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Materiais Piezoelétricos
José Antonio Eiras
2
2.1. INTRODUÇÃO
3
Direto
Energia Mecânica Inverso Energia Elétrica
D = dT + ε E (direto) (2.1)
S = sT + d E (inverso) (2.2)
S i = sijE T j + d mi Em S i = sijDT j + g mi Dm
Dn = d miTi + ε mn
T
Em E m = − g miTi + β mn
T
Dn
(2.3)
Ti = cijE S j − emi Em Ti = cijD S j − hmi Dm
Dn = emi S i + ε mn
S
Em E m = −hmi S i + β mn
S
Dn
i,j – 1,2,...,6
n,m – 1,2,3
5
ε, β - coef. dielétricos
d,g,e,h - coef. piezoelétricos
dmi – coeficiente piezoelétrico
εmn – permissividade dielétrica
Dn – vetor deslocamento elétrico
Em – campo elétrico
T1, T2, T3 – tensões de tração ou compressão
T4, T5, T6 – tensões de cisalhamento
S1, S2, S3 – deformações “puras”
S4, S5, S6 – deformações de cisalhamento
onde,
E1 ε 11 ε 12 ε 13 ⎛ d11 d12 d13 d14 d15 d16 ⎞
⎜ ⎟
D, E = E 2 ε = ε 22 ε 23 d, g = ⎜ d 22 d 23 d 24 d 25 d 26 ⎟
ε 33 ⎜ d 36 ⎟⎠
E3 ⎝ d 33 d 34 d 35
6
mecânicas, tensão mecânica (T) ou deformação mecânica (S), devem ser escolhidas
como variáveis independentes [9,10].
1
Materiais ferroelétricos, ou simplesmente ferroelétricos, caracterizam-se por apresentarem, em um
determinado intervalo de temperatura, polarização espontânea que pode ser reorientada pela aplicação de
um campo elétrico (inferior ao campo de ruptura).
7
da polarização macroscópica. O estado polarizado é, por isso, metaestável e pode variar
com o tempo, com o aumento da temperatura ou sob a aplicação de altos campos elétricos
(da ordem do campo de polarização), com sentidos diferentes ao do campo de
polarização.
Como desvantagens das piezocerâmicas, em comparação aos cristais, poder-se-ia
destacar a maior dependência de suas propriedades eletromecânicas com a temperatura, a
formação de fases não desejadas durante sua produção, o que pode alterar suas
propriedades, e a variação de suas propriedades com o tempo (envelhecimento –
“aging”).
Para selecionar um material piezoelétrico para aplicações tecnológicas procura-se,
em geral, conhecer suas propriedades dielétricas, elásticas e piezoelétricas, que
determinam sua eficiência como elemento piezoelétrico. Entretanto, para uma aplicação
específica nem sempre é necessário determinar todas essas propriedades. Inicialmente é
necessário identificar que coeficientes (dielétricos, elásticos e piezoelétricos) ou modos
de vibração são os mais importantes para a aplicação em que se deseja utilizá-los.
Os parâmetros práticos mais importantes dos materiais piezoelétricos são: a
orientação do corte (para cristais) ou da polarização macroscópica (para cerâmicas), as
constantes dielétricas εT/εo, εS/εo (εo – permissividade no vácuo), o fator de acoplamento
eletromecânico k, os coeficientes piezoelétricos d e g, a constante de freqüência N, a
velocidade do som no meio piezoelétrico v, o fator de qualidade mecânico Qm (para o
modo de vibração que será utilizado), a densidade ρ, a impedância acústica Z (=ρv) e o
coeficiente de temperatura CT (que caracteriza a variação de uma dessas propriedades
com a temperatura).
Buscando intensificar algumas dessas propriedades, para otimizar a performance do
material piezoelétrico numa determinada aplicação, tem-se buscado ainda preparar
materiais piezoelétricos na forma de filmes finos (para aplicações com ondas de
superfície ou microatuadores) ou na forma de compósitos (em aplicações em que se busca
casar impedância acústica a outro meio ou amplificar a deformação gerada pelo elemento
piezoelétrico, por exemplo).
