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Diferentes formas de ler1

Márcia Abreu2
Até há alguns anos atrás não se imaginava que as formas de ler
pudessem ter se alterado desde que o homem inventou maneiras de registrar
conteúdos por escrito e formas de decifrá-los. Imaginava-se que a leitura
sempre se fizera como supomos que ela hoje se faz, em silêncio e
solitariamente, de modo a favorecer a concentração e o recolhimento.
Supunha-se que, em todas as épocas, ler implicava pensar sobre textos e
interpretá-los, exigindo habilidades superiores à capacidade para decifrar os
sinais gráficos da escrita. Acreditava-se que o contato com os livros foi sempre
valorizado por favorecer o espírito crítico, tornando o leitor uma pessoa melhor
por meio do contato com experiências e idéias registradas por escrito.
Por avaliarmos positivamente essa experiência, pensamos que se
devem ler muitos e variados livros. Dentre todas as obras disponíveis, temos
especial predileção pela literatura, no interior da qual ocupa espaço importante
a ficção em prosa. Sobretudo quando se trata de estudantes, julgamos
essencial em sua formação a leitura dos clássicos universais e dos melhores
autores nacionais.
Essas idéias, resumidamente apresentadas, correspondem, em linhas
gerais, ao que muitos pensam sobre leitura e que alguns tomam como
fundamento de sua prática como professores ou como fomentadores de leitura.
Entretanto, nem sempre foi assim. Ao contrário, essas idéias pareceriam
disparates completos em outras épocas. A começar pela leitura em silêncio -
que hoje nos parece a coisa mais comum. Certa vez, Santo Agostinho visitou
Santo Ambrósio - quando os dois viviam em Milão mas nenhum deles era ainda
santo - e surpreendeu-se ao encontrá-lo realizando estranha atividade:
"Quando ele lia, seus olhos perscrutavam a página e seu coração
buscava o sentido, mas sua voz ficava em silêncio e sua língua era quieta.”3

1
Originalmente apresentado na Mesa-redonda Práticas de Leituras: história e modalidades, no XXIV
Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Intercom, Campo Grande, 2001.

2
Profa. Dra. Márcia Abreu. Departamento de Teoria Literária. Instituto de Estudos da Linguagem -
Unicamp.

3
Santo Agostinho, Confissões. Apud. MANGUEL. Alberto. Uma história da leitura, São Paulo:
Companhia das Letras, 1997, p.58.

1
Para Santo Agostinho parecia prodigioso que se lesse com a língua
quieta, pois ler em voz alta era a norma no século IV d.C., situação que se
prolongou até o século XIV, quando muitos nobres ainda dependiam da
oralização das palavras para compreensão de um texto.
Mesmo depois dessa época, quando se generalizou a leitura silenciosa,
ler em voz alta era uma forma de sociabilidade comum. Lia-se em voz alta nos
salões, nas sociedades literárias, em casa, nos serões, nos cafés. Esse tipo de
leitura, além de permitir o contato com idéias codificadas em um texto, era
forma de entretenimento e de encontro social. Tão importante era a prática da
leitura oral que um manual de leitura do século XVIII intitulado Petit Cours de
Littérature, à l'usage de la jeunesse de l'un et l'autre sexe, escrito pelo francês
Le Texier, definia leitura como :
"A arte de bem ler não é nada além da arte de bem dizer aquilo que está
escrito, ou seja, dar às frases que se tem a pronunciar e às palavras que as
compõem a verdadeira expressão de que são suscetíveis. Deste ponto de
vista, pode-se ver a analogia perfeita que existe entre a Arte de bem ler e
aquela de bem falar".4
Embora a definição de Le Texier pressuponha a decifração da escritura,
enfatiza a destinação oral desta atividade. No século XVIII e início do XIX, o
conceito de leitura parece confundir-se com a fala e a audição, podendo
prescindir da habilidade de decifração dos sinais gráficos de que se compõe a
escrita. Se entre intelectuais o processo de ouvir ler fazia parte das formas de
sociabilidade, parecendo coisa comum, qual não seria o poder de divulgação
dos escritos entre os não letrados? Por meio da leitura oral, iletrados também
poderiam entrar em contato com conteúdos registrados por escrito.
Durante a primeira metade do século XIX a leitura oral era uma das
formas de mobilização cultural e política dos meios urbanos e dos operários.
Depois disso, numerosas formas de lazer, de sociabilidade e de encontro,

