Numa pequena cidade isolada do mundo, havia um homem que
apresentava um estranho ritual. Passava horas fazendo soar os sinos da igrejinha. Ele sempre estava apressado e correndo para não se atrasar na sua tarefa. Tudo poderia esperar ou ser adiado, menos isto. Na cidade, ninguém ousava lhe perguntar o motivo, pelo qual diariamente, durante anos, cumpria essa obrigação. Ele sabia, no íntimo, a quem dedicava o tocar dos sinos. Um dia, correndo para não se atrasar, cansado pelo trabalho diário em sua pequena oficina de consertos, tropeçou e caiu à sombra de uma grande árvore. Foi quando ouviu uns acordes tristes de um bandolim, que se faziam acompanhar de uma voz suave de mulher. Ficou ali mesmo no chão, como se quisesse deixar aquela harmonia penetrar dentro dele. Após alguns instantes, levantou-se e foi se aproximando, procurando identificar de onde partia aquela música. Percebeu, então, uma linda mulher do outro lado do tronco da árvore. Ela lhe disse que, há anos, diariamente, estava ali tocando seu bandolim e cantando. Ele sentiu uma vontade incontrolável de chorar. Voltou para casa abatido. Como, durante tanto tempo, não havia percebido tão linda mulher, seu bandolim e aquela maravilhosa música? Pensava em quantas vezes, não teria abafado aquele e outros sons tão bonitos, ao dobrar intensamente os sinos, durante tantas horas. Quantas coisas não estaria deixando de ver em sua pressa e correria constantes. Naquele dia, para espanto de todos, os sinos não soaram. À noite, não conseguiu dormir. Não era novidade que seu sono faltasse, mas agora tinha um aspecto diferente. Era a primeira vez em anos, que refletia sobre sua vida. Pensava naquele encontro e no fato de não ter tocado os sinos. Percebeu-se, então, isolado das pessoas, prisioneiro que vivia do seu trabalho, sua paixão, dos sinos e de sua pressa. O que poderia estar ocorrendo ao seu redor, que sua cegueira estivesse impedindo de ver? Era um encontro com ele mesmo, do qual havia sempre fugido. Foi no meio desse balanço em sua vida, que percebeu o amanhecer do dia. Resolveu que não iria trabalhar. Passou parte da manhã organizando sua casa. Sentiu o quanto havia descuidado do seu próprio ambiente. Abriu janelas, que há anos estavam fechadas, e percebeu coisas dispersas e empoeiradas. Ali estavam suas melhores recordações, sua própria história. Aos poucos, ia vendo quão pouco zeloso tinha sido com ele próprio. Mesmo encarando toda essa realidade, sentia um certo ar de satisfação, pois, agora fazia isto, sem negá-la e sem fugas. Organizou o que pode e resolveu que iria agora retomar o caminha lá fora. Como iria reagir às situações diferentes que pudesse encontrar? Ao pensar nisso, viu-se com receios, mas mesmo assim, abriu a porta e saiu. Caminhava lentamente pelo mesmo trajeto que costumava fazer. Foi então que viu partes de uma grama revirada, pisada, flores amassadas e galhos quebrados de uma roseira. Sentiu-se triste ao perceber, que tinha sido ele em sua pressa, que havia quase destruído aquele jardim. Nunca prestara atenção nele e tentou com as mãos arrumar as plantas arrancadas. Minutos depois, continuou se caminho. Mais na frente, havia um muro bastante comprido, onde ele sabia que tinha frases escritas, mas que nunca se detivera para ler. Aproximou-se calmamente, pois as letras já estavam quase apagadas. À medida que ia lendo, ficava mais curioso. Elas falavam de um tema que tinha relação com sua vida, naquele momento. Lá estava escrito: “O Amor não se confunde com posse. Ninguém é dono de ninguém. Só um sentimento morto deixa-se aprisionar pela razão. Quem não perceber isso vai passar a vida procurando sem entendê-lo quando encontrar”. O homem leu várias vezes, ao mesmo tempo em que se perguntava, como poderia ter passado ali tantas vezes e nunca ter dado atenção a essas palavras, que pareciam ter sido escritas para ele. Após um longo tempo de meditação, prosseguiu a caminhada. Chegou junto à árvore onde tinha caído e aproximou-se da linda mulher que, calmamente, tocava seu bandolim, cantando outra linda canção. Sentou-se ao seu lado. Ela sorriu mansamente para ele e continuou se canto. Ao final, pediu para olhar sua mão e sem que ele nada perguntasse, disse-lhe: - Sou uma cigana e sei tudo o que está ocorrendo com você. Vá em frente neste novo momento em sua vida. Nunca desista de seus ideais, são eles que dão sentido à vida. Em algumas ocasiões, contudo, buscamos soluções que podem se transformar em novos problemas. Reveja-as sempre e nunca se acomode. Mais uma vez, o homem se emocionou, pois, aquelas palavras tinham um significado especial para ele. Levantou-se devagar, agradeceu quase gaguejando, beijou a mão da mulher e seguiu seu caminho. Aproximou-se da igrejinha, sentiu um nó na garganta, o coração batia cada vez mais forte, mas seguiu para seu interior. Estava entrando nela pela primeira vez, sem se dirigir para o local onde puxava fortemente as cordas, fazendo dobrar os sinos. Parou perto do altar, ajoelhou-se e com os olhos cheios de lágrimas, deu-se conta de que não sabia nenhuma oração. Tentou rezar uma Ave-Maria, mas não consegui terminar. Nesta hora, liberou toda a emoção que acumulava ao longo de sua caminhada e chorou como nunca tinha feito nos últimos anos. Em questão de minutos, como se fosse um filme, recordou os fatos mais importantes de sua vida. Permaneceu em silêncio, no pensamento pediu desculpas a Deus, por não saber rezar e agradeceu tudo que estava vivendo naquele momento. Nesse instante, inesperadamente, os sinos começaram a bater, numa harmonia que ele nunca ouvira antes. Eram acordes que pareciam celebrar a paz, o amor e o nascimento de uma nova vida. Na pequena cidade, todos lembram ainda, daquele dia em que os sinos tocaram uma canção inesquecível e diferente de tudo que já estavam acostumados a ouvir. O que nunca souberam é que, naquele dia, não havia ninguém puxando as cordas. Justamente, naquele momento, um homem cheio de fé, apenas tentava orar.