8
2.2. MATERIAIS PIEZOELÉTRICOS
2.2.1. Cristais
9
Figura 2.2 – Cortes característicos de cristais de quartzo para ressonadores [11].
10
coeficiente de temperatura (CT), por isso é preferido em aplicações onde se deseja alta
estabilidade.
Os cortes mais importantes para aplicações do LN estão apresentados na Figura 2.3.
Os cortes E – rodados de 163o para o LN e de 165o para o LT são particularmente
interessantes pois apresentam coeficientes de acoplamento eletromecânico nulos para o
modo longitudinal, enquanto que para o modo transversal podem chegar a 0,60 (LN) e
0,41 (LT) [14].
LN e LT são largamente utilizados em aplicações com ondas acústicas de superfície
(“SAW” – surface acoustic waves), como filtros eletromecânicos e detectores de
vibrações.
Cristais de LN ou LT podem ser crescidos do material fundido em composições
contendo entre 46 e 50% ou 44 e 54% atômico de Li para o LN ou LT, respectivamente.
A fusão congruente ocorre para concentração de aproximadamente 48.6% at. de Li para o
LN e entre 48.8 e 49.2% at. de Li para o LT [15]. Para os dois cristais se observa um
aumento da temperatura de Curie quando se aumenta a concentração de Li. Cristais
mistos de Li(Nb,Ta)O3 podem ser crescidos e apresentam propriedades intermediárias
entre as do LN e LT.
11
Na Tabela 2.2 são apresentados os coeficientes característicos para cristais de
niobato ou tantalato de lítio.
2.2.2. Semicondutores
Materiais semicondutores com estrutura do tipo wurzita, simetria 6mm, apresentam o
efeito piezoelétrico e valores de coeficientes adequados ou suficientes para aplicações.
Entre esses materiais pode-se destacar o óxido de zinco (ZnO), o sulfeto de cádmio (CdS)
e o nitreto de alumínio (AlN).
Para suas aplicações mais importantes esses materiais têm sido preparados na forma
de filmes finos e servem como geradores ultra-sônicos de alta freqüência. Na Tabela 2.3
são apresentados alguns coeficientes dos principais semicondutores piezoelétricos.
O ZnO é o mais utilizado para aplicações que envolvem geração e/ou detecção de
ondas acústicas de superfície (SAW). O AlN, em particular, se destaca por apresentar alta
velocidade de propagação do som.
Cristais de ZnO (com “grandes” dimensões) podem ser crescidos por processos
hidrotérmicos, enquanto que cristais de AlN são muito difíceis de crescer.
Filmes finos de ZnO são obtidos por evaporação ou “sputtering” do material em
substratos de safira, apropriados para obter orientações adequadas no filme. Embora o
filme seja policristalino é possível obter una orientação preferencial do eixo c
perpendicular à superfície do substrato.
12
Tabela 2.3 – Coeficientes dielétricos e piezoelétricos de semicondutores piezoelétricos.