4
"L'art de bien lire n'est autre chose que l'art de bien dire ce qui est écrit, c'est-à-dire de donner aux
phrases qu'on a à prononcer at aux mots qui les composent, la véritable expression dont ils sont
suceptibles. Sous cet apperçu, on peut voir l'analogie parfaite qui existe entre l'Art de bien lire et celui de
bien parler." LE TEXIER. Petit Cours de Littérature, à l'usage de la jeunesse de l'un et l'autre sexe.
Contenant une dissertation sur l'art de bien lire, sur chaque genre de style, et un Recueil de morceaux
choisis de poëtes et des Orateurs français. Paris, chez Michel, 1801, p. I.

2
antes mantidas pela leitura em voz alta, tornaram-se cada vez mais restritas. A
partir daí as elites passaram a restringir os usos da oralização dos textos. Lia-
se em voz alta nas Igrejas e nos tribunais.
ia-se em voz alta nas escolas para controlar a qualidade de sua leitura
silenciosa - objetivo final da aprendizagem. No passado, a leitura tomava parte
em um conjunto de práticas culturais que passavam pelo livro: a escuta dos
textos, sua memorização, o reconhecimento, nas letras impressas no papel, do
texto repetidas vezes ouvido, sua recitação para si ou para um grupo. 5
É relativamente recente também a idéia de que o bom leitor é o que lê
muitos e variados textos. Durante séculos a quantidade de impressos
disponível era pequena, seu preço, elevado, e o livro, muitas vezes,
sacralizado - mesmo que não tratasse de tema religioso. O bom leitor era
aquele que lia pouco, relia com freqüência e meditava muito sobre os escritos.
Ler muito poderia ser visto como um problema - até mesmo para a saúde.
Na segunda metade do século XVIII, o médico suíço Tissot escreveu um
livro intitulado A Saúde dos Homens de Letras em que apresentava os perigos
que a leitura oferecia para a saúde. Ele explicava que o esforço continuado de
intelecção de um texto prejudicaria os olhos, o cérebro, os nervos e o
estômago:
"Os inconvenientes dos livros frívolos são de fazer perder tempo e
fatigar a vista; mas aqueles que, pela força e ligação das idéias, elevam a alma
para fora dela mesma, e a forçam a meditar, usam o espírito e esgotam o
corpo; e quanto mais este prazer for vivo e prolongado, mais as conseqüências
serão funestas. [...] O cérebro que é, se me permitem a comparação, o teatro
da guerra, os nervos que dele retiram sua origem, e o estômago em há muitos
nervos bastante sensíveis, são as partes que mais sofrem ordinariamente com
o trabalho excessivo do espírito; mas não há quase nenhuma que não se
ressinta se a causa continua a agir durante muito tempo." 6
Todo o organismo parecia sofrer os efeitos da leitura pois ela agiria
duplamente sobre ele, forçando continuamente o espírito ao mesmo tempo que
mantinha o corpo em repouso durante longos períodos. Diz o autor que, em
5
Cf. CHARTIER, Roger. Le livre en révolutions, entretiens avec Jean Lebrun, Paris, Textuel, 1997.
6
TISSOT, Simon-Andre De la santé des gens de lettres. Laussane, chez Grasset & Comp et à Lyon, chez
Duplain, 1775. (pág 20 - 26)

