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FEBRE E INFLAMAÇÃO
Júlio C. Voltarelli
Docente. Departamento de Clínica Médica (Disciplina de Imunologia Clínica) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP
VOLTARELLI JC. Febre e inflamação. Medicina, Ribeirão Preto, v. 27, n. 1/2, p. 7-48, jan./jun. 1994.
RESUMO: Esta revisão é dividida em três partes. Na primeira, a febre é integrada ao conjunto
de eventos da resposta inflamatória, particularmente da reação da fase aguda, desde que a
maioria dos pirogênios (endógenos e exógenos) estimulam ambas as respostas. São discuti-
dos seus mecanismos patogênicos e regulatórios, seus efeitos benéficos e nocivos, concluindo
com uma análise crítica da avaliação laboratorial da atividade inflamatória em doenças huma-
nas. Na segunda parte, a fisiopatologia e o significado clínico de situações selecionadas de
aumento de temperatura corporal são considerados. Assim, as inúmeras variáveis envolvidas
na definição de estado febril são discutidas, bem como o valor cada vez mais limitado das curvas
térmicas, e a problemática da febre como manifestação isolada ou predominante (febre de
origem indeterminada) é subdividida em suas circunstâncias de ocorrência (clássica, hospita-
lar, neutropênica e associada ao HIV ). A abordagem da febre com erupção cutânea é sistemati-
zada, assim como a fisiopatologia e o diagnóstico da síndrome da fadiga crônica, das febres
benignas, da insuficiência orgânica múltipla e das síndromes clínicas associadas à hipertermia.
Finalmente, em vista das novas informações disponíveis sobre a participação das várias citoci-
nas e de outros mediadores na patogênese e função protetora da febre e sobre o mecanismo de
ação dos antitérmicos, são apresentados alguns critérios para auxiliar o clínico a indicar e
selecionar a terapia antipirética para febre e hipertermia.
UNITERMOS: Febre. Resposta Inflamatória. Reação de Fase Aguda. Febre de Origem Inde-
terminada. Antipiréticos.
A evolução exponencial das ciências médicas sentam em situação ambulatorial ou hospitalar. Na-
e da disponibilidade de novos recursos diagnósticos e quela época, já se reconhecia a resposta febril como
terapêuticos tornou insuficientes, e muitas vezes ob- parte integrante da reação inflamatória aguda, sendo
soletos, os conhecimentos semiológicos clássicos e mediada predominantemente por uma citocina, a in-
complicou, sobremaneira, a missão cardinal do médi- terleucina-1 (IL-1), de efeitos múltiplos sobre vários
co de dispensar o melhor atendimento disponível ao tecidos. Do mesmo modo, era reconhecida a partici-
seu paciente. pação da febre nos mecanismos protetores do orga-
Há dez anos, publicamos, nesta mesma Revis- nismo contra infecções e neoplasias, questionando-se,
ta, revisão de cunho didático sobre a patogênese, fisi- portanto, o uso rotineiro de antitérmicos em qualquer
opatologia e significado clínico da febre (Voltarelli & elevação da temperatura corporal. Neste período de
Falcão, 1984). Este conjunto de conhecimentos, em- dez anos, houve um enorme progresso no entendimento
bora válidos em seus princípios e úteis como guia in- dos mecanismos bioquímicos envolvidos na reação
trodutório, não são suficientes atualmente para o mé- inflamatória e na resposta febril, principalmente na par-
dico avaliar e conduzir os casos de febre que se apre- ticipação de outros mediadores além da IL-1 e nas
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suas interações neuroendócrinas. Além disto, surgi- tastróficas, na forma de choque circulatório grave.
ram novas condições clínicas associadas a febre, como (Figura 1C)(1).
a AIDS e as síndromes da fadiga crônica e da libera- Em 1930, foi descrita no soro de pacientes com
ção de citocinas, e a terapêutica sintomática da febre infecções agudas uma proteína que precipitava o
continuou a ser avaliada criticamente à luz de novos polissacarídeo C da cápsula do pneumococo (a prote-
conhecimentos farmacológicos e imunológicos. Estes ína C-reativa ou PCR ) e em 1941 foi introduzido o
avanços constituem o objetivo desta revisão, que per- termo “fase aguda” para descrever as alterações
siste em seu objetivo didático e seu enfoque clínico e séricas observadas nestes pacientes (4, 5, 6, 54) . Atual-
não pretende repetir o conteúdo do artigo anterior. mente se sabe que, além das infecções, muitas outras
formas de injúria tecidual, como trauma, isquemia,
1. A RESPOSTA DE FASE AGUDA neoplasias e hipersensibilidade, desencadeiam altera-
ções na concentração de várias proteínas plasmáti-
Todos os organismos vivos, desde os procarion- cas, conhecidas como “proteínas de fase aguda”
tes até o Homem, possuem mecanismos adaptativos (PFAg). Elas constituem apenas uma parte da “rea-
para responder a estímulos agressivos no sentido de ção ou resposta de fase aguda” (RFAg) que inclui
manter o equilíbrio homeostático. Nos vertebrados, esta febre, leucocitose e anormalidades metabólicas que
resposta inclui uma série de alterações bioquímicas, produzem variada manifestação clínica e laboratorial
fisiológicas e imunológicas coletivamente denomina- (vide Secções 2 e 4). Como mostra a Tabela I, na
das inflamação. Na maioria das vezes, os mediado- resposta inflamatória as várias PFAg exibem diferen-
res inflamatórios (produtos de leucócitos e plaquetas tes alterações na sua concentração sérica (muito ou
ativados, do metabolismo do
ácido araquidônico-prosta-
glandinas e leucotrienos-e das
cascatas da coagulação e do LPS TNF IL-1 IL-6 IL-8
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Febre e inflamação
pouco aumentada, ou mesmo diminuída) e diversas 1.1. Mecanismos moleculares da reação de fase
propriedades biológicas, discutidas na Secção 2. Já na aguda
Tabela II, mostra-se que a magnitude, mas não a na- Independentemente da natureza do estímulo
tureza, da resposta de fase aguda, medida pela con- desencadeante, as células ativadas do sistema fagocí-
centração da PCR, depende do estímulo desencadean- tico mononuclear (monócitos circulantes e macrófa-
te. Quando este é autolimitado ou controlado por tra- gos teciduais) iniciam a cascata de eventos da RFAg,
tamento, a inflamação é inibida e as PFAg retornam secretando, em uma etapa inicial, citocinas da família
ao normal em dias ou semanas, podendo, de outra da IL-1 e TNF (fator de necrose tumoral) (Figura 2).
maneira, persistir ou recidivar, levando a um padrão Estas moléculas têm ação pleiotrópica, tanto a nível
de “RFAg crônica”, como ocorre em neoplasias, local como sistêmico. Localmente, agem sobre célu-
colagenoses e infecções crônicas(5, 6, 54) . las da matriz ou estroma tecidual, principalmente fi-
TABELA I - PROTEÍNAS DE FASE AGUDA HUM ANAS E SUA POSSÍVEL FUNÇÃO BIOLÓGICA.
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Voltarelli JC
Marginação
IL-1, IL6 SNC
Quimiotaxia
TNF
Plaquetas Tecido
Monócito Inflamado
Cortisol
TGF-β Fagócito
Mononuclear
IL-8
IL-1, TNF Estroma
MCP
ICAM-1
IL-6 Hepatócito
IL-1 IL-6
IL-1, TNF
Neutrófilo Proteína de
fase aguda
ELAM-1
Figura 2 - Mecanismo molecular da resposta de fase aguda. No foco inflamatório, macrófagos (fagócitos mononucleares) liberam
inicialmente duas citocinas (IL-1 e TNF) que agem sobre o estroma e endotélio adjacentes estimulando outras citocinas e iniciando o
acúmulo de células inflamatórias com o auxílio do TGF-b produzido pelas plaquetas. As respostas hepática e do eixo hipotálamo-
hipófise-adrenal, incluindo a febre, são ativadas por uma segundo conjunto de citocinas (IL-1, IL-6, TNF, IL-8 e outras). Abreviaturas na
legenda da Tabela III. Traduzida da ref. 6.
broblastos e células endoteliais, causando a liberação inflamação, restringindo os limites da lesão tecidual,
de um segundo conjunto de citocinas que incluem, além clareando agentes agressores e auxiliando no reparo
dos próprios IL-1 e TNF, também IL-6 e IL-8 e as celular. Através de seus receptores específicos, o
proteínas inflamatória (MIP-1) e quimiotática (MCP) hepatócito responde a quatro tipos de mediadores da
de macrófago. Esta última proteína, juntamente com resposta inflamatória(6): 1) Citocinas do tipo IL-1
IL-1, IL-8 e TGF -β, atrai para o foco inflamatório (IL-1α, IL-1β, TNFα, TNFβ) que estimulam a produ-
monócitos e neutrófilos, os quais, por sua vez, secretam ção hepática da proteína C-reativa (PCR), do compo-
um terceiro conjunto de citocinas, incluindo o TNF e nente C3 do complemento, haptoglobina, amilóide sé-
outros fatores quimiotáticos, que retroalimentam o pro- rico A ( SAA ) e aglicoproteína ácida, constituindo as
cesso inflamatório. O endotélio vascular desempenha PFAg do tipo 1; 2) citocinas do tipo IL-6 (IL-6,
papel central na comunicação entre o sítio inflamató- IL-11, fator inibitório de leucemia (LIF), oncostatina
rio e os leucócitos circulantes, tanto pela expressão M (OSM) e fator neurotrófico ciliar (CNTF), que es-
de moléculas de adesão (das famílias de ICAM e timulam, pelo receptor gp130, a maioria das PFAg do
ELAM), que facilitam a migração tecidual de monó- tipo 1 e, mais especificamente, o fibrinogênio, hapto-
citos e neutrófilos, como pela modificação do tônus globina e as antiproteases α1-antiquimiotripsina, α1-
vascular mediado por metabólitos do ácido araquidô- antitripsina, α2-macroglobulina e a ceruloplasmina,
nico (prostaglandinas, tromboxane e leucotrienos), pelo constituindo as PFA g do tipo 2(2); 3) glicocorticói-
óxido nítrico e pelas cininas, causando vasodilatação des: agem sinergisticamente com as citocinas do tipo
(eritema), aumento da permeabilidade vascular (ede- IL-1 e IL-6 estimulando a produção de algumas PFAg,
ma) e hipotensão arterial. A outra manifestação car- principalmente a a glicoproteína ácida. Entretanto, a
deal da inflamação, a dor, é mediada, além das prosta- ação mais importante dos glicocorticóides na
glandinas, pela bradicinina, um nona-pep tídio liberado RFAg é a de inibir a produção de citocinas pelos
pelo sistema cininogênio (também uma PFAg )-cinina, macrófagos e células endoteliais, impedindo que
que também participa da ativação da cascata da coa- sua ativação continuada tenha conseqüências lesivas
gulação(6, 47, 48) (Tabela III). aos tecidos; 4) fatores de crescimento: juntamente
O fígado é o alvo principal dos mediadores in- com os glicocorticóides, estes hormônios, como a in-
flamatórios sistêmicos, suprindo os metabólitos essen- sulina, os fatores de crescimento do hepatócito (HGF)
ciais para a resposta de estresse e os componentes e do fibroblasto (FGF) e o fator de crescimento
necessários para a defesa de primeira linha no sítio de transformante (TGF -β) modulam a resposta hepática
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Febre e inflamação
às linfocinas. A insulina, por exemplo, inibe a ação das 2. Funções fisiológicas e patológicas da reação
citocinas do tipo IL-1 e IL-6 sobre os genes das PFAg, de fase aguda
o mesmo acontecendo com o TGF-β em relação à
IL-1. Além dos glicocorticóides e dos fatores de cres- A complexidade e multiplicidade dos eventos
cimento, vários outros componentes da cascata infla- biológicos associados à RFAg dificultam sobremanei-
matória possuem função inibitória, entre eles os anta- ra a dissecção de seus efeitos protetores e agressores,
gonistas de receptores (para IL-1 e TNF) e, principal- os quais são, em sua grande maioria, ainda desconhe-
mente, as citocinas do tipo Th2 (vide Secção 2.4.), cidos. Avanços recentes permitiram classificar estes
que antagonizam a produção e as ações fisiológicas efeitos da RFAg em três categorias distintas(4,5,6,47,48).