BeO ZnO CdS CdSe AlN
ρ[10 kg.m ]
3 -3
3,009 5,675 4,819 5,684 3,26
ε11T/ε0 8,50 9,35 9,70 9,0
ε33T/ε0 7,66 10,9 10,3 10,6 10,7
d33[10-12 C.N-1] 0,24 12,4 10,3 7,8 5
d31 -0,12 -5,0 -5,2 -3,9
d15 -8,3 -14,0 -10,5
e33[C.m-2] 1,57 0,44 0,35 1,55
e31 -0,36 -0,24 -0,16 -0,58
e15 -0,36 -0,21 -0,14 -0,48
c33E[1011 N.m-2] 2,11 0,94 0,84
c11E 2,10 0,91 0,74 3,95
c55E 0,43 0,15 0,13 3,45
c33D 2,29 0,96 0,85 1,18
c11D 2,15 0,91 0,74
c55D 0,47 0,16 0,13
v31 [km.s-1] >12 6,40 4,50 3,86 11,35
v1t 2,95 1,80 1,54
k33 0,019 0,48 0,262 0,194 0,31
k31 0,009 0,182 0,119 0,084 0,14
k3t 0,38 0,154 0,124 0,25
k15 0,196 0,188 0,130 0,15
2.2.3. Cerâmicas
Desde o descobrimento, por Roberts [4], de que cerâmicas de titanato de bário
(BaTiO3) podiam ser polarizadas e apresentar o efeito piezoelétrico, materiais cerâmicos
são os mais utilizados, até o presente, como elementos piezoelétricos na maioria das
aplicações tecnológicas. O descobrimento de Roberts marca assim o início da era das
piezocerâmicas. As piezocerâmicas são materiais ferroelétricos que se obtém através de
métodos de preparação de cerâmicas avançadas. Em seu estado não polarizado (e não
texturadas) são isotrópicas. Para sua utilização como elementos piezoelétricos precisam
ser polarizadas sob a aplicação de um campo elétrico dc da ordem de alguns kilovolts por
milímetro (kV/mm). O fato de ser ferroelétricas permite que se reoriente a polarização
espontânea, na direção do campo de polarização. Cerâmicas piezoelétricas (ou
ferroelétricas polarizadas) apresentam simetria 6mm ou ∞mm.
Não se pretende neste capítulo discutir todas as composições estudadas para produzir
piezocerâmicas, pois são muitas, mas apenas apresentar as mais destacadas. Em geral, as
13
piezocerâmicas comerciais possuem mais de um elemento dopante em suas composições
básicas, que são incorporados para controlar ou intensificar determinadas propriedades
físicas. As cerâmicas mais utilizadas como elementos piezoelétricos possuem estrutura
do tipo perovskita, por essa razão será a única estrutura apresentada neste capítulo.
Figura 2.4 - Representação esquemática de uma célula unitária com estrutura perovskita.
Os primeiros intentos para otimizar as propriedades eletromecânicas do titanato de
bário (BaTiO3 - BT) se basearam na substituição do Ba por Pb, Sr ou Ca e de Ti por Zr,
14
ou Sn. À temperatura ambiente o BT apresenta uma estrutura tetragonal (4mm) e
temperatura de Curie Tc=120oC. Várias soluções sólidas de (PbxBa1-x)TiO3 e (CaxBa1-
x)TiO3 foram desenvolvidas com propriedades adequadas para aplicações tecnológicas
[6].
Desde que foi constatado por Jaffe et. al [5,6] que soluções sólidas de (Pb(ZrxTi1-
x)O3 - PZT) apresentam excelentes propriedades piezoelétricas, ao redor do contorno de
fase morfotrópico (0.51≤ x ≤ 0.55), o PZT passou a ser mais utilizado que o BT em
transdutores piezoelétricos. O PZT tem estrutura perovskita com os cátions Zr4+ e Ti4+
distribuídos de forma aleatória no sitio B.
A substituição progressiva do BT pelo PZT para a produção de piezocerâmicas
ocorreu porque, quando comparado ao BT, o PZT apresenta: 1) maiores coeficientes
eletromecânicos, 2) temperatura de Curie mais alta para a maioria das composições
práticas (Tc ~ 360oC), 3) é mais fácil de ser polarizado e 4) é possível incorporar uma
grande variedade de dopantes, o que permite alterar de forma controlada muitas de suas
propriedades eletromecânicas. Desde o descobrimento do PZT muitos trabalhos de
investigação foram desenvolvidos com o objetivo de otimizar ou controlar suas
propriedades eletromecânicas, através da adição de óxidos de cátions de bi- a
pentavalentes em substituição ao Pb, Zr ou Ti. Desse tipo de estudos resultou a série
PZT4, -5, -6, -7 e -8 (patente da Clevite Corporation). Trabalhos de Takahashi et. al
[18,19] por sua vez determinaram a influência da adição de cátions nas propriedades
ferroelétricas e eletromecânicas do PZT. Um resumo dos resultados mais importantes
[6,18,19] publicados mostram que:
1) Elementos aceitadores. A adição de elementos de menor valência, elementos
aceitadores (Fe3+, Al3+ em substituição a Zr4+ o Ti4+) é compensada pela formação de
vacâncias de oxigênio, que passam a formar um defeito complexo (com o Zr4+ ou Ti4+)
20. Sua incorporação causa um aumento do campo coercitivo, do fator de qualidade
mecânico e do envelhecimento (variação de suas propriedades com o tempo) e uma
diminuição da constante dielétrica, da polarização remanente e das perdas dielétricas.