3
sua prática clínica, encontrou os mais graves distúrbios de saúde, originados
da leitura e escrita. A "intemperança literária" causa perda de apetite,
dificuldades digestivas, enfraquecimento geral, espasmos, convulsões,
irritabilidade, atordoamento, taquicardia, podendo conduzir à "privação de todos
os sentidos". A solução para tantos problemas é ler pouco e fazer exercícios.
Nada poderia ser mais estranho, dois séculos atrás, do que nosso desejo atual
de tornar a todos leitores e fazê-los ler muitos livros.
Mais bizarro ainda pareceria nosso desejo de fazer com que se leia
muita literatura e, máxima temeridade, que estimulemos a leitura de romances.
Eles foram vistos, até o século XIX, como um forte perigo para a moral,
especialmente a das mulheres e moças.
Supunha-se que a leitura de romances levava ao contato com cenas
reprováveis, estimulando a identificação com personagens envolvidos em
situações pecaminosas como as mentiras, as paixões ilícitas e os crimes.
Acreditava-se, talvez mais do que nós o façamos, no poder da leitura na
determinação de comportamentos: um leitor de romances certamente desejaria
transportar para sua vida real as situações com que travara contato por meio
do texto. Também perigoso era o impulso de imaginar-se no lugar dos
personagens envolvidos em situações criminosas: supor-se no lugar de uma
adúltera era quase tão grave quando praticar o adultério. Mesmo os que
resistissem à tentação de aproximar a matéria lida do mundo vivido seriam
prejudicados pois ocupariam tempo precioso com a leitura de material tão
pouco elevado, esquecendo-se de suas obrigações cotidianas.
Considerando os efeitos maléficos advindos do contato com romances,
chegou-se a propor, na França, a aprovação de leis proibindo a criação e
edição de romances nacionais e a circulação de importados. Os europeus não
foram os únicos a se preocupar. Um autor mexicano, Manuel Payno 7,
considerava que o contato de mulheres e romances deveria ser controlado.
Acreditava que um homem culto poderia ler todo tipo de obra, já as mulheres...
"Há mulheres que sentem tédio só de olhar para um livro - isto é mau - .
Há outras que devoram quanta novela cai em suas mãos - isso é pior - . [...]
Uma mulher, que lê indistintamente toda classe de escritos, cai forçosamente

7
Manuel Payno nasceu em 1810 e faleceu em 1894. É um dos expoentes do romantismo mexicano.

4
no crime ou no ridículo. De ambos abismos somente a mão de Deus a pode
tirar. [...] Mulher que lê as Ruinas de Volney é temível. A que constantemente
tem em sua cesta de costura a Julia de Rousseau e a Heloisa e Abelardo é
desgraçada. Entre a leitura das Ruinas de Volney e a de Julia é preferível a de
novenas."8
Manuel Payno escreve em meados do século XIX e faz eco à tradição
colonial de temor em relação aos livros. Nem é necessário lembrar que,
durante o período colonial, as metrópoles européias sempre tiveram maior
preocupação em proibir leituras e dificultar o acesso aos livros nas Américas do
que em estimular a alfabetização e a circulação dos impressos. Percebe-se,
assim, que as formas de leitura e as concepções sobre o ato de ler variaram
bastante ao longo dos tempos.
Nossa idéia corrente do que seja ler é, em grande medida, tributária de
idéias e imagens construídas no final do século XVIII e ao longo do XIX que
foram fortes a ponto de fazer parecer que ler sempre foi aquilo que mostravam.
Se as práticas anteriores podem nos parecer estranhas, situações criadas no
XIX nos são bastante familiares, especialmente aquelas fixadas em pinturas da
época9. Nesse período os livros são parte importante na composição de
retratos, indicando principalmente o poder social e a posição intelectual dos
retratados, que, em geral, são homens. Inúmeras são as obras em que
senhores bem vestidos posam diante de uma biblioteca ou estante. Também
indicando seu interesse intelectual alguns são vistos lendo jornais, em suas
casas ou em espaços públicos.