das citocinas do tipo IL-1 e IL-6. Deste modo, parece
que as citocinas do tipo Th2 (IL-4 e IL-10 principal- 2.1. Ação biológica direta das PFAg
mente) liberadas no sítio inflamatório, em conjunto com Coletivamente, as PFAg agem, na sua maio-
os glicocorticóides produzidos pela estimulação do eixo ria, como anti-proteases, fatores coagulantes ou
hipotálamo-hipófise-adrenal, são suficientes para re- cicatrizantes, com ação protetora contra a destruição
gular o término da RFAg. De fato, a IL-10, por exem- tecidual associada à inflamação(2) (Tabela I). Recen-
plo, protege camundongos dos efeitos letais do cho- temente, verificou-se também que certas PFAg como
que endotóxico(6) e a corticoesterona é necessária para a PCR e a antitripsina podem controlar retroativamente
a sobrevivência de ratos ao choque hemorrágico. a função das citocinas indutoras da RFAg, estimulan-
A Tabela III apresenta os mediadores dos do, por exemplo, a síntese do inibidor solúvel de IL-1,
principais fenômenos inflamatórios locais e sistêmi- o IL-1 RA(51). Algumas das PFAg podem ter efeitos
cos, com suas respectivas manifestações clínicas e patológicos quando produzidas cronicamente, como
laboratoriais. veremos a seguir(48) .
TAB ELA III: CAR ACTER ÍSTICAS D OS FEN ÔM EN OS IN FLAM ATÓR IOS LOCAIS E SISTÊM ICOS
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A PCR, que se eleva rápida e precocemente b) aumento da produção e das ações antiviral e
na reação inflamatória aguda, parece contribuir para antitumoral dos interferons;
a resposta inespecífica de defesa anti-infecciosa atra- c) estimulação das fases de reconhecimento e sensi-
vés de múltiplos mecanismos. Sua capacidade de li- bilização da resposta imunológica, resultando em
gação com vários componentes celulares (fosfocolina, uma interação mais eficiente entre macrófago e
presente na parede bacteriana, substâncias nucleares linfócito T e maior proliferação destes últimos. As
e fibronectina, proteína da matriz do tecido conjunti- fases efetoras da resposta imune, como a citotoxi-
vo) e com a membrana de neutrófilos e monócitos cidade de linfócitos T e NK, são inalteradas ou
estimula muitas atividades biológicas ligadas a infla- mesmo deprimidas pelo aumento de temperatura;
mação, como a ativação do complemento, opsonização, d) diminuição da disponibilidade de ferro, a qual limita
quimiotaxia, fagocitose, produção de radicais livres e a proliferação bacteriana e de alguns tumores. Este
citotoxicidade. A PCR parece ligar-se também a lin- fenômeno é causado pela hipotransferrinemia da
fócitos e plaquetas, ativando a citotoxicidade mediada RFAg, pelo aumento da afinidade do Fe pela
por estas células e inibindo a atividade do PAF (“platelet lactoferrina intracelular e pela menor produção de
activating factor”)(54). Por outro lado, outro grupo de proteínas quelantes de ferro pelas bactérias.
PFAg, o SAA e SAP (amilóides séricos A e P) de Recentemente, demonstrou-se também que a
cinética semelhante à PCR, podem trazer conseqüên- febre e alguns estímulos inflamatórios estimulam a
cias lesivas, principalmente na inflamação crônica. produção de uma família de proteínas conhecidas como
Nesta condição, a deposição de fibrilas amilóides A proteínas do choque térmico” (“heat shock proteins”,
(produto de proteólise do SAA) em órgãos como o HSP), presentes em toda a escala animal e exibindo
fígado, baço e rim pode causar amiloidose com con- amplas interações com o sistema imunológico especí-
seqüências até fatais. Do mesmo modo, a deposição fico e inespecífico. Entre estas, destaca-se a prote-
de amilóide P, derivado do SAP, tem efeito acelerador ção conferida pelas HSP às células expostas à pró-
em amiloidoses primárias e secundárias pela sua ca- pria hipertermia e a mediadores inflamatórios lesivos,
pacidade de inibir enzimas proteolíticas que degradam como os radicais livres oxidantes e o TNF(39). Pelo
as fibrilas amilóides. Além disto, a associação entre menos uma destas proteínas, a HSP70 , parece funci-
SAA e HDL (lipoproteína de alta densidade) poderia onar como um verdadeiro termômetro celular, regu-
diminuir a capacidade da HDL de transportar coleste- lando a produção de outras HSP e, indiretamente, de-
rol e explicar a maior mortalidade por doenças cardio- sencadeando mecanismos de termoproteção(10). Des-
vasculares em afecções inflamatórias crônicas como te modo, as HSP constituem uma classe peculiar de
a artrite reumatóide(48). Por outro lado, várias citoci- proteínas de fase aguda intracelulares com proprieda-
nas pró-inflamatórias provocam hipertrigliceridemia, des antioxidantes e sua síntese na resposta inflamató-
particularmente da fração VLDL (“very low density ria poderia explicar, pelo menos em parte, o valor
lipoproteins”), que pode ter um efeito benéfico neu- adaptativo da febre.
tralizando endotoxinas e vírus(21).
2.3. Ações patológicas dos pirogênios endóge-
2.2. Papel da febre nas defesas orgânicas nos
Nos últimos 15 anos, inúmeros estudos têm de- A maioria das ações benéficas da febre sobre
monstrado que pequenas elevações da temperatura as defesas orgânicas, mencionadas acima, são medi-
corporal, semelhantes às observadas durante a res- adas indiretamente por citocinas de efeito pirogênico
posta febril, potenciam a defesa do organismo contra secretadas na RFAg, principalmente IL-1 e TNF. En-
agentes infecciosos e células neoplásicas. Muitos des- tretanto, estas e outras citocinas, aliadas a substânci-
tes estudos foram realizados em animais inferiores, as pró-inflamatórias como as prostaglandinas, produ-
invertebrados ou vertebrados poiquilotermos. Em ver- zem várias manifestações adversas, tanto na fase aguda
tebrados homeotermos, demonstrou-se a ação da fe- como na fase crônica da reação inflamatória (Tabela
bre nas seguintes funções da resposta imune (revisto IV). Muitas destas manifestações (sonolência, astenia,
em 25, 26, 41): mialgia, lombalgia, artralgia, cefaléia e anorexia) cons-
a) aceleração da quimiotaxia de neutrófilos e da se- tituem apenas sintomas desconfortáveis da reação
creção de substâncias antibacterianas (peróxidos, febril aguda, sem grandes conseqüências patológicas.
superóxidos, lisozima e lactoferrina); Por outro lado, em estados febris de longa duração,
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Febre e inflamação
como na AIDS e em várias outras doenças crônicas, parasita, quando este incorpora a PFAg em sua mem-
as ações metabólicas dos pirogênios podem ter signi- brana e elude a resposta imunológica (em Trychomonas,
ficativa morbidade, causando desnutrição, osteoporo- Leishmania e T.cruzi). Há poucos estudos de RFAg
se, anemia da doença crônica e fibrose em tecidos em parasitoses humanas; na malária, por exemplo, não
inflamados(9, 13-17, 20, 36). Além disto, um episódio único há correlacão entre as alterações das PFAg e a evolu-
de febre (> 37,8 ºC) no primeiro trimestre da gestação ção clínica, medida pela magnitude e duração da febre
duplica o risco de malformações do tubo neural no e da parasitemia e pela gravidade da doença. Na es-
feto(20). quistossomose humana, ao contrário da murina, não
O mecanismo patogênico destas alterações é ocorre aumento das PFAg no período de formação de
multifatorial e incompletamente desvendado (Tabela granulomas hepáticos. Entre as parasitoses intestinais,
IV). A anemia da doença crônica, por exemplo, pode a ancilostomíase induz, provavelmente, o maior estí-
ser atribuída à inibição central da eritropoese mediada mulo para a produção de PFAg , enquanto infecções
pelo TNF e à hipotransferrinemia induzida pela rea- intestinais por giárdia e por Hymenolepis produzem
ção de fase aguda hepática, enquanto a fibrose asso- os maiores graus de hipoalbuminemia em crianças, o
ciada à inflamação crônica pode ser decorrente da que se correlacionou com retardo de desenvolvimen-
estimulação da síntese de colágeno e da proliferação to. As citocinas participantes da RFAg induzida por
fibroblástica. A caquexia observada em neoplasias e parasitas estão sendo extensivamente estudadas, mas
outras condições inflamatórias crônicas resulta da não emergiu ainda um quadro coerente de seu perfil e
combinação entre anorexia, diminuição da síntese de suas interações nas várias doenças. O TNF e a IL-1
albumina, miólise/lipólise, hipoglicemia e anemia(49), por exemplo, estão elevados na malária, tripanosso-
cada um destes distúrbios sendo mediado por um con- míase e leishmaniose, o IFN-γ na doença de Chagas e
junto de citocinas, com participação variável das pros- a IL-6 na malária(47, 52).
taglandinas (Tabela IV). Nem sempre é possível atri-
buir-se uma propriedade biológica a uma citocina indi- TABELA IV: M ANIFESTAÇÕES CLÍNICO-LABO-
vidualmente, devido à complexa rede de interações R ATOR IAIS M ED IAD AS PELOS PIR OGÊ N IOS
entre elas. O TNF e a IL-1, por exemplo, induzem ENDÓGENOS CLÁSSICOS
não só sua própria secreção como a de IL-6 e IL-8,
as quais poderiam mediar ações biológicas inicialmente MANIFESTAÇÕES IL- 1 TNF IL- 6 IFN
atribuídas àquelas citocinas. A administração terapêu- Febre** ++ ++ + +
tica de IL-2, por exemplo, produz febre através da
secreção de TNF, pois a IL -2 por si não tem proprie- Sonolência ++ ++ _ ++
dades pirogênicas(14, 58), o mesmo ocorrendo com o Anorexia* ++ ++ _ _
GM-CSF. De modo geral, a IL-1 e o TNF têm propri-
Mialgias, atralgias** ++ ++ _ ++
edades superponíveis, pirogênicas e pró-inflamatórias
e a IL-6 é a mais potente indutora de proteínas de Miólise e lipólise* ++ ++ + _
fase aguda e a que melhor se correlaciona com a Hipoglicemia ++ ++ ++ _
magnitude da febre e com a gravidade de doenças
Reabsorção óssea* ++ ++ + _
infecciosas (Secção 3). Por outro lado, ela inibe as
ações inflamatórias da IL-1 e do TNF, pois é secretada Anemia + ++ _ _
por linfócitos do tipo Th2 (Secção 2.4). Os IFN, por Leucocitose* ++ _ ++ _
sua vez, inibem as atividades osteoclástica e fibroblás-
tica da IL-1 e parecem ter papel pirogênico e pró- Proteínas de fase aguda + + ++ _
inflamatório predominantemente em infecções virais Hipergamaglobulinemia + + ++ _
e doenças auto-imunes (Secção 4).