PZT’s com essas características são utilizados como elementos piezoelétricos em
transdutores de alta potência, como em sonares, soldadores e limpadores ultra-sônicos.
2) Elementos doadores. A adição de cátions de maior valência é compensada pela
formação de vacâncias de chumbo (para pequenas quantidades do aditivo). Elementos
doadores (Nb5+, W6+ em substituição ao Zr ou Ti, ou La3+ em substituição ao Pb2+)
15
diminuem o campo coercitivo, o fator de qualidade mecânico e o envelhecimento,
enquanto que aumentam a constante dielétrica, a polarização remanente e o fator de
acoplamento eletromecânico .
Aplicações típicas de PZT’s com essas características são os hidrofones, transdutores
ultra-sônicos de diagnose (ensaios não destrutivos ou em medicina), em que atuam como
emissores e receptores, e em sensores.
3) Elementos isovalentes. Elementos isovalentes (Ba2+, Sr2+ em substituição ao Pb2+)
diminuem a dissipação dielétrica e aumentam o envelhecimento .
4) Cr3+ e Mn2+. Elementos como o manganês e o cromo atuam como estabilizadores
das propriedades.
Cerâmicas de titanato de chumbo (PbTiO3 - PT) com alta densidade são difíceis de
obter, sem a adição de aditivos, devido à alta deformação espontânea na transição de fase
para – ferroelétrica (Tc=490OC). Na fase ferroelétrica o PT apresenta simetria tetragonal
com c/a ~1.061 [21]. Ikegami et. al [22] conseguiram sinterizar cerâmicas densas de PT
dopadas com La e Mn, com alta anisotropia piezoelétrica (kt/ k31 ~ 25) e baixa razão de
Poisson (σ ~0.2 –0.3), quando comparados a outros materiais (PZT - kt/ k31~1 e σ ~0.3 –
0.4). Estas características são particularmente importantes para aplicações em
transdutores e filtros eletromecânicos, visto que promovem a supressão de ressonâncias
espúrias. Trabalhos posteriores [22] mostraram que composições de (Pb1-xMx)TiO3 + 0.2
mol% Mn (com M=La, Sm, Nd...) apresentam baixo coeficiente de temperatura e
propriedades adequadas para dispositivos SAW.
Valores típicos dos coeficientes eletromecânicos para piezocerâmicas são mostrados
na Tabela 2.4.
2.2.4. Polímeros
O descobrimento da piezoeletricidade em polímeros se deve a Kawai [23], que
observou que o polyvinylidene fuoride (PVDF o PVF2) tracionado e polarizado em altos
campos elétricos (~300 kVcm-1) apresenta coeficientes piezoelétricos superiores aos do
quartzo.
16
Tabela 2.4 – Coeficientes eletromecânicos característicos para cerâmicas piezoelétricas [11].
PVDF é um polímero que apresenta una cristalinidade de 40-50% e pode ser obtido
nas fases: I ou β (que é piezoelétrica) e II ou α.
Na Tabela 2.5 são apresentados valores típicos para coeficientes eletromecânicos de
alguns polímeros piezoelétricos.
Tabela 2.5. Valores típicos para coeficientes eletromecânicos de polímeros piezoelétricos [11].