8
"Hay mujeres que les causa hastío sólo el ver un libro - esto es malo -. Hay otras que devoran cuanta
novela y papelucho cae en sus manos - esto es peor -. [...] Una mujer que lee indistintamente toda clase de
escritos, cae forzosamente en el crimen o en el ridículo. De ambos abismos sólo la mano de Dios puede
sacarla. [...] Mujer que lee las Ruinas de Volney, es temible. La que constantemente tiene en su costurero
a la Julia de Rousseau y a Eloísa y Abelardo, es desgraciada. Entre la lectura de las Ruinas de Volney y la
de Julia, es preferible la de novenas." Payno, Manuel. Sobre mujeres, amores y matrimonios. México,
Instituto Nacional de Bellas Artes-Premiá, 1984, apud: STAPLES, Anne. "La lectura y los lectores en los
primeros años de vida independiente" ". In: Historia de le lectura en México. México, D.F.: Ediciones del
Ermitaño, 1988, p. 105-106).
9
Interessantes pesquisas sobre representações de leitura produzidas nos últimos cem anos estão em
FRAISSE, Emmanuel, (et alii) Representações e Imagens de Leitura, São Paulo, Editora Ática, 1997. Ver
especialmente POULAIN, Martine. "Cenas de leitura na pintura, na fotografia, no cartaz, de 1881 a
1989".

5
Já as mulheres são apresentadas no interior de suas casas, sozinhas ou
acompanhadas de familiares e amigos. Mais raramente, a leitura ocorre em
contato com a natureza em um jardim ou praia. Em geral, estão completamente
absortas pelo que lêem, mal dando atenção ao pintor. Se sua leitura foi
interrompida elas parecem ainda meditativas, tomadas pelo livro. Um pouco
menos freqüentes são as cenas em que grupos de mulheres trabalham
enquanto uma lê - para si ou para todas.

Esta leitura coletiva é mais comum quando crianças entram em jogo: as


mulheres podem ler para elas ou acompanhar e verificar sua leitura. Crianças
lendo sem a supervisão de adultos não aparecem com muita constância nas
imagens analisadas, mas, quando surgem, o artista compõem um mundo
tranqüilo onde pequenos bem comportados estudam ou se divertem.

6
Os espaços de leitura são também bastante homogêneos: casas
confortáveis, bibliotecas luxuosas; sofás e poltronas aconchegantes, mesas
repletas de livros e papéis; jardins floridos, algum café. Homens, mulheres e
crianças lêem fundamentalmente livros - exceção feita a um ou outro retrato de
homem lendo jornal. Mesmo que na maior parte das vezes não se possa
reconhecer as obras lidas não há como confundi-las com panfletos ou folhas de
anúncios.
Há dois modos fundamentais de contato com o escrito: a leitura de
instrução, associada aos livros técnicos e ao universo masculino, e a leitura de
entretenimento, vinculada à literatura e ao mundo das mulheres e crianças.
Esta associação entre leitura e enobrecimento do sujeito foi construída
historicamente, tendo recebido forte impulso com a ascensão da burguesia.
Homens e mulheres bem instalados socialmente parecem ter ficado satisfeitos
em associar-se a certos sinais exteriores de sucesso: boas casas, belos
vestidos, ambientes confortáveis, e livros.
Passaram-se os séculos, alterou-se o meio, mudou a tecnologia, mas o
imaginário em torno ao ato de ler permanece.
Isto se percebe claramente em fotos divulgadas na Internet, sobretudo
em sites pessoais. Em pesquisa realizada em duzentas páginas que contêm
imagens de leitura, foi possível perceber uma extrema uniformidade nos modos
de representação. A julgar por estas fotos, a leitura contemporânea realiza-se
em casas, bibliotecas públicas ou escolas. Nestes dois últimos espaços,
predominam as mulheres que tomam a leitura como parte de sua atividade
profissional: são bibliotecárias sorridentes diante de estantes de livros ou
professoras, também sorridentes, em sala de aula. Nas residências, o local