Extravasamento capilar* + ++ _ +
2.4. RFAg em doenças parasitárias Choque circulatório* + ++ _ _
Em modelos animais de infecções parasitárias, Fibrose ++ ++ _ _
a produção de PFAg tem mostrado efeitos contraditó-
rios, seja protegendo o hospedeiro (como a PCR na * efeitos mediados total** ou parcialmente* por prostaglandinas
e, portanto, inibidos por anti- inflamatórios não- esteroidais.
malária do rato), seja contribuindo para a evasão do
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Voltarelli JC
Baseados em estudos com clones de linfócitos IL-6, IL-10), além de controlar as do tipo Th1, estimu-
T murinos, foi proposta uma dicotomia no padrão de lariam a produção de anticorpos e teriam uma ação
secreção de linfocinas pelas células T auxiliares (Th), até facilitadora no desenvolvimento das infecções in-
em que um precursor Thp (apenas produtor de IL-2) tracelulares. A limitação desta generalização é demons-
se diferenciaria em células Th0, de características trada, por exemplo, pelo papel patogênico do TNF, uma
mistas, e estas, em subpopulações Th1 ou Th2(40) (Ta- linfocina Th1, e não da IL-6 (Th2), na malária cere-
bela V). Os fatores que determinam esta diferencia- bral, pela indução de RFAg protetora pelo IL-1 e IL-6
ção não são completamente conhecidos, mas incluem ainda na malária(52) e pela possibilidade da ativação de
o tempo de estimulação (curto para Th0 e longo para células Th1 desencadearem reações inflamatórias
Th1 ou 2), o microambiente em que ocorre (macrófa- auto-imunes(40). De qualquer modo, o alcance prático
gos do fígado apresentam antígenos para células Th1 destes novos conhecimentos, mesmo que incipientes,
e não para Th2, IL-4 e IL-10 inibem o desenvolvimen- pode ser apreciado pelo sucesso terapêutico da admi-
to de clones Th 1 enquanto IFN-γ inibe Th2 e IL-12 nistração de IFN-γ em pacientes com calazar(3) ou com
estimula Th1) e, presumivelmente, o estímulo desen- micobacterioses disseminadas(22) resistentes à quimio-
cadeante. As células Th1 produziriam um grupo de terapia tradicional. Experiências como estas deverão
citocinas (IL-2, TNF-β, IFN-γ) com propriedades pró- se multiplicar em futuro próximo para várias outras
inflamatórias e de estímulo à imunidade celular e, por- doenças infecciosas, auto-imunes ou alérgicas(40), que
tanto, com efeito protetor nas infecções intracelula- poderão ser tratáveis com citocinas, seus inibidores e,
res, entre as quais se incluem a maioria das parasitoses. eventualmente, com PFAg.
Por outro lado, as citocinas do tipo Th2 (IL-4, IL-5,
TNF: fator de necrose tumoral, GM- CSF: fator estimulante de colônias de granulócitos e macrófagos, Th: T helper, Tc: T citotóxico, NK:
"natural killer”, Ta: T ativado, M: macrófago , End: endotelial , PMN: polimorfonuclear neutrófilo , p(hematop): precursor hematopoético,
Eos: eosinófilo, mast: mastócito, x: proliferação, TGF- b: fator de crescimento transformante, PL: plaquetas NT: não testado. Adaptada das
ref. 1, 36 e 40.
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Febre e inflamação
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TABELA VII: UTILIDADE DIAGNÓSTICA DAS PROTE- (vide Secções 8 e 9). A experiência obtida até agora
ÍNAS DE FASE AGUDA com dosagens imunoquímicas (radio imunoensaio e
I. Diagnóstico diferencial ELISA ) de citocinas em grupos limitados de pacien-
Pileonefrite vs. cistite tes com doenças inflamatórias permite tirar as seguin-
Pneumonia vs. bronquite tes conclusões (13-16): 1) o pico febril aparece algumas
Artrite reumatóide vs. osteoartrose horas (1 a 2,5 h) após o das citocinas e não há corre-
Artrite psoriásica vs. psoríase lação entre eles, nem quanto à cinética nem quanto
Infarto do miocárdio vs. angina estável(30)
aos níveis atingidos; 2) IL-1 e TNF permanecem ele-
Meningite bacteriana vs. meningite asséptica
Tuberculose pulmonar vs. sarcoidose
vados por um breve período, enquanto a IL-6 é a mais
Trombose venosa profunda persistente, o que explica sua melhor corre lação com
Apendicite aguda a febre e com as manifestações patológicas de várias
- Presença de infecção oculta doenças infecciosas; 3) pode haver dissociação entre
. Em recém-nascidos a elevação plasmática das citocinas e a presença de
. No pós-operatório sinais infla matórios, causada pela ligação destas cito-
. Superposta a doenças crônicas cinas com proteínas plasmáticas, inclusive PFAg, o u
pelo uso de AINE, que inibem certas manifestações
II. Monitoramento de atividade inflamatória clinicas (Tabela IV), mas aumentam os níveis das ci-
Doenças reumáticas tocinas; 4) citocinas pirogênicas estão elevadas em
Artrite reumatóide juvenil e do adulto várias doenças inflamatórias (septicemia, queimadu-
Polimialgia reumática/arterite temporal ras, malária, rejeição a transplantes, artrite reu
Lúpus eritematoso sistêmico matóide), mas também em condições fisiológicas (ovu-
Espondilite anquilosante lação e exercício físico) e até em alguns indivíduos
Síndrome de Reiter normais. Por outro lado, deficiências na produção de
Artrite gotosa aguda e crônica
citocinas foram observadas em várias doenças, com
Vasculite sistêmica
significado indefinido. Portanto, serão necessários
Outras condições muitos estudos para se determinar a sensibilidade e
Pancreatite especificidade da quantificação das citocinas antes que
Doença inflamatória intestinal possa ser usada na prática clínica.
Transplantes renal e de medula óssea(56)
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Febre e inflamação
MUDANÇAS
Corticóides COMPORTAMENTAIS
Acetaminofeno
AINE CÓRTEX
1) Lesões Hipotalâmicas
Dipirona? Neurolépticos
TERMOSTATO
ELEVADO
Corticóides
Pirogênios Exógenos
Macrófagos Endotélio Toxinas e outros produtos microbianos
Astrócitos, Linfócitos, etc Antígenos. Complexos Ag-Ac. Drogas.
Polinucleotídeos. Etiocolanolona
Figura 3 — Mecanismos bioquímicos e fisiológicos envolvidos na patogênese da febre e hipertermia, localizando, através de linhas
tracejadas, os prováveis sítios de atuação das drogas antipiréticas, tanto de ação central como periférica. A linha pontilhada indica a
controversa mediaçao pirogênica das prostaglandinas produzidas no foco inflamatório e as setas tracejadas exemplificam mecanismos
produtores de hipertermia (1 a 4). MIP-1: proteína inflamatória de macrófago-1, PG: prostaglandinas, CTR: centro termorregulador, PO/
HA: área pré-óptica do hipotálamo anterior, OVLT: “organum vasculosum lamina terminalis”, CRF: “corticotrophin releasing factor” ou
fator liberador de ACTH. AINE: anti-inflamatórios não-esleroidais. Modificada da ref. 63.
A geração de calor pela ativação simpática do MIP -1(63, 64) (Figura 3). O mecanismo exato da ação
“tecido adiposo marron” indepen dente de tremores pirogênica destas substâncias não é conhecido e pa-
musculares (termogênese ”non-shivering”) pode as- rece diferir entre estes dois grupos de citocinas: as
sumir papel proeminente em algumas situações clíni- quatro primeiras, ao caírem na circulação a partir do
cas (febre dos recém-nascidos, hipertermia maligna foco inflamatório, estimulam a produção de prosta-
ou associada ao feocromocitoma) (35) . glandina E2 p or várias células (endoteliais, macrofá-
Há uma enorme variedade de pirogênios exó- gicas e até neurônios) na vizinhança dos centros
genos (microorganismos intactos, produtos microbia- termorreguladores hipotalâmicos, mais especificamen-
nos, complexos imunes, antígenos não-microbianos, te em uma região ricamente vascularizada e despro-
drogas e outros agentes farmacológicos), mas apenas vida de barreira hematoencefálica localizada na por-
um número limitado de pirogênios endó genos foram ção ânte ro-ventral do terceiro ventrículo (o ”orga num
identificados: as citocinas IL-1, TNF , IFN e IL-6 (1,13- vasculosum lamina terminalis”, OVLT ) (Figura 4). A
16,20,55)
e, mais recentemente, entre outros, a IL-8 e o PGE 2 se difundiria para o centro termorregulador
11
Voltarelli JC
adjacente, na área pré-óptica medial, estimulando a ros criógenos endógenos. Estas substâncias provavel-
produção de AMP cíclico e inibindo a ativi dade dos mente são responsáveis pela manutenção de um “teto
neurônios sensíveis ao calor, deste modo acionando térmico” (abaixo de 41ºC) mesmo nas respostas fe-
as respostas de geração e conservação de calor me- bris mais intensas(16, 25) . Deste modo, a deficiência
diadas pelos neurônios sensíveis ao frio e, assim, ele- destes criógenos explicaria a dificuldade de a tempe-
vando o limiar térmico(9). O papel pirogênico das PG s ratura corporal retornar a níveis basais em alguns pa-
produzidas no foco inflamatorio é controvertido, mas cientes febris. Mulheres grávidas (a partir do 2º tri-
parecem ter importância secundária em função da sua mestre de gestação) e neonatos, por outro lado, pos-
meia vida e concentração plasmática diminutas (Figu- suem concentrações aumentadas de vasopressina-
ra 3, linha pontilhada). A IL-8 e o MIP -1 agem inde- arginina, a qual, por estímulo do eixo hipotálamo-
pendentemente das PG , provavelmente através do hipófise-adrenal, produz um efeito criogênico e pode
CRF (“corticotrophin releasing factor” ou fator impedir a febre.
liberador do ACTH ), que estimula diretamente as vias
simpáticas de produção de calor(63, 64) (Figura 3). Es-
tes mecanismos termogê nicos têm profundas impli-
cações no entendimento da ação das drogas
antipiréticas, como será discutido na Secção 9.
A participação individual de cada uma destas
citocinas nos vários tipos de RFAg e respostas febris
e na gênese das manifestações clínicas associadas está
apenas começando a ser estudada (13-16, 20). Com ex-
ceção da IL-6(2) , os outros pirogênios endógenos se
apresentam em diferentes formas químicas, com pro-
priedades semelhantes mas não necessariamente
superponíveis ( IL-1α e β, TNFα e β, IFNα, β, γ) . O
IFNα, por exemplo, é produzido na maioria das infec-
ções virais, onde é res ponsável, além da febre, pela
sonolência e letargia que acompanham estas infec-
ções. Uma mistura de IFN-α e γ foi encontrada no
lúpus eritematoso sistêmico (LES) e em outras doen-
ças auto- imunes (esclerodermia, síndrome de Sjogren).
