processos para que se possa intervir e transformar as
práticas escolares de letramento de forma a favorecer a superação do atual
quadro de fracasso escolar por parte dos alunos das camadas populares.

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ANEXO 1
Evento de Letramento
Aula de Língua Portuguesa, Escola Pública, 8ª série do ensino
fundamental
01. Prof.: Observem no final da página 51 os principais pontos que vocês
devem identificar nesta notícia: o que (fato); quem (personagem/pessoas);
quando (tempo); onde, como e por que. Marcela leia a notícia seguinte.
((Pesq.: Os alunos acompanham a indicação da professora, a notícia “O lixo do
3º mundo” é lido por uma aluna, e os alunos acompanham silenciosamente)).
02. Prof.: Agora virem a página e leiam esta outra notícia.
03. Pedro: Qual?
04. Ana: A do menino.
05. Júlia: Na frente, seu tonto.
((Pesq.: Júlia se levanta e mostra a página para o colega. A professora chama
atenção para a foto e solicita leitura silenciosa da notícia)).
Prof.: Luíza, leia a legenda da foto. Leia, Luíza.
07. Luíza: Menino de 9 anos que trabalha 10 horas por dia numa carvoaria.
((Pesq.: A professora escreve no quadro: Fazer a proposta de redação da
página 52.))
08. Prof.: Vocês vão observar a foto e escrever um texto sobre a imagem. Vou
recolher; é avaliativo.
((Pesq.: Alunos começam a escrever, e a professora passa pelas carteiras
orientando o trabalho.))
09. Pedro: Inventar o quê?
10. Luiza: Uma história sobre esse menino.
11. Vitor: Meu título vai ser: “Menino trabalhador”.
12. Carla: Isso acontece na minha casa. Minha mãe manda eu trabalhar 10
horas por dia.
13. V.A: Risos [...]
14. ANI: É verdade.
15. Vitor: Professora, o que é pra fazer?
16. Prof.: Quando líamos o texto, o que você estava fazendo?
17. Vitor: Desenhando.
((Pesq.: A professora se aproxima de Vitor e conversa com ele. Os alunos
começam a escrever o texto proposto.))
18.Vitor: O nome do menino da carvoeira é Ramon. Ramon, você é muito
doidão.
19. Prof.: Trabalhem no texto, gente!
((Pesq.: Os alunos tiveram o tempo de 35 minutos para a produção do texto)).
20.Vitor: Professora vê se tá bom? Quem vai lê este texto?
21. ANI.: Nós.
22. Vitor: Vou mandar o meu para o jornal.
((Pesq.: Toca o sinal do recreio.))
23. Vitor: Graças a Deus! Até que enfim, livre. Fui!!!
((Pesq.: Os alunos recolhem o material e, com agilidade e empolgação, saem
para o recreio)).
Fonte: Notas de Campo Etnográficas, p.11-13 e Gravação, Fita 9 e 10,
15/9/2006.

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ANEXO 2
Quadro 2
Gêneros Discursivos, Disciplinas e Espaços Interacionais

Espaço Interacional
Disciplina Profess
Gênero Individua Seminári
Dupla or e
l o
aluno
Geografia  
Carta
Inglês   
Figura tridimensional Artes  
Gravura Português   
Geografia  
Livro-texto
Português   
Letra de música Historia   
Noticias Português   
Pesquisa Geografia  
Resumo Ciências  
Problemas
Matemática  
matemáticos
Legenda: EI: espaço interacional; P - TI, professor se dirige à turma inteira; S,
Seminário; P – AE, professor interage com um aluno específico; TD, trabalho
em dupla; TI, trabalho individual

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