7
preferido parece ser o sofá; nele homens e mulheres instalam-se para ler
solitariamente ou abraçam-se enquanto olham para um mesmo livro; nele a
família reúne-se para que os adultos leiam para crianças. Quando elas são
fotografadas sem a presença de adultos, espalham-se pelo chão, rodeadas de
grandes livros cheios de figuras. Embora alguns leiam jornais, a maioria tem
um livro entre as mãos. Ler parece ser um ato prazeroso, que se realiza em
ambientes confortáveis, tranqüilos e harmônicos.

Pode-se pensar: mas a leitura é assim mesmo! Talvez não seja. É


possível que estes modos e objetos de leitura não sejam os únicos ou mesmo
os mais freqüentes. Provavelmente aparecem com tanta intensidade apenas
porque estas são as práticas socialmente valorizadas. Pessoas que elaboram
páginas pessoais na Internet convidam-nos a exercitar nosso voyerismo:
querem que penetremos em sua intimidade, querem compartilhar seu cotidiano
com milhares de desconhecidos. Acreditam que sua vida privada é tão
interessante ou exemplar que vale a pena mostrá-la. E ao construir uma
imagem positiva de si recorrem, com freqüência, aos livros e à leitura.
Pensa-se em situações semelhantes a essas quando se discutem as
práticas de leitura a serem promovidas no mundo contemporâneo. Como elas
não são encontradas com freqüência (ou não são encontradas com a
freqüência esperada) difunde-se a idéia de que vivemos uma crise da leitura,

8
de que as pessoas não gostam dos livros, de que é preciso fazer campanhas
para incentivar o "hábito" de ler.
Enquanto buscamos uma leitura ideal, não vemos o que temos diante
dos olhos.
Pesquisa recente, intitulada Retrato da Leitura no Brasil, mostrou alguns
dados surpreendentes10. A enquete, realizada entre 10 de dezembro 2000 e 25
de janeiro de 2001, baseou-se em 5.503 entrevistas realizadas com pessoas
acima de 14 anos e com 3 anos de escolaridade, residentes em 46 cidades - o
que corresponde a um universo estimado de 86 milhões de pessoas.
Ao contrário do que normalmente se dizia, os brasileiros têm uma boa
relação com os livros: 89% vêem neles um meio eficaz de transmissão de
idéias; 82% acham que é uma importante forma de se atualizar 11; 81%
acreditam que é importante ler para os filhos; 78% gostam de ler livros; 62%
leram ou consultaram livros em 2000; 30% leram livros nos três meses que
antecederam a pesquisa; 20% compraram ao menos 1 livro em 2000; 14%
estavam lendo um livro no dia da entrevista12. Embora sejam animadores os
dados sobre a relação dos brasileiros com os livros, eles não são o objeto de
leitura mais freqüente. Vejamos como os entrevistados responderam à
pergunta "você costuma ler ... :

Cartazes ou 8
folhetos de propaganda 5%

8
Placas de rua
4%

7
Letreiros de ônibus
8%

10
Realizada por A. Franceschini Análises de Mercado a pedido da CBL (Câmara Brasileira do Livro),
Bracelpa (Associação Brasileira de Celulose e Papel), Snel (Sindicato Nacional dos Editores de Livros) e
Abrelivros (Associação Brasileira de Editores de Livros)

11
Apesar disso 69% declararam ter formas mais modernas de se atualizar. Os estratos mais pobres
citaram o rádio, a televisão, o jornal e a revista; os mais abastados mencionaram a Internet e a TV paga.