Como os IFN não induzem a produção hepática
de PFAg , as doenças virais e o LES geralmente
não produzem aumento da PCR e/ouVHS e
neutrofilia. Esta é causada pela liberação de neutró-
filos maduros da medula óssea e pela sensibilização
da célula-tronco da medula aos fatores de crescimen-
to hematopoéticos, ações estas mediadas pela IL-1 e
IL-6; o TNF, ao contrário, atua como inibidor da he-
matopoese e pode contribuir para anemia e caquexia
observada em estados inflamatórios crônicos. A Ta-
bela IV compara as propriedades biológicas dos prin-
cipais pirogênios endógenos e seus papéis nas mani- Figura 4 - Mecanismo pelo qual a IL-1 (e possivelmente TNF, IL-6
festações clínicas da RFAg e a Tabela VIII reúne as e IFN ) agem sobre o “organum vasculosum lamina terminalis”
(OVLT) para produzir febre. A IL-1 proveniente da circulação
principais alterações metabólicas produzidas pela res- sistêmica estimula neurônios, células endoteliais e macrofágicas
posta febril. do OVLT a produzirem PGE 2, que se difunde para o centro
Alguns mediadores hipotalâmicos como a so- termorregulador (POM : núcleo pré-óptico medial), onde vai inibir a
ação de neurônios sensíveis ao calor e elevar o limiar térmico. CA:
matotastina, a vasopressina-arginina e o hormônio es- comissura anterior. POME: núcleo pré-óptico mediano. Reproduzida
timulante de melanócitos (MSH) têm ação inibitória da ref. 9.
sobre a resposta febril, sendo considerados verdadei-
12
Febre e inflamação
O metabolismo aumenta cerca de 13% Pode ser necessária hiperalimentação, Embora ocorram processos anabólicos,
para cada ºC de elevação da sobretudo nas doenças febris crônicas o efeito metabólico final é o
temperatura corporal nas quais o paciente não consegue se catabolismo. Caso não sejam
alimentar; pode ocorrer proteinúria preenchidas as demandas de
aminoácidos e calorias, ocorre
desnutrição
Aumento da perda insensível de água Haverá necessidade de aumentar a A perda insensível é influenciada pelo
hidratação de 300 a 500 ml/m2 /ºC/dia grau da febre, hiperpinéia, umidade e
temperatura ambiente
A freqüência cardíaca aumenta cerca Indução de insuficiência cardíaca ou O aumento da freqüência cardíaca
de 15 batimentos por minuto/ºC de angina em alguns pacientes febris pode ser atenuado na febre tifóide ou
elevação da temperatura quando existe cardiopatia subjacente,
como BAV completo
Hiperventilação é freqüente na fase Pode levar a alcalose respiratória A alcalose respiratória pode ser
inicial das doenças febris encontrada inicialmente no choque
séptico: mais tarde é substituída por
acidose metabólica
Depleção eletrolítica Pode ser necessária a reposição da Perda de eletrólitos através do suor e,
Na+, K+, e Cl_ algumas vezes, de diarréia ou vômitos
Menor disponibilidade de ferro e zinco Anemia da doença crônica, ID celular Oligoelementos necessários ao
séricos crescimento microbiano; sua ¯ pode ter
efeito protetor
Ativação e/ou síntese de mediadores A reação inflamatória usualmente auxilia Se a resposta for exagerada, como no
humorais da inflamação, incluindo a eliminação de microorganismos e choque séptico, ela pode ser deletéria
PFAg restringe a lesão tecidual para o hospedeiro ( CIVD, IOM )
BAV: bloqueio átrio- ventricular, CIVD: coagulação intravascular disseminada, IOM: insuficiência orgânica múltipla, ID: imunodeficiência,
PFAg : proteínas de fase aguda. Modificada da ref. 45.
13
Voltarelli JC
oral, é considerada febre uma temperatura matinal teja associada a vários sintomas inespecíficos, como
acima de 37,2ºC e vespertina acima de 37,7ºC(31); em a sensação de frio, apenas algumas doenças produ-
nosso meio, onde se utiliza a temperatura axilar, estes zem calafrios bem definidos, com piloereção e tre-
limites são 0,5ºC mais baixos (36,7 pela manhã e 37,2 mores musculares. Eles são característicos das septi-
à tarde). Algumas pessoas normais apresentam tem- cemias bacterianas, mas também ocorrem na malá-
peraturas vespertinas de até 37,7ºC na ausência dos ria, endocardite bacteriana, brucelose, leptospirose,
fatores termogênicos relatados acima, sendo este qua- influenza, neoplasias (leucemias, linfomas, hepatoma
dro conhecido como hipertermia habitual (Secção e hipernefroma) e até em febres medicamentosas (vide
6.5.1) . A idade também influencia não só a tempera- Secção 6.5.2). Deve-se considerar também que exis-
tura basal como a resposta febril: lactentes apresen- te considerável variação individual e diuturna da tem-
tam grandes variações de temperatura com fatores peratura corporal, além da influência de vários fato-
ambientais e recém-nascidos, especialmente prema- res fisiológicos, o que torna difícil de definir os limites
turos, podem não desenvolver febre, ou mesmo apre- precisos da temperatura corporal normal, como dis-
sentarem hipotermia, na vigência de infecções gra- cutido acima. O padrão de normalidade mais fidedig-
ves. Este padrão de irresponsividade térmica também no seria a determinação repetida da temperatura em
é observado em indivíduos idosos, que pode ser atri- vários períodos do dia (pelo menos no matutino e ves-
buído a várias causas: distúrbios da termogênese (di- pertino) em cada indivíduo saudável, o que é imprati-
minuição do metabolismo basal, da eficiência dos tre- cável(31). Final mente, devido à preservação do ritmo
mores musculares e da vasoconstricção periférica), circadiano nos estados febris, uma temperatura mati-
redução da produção de e da sensibilidade à IL-1, nal de 37,7ºC, por exemplo, teria um significado diag-
excesso de lipocortina-1 (um intermediário intracelu- nóstico maior do que a mesma temperatura observa-
lar da ação dos corticoesteróides) e alterações com- da à tarde; entretanto, deve-se lembrar que algumas
portamentais (incapacidade de se aquecer) (24). Do doenças, como a febre tifóide, a tuberculose miliar, o
mesmo modo, em outras condições, como na uremia, abscesso amebiano e a endocardite bacteriana podem
insuficiência hepática, desnutrição, em certas fases inverter este ritmo, observando-se temperaturas mais
do choque séptico e na corticoterapia, a resposta fe- elevadas pela manhã(20).
bril é reduzida(20), o que não ocorre em estados de Os padrões clássicos de curvas febris (contí-
neutropenia, mesmo absoluta (vide Secção 6.3). nuo, remitente, intermitente e periódico)(55) atualmen-
Na abordagem clínica de um paciente com quei- te são muito modificados pelo uso indiscriminado de
xa de febre, principalmente prolongada, é necessário, antipiréticos, corticoesteróides e antibióticos e têm
em primeiro lugar, documentar-se o problema, pois pequena especificidade diagnóstica. Neste sentido,
muitos deles não o apresentam objetivamente, o que constituem exceções alguns tipos de padrões febris
ocorreu em cerca de 30% dos casos que foram inter- periódicos que têm utilidade clínica: 1) os da malária
nados para observação no NIH/USA(20). Esta queixa terçã (febre nos dias 1 e 3, causada pelo P.vivax) e
é muito comum em pacientes que recentemente apre- quartã ( nos dias 1 e 4, por P.malariae), mas apenas
sentaram doença febril autolimitada e em crianças pro- observados na zona endêmica, porque os casos novos
venientes de familias superprotetoras ou muito pro- de malária demoram 1 a 2 semanas para sincroniza-
blemáticas. Entretanto, para se documentar a ocor- ção dos paroxismos, 2) a febre da neutropenia cíclica
rência de febre, é necessário medir-se a temperatura (a cada 21 dias, acompanhada de ulcerações muco-
corporal no pico (18 h) e no nadir (6 h) do ciclo sas) e 3) possivelmente, a febre de Pel-Ebstein (com
circadiano durante vários dias, construindo-se uma 3 a 10 dias de duração espaçados por igual periodo
curva térmica, onde estarão também anotadas as afebril) observada na doença de Hodgkin e em outros
manifestações associadas (calafrios, sudorese, taqui- linfomas.
cardia e outras). A ausência destas manifestações
sugere tratar-se de uma das categorias de “febre 6 . FEBRE DE ORIGEM INDETERMINADA
benigna” (vide Secção 6.5.1), mas deve-se lembrar (FOI)
que algumas doenças como febre tifóide, brucelose,
leptospirose, febres medicamentosas e aquelas com No conceito clássico de Petersdorf e
distúrbios de condução cardíaca podem cursar com Beeson(37), febre de origem indeterminada ( FOI) era
bradicardia. Embora a maioria dos estados febris es- definida por 3 critérios: 1) temperaturas superiores a
14
Febre e inflamação
38,3ºC (oral) [ou 37,8 (axilar)] observadas em várias perfil nosológico da população (expansão de pacien-
ocasiões, 2) duração mínima de 3 semanas e 3) au- tes imunossuprimidos, incluindo os infectados pelo HIV
sência de diagnóstico etiológico após uma semana de e os submetidos a quimioterapia e terapia intensiva)
investigação hospitalar. Esta conceituação foi usada levaram a uma redefinição da FOI e sua classificação
por mais de 30 anos e visava, fundamentalmente, a em 4 categorias: clássica, hospitalar, neutropêni-
excluir pacientes com doenças autolimitadas, em ge- ca e associada ao HIV (Tabela IX )(18). A Figura 5
ral infecções virais, que duravam menos de 3 sema- mostra que as causas de FOI se distribuem pratica-
nas e outras doenças facilmente identificadas com mente em todos os sistemas orgânicos e aponta as
exames subsidiários relativamente simples. Entretan- doenças graves e tratáveis mais freqüentes que pro-
to, mudanças profundas na prática médica (com mai- duzem este problema clínico.
or ênfase e rapidez na investigação ambulatorial) e no
ASSOCIADA
CLÁSSICA HOSPITALAR NEUTROPÊNICA
AO HIV
Definição (T > 37,8º > 3 sem, 3 consultas 3 dias, ausente na 3 dias, PMN <500/ul, 4 sem, em ambulatório
C repetida por) ou 3 dias de internação, 2 d de 2d de culturas ou >3d em hospital,
internação culturas negativas negativas HIV pos .
15
Voltarelli JC
Artéria:
Cérebro: Arterite temporal
Febre Factícia Poliarterite
Granulomatose de Wegener
S. de Churg Strauss
Coração:
Endocardite Boca:
Mixoma atrial Sepse oral
Pericardite Patologia dentária
Pulmão:
Área subfrénica: Neoplasia primária
Abscessos Neoplasia secundária
Sarcoidose
Fígado: Tuberculose
Infiltrações Embolia pulmonar
Cirrose
Hepatorna Páncreas:
Outros tumores Neoplasia
Hepatite Pancreatite
Abscessos Intestino:
Neoplasia
Rins:
Doenças granulomatosas
Hipernefroma
Tuberculose
Infecção urinária
Esquistossomose
Abscesso perinefrético
Sistema retículo:
Músculos: endotelial:
(Dermato) rniosite Neoplasia
Brucelose
Trato genital: Tuberculose
Neoplasia Toxoplasmose
Sepse pélvica Citomegalovirose
Doença venérea Mononucleose
Calazar
Articulações:
Febre reumática Sangue:
Lupo eritematoso sistêmico Malária
Doença de Still Leucemia
(Para) tifóide
Veias: Salmonelose
Trombose venosa Septicemias
SIDA/AIDS
Figura 5 - Causas de febre de origem indeterminada distribuídas em praticamente todos os sistemas orgânicos. As mais freqüentes
doenças graves e potencialmente tratáveis estão assinaladas em negrito. Reproduzida da ref. 28.
