Vous êtes sur la page 1sur 1

Público • Sexta-feira 25 Março 2011 • 39

As próximas eleições serão um referendo a Sócrates e ao seu estilo sectário e autocrático de governar

Quem não tem dinheiro não tem vícios. E não pode ter Sócrates

L
ENRIC VIVES-RUBIO
evantou-se da bancada do Governo, virou e totalmente desavergonhada, capaz de jurar num
as costas aos deputados, fugiu escadas dia pelo que apostrofava na véspera, Sócrates não
abaixo, rapidinho, evitando os jornalis- deixou nenhum espaço para qualquer convergência
tas. A forma como Sócrates se compor- ou acordos, apenas para rendições ou prestações
tou durante o debate parlamentar mais de vassalagem.
importante da sua vida política – o debate parla- É por isso que é ensurdecedor o silêncio de um
mentar que terminaria num voto que o levaria a PS que nos surge hoje tão obediente como acéfa-
José pedir a demissão – é mais reveladora do que mil lo. Os dedos de uma mão chegam para contar os
Manuel discursos. Este primeiro-ministro nunca esteve à que foram capazes de levantar a voz, o que choca,
Fernandes altura do lugar a que, por circunstâncias fortuitas sabendo-se que o PS já foi, no passado, um partido
da nossa história política, chegou. No dia em que vivo e de gente de espinha direita. Agora é um par-
Extremo caiu, no momento em que o seu Governo ruía, na tido de zombies amestrado na retórica difundida
ocidental hora em que abandonou os seus ministros durante pelos blogues anónimos de apoio ao Governo, um
um debate crucial, deixou ver, com mais nitidez, partido que engole em seco todos os abusos e só se
o seu rosto de autocrata. Se houvesse alguma dú- mobiliza quando alguém apela aos seus instintos
vida de que não era mais possível suportar uma mais tribais. Um partido que elogia a “combativida-
“situação” sustentada apenas na chantagem e no de” de Sócrates sem sequer se aperceber que essa
desprezo pelas mais elementares regras da demo- combatividade está centrada no “eu” que ele repete
cracia, o gesto final deste tiranete vindo das Beiras a cada passo dos seus discursos, que isso é um elo-
encarregou-se de a desfazer. gio a um marialvismo bacoco e de vistas curtas, é
Há mais de três anos, em Janeiro de 2008, numa um partido que não alcança que a combatividade
altura em que o país bem-pensante ainda andava não é um valor em si mesmo, podendo até ser um
embeiçado pelo personagem, António Barreto, num factor de corrosão e de agravamento de desastres
artigo de opinião no PÚBLICO, escrevia: “Não sei anunciados (quem duvide que reveja o filme sobre
se Sócrates é fascista. Não me parece, mas, since- os últimos dias de Hitler).
ramente, não sei. De qualquer modo, o importante Enquanto Sócrates continuar à frente do PS, nun-
não está aí. O que ele não suporta é a independên- ca este partido poderá fazer parte de uma solução
cia dos outros, das pessoas, das organizações, das alargada para Portugal – e quero acreditar que até
empresas ou das instituições. Não tolera ser contra- no PS já ninguém acredita que o país possa sair do
riado, nem admite que se pense de modo diferen- actual buraco sem um esforço que envolva uma am-
te daquele que organizou com as suas poderosas pla coligação de forças políticas e sociais. Porém, no
agências de intoxicação a que chama de comunica- PS, ninguém se move, talvez com receio da ira do
ção. No seu ideal de vida, todos seriam submetidos autocrata, esse autodenominado “animal feroz”.

É
ao Regime Disciplinar da Função Pública, revisto
e reforçado pelo seu Governo”. Em 2009, os por- por isso que não são muitos os caminhos
tugueses tiraram-lhe a maioria absoluta, mas não que se abrem aos eleitores. Nas próximas
aprendeu nada nem mudou o que quer que fosse eleições escolherão entre o sectarismo sui-
na sua forma umbiguista e corrosiva de exercer o cida de Sócrates ( já que o PS se deixou
poder. É por isso que o que aconteceu quarta-feira reduzir à condição do “partido de Sócra-
na Assembleia estava escrito nas estrelas: “isto” não tes”) e a possibilidade de encontrar um caminho
podia durar para sempre. alternativo que, podendo e devendo incluir também
O que se passou nos meses, anos, em Portugal os socialistas, terá sempre de se fazer sem o actual
tem sido trágico. É ensurdecedor o silêncio rá, obrigatoriamente, pela história primeiro-ministro e em ruptura com o seu estilo de
Houve mentira: mentira sobre o real estado do da rendição à lógica do poder pelo impor ao país a sua vontade.
país; mentira sobre as nossas obrigações interna- de um PS que nos surge poder e do lugar pelo lugar de um A escolha não será entre mais ou menos austeri-
cionais: mentira sobre os êxitos e os fracassos; grande partido da democracia por- dade: a austeridade é um destino a que não pode-
mentira sobre os objectivos políticos, económicos
hoje tão obediente a tuguesa, o Partido Socialista. mos escapar, pois necessitamos mudar profunda-