12
O universo pesquisado conduz a certos resultados. O fato de se ter feito a pesquisa em período de férias
escolares pode ter diminuído o número de pessoas que declararam estar lendo no dia da entrevista, assim
como o fato de se ter considerado apenas pessoas maiores de 14 anos com certo nível de escolaridade
influiu nos resultados relativos a livros infantis e infanto-juvenis.

9
7
Revistas
5%

6
Jornais
8%

6
Livros
2%

Se os três primeiros tipos de leitura são muito pragmáticos, é preciso


prestar atenção no fato de se preferir (ou de se ter mais acesso) a revistas e
jornais do que a livros.
O perfil do leitor13 mais comum é também inesperado: tem entre 14 e 19
anos de idade (45% do total), tem nível médio de escolaridade (38% passaram
pelo colegial enquanto 29 % ficaram entre a 5a e a 8a séries), mora na região
Sudeste (49%, seguido de 17% de habitantes da região Sul) e não tem muito
dinheiro (34 % pertence à classe C e 31% à classe B14 ). São os homens os
maiores leitores: são 51% de homens contra 49% de mulheres.
E o que eles lêem? Quando perguntados especificamente sobre os
gêneros de "leitura habitual", os homens responderam que lêem "livros
religiosos" (35% incluindo a Bíblia), histórias em quadrinhos (34%), livros de
informática (20%), aventura e poesia (cada qual com 19%). Dentre os gêneros
de "leitura habitual", as mulheres também mencionaram os livros religiosos
(50% incluindo a Bíblia), mas na seqüência divergiram dos homens pois lêem
livros de culinária (33%), quadrinhos (31%), livros infantis (27%), poesia (26%),
romance (24%), história de amor (21%) e literatura juvenil (19%).
É interessante observar o que essas pessoas pensam encontrar nos
livros. Os homens buscam informação: declararam comprar livros pois desejam
"obter conhecimento", "evoluir profissionalmente" e "estar atualizado" (59%). Já
as mulheres esperam encontrar ali "momentos de distração e lazer" (23%) e
meios "evoluir espiritualmente" (20%) - também pensam que um livro pode ser

13
Os responsáveis pela pesquisa consideraram "leitores efetivos" aqueles que leram ao menos 1 livro nos
últimos 3 meses.
14
A classe A tem uma renda familiar equivalente a R$ 4.818,00, a classe B tem renda familiar
equivalente a R$ 2.029,00 e a classe C tem renda familiar equivalente a R$ 844,00.

10
um bom presente (15%). Como se vê, a imagem construída há séculos de um
homem cercado de livros em uma biblioteca e de uma mulher recostada em um
sofá com livro na mão ainda fala fortemente ao nosso tempo, especialmente no
caso dos homens com seu desejo de ter sucesso profissional por meio da
leitura.
Resta saber onde as pessoas conseguem os livros que lêem. A
pesquisa, encomendada por empresários do setor livreiro, tinha em mira os
compradores de livros, os quais, como mostrou a enquete, são menos
numerosos do que os leitores. Apenas metade do acesso aos livros lidos se faz
por meio da compra; outras possibilidades são o empréstimo em bibliotecas
(8%) e o recebimento de livros dados pela escola (4%).
Quem deseja comprar uma obra, ao contrário do que se supõe, não
busca necessariamente uma livraria. Embora 57% dos livros tenham sido
comprados em lojas especializadas, foram adquiridos também em bancas de
jornal (8%), igrejas (8%), vendedor porta em porta (7%). É interessante
perceber que essa distribuição altera-se conforme o nível de renda do
comprador. Os mais ricos freqüentam livrarias (73%) enquanto para os estratos
mais baixos15 a venda porta a porta é fator importante para o acesso aos livros.
Os mais pobres vão às livrarias em 34% dos casos e, em segundo lugar,
recorrem a um vendedor porta em porta (19%) - depois vão a bancas de jornal
(11%) e a igrejas (15%). Os dados mostram também que o papel dos
vendedores porta a porta é inversamente proporcional ao tamanho da cidade:
16% das pessoas de cidades pequeninas compram livros assim, enquanto
apenas 3% das que vivem em metrópoles o fazem. Assim, é preciso avaliar
com cuidado a representatividade de listas de best sellers divulgadas em
jornais e revistas pois ali se consideram apenas os livros (e não revistas,
brochuras etc.) vendidos em livrarias (e não nos outros pontos de venda que se
mostraram relevantes para certos segmentos).
Importa enfatizar que a pesquisa mostrou que os brasileiros apreciam os
livros e acreditam que eles podem contribuir para fazer sua vida melhor.
Demonstrou também que os brasileiros fazem do mercado editorial um bom