6.1. FOI clássica exame físico deve focalizar o abdômen, gânglios linfá-
ticos e baço, músculos, articulações e artérias tempo-
Corresponde grosseiramente à definição de rais. Neste sentido, a ocorrência freqüente de febre (e
Petersdorf mencionada acima, com exceção de que a de FOI ) em várias doenças reumáticas(61) exige um
exigência de uma semana de internação foi reduzida exame cuidadoso do sistema músculo-esquelético no
para 3 dias ou mesmo para 3 consultas ambulatoriais. paciente febril. Na investigação laboratorial, após exa-
As causas mais freqüentes continuam a ser as doen- mes rotineiros de contagens sangüíneas, velocidade de
ças infecciosas, neoplásicas e auto-imunes (“mani- hemossedimentação, sedimento urinário, sorologias,
festações incomuns de doenças comuns”), mas testes de hipersensibilidade cutânea, culturas de san-
incluem um número significativo de casos classifica- gue, urina e outras fontes, deve-se concentrar em exa-
dos como “hipertermia habitual” (vide Secção 6.5.1), mes de imagem (radiografias contrastadas, ultras-
ou não diagnosticados conclusivamente. sonografia, gamacintilografia, tomografia computado-
A história clínica destes pacientes deve enfati- rizada - CT e ressonância nuclear magnética - MRI) e
zar viagens a áreas endêmicas, contatos com outros biópsias. Estas podem ser rotineiras (fígado e medula
pacientes portadores de doenças transmissíveis e com óssea) ou orientadas por achados clínicos e laborato-
animais, uso de medicamentos e imunização prévia. O riais (pele, pleura, gânglios linfáticos, rim, músculo,
16
Febre e inflamação
nervo, intestino ou qualquer outro tecido). Embora não são rotineiramente coletadas se a temperatura se ele-
se tenha ainda demonstrado inequivocamente que os va. O primeiro passo para a investigação laboratorial
mais novos métodos de diagnóstico de imagem, como da FOI hospitalar é rever os resultados de exames
a MRI, tenham maior especificidade diagnóstica do disponíveis e focalizar novas possibilidades diagnósti-
que os mais tradicionais, como o CT, não há dúvida de cas. Exames potencialmente úteis nesta situação são
que estes métodos, no seu conjunto, representaram um ultrassonografia e CT abdominais, mapeamento fun-
grande avanço no esclarecimento etiológico das FOI, cional da vesícula biliar, radiografia de seios da face,
diminuindo drasticamente a necessidade de procedi- ecocardiografia, broncoscopia ou biópsia aspirativa
mentos bastante invasivos, como a laparotomia explo- pulmonar, exames para hepatite e pancreatite e para
radora. Esta é ainda indicada nos raros casos em que a toxina do C.difficile nas fezes.
todos estes métodos falham em produzir um diagnósti-
co, em especial nos pacientes com alguma localização 6.3. FOI em pacientes neutropênicos
clínica, por exemplo, dor abdominal. Cada Serviço de Esta nova categoria de FOI é inteiramente dis-
Moléstias Infecciosas possui um roteiro diagnóstico tinta da forma clássica e merece individualização de-
próprio para FOI , baseado na epidemiologia e nos re- vido à grande expansão do número de pacientes
cursos locais e o do Hospital das Clínicas da Faculda- neutropênicos nos últimos anos, causada pela utiliza-
de de Medicina de Ribeirão Preto foi apresentado no ção crescente da quimioterapia citotóxica em doen-
artigo anterior(55). Após a investigação laboratorial, o ças neoplásicas e não-neoplásicas. Ela é definida pela
paciente deve ser observado, com registro cuidadoso presença de febre repetida em paciente com menos
da curva térmica, evitando-se tratamentos empíricos de 500 neutrófilos/ul depois de 3 dias de investigação,
que possam alterar esta curva ou mitigar uma infec- incluindo pelo menos 2 dias de realização de culturas.
ção subjacente. O aparente paradoxo entre a presença de fe-
bre na ausência de neutrófilos periféricos hoje é facil-
6.2. FOI hospitalar mente explicado pela produção de pirogênios endóge-
Esta categoria inclui pacientes hospitalizados nos ( IL-1 , IL-6, TNF , IFN-γ e outros) por monóci-
para tratamento agudo (trauma, cirurgia, transplantes, tos, macrófagos e células da matriz tecidual (estroma).
queimaduras, câncer , terapia intensiva, por exemplo), No período de neutropenia pós-transplante de medula
nos quais não se identificou uma infecção na interna- óssea, por exemplo, as células do sistema macrofági-
ção. Não há limitação de idade, pois a FOI ocorre em co do receptor são apenas gradualmente substituídas
muitos recém-nascidos, prematuros e idosos em tera- pelos macrófagos do doador, enquanto o estroma per-
pia intensiva, mas pacientes com doenças crônicas e manece do receptor (56) . Na anemia aplástica grave,
residentes em asilos são excluídos desta ca tegoria, mesmo na ausência de neutrófilos e monócitos circu-
porque mais provavelmente apre sentam FOI clássi- lantes, células do estroma produzem quantidades nor-
ca. mais de IL-1 e IL-6 e reduzida quantidade de IL-1RA,
Tanto a natureza da doença básica como as in- um inibidor biológico do receptor da IL-1(23), o que
tervenções realizadas na hospitalização (medicamen- poderia explicar a ocorrência freqüente de FOI nesta
tos, cateteres, cânulas e outros artefatos) devem ser doença, mesmo na ausência de infecção.
considerados na etiologia da FOI hospitalar (infecções Desde a década de 70 está bem estabelecida a
hospitalares, cateteres infectados, embolia pulmonar, relação estreita entre a redução do número de neutró-
colecistite acalculosa, viroses transmitidas por trans- filos circulantes e a frequência de infecções, que se
fusões, sinusite e febre medicamentosa são causas tornam proeminentes quando a contagem de neutrófi-
freqüentes). O exame físico deve focalizar-se na pele, los é inferior a 1.000/ul. Os fatores predisponentes
ferimentos, locais de punção, pulmões, abdômen e trato estão bem estudados e incluem a natureza e estágio
urinário. Ele é particularmente difícil de ser realizado da doença básica, o grau e a duração da neutropenia,
em ambiente de terapia intensiva; neste caso, deve-se o tipo e número de ciclos de quimioterapia, a duração
repetir exames limitados periodicamente. da hospitalização, a idade e o estado nutricional do
A maioria dos pacientes com FOI hospitalar paciente. São comuns as infecções bacterianas fo-
terão realizado freqüentes radiografias de tórax, con- cais, com ou sem bacteremia, envolvendo a cavidade
tagens sangüíneas e testes bioquímicos, tenham ou não oral, pele e partes moles, períneo, pulmões e eventu-
febre. Do mesmo modo, culturas de sangue e urina ais cateteres. Ao contrário da FOI nosocomial, infec-
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ções urinárias são raras em pacientes neutropênicos, sua capacidade de estimular a produção de várias
a não ser que eles estejam cateterizados. Além dos linfocinas ( IL-1, IL -2, TNF , IL-6, IFN-γ, IL-8, entre
estafilococos (aureus e epidermidis) e dos vários outras) por células imunologicamente competentes
germens gram-negativos oportunistas, infecções fún- tanto nos tecidos periféricos como no sistema nervo-
gicas (principalmente por Candida ou Aspergillus) e so central (29). Estas linfocinas, principalmente o TNFα,
por vírus (principalmente por Herpes simplex ou CMV) podem tanto produzir sintomas inflamatórios como in-
também são freqüentes, seja pelo papel imunológico terferir na replicação viral.
dos neutrófilos na defesa contra fungos, seja pela pre- Há numerosas causas de febre prolongada na
sença concomitante de outras imunodeficiências (no AIDS , desde a própria infecção pelo HIV, passando
caso das infecções virais). por complicações infecciosas (comuns como micobac-
Ao contrário da abordagem paciente e seletiva terioses tuberculosa ou atípica, CMV, salmonelose e
da FOI clássica, o paciente neutropênico febril deve histoplasmose, ou mais raras como listeriose, coccidi-
ser investigado rapidamente e tratado empiricamente oidomicose e leishmaniose) e não-infecciosas (neo-
com antimicrobianos dirigidos aos agentes etiológicos plasias linforreticulares, artropatias inflamatórias).
mencionados acima. O diagnóstico da FOI neutropê- Ocasionalmente, infecções focais facilmente diagnos-
nica é particularmente dificil pela exigüidade de alte- ticadas como a pneumocistose, cripto cocose e toxo-
rações inflamatórias focais. A investigação laborato- plasmose podem se manifestar como febre isolada ou
rial é dirigida às infecções oportunistas mais comuns, esta pode não estar relacionada diretamente à AIDS
procurando-se obter, no menor espaço de tempo, a (como na endocardite bacteriana do usu ário de dro-
identificação do agente etiológico e de sua sensibilida- gas endovenosas ou na hipersensibilidade a pentami-
de aos antimicrobianos. Neste sentido, a obtenção de dina, sulfonamidas ou outros medicamentos). A febre
culturas apropriadas de locais rotineiros (sangue, uri- causada pelo HIV pode ocorrer em várias fases da
na, secreções) ou de qualquer outro tecido ou fluido doença(32): na fase aguda, é acompanhada por sinto-
orgânico suspeito deve ser sempre feita, mesmo que mas inespecíficos, como mialgia, cefaléia, linfadeno-
se tenha que recorrer a procedimentos invasivos. A patia e rash cutâneo, constituíndo uma síndrome se-
evolução da maioria dos casos é rápida, seja para re- melhante à mononucleose infecciosa. Nas fases in-
solução do quadro febril, seja para a deterioração e termediárias, a infecção pelo HIV causa febre, diar-
em apenas 30 a 60% dos casos o agente etiológico réia, sudorese noturna e emagrecimento, geralmente
microbiano é identificado, mesmo que ocorra respos- associados a linfopenia moderada ( CD4 entre 200 e
ta terapêutica. Apesar da gravidade da doença básica 500/µl) e linfadenopatia. Já em fases mais tardias, a
que produz neutropenia, a maioria dos episódios febris maioria dos episódios febris está relacionado a infec-
nestes pacientes responde à terapêutica antibiótica ções oportunistas ou neoplasias e não ao HIV e cur-
(empírica ou guiada por culturas). Têm prognóstico sam com linfopenia acentuada (CD4 < 200/µl). A pro-
mais sombrio as FOI causadas por bactérias multirre- pósito, em um seguimento de 176 pacientes com do-
sistentes, fungos e vírus. ença avançada em New York, 46% apresentaram fe-
bre, sendo que apenas 4 pacientes ficaram sem diag-
6.4. FOI associada ao HIV nóstico e apenas um respondeu à terapêutica antiviral;
Febre é extremamente comum em pacientes os restantes apresentaram bacteremia, pneumocistose,
infectados pelo HIV e constitui até critério internacio- micobacterioses atípicas ou linfomas(43). Deste modo,
nal para classificação de infecção sintomática pelo como o diagnóstico de “febre pelo HIV” é sempre
HIV. Surpreendentemente, a vasta literatura médica feito por exclusão, ele só deve ser firmado após uma
sobre AIDS raramente menciona a ocorrência de FOI, investigação completa das outras causas menciona-
embora a experiência clínica diária mostre ser este das acima. Esta investigação deve incluir detalhada
um problema bastante freqüente. Ele pode ser defini- história clínica e exame físico (com ênfase na pele,
do como a ocorrência de temperaturas acima de 37,8º cavidade oral, tórax, sistema nervoso e linfohemato-
C (axilar) em várias ocasiões por mais de 4 semanas poético) e exames laboratoriais baseados na observa-
em regime ambulatorial ou por mais de 3 dias de inter- ção clínica e na prevalência regional das complica-
nação, incluindo 2 dias de realização de culturas. ções infecciosas. Em nosso meio, por exemplo, as in-
A patogênese da febre e de outras manifesta- fecções mais freqüentes em pacientes infectados pelo
ções inflamatórias na infecção pelo HIV está ligada a HIV são candidíase oral, tuberculose, pneumonia bac-
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Febre e inflamação
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Febre e inflamação
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médicas. Em nosso meio, a elevada prevalência des- TABELA XII: CASUÍSTICA DE FEBRE DE ORIGEM IN-
tas doenças e a experiência clínica acumulada no seu DETERMINADA EM TRÊS SERVIÇOS DE MOLÉSTIAS
manejo geralmente resultam no estabelecimento rápi- INFECCIOSAS BRASILEIROS
do do diagnóstico, de tal modo que as doenças tropi- Categorias HSPESP HCFMUSP BH
cais não constituem etiologia predominante em nos- Diagnósticas 1975-82 1963-65 1978-88
sas casuísticas mais recentes de FOI (Tabela XII). Infecção bacteriana 14 40 17
Entretanto, muitas doenças tropicais, ocorrendo fora Infecção não-bacteriana 8 38 5
de sua zona endêmica ou apresentando manifestações Colagenose 14 6 9
atípicas, podem se apresentar, mesmo nos países tro- Neoplasia 13 6 10
picais, como FOI e desafiar nossa capacidade diag- Miscetânea 6 2 10
Sem diagnóstico 19 10 4
nóstica. Entre elas, poderíamos citar: a maária, a for-
TOTAL 74 102 55
ma aguda da doença de Chagas, a necrose amebiana
Doenças tropicais
hepática, o calazar, a esquistossomose aguda, a
Malária - 16 2
paracoccidioidomicose (formas linfático-abdominal e
Calazar - 6 -
disseminada), as helmintíases intestinais (formas pul- Doenças de Chagas - 3 -
monares e invasivas), a hidatidose, triquinelose, Blastomicose SA - 2 -
filariose, larva migrans visceral e a febre reumática Esquistossomose - 0 1
aguda (em adultos pode se manifestar de modo Febre reumática - 1 -
atípico). Na casuística do Hospital do Servidor Públi- TOTAL 0 28 3
co de SP entre 1975 e 1980, por exemplo, nenhuma HSPESP: Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo,
destas doenças foi encontrada como causa de FOI HCFMUSP : Hospital das Clínicas de São Paulo, BH: Belo Ho-
entre 74 pacientes(27). Já no levantamento de 102 ca- rizonte: cinco hospitais. Adaptada da ref. 27.