H
e orçamentais. Evoluiu-se de mentira em mentira, Sócrates como acéfalo. Os mente a nossa forma de viver para poder voltar a
negando de forma persistente a realidade e insul- á mais de um ano, a 12 ter esperança e a ver a economia crescer. A escolha
tando todos os que, mesmo timidamente, tentavam dedos de uma mão chegam de Fevereiro de 2010, também não pode ser reduzida à dicotomia Passos
evitar o desastre. para contar os que foram escrevi no Twitter: “Ou Coelho versus José Sócrates, pois aquilo de que o
Houve corrosão dos hábitos democráticos: pres- há um sobressalto no país necessita é de algo mais do que optar entre
sionou-se o sistema judicial, quando não se interveio capazes de levantar a voz, PS, ou estamos num dois chefes partidários – tem de poder escolher
mesmo directamente; procurou-se limitar as liber- beco sem saída. É tempo de perce- entre mais do mesmo ou uma mudança baseada
dades; desvalorizou-se a ética; promoveu-se o chico-
o que choca, sabendo-se ber que Sócrates já não faz parte da numa maioria ampla.
espertismo; levou-se o clientelismo a limites antes que o PS já foi, no passado, solução, mas do problema, até do Nos últimos anos, nos últimos meses, nos últi-
desconhecidos; menosprezou-se a importância das PS”. O que surpreende é o PS ain- mos dias, uma imensa sucessão de erros de política
virtudes públicas; planeou-se tomar de assalto ór- um partido vivo e de gente da não ter percebido isto e agarrar- económica e orçamental colocaram Portugal na
gãos de informação; promoveu-se o lambe-botismo de espinha direita se à esperança de que ainda pode posição do mendigo de mão estendida. Há muito
ao mesmo tempo que se perseguia e tentava isolar salvar lugares e mordomias (não que temos de mudar de vida, não apenas fingir que
todos os eventuais discordantes. tenhamos dúvidas que é já só por isso que se batem mudamos de vida. Com ou sem queda do Governo,
Houve cegueira económica: gastou-se dinheiro os barões, os baronetes, os boys, as girls, os apare- Portugal colocou-se numa situação em que o recur-
no que era supérfluo mas alimentava os amigos; lhistas e todas as inúmeras clientelas do partido) so à ajuda externa é a melhor solução para evitar,
cortaram-se despesas de forma pontual e ineficaz atrelando-se à retórica catastrofista do líder. a cada ida ao mercado da dívida, acrescentar mais
por ausência de uma visão de conjunto; procurou Sócrates tornou-se parte indissociável do pro- peso excessivo ao serviço da dívida. A opção não
dizer-se aos empresários onde deviam e onde não blema no momento em que transformou o exer- é por isso entre Sócrates ou… finis patriae, pois
deviam investir; apoiaram-se os amigos e os que cício minoritário do poder num permanente jogo em finis patriae já estamos – a opção é entre um
prestam vassalagem e fez a vida negra aos indepen- de chantagens e de enganos que destroçou mesmo suplício de Tântalo suportado em nome do imenso
dentes e aos que não abdicaram da sua liberdade; a melhor das boas vontades do PSD. Responsável orgulho pessoal de José Sócrates e um caminho a
fingiu-se que se mudavam algumas leis para que, pelas políticas erradas que aceleraram a corrida percorrer por líderes mais humildes e mais respei-
no essencial, tudo ficasse na mesma. de Portugal para o desastre, o primeiro-ministro tadores das regras democráticas.
Um dia se fará a história destes anos, e estou em viveu em permanente estado de negação, e é isso Há quem diga que, mesmo assim, Sócrates pode
crer que, quando tal for feito, os vindouros se inter- que justifica a vertiginosa sucessão de PEC. Pior: voltar a ganhar. Poder, pode. Mas então só podere-
rogarão: mas como foi possível? Como pode Portu- ao reduzir a política ao golpe baixo e à facada nas mos recordar Sertório: no Ocidente da Península
gal cair em tais mãos e mostrar uma tal incapacidade costas, ao rodear-se de uma camarilha de trauli- vive um povo que não se governa nem se deixa go-
de sacudir esse jugo asfixiante? A resposta passa- teiros ágil no insulto, habilidosa na manipulação vernar… Jornalista

Vous aimerez peut-être aussi