15
Consideraram-se os leitores de classe D, cuja renda familiar é equivalente a R$ 435,00 e E, cuja renda
equivale a R$ 229,00.

11
negócio - proporcionando um faturamento global da faixa de R$ 2 bilhões de
reais. Revelou, ainda, que os leitores estão distribuídos pelas diversas classes
sociais, inclusive pelas mais baixas.
Embora haja leitores em todas as classes, a distribuição de livros
acompanha a distribuição de renda no país: não há maior quantidade de
compradores (e talvez de leitores) pois os livros custam caro e as pessoas
ganham pouco. A leitura associa-se também à escolarização dos sujeitos. Ou
seja, quando mais rica e mais escolarizada for a pessoa mais ela lerá.
Dessa forma, a pesquisa deixou claro que, nos últimos anos, têm sido
enfrentados falsos problemas e têm se deixado de lado questões
fundamentais. Não parece necessário fazer campanhas para divulgar a idéia
de que ler é um prazer, de que ler faz bem para as pessoas - pois elas
demonstraram que já acreditam nisso. Mas é preciso criar condições sociais
para que o desejo de ler torne-se realidade, enfrentando as violentas
desigualdades sociais brasileiras. Só 7% dos pesquisados encontram-se nos
estratos mais abastados da população e desta parcela vêm 48% dos
compradores de livros. 14% dos leitores afirmou não possuir nenhum livro
enquanto 1% possui uma biblioteca com mais de 500 exemplares.
Para fazer deste um país de leitores será necessário possibilitar a toda a
população o acesso a escolas de qualidade. Será necessário também distribuir
melhor a renda, não só para que mais gente possa comprar livros, mas para
que mais gente possa ficar na escola por mais tempo.
O estudo revelou também quais são os obstáculos que as pessoas
encontram em sua relação com os livros: 57 % disseram que não compram
livros devido ao custo dos impressos e à falta de dinheiro. Como ficou claro
acima, não se trata de um problema com a leitura mas de um problema
econômico - não compram livros assim como não compram carne ou iogurte.
Essa é uma situação injusta e que se torna mais aguda pela precariedade da
rede de bibliotecas. Leitores não precisam ser compradores de livros. Deve ser
papel do governo, na área específica da leitura, aumentar o número de
bibliotecas públicas no país e ampliar seus acervos, muito mais do que
envolver-se em campanhas publicitárias de estímulo à leitura.
Mas é preciso pensar nos livros que devem compor o acervo dessas
bibliotecas. Os dados da pesquisa forçam uma reflexão sobre a concepção