sos de FOI internados no HCFMUSP entre 1963 e
1965, havia 35 protozooses, entre as quais 16 casos
de malária, 10 de toxoplasmose adquirida (excluída 7. AVALIAÇÃO DO PACIENTE COM FEBRE
das doenças tropicais), 6 de calazar e 3 de doença de E ERUPÇÃO CUTÂNEA
Chagas aguda ou subaguda, além de 2 casos de
paracoccidioidomicose e um de febre reumática(27). A concomitância de febre e erupção cutânea
Entre 55 pacientes acompanhados em Belo Horizonte (“rash”) ‚ um problema bastante freqüente na prática
no período de 1978 a 1988, 2 apresentavam maária e médica, tanto em adultos como em crianças e requer
1 esquistossomose associada a salmonelose(27). A com- uma abordagem ordenada para se chegar ao diagnós-
paração epidemiológica entre estes três Serviços está tico correto (59) . Para isto, deve-se determinar: 1) a
demostrada na Tabela XII e revela a preponderância classificação da lesão elementar dermatológica, 2) sua
da etiologia infecciosa, inclusive a causada por doen- distribuição e 3) sem padrão de progressão, além 4)
ças tropicais, na casuística mais antiga. No HCFMRP, das manifestações extra-cutâneas.
quando se emprega a nova classificação de FOI de A história clínica não pode deixar de fornecer
acordo com o tipo de situação clínica(18), em anos re- as seguintes informações:
centes (Tabela XIII), observa-se: a) a ocorrência de a) passado mórbido, incluindo ingestão de medicamen-
FOI clássica, hospitalar e neutropênica em todas as tos nas últimas semanas e antecedentes alérgicos,
faixas etárias, com etiologias semelhantes às relata- b) viagens a zonas endêmicas, incluindo ambientes
das na literatura; b) pequeno número de casos de FOI rurais e selvagens,
associada ao HIV, somente em adultos, com aproxi- c) exposicão ocupacional e solar,
madamente metade deles sem diagnóstico etiológico; d) imunizações,
c) apenas dois casos de doenças tropicais (leptospirose e) doenças sexualmente transmissíveis, incluindo fa-
e paracoccidioidomicose pulmonar) como etiologias de tores de risco para AIDS,
FOI clássica; d) a maioria dos problemas clínicos ro- f) contato com pacientes febris ou portadores de in-
tulados como “febre a esclarecer” não se enquadram fecções e com animais (domésticos ou silvestres).
nos critérios de FOI, geralmente acometendo crian-
ças com virose respiratória ou diarréia infecciosa de Do mesmo modo, o exame físico não poderá
curta duração. omitir, além das lesões cutâneo-mucosas, a presença
22
Febre e inflamação
I- FOI
1. Clássica 43 26* 25/18 60* Infecções** (18),
0,15- 80 3- 360 colagenoses (6),
neoplasias (5)
II. Se m crité rio de FOI 121 8 60/61 3 Virose respiratória (22), diarréia
0,1- 83 1- 15 aguda (22)
* Mediana, amplitude
** Incluindo um caso de paracoccidioidomicose pulmonar e outro de leptospirose.
*** FOI : febre de origem indeterminada.
de linfadenopatia, hepatoesplenomegalia, artrite, rigi- te, na situação clínica vários mecanismos podem ope-
dez de nuca e outras manifestações neurológicas, e rar conjuntamente e os mecanismos 3) e 4) são atu-
sinais de intoxicação exógena. Finalmente, a estação antes em erupções causadas por agentes não-micro-
do ano poderá afetar significativamente a epidemiologia bianos (drogas e outros antígenos).
das erupções febris, pelo aumento de ocorrência de
certas doenças infecciosas ou alérgicas. 7.2. Diagnóstico diferencial
Há duas maneiras de se abordar a investiga-
7.1. Patogênese ção diagnóstica de um “rash” cutâneo, acompanhado
A pele constitui importante barreira física para ou não de febre: 1) pelo tipo da lesão visualizada ou 2)
a penetração de microorganismos e, além disto, parti- pelo conhecimento das doenças particulares e das
cipa ativamente da resposta imunológica contra agen- erupções que elas produzem. Nenhum dos dois siste-
tes agressores, através do seu sistema linfóide e das mas é perfeito, mas dicutiremos o primeiro por ser
suas células especializadas. Os queratinócitos, por mais lógico e didático e, portanto, mais adequado ao
exemplo, são capazes de produzir uma série de subs- iniciante (Tabela XIV). Com a aquisição de experiên-
tâncias pró-inflamatórias ( IL-1, IL-3, IL-6, TNF , GM- cia clínica, o médico poderá sentir-se mais conforável
CSF, fatores do complemento, prostaglandinas e com a segunda abordagem.
leucotrienos) que intervêm na patogênese do “rash” Vários tipos de lesão dermatológica podem sur-
cutâneo e as células de Langerhans são eficientes gir acompanhadas de febre: máculas, pápulas, púrpu-
apresentadoras de antígenos. ras, nódulos, vesículas, bolhas e pústulas. As caracte-
Microorganismos produzem erupções por: 1) rísticas destas lesões estão descritas no Capítulo III
multiplicação na pele (herpes simplex), 2) liberação deste Simpósio.
de toxinas (escarlatina, pseudomonas), 3) estímulo da
resposta inflamatória envolvendo fagócitos e linfóci- 7.2.1. Erupção máculo-papular
tos, 4) ação vascular, incluindo obstrução, necrose e Erupções máculo-papulares são freqüentemente
vasodilatação com edema e hiperemia. Evidentemen- observadas em doenças virais e imunológicas. Etiolo-
23
Voltarelli JC
gias virais incluem as clássicas viroses infantis (sa- têmico, doença de Behçet, colite ulcerativa), sarcoi-
rampo, rubéola, eritema infeccioso, e a roséola infantil dose, leucemia e gravidez.
ou exantema súbito(62), causado pelo herpes vírus-6) e
outras (coxsackie, echovírus, CMV , hepatite B). O 7.2.3. Eritema difuso
eritema infeccioso (“quinta doença”)‚ causado pelo Eritema difuso, especialmente se acompanha-
parvovírus B19, cujas manifestações incluem aplasia do de descamação (eritrodermia), deve levantar a sus-
de medula óssea, artrite e morte fetal, além do “rash” peita diagnóstica de escarlatina, síndromes do choque
cutâneo que inicialmente acomete a face e depois se tóxico, de Stevens-Johnson, estafilocócica da pele es-
estende às extremidades. Em crianças, a presença de caldada, ou ainda doença de Kawasaki e necrólise
erupção papulosa em extremidades sugere o diagnós- epidêmica tóxica. A doença de enxerto-contra-hospe-
tico da acropapulose infantil de Gianotti-Crosti, cau- deiro (GVHD), secundária a transplantes de órgãos,
sada pelo vírus da hepatite B. A ptiríase rósea de principalmente de medula óssea, e a transfusões san-
Gilbert‚ uma erupção eritêmato-descamante, com güíneas em receptores imunodeficientes, produz uma
maior incidência na primavera, de etiologia provavel- erupção macular inicialmente de palmas das mãos e
mente viral e que, algumas vezes, se acompanha de plantas dos pés, a qual, nos casos graves, evoluiu para
febre e manifestações gerais. uma eritrodermia esfoliativa(57). Não podem ser es-
O eritema polimorfo‚ uma forma particular quecidas outras causas de eritrodermia, como reações
de “rash” máculo-papular que se inicia com lesões medicamentosas, pênfigo foliceo, psoríase e linfoma
circulares ou ovais de tamanho variável e que evolu- cutâneo, entre outras. A eritrodermia causada por
em para um eritema central circundado por um anel anticonvulsivantes pode se assemelhar às de etiologia
de pele normal e outro eritematoso, assemelhando-se infecciosa, com neutrofilia, linfadenopatia e hepatoes-
a um alvo. As lesões são simetricamente distribuídas plenomegalia. A ausência de descamação nas fases
no tronco e extremidades e o acometimento doloroso iniciais do quadro não exclui nenhuma destas doen-
de mucosas‚ freqüente. A maioria dos casos de ças.
eritema polimorfo‚ idioática, sendo que nas crianças
predomina a etiologia infecciosa (principalmente 7.2.4. Erupção vesículo-bolhosa ou pustular
estreptococcias ou herpes simplex) e em adultos, além A maioria das erupções vesículo-bolhosas tem
das infecções (hanseníase, Yersinia e herpes simplex), causa imunológica ou primariamente dermatológica.
também são implicadas as neoplasias, colagenoses e, As etiologias infecciosas incluem varicela, herpes sim-
principalmente, as alergias medicamentosas (tópica ou plex disseminado, eczema herpético, enterovírus e ví-
sistêmica). Estas últimas também constituem a rus coxsackie. Quando as vesículas são localizadas,
etiologia mais freqüente de uma forma particularmen- por exemplo na mão, pé e boca (“Hand-Foot-and
te grave de eritema polimorfo, a síndrome de Stevens- Mouth Disease”), principalmente em crianças, pode-
Johnson, em que ocorre extensa necrólise epidêmica rão ser atribuídas ao vírus coxsackie A16. Lesões
acompanhada de lesões de mucosa (estomatite, vesiculares podem se converter em pústulas, as quais,
conjuntivite, traqueobronquite). em sua forma disseminada, geralmente representam
doenças dermatológicas (psoríase pustulosa) ou infec-
7.2.2. Erupção nodular ciosas (pseudomonas pustulosa por imersão em água
Nódulos frios e eritematosos sugerem infecção contaminada ou foliculite estafilocócica). Lesões
disseminada por Candida, ou tros fungos (blastomicose, pustulosas associadas a artralgias ou artrite podem ser
histoplasmose, coccidioidomicose, esporotricose) e causadas por gonococcemia, meningococcemia,
algumas bactérias (Nocardia e micobactérias atípicas). endocardite bacteriana, doença de Behçet ou infec-
As lesões do eritema nodoso são nódulos ção por vírus coxsackie. Na AIDS, lesões pustulosas
eritematosos, quentes, de diâmetro variável, doloro- de aspecto acneiforme sugerem a presença de micoses
sos, geralmente encontrados nas superfícies extensoras profundas (paracoccidioidomicose, histoplasmose e
das pernas. A etiologia infecciosa‚ a mais comum (prin- criptococose).
cipalmente estreptococcia, febre reumática, tubercu-
lose, sífilis e hanseníase quando acomete os membros 7.2.5. Erupção purpúrica
superiores). Outras causas são hipersensibilidade a Lesões purpúricas difusas (petequiais ou equi-
drogas, doenças auto-imunes (lúpus eritematoso sis- móticas) requerem sempre uma investigação rápida.
24
Febre e inflamação
No paciente grave, são geralmente associadas a gan- TABELA XIV: CAUSAS DE ERUPÇÃO CUTÂNEA E
grena periférica, coagulopatia de consumo e choque . FEBRE
A etiologia mais comum‚ a bacteriana, principalmente Erupção máculo-papular
por gram-negativos produtores de endotoxinas, mas - Doenças virais: sarampo, rubéola, eritema infeccioso,
estafilococos, estreptococos (em pacientes asplênicos), hepatite B, coxsackie, echovírus, CMV
listéria e fungos podem produzir quadro semelhante. - Eritema polimorfo: idiopático, infeccioso, alergia medi-
Doenças infecciosas virais (coxsackie, echovírus, Eps- camentosa, síndrome de Stevens-Johnson
tein-Barr, CMV, sarampo atípico e febres hemorrágicas
virais), riquetsioses (todas com exceção da febre Q) Erupção nodular
e protozooses (malária falcípara) também produzem - Nódulos frios: fungos (Candida, blastomicose, histo-
“rashes” purpúricos. Entre as causas não-infecciosas, plasmose, esporotricose), bactérias (Nocardia, mico-
estão os vários tipos de trombocitopenia e de vasculi- bactérias atípicas)
te necrotizante (que geralmente produzem púrpura - Eritema nodoso: infeccioso (estreptococcia, tuberculo-
palpável, de etiologia auto-imune ou medicamentosa) se, sífilis, lepra), alergia a drogas, doenças auto-imu-
e as erupções purpúricas causadas por capilarite, em nes, sarcoidose, leucemia, gravidez
que há extravasamento de sangue do vaso sem lesão
da parede vascular. Eritema difuso
- Eritrodermia esfoliativa: síndromes do choque tóxico,
7.2.6. Enantema de Stevens-Johnson, estafilocócica da pele escaldada;
São erupções presentes em mucosas, que de- necrólise tóxica epidérmica
vem ser cuidadosamente pesquisadas (na cavidade - Outras causas: reação medicamentosa, pênfigo foliáceo,
oral, nariz, conjuntiva, vagina, reto e glande) em todos psoríase, linfoma cutâneo
os casos de exantema. Nas reações alérgicas as mu-
cosas estão freqüentemente envolvidas. Na rubéola, Erupções vesículo-bolhosas
as manchas de Koplick são patognomônicas, apresen- - Causas imunológicas ou dermatológicas
tando cor acinzentada sobre pontilhado avermelhado - Infecções: varicela, herpes simplex, eczema herpético,
na mucosa jugal do último molar. Língua bastante enterovírus, coxsackie
avermelhada (“em framboesa”) sugere doença de
Kawasaki, síndrome do choque tóxico ou escarlatina. Erupções pustulares
Nesta e na mononucleose infecciosa podem surgir - Doenças dermatológicas (psoríase pustulosa) ou infec-
ciosas (pseudomonas pustulosa ou foliculite estafilo-
petéquias no pálato. Úlceras orais e nasais são co-
cócica)
muns em várias doenças imunológicas que apresen-
- Associadas a artropatias: gonococcemia, meningococ-
tam exantemas (LES, doença de Behçet, síndrome de cemia, endocardite bacteriana, doença de Behçet, vírus
Reiter) e também em infecções por vírus coxsackie. coxsackie
- Associadas a AIDS: paracoccidioidomicose, criptoco-
7.3 Erupção cutânea em pacientes imunossu-
cose, histoplasmose
primidos
Trata-se de problema bastante complexo devi- Erupções purpúricas
do ao grande número de microorganismos, muitos de- - Infecções: bacilos gram-negativos, estafilococo, estrep-
les atípicos, que podem infectar estes pacientes, além tococo, fungos, listéria, muitos vírus e riquétsias,
de inúmeras causas não-infecciosas (alérgicas, neo- P.falciparum
plásicas, auto-imunes, idiossincráticas). Nestes casos, - Causas não-infecciosas: trombocitopenias, vasculite
devem ser obtidas biópsias das lesões cutâneas e, além necrotizante (auto-imune, medicamentosa), capilarites
da histopatologia convencional, serem empregados os
métodos mais ápidos e sensíveis para identificação de Enantema
microorganismos (culturas, imunofluorescência, imu- - Infecções: rubéola (mancha de Koplik), escarlatina (lín-
nohistoquímica, biologia molecular). gua “em framboesa”), mononucleose infecciosa,
A infecção pelo HIV comumente produz erup- coxsackie
ções cutâneas, muitas vezes acompanhadas de febre. - Causas não-infecciosas: doença de Kawasaki, LES, do-
Na fase aguda, logo após a exposição ao HIV, muitos ença de Behçet, síndrome de Reiter
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Voltarelli JC
26
Febre e inflamação
que séptico clássico e “estado séptico” sem com- vantes(46). Assim, estão sendo testados ou preparados
provação microbiológica), para tal, os anticorpos policlonais anti-endotoxina, já
2) freqüentemente são acometidos órgãos distantes disponíveis comercialmente, com resultados controver-
dos inicialmente lesados, sos, anticorpos monoclonais anti-citocinas (IL-1, TNF,
3) com um período de latência de dias a semanas en- IL-6, IL-8) ou dirigidos contra outras substâncias pró-
tre a lesão primária e o desenvolvimento das dis- inflamatórias (fator tissular ativador da coagulação,
funções orgânicas, moléculas de adesão), inibidores solúveis de citocinas
4) o foco séptico não‚ identificado clinicamente ou na ( IL-1RA , TNFr) (15) e mesmo citocinas inibitórias da
autópsia em 30% dos óbitos por IOM , reação inflamatória (TGF-β, IL-10). Enquanto estes
5) os avanços no tratamento das infecções sistêmicas estudos não produzem as armas terapêuticas eficien-
não reduziram a mortalidade da IOM (de 50 a 80%), tes para bloquear a IOM, os clínicos continuam a ofe-
6) há uma correlação, em vários estudos, dos níveis recer o melhor tratamento de suporte possível para
aumentados e mantidos de citocinas ( IL-1, IL-8, estes casos e, baseados em resultados anedóticos, não
TNF e principalmente IL-6) com o prognóstico da controlados, costumam empregar, como recurso ex-
IOM. tremo, altas doses de corticoesteróides na tentativa de
inibir a casacata inflamatória como um todo e, particu-
O relativo insucesso da terapia etiológica da larmente, a produção e liberação de citocinas. Embo-
IOM, mencionado acima, associado aos resultados de- ra tenha efeito decepcionante na maioria dos casos de
sapontadores obtidos com o uso de megadoses de cor- IOM estabelecida, os corticoesteróides são eficientes
ticoesteróides em estudos controlados, tem levado a em síndromes mais limitadas, como na SARA inicial,
tentativas de desenvolvimento de novas modalidades na toxicidade a fatores de crescimento e na liberação
terapêuticas para a IOM , dirigidas mais especifica- de citocinas observada no início da função
mente aos fatores patogenéticos potencialmente rele- hematopoética do transplante de medula óssea.
Aparelho digestivo Íleo e intolerância a alimentação enteral Úlceras de estresse e colecistite acalculosa
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Voltarelli JC
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Febre e inflamação
COX -2, o que tem levado ao emprego de agen- alidade exibe nítida atividade anti-cicloxigenase peri-
tes antitérmicos mais seletivos, como o aceta- férica, sendo empregado como anti-inflamatório na ar-
minofeno. Esta droga exibe pouca ação anti- trite reumatóide e como anti-prostaglandina no trata-
cicloxigenase e, por tanto , anti-inflamatória e tóxica, mento de dismenorréia. Portanto, tanto a dipirona
em tecidos periféricos, mas é potente inibidora da como o cidomefenâmico inibem a síntese de
cicloxigenase no SNC, o que explica sua ação prostaglandinas e tromboxane A 2 e não podem
antitérmica(53). Especula-se que o acetaminofeno seja ser considerados como antitérmicos seletivos,
convertido em metabolitos ativos no SNC(20), onde apesar de largamente utilizados como tal e mes-
exerceria sua ação antipirética provavelmente bloque- mo o acetaminofeno inibe ligeiramente a ativi-
ando uma terceira isoforma de cicloxigenase, a COX- dade da COX -1(34) . O fato desta inibição ser rever-
3, como sugerido por Vane(53). Por outro lado, a sível, ao contrário do bloqueio irreversível da aspirina
dipirona, que também‚ empregada como antipirético sobre as cicloxigenases, coloca-os, em relação ao me-
seletivo, possui ação anti-cicloxigenase periféric (19), canismo de ação terapêutica e tóxica, no mesmo gru-
mas seu efeito antitérmico parece ser mediado pela po dos AINE não aspirínicos, como a indometacina e
inibição de IL-8, em uma via pirogênica intermediada o diclofenac. É possível que outros fatores, farmaco-
pelo CRF e independente das prostaglandinas(8,62,63) . cinéticos (meia vida curta) ou moleculares (órgão-es-
É bastante provável, entretanto, que a dipirona tam- pecificidade), expliquem a aparente inocuidade da
bém bloqueie a COX -2 (ou 3) no SNC, dada a sua dipirona, dos mefenamatos e do acetaminofeno no tra-
extrema eficiência como antitérmico. Seu uso, porém, tamento de pacientes febris trombocitopênicos ou
é limitado pela supressão idiossincrática da hemato- ulcerosos. Finalmente, a redundância de vias metabó-
poese, podendo causar agranulocitose e, mais rara- licas termogênicas pode explicar, em algumas situa-
mente, anemia aplástica. Uma outra substância usada ções clínicas, a eficiência de um agente antitérmico
como antitérmico seletivo, o acido mefenâmico, na re- quando outro falha; a febre associada a neoplasias,
Figura 6 - Mecanismos de ação das duas isoformas conhecidas de cicloxigenase (COX-1 e COX-2). Os efeitos terapêuticos dos
antitérmicos seriam devidos à inibição da COX-2, enquanto os efeitos colaterais ocorreriam pela inibição da COX-1. Os anti-inflamatórios
não-esteroidais (AINE) clássicos, do tipo aspirina, são muito mais ativos para bloquear a COX-1 do que a COX-2 (1). A inibição da COX-
2 poderia se realizar em varios niveis, por anticopos ou antonistas de citocinas (2) pelo bloqueio da indução da COX-2 por corticoesteróides
(CE) (3) ou por inibição seletiva de sua atividade enzimática (4). Adaptada das ref. 34 e 53.