12
corrente de leitura e de livro. Ficou claro que a literatura não ocupa os
primeiros lugares na preferência dos leitores. Homens e mulheres voltam-se
para os livros religiosos e para os livros técnicos e profissionais. Se pensamos
em uma leitura de lazer, os mais procurados são quadrinhos. Quando as
mulheres dizem que gostam de ler poesias, romances e histórias de amor e
homens dizem que gostam de poesia e de aventura é bem provável que não
estejam pensando nos clássicos da literatura erudita. Basta ver as listas dos
best sellers para saber de que romances, histórias de amor e de aventura eles
estão falando.
Não parece razoável, portanto, que se continue a pensar apenas nas
obras consagradas, nos grandes escritores e pensadores. É preciso conhecer
as leituras correntes, aquelas que pessoas comuns realizam em seu cotidiano.
E sobre isso pouco sabemos.
A Associação de Leitura do Brasil, da qual faço parte, tem buscado
questionar concepções correntes de leitura e chamar a atenção para a
diversidade dos objetos e dos modos de ler. Neste sentido, pedimos ao
fotógrafo e professor da UFPr, Ângelo José da Silva, que buscasse os leitores
anônimos, pessoas comuns com que ele se deparasse pelas ruas. O espaço
público mostrou abrigar grandes quantidades de leitores, que se recostavam
em árvores de praças, deitavam em gramados de parques, acomodavam-se
em bancos de jardins, realizavam malabarismos equilibrando-se em ônibus,
apoiavam-se em colunas de metrô.
Aqui estão algumas delas16.

16
O conjunto das fotos pode ser visto no site www.alb.com.br

13
Um velho sentado em precário banquinho lê um tablóide; a distância do
texto em relação aos seus olhos, talvez indique problemas de visão e, mesmo
assim, ele mantém-se interessado. Homens lêem em um parque. O mais velho
lê um pequeníssimo livro - ou seria uma caderneta de anotações? - quando
para o fotógrafo voltou o olhar, sério ou aborrecido com a interrupção. Talvez
preocupado com ladrões que poderiam se aproveitar do momento de distração
com a leitura, coloca seus pertences - sapatos e casaco - sob seu corpo. O
mais jovem parece ser o mais entusiasmado: no rosto um discreto sorriso, os
olhos presos no livro de papel barato. Um homem negro, pobre, lê um livreto.
Com seus sacos e alguns embrulhos talvez transporte consigo todas as suas
propriedades - dentre elas um livro, que lê atentamente.
Essas fotos retratam algumas práticas de leitura comuns - mas que
desconhecemos. Uma concepção elitista de cultura as torna invisíveis e faz
com que saibamos pouco sobre esses leitores e sobre os objetos de leitura
pelos quais se interessam. A delimitação implícita de um certo conjunto de
textos e de determinados modos de ler como válidos e o desprezo aos demais
nos cega para grande parte das leituras realizadas no cotidiano.
Estes leitores anônimos e involuntariamente retratados são diferente em
tudo daqueles fixados em telas do passado anteriormente comentadas. A

14
leitura não parece enobrecê-los; a idéia de conforto não está associada a sua
prática; os objetos que tomam para ler não são os da alta cultura. Lêem
sozinhos em um ambiente que é de todos. Lêem para passar o tempo ou para
descansar. Não parecem orgulhosos de sua posição.
Essas imagens mostram que é necessário ampliar os estudos do livro e
da leitura para além do círculo restrito das obras consagradas ou da imagem
que nelas se faz de livros e leituras. Nem todos os leitores são gente branca e
bem vestida em casas elegantes e confortáveis.17

17
Idéias aqui apresentadas estão discutidas com maior desenvolvimento em "Contradições em torno ao
ato de ler", Leitura: teoria & prática, n o 31, Porto Alegre, Mercado Aberto, 2 o semestre de 1998; "A
caça ao leitor", in Leitura: teoria & prática, n o 34, Porto Alegre, Mercado Aberto, 2 o semestre de 1999;
"Percursos da leitura", prefácio ao livro Leitura, História e História da Leitura, Campinas, Mercado de
Letras/ALB/FAPESP, 2000; "As variadas formas de ler", in No fim do século: a diversidade - o jogo do
livro infantil e juvenil, Belo Horizonte, Autêntica / CEALE, 2000; "Diferença e desigualdade:
preconceitos em leitura", Ler e navegar: espaços e percursos da leitura, Marildes Marinho (org),
Campinas, Mercado de Letras : Associação de Leitura do Brasil, 2001. Coleção Leituras no Brasil.

15

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