29
Voltarelli JC
por exemplo, é considerada mais responsiva à indo- piratória); além disto, os fenotiazínicos combinados aos
metacina e ao naproxeno do que à aspirina e ao ace- anticolinérgicos produzem hipertermia.
taminofeno.
Dada a exigüidade de opções terapêuticas na 10. HIPERTERMIA
antipirese (a dipirona, por exemplo, é o único antitér-
mico disponível para uso endovenoso, mas é proscrita Fisiopatologicamente, as hipertermias diferen-
em países do hemisfério norte), o desenvolvimento de ciam-se dos estados febris porque nelas o limiar tér-
novos produtos está sendo perseguido avidamente, mico hipotalâmico está preservado e o aumento da
sendo os principais candidatos atualmente os inibido- temperatura corporal ocorre por excesso de produ-
res da IL-1, sejam anticorpos monoclonais, sejam an- ção e/ou falência de dissipação de calor ou ainda por
tagonistas solúveis de seu receptor como a IL-1RA(15, disfunção do centro termorregulador (Tabela XVII)(38,
46 ) 44). Este último mecanismo é o mais raro e o mais
e os novos AINE que poderão bloquear seletiva-
mente a atividade da COX -2(34, 53) . Os glicocorticói- difícil de se documentar. Embora fisiologicamente dis-
des são também poderosos antipiréticos, atuando em tintas, febre e hipertermia não podem ser distingüidas
diversas vias pirogênicas: pela magnitude ou pelo padrão de elevação térmica.
1) no bloqueio da metabolização do ciclo araquidôni- Há quatro formas de síndromes clínicas associadas
co, tanto da sua liberação pela fofoslipase A2 como ao aumento da temperatura ambiental (vide abaixo),
da indução da expressão de COX 2(34), formando um espectro de alterações superponíveis que
2) no bloqueio, mediado pela lipocortina-1, da libera- acometem preferencialmente indivíduos idosos, parti-
ção e das ações biológicas do CRF(63) e cularmente os alcoólatras, cardiopatas, psicopatas ou
3) pela interferência na transcrição do RNA m de usuários de medicamentos que interferem na respos-
várias citocinas pró-inflamató rias, entre as quais a ta vasomotora cutânea (neurolépticos, anticolinérgicos,
IL-1, IL-8 e TNF (Figura 2). diuréticos).
Assim, ao contrário dos AINE, os corticoeste-
róides têm uma ação anti- inflamatória mais ampla, 10.1. Conseqüências clínicas da hipertemia
revertendo aquelas manifestações clínicas mediadas
por estas citocinas, inclusive por um mecanismo inde- As características clínicas das principais sín-
pendente das prostaglandinas (Tabela IV) . Entretan- dromes térmicas são apresentadas abaixo e sumari-
to, os múltiplos efeitos colaterais dos corticoesterói- zadas na Tabela XVIII.
des, principalmente sobre a função fagocítica e linfo-
citária, limitam seu emprego como antipirético a situa- 1) Cãimbras térmicas
ções em que o processo inflamatório em si constitui São as mais benignas, acometendo as extremi-
um importante fator patogênico (meningite bacteriana dades em seguida a exercícios musculares intensos.
complicada por vasculite, pericardite tuberculosa, sín- São causadas por perdas salinas pela sudorese, re-
drome da angústia respiratória do adulto, por exem- postas apenas com água. A temperatura corporal es-
plo) e em FOI não diagnosticada, mas em que se ex- tará normal ou ligeiramente elevada.
cluiu, com razoável probabilidade, uma etiologia infec-
ciosa. 2) Exaustão térmica
Finalmente, há um grupo de drogas de ação Também conhecida como prostração térmica,
central que pode ser utilizada como adjuvante da provavelmente é a mais comum das síndromes térmi-
antipirese pela sua propriedade de inibir os tremores cas. O paciente sente fraqueza e sede, com uma vari-
musculares geradores do aumento de temperatura; são edade de sintomas neuropsicológicos (ansiedade,
elas a morfina, a meperidina e a clorpromazina(20). cefaléia, vertigem, parestesias, histeria, dificuldade de
Devem ser utilizadas com cautela devido aos seus concentração e confusão mental). O quadro pode evo-
efeitos colaterais (hipotensão arterial e depressão res- luir para síncope ou choque térmico.
30
Febre e inflamação
TABELA XVII: CAUSAS DE HIPERTERMIA melhantes aos observados na exaustão térmica e evo-
Excessiva produção de calor luindo para inconsciência, coma e falência orgânica
- Exercício físico múltipla, com coagulação intravascular disseminada.
- Choque térmico (por exercício)* A pele estará quente e seca, a temperatura geral-
mente acima de 41ºC e a mortalidade é alta. O cho-
- Hipertermia maligna da anestesia
que térmico pode acometer, em sua forma clássica,
- Catatonia letal
indivíduos idosos sedentários portadores de doenças
- Tireotoxicose crônicas em dias excessivamente quentes ou , em sua
- Feocromocitoma forma secundária a exercícios físicos, indivíduos
- Intoxicação por salicilato, cocaína ou anfetamina saudáveis, geralmente atletas ou militares, mal acli-
- ”Delirium tremens” matizados a ambientes quentes e úmidos.
- Estado epiléptico
- Tétano generalizado 10.2. Fisiopatologia e tratamento
A fisiopatogênese das várias síndromes térmi-
Reduzida dissipação de calor
cas é comum, incluindo desidratação (tanto aquosa
- Choque térmico (clássico)* como salina), aumento de produção de calor por exer-
- Desidratação cício excessivo e, principalmente, falha dos mecanis-
- Disfunção autonômica mos de eliminação de calor, comprometidos por con-
- Agentes colinérgicos dições mórbidas pré-existentes, medicamentos e
- Vestuários excessivamente oclusivos imersão em ambiente adverso (quente e úmido). A
magnitude da produção térmica, dos defeitos de adap-
Disfunção hipotalâmica tação cardiovascular e da temperatura/umidade am-
- Acidentes cerebrovasculares bientais determinam a gravidade do quadro clínico da
hipertermia, a qual, ao contrário dos estados febris,
- Encefalite
deve sempre ser tratada. As medidas terapêuticas
- Trauma cerebral
variam desde a simples reposição hidrosalina por via
- Sarcoidose e infecções granulomatosas oral e repouso nas câimbras térmicas até o suporte
- Síndrome neuroléptica maligna* hemodinâmico integral no choque térmico. Em todos
*Patogênese multifatorial. os casos de hipertermia, a temperatura corporal deve
Adaptada da ref. 44. ser reduzida com o emprego de métodos físicos (ar
condicionado e ventiladores, compressas e banhos frios,
massagem cutânea para estimular vasodilatação e cir-
3) Síncope térmica culação do sangue, administração de fluidos gelados
É uma perda súbita da consciência causada no estômago, cólon ou peritônio ou mesmo circulação
por vasodilatação cutânea e conseqüente hipotensão extracorpórea) e não com o uso de antipiréticos, que
sistêmica e cerebral. A pele estará fria e úmida, as são ineficientes nesta situação. Em situações selecio-
pupilas dilatadas, o pulso rápido e se observa hipoten- nadas, a terapêutica medicamentosa da hipertermia
são ortostática (redução da PA sistólica >20 mm/Hg poder ser dirigida à inibição da contração muscular
quando se passa da posição supina para ortostática). (pelo emprego do dantrolene na hipertermia maligna
induzida pela anestesia) ou à potenciação de recepto-
4) Choque térmico ou internação res dopaminérgicos (pela bromocriptina na síndrome
Constitui uma emergência médica, iniciando- neuroléptica maligna induzida por drogas antipsicóticas)
se subitamente por sintomas neurológicos difusos se- (Figura 3).
31
Voltarelli JC
Choque térmico
- Clássico Idosos com ↓ dissipação ↑↑ Quente Calafrios seguidos de
doenças crônicas de calor e seca alterações neurológicas,
↑ PA , coma, IOM
- P/ exercício Atletas ou militares ↑ produção de ↑↑ Quente e Alterações psíquicas
mal aclimatizados calor úmida seguidas das mesmas
manifestações acima
IOM: insuficiência orgânica múltipla. Adaptada das refs. 38 e 44.
32
Febre e inflamação
na fisiopatogênese da condição clínica que está sen- nuscrito, aos Profs. José R. Lambertucci (UFMG) e
do tratada. Esta informação deverá estar disponível Jane Mitchell (Brompton Hospital, Londres) pelo for-
nos próximos anos para a maioria das doenças febris necimento de material bibliográfico e às Dras. Ana
e não poderá ser ignorada na prática médica. Beatriz P. L. Stracieri (HCFMRP) e Júlia Jeng
(HCFMRP) pela coleta de dados clínicos sobre a ca-
AGRADECIMENTOS suística de febre de origem indeterminada do
HCFMRP. Aos Srs. Alex A. Silva e Rodrigo Dias pelo
Aos Profs. Alcyone A. Machado (FMRP) , Ana auxílio no preparo das figuras e à FAEPA/HCRP,
M.F. R oselino (FMRP) , Fernando Q. Cunha (FMRP), FUNDHERP e ao Convênio FINEP/BID/USP
Gustavo Ballejo (FMRP) , Glória E. P. de Souza 66.93.0079.00 pela aquisição de material bibliográfi-
(FCFRP) , Irene Pel (FCFRP) pela revisão do ma- co.
VOLTARELLI, J. C. Fever and inflammation. Medicina, Ribeirão Preto, v. 27 , n. 1/2, p. 7-48, jan./june 1994.
ABSTRACT: This review is divided in three parts. In the first one, fever is integrated to the
inflammatory response, particularly to the acute phase reaction, since most pyrogens (exogenous
and endogenous) mediate both responses. Pathogenetic and regulatory mechanisms of these
responses are discussed, as well as their protective and harmful effects, concluding with a critical
analysis of laboratory evaluation of inflammatory activity in human diseases. In the second part,
pathophysiology and clinical significance of the elevation of body temperature in selected clinical
conditions are discussed. Thus, many variables involved in the definition of fever are considered,
as well as the increasingly limited role of fever patterns, and the problem of fever of undetermined
origin is subdivided in its clinical circumstances (classical, nosocomial, neutropenic or HIV-
associated). The problem of fever and skin rash is offered a systematic approach, as well as the
pathophysiology and diagnosis of the chronic fatigue syndrome, of benign fevers, of the syndrome
of multiple organ failure and of the clinical syndromes associated to hypertermia. Finally, in view of
new information available on the participation of several cytokines and other inflammatory mediators
in protective or pathological functions of fever, and on the mechanisms of action of antipyretic
drugs, some guidelines are presented to help clinicians to indicate and select antipyretic therapy
in fever and hypertermia.
UNITERMS: Fever. Inflammatory Response. Acute Phase Reaction. Fever of Unknown Origin.
Antipyretics.
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