17
2.2.5. Compósitos
A motivação para o desenvolvimento de materiais piezoelétricos compósitos resultou
da necessidade de alcançar propriedades específicas num material, que não podem ser
encontradas em materiais com uma única fase. Por exemplo, para aumentar a
sensibilidade piezoelétrica de transdutores eletromecânicos, para obter um melhor
casamento acústico com a água, se necessita diminuir a densidade do elemento
piezoelétrico ou, por outro lado, para obter elementos mecanicamente flexíveis, para
poder acoplá-los a superfícies curvas. Essas propriedades podem ser muito difíceis de
obter em materiais monofásicos. Logo, um material compósito é um material que possui
dois ou mais componentes e que apresenta propriedades físicas e químicas que resultam
da soma, de uma combinação ou do produto das propriedades de seus componentes.
As primeiras investigações com compósitos piezoelétricos foram realizadas para
obter hidrofones, para aplicações submarinas [24,25,26]. Um hidrofone é um transdutor
ou microfone utilizado para detectar ondas acústicas na água. A sensibilidade de um
hidrofone é determinada pela voltagem produzida por uma onda de pressão hidrostática,
que está associada ao coeficiente de voltagem hidrostático gh. O coeficiente hidrostático
de deformação dh (dh=gh/εoΚ, εo-permissividade do vácuo e K- constante dielétrica), que
relaciona a voltagem que resulta de uma pressão hidrostática, é também um coeficiente
utilizado para avaliar um hidrofone. Uma figura de mérito prática para caracterizar um
hidrofone é o produto dhgh.
Cerâmicas como o PZT são muito utilizadas em transdutores porque possuem altos
coeficientes piezoelétricos. Entretanto, para a utilização em hidrofones o PZT apresenta
algumas desvantagens, pois possui altos coeficientes d33 e d31 (que tem o sinal contrário
ao d33, ou seja, é negativo, se d33 é considerado positivo). Por isso seu coeficiente
hidrostático dh=(d33+2d31) é pequeno ou quase nulo. Além disso, o PZT tem alta
constante dielétrica K (>1000) e alta densidade (ρ=7,9 kg/m3, comparada à da água), o
que resulta num baixo coeficiente gh e maior dificuldade em conseguir um casamento
acústico com a água.
Polímeros como o PVDF oferecem várias vantagens, como baixa constante
dielétrica, baixa densidade e flexibilidade, para aplicações em hidrofones. Por isso,
embora tenham baixos coeficientes d33 e dh, quando comparados ao PZT, seu coeficiente
gh é grande devido a sua baixa constante dielétrica. Por outro lado, polímeros apresentam
18
desvantagens, como a dificuldade de serem polarizados e baixa constante dielétrica (e,
em geral, pequena espessura), o que dificulta a construção de circuitos de detecção
(devido à sua baixa capacitância).
Buscando minimizar essas desvantagens apresentadas pelos polímeros e cerâmicas
foram desenvolvidos os compósitos piezoelétricos.
A maneira em que os materiais componentes se encontram interconectados em um
compósito denomina-se conectividade [27]. Para compósitos compostos de dois
componentes existem 10 conectividades: 0-0, 1-0, 2-0, 3-0, 1-1, 2-1, 3-1, 2-2, 3-2 e 3-3.
Os números 1 a 3 se referem aos três eixos ortogonais, que indicam as direções em que
cada componente está interconectado ou é contínuo. Compósitos piezoelétricos, em geral,
são compostos de cerâmicas e polímero ou vidro. Por convenção, o primeiro número se
refere à conectividade da cerâmica, enquanto que o segundo ao polímero ou vidro. Uma
representação esquemática das 10 conectividades é mostrada na Figura 2.5.
Figura 2.5. – Formas de conectividade para compósitos de dois componentes. As setas indicam a
direção em que cada componente está conectado [11].
Entre os compósitos piezoelétricos aqueles com conectividade 1-3 (palitos de PZT /
polímero) e 0-3 (partículas de PZT dispersas em polímero), pela maior facilidade de
19
obtenção, são os mais estudados para a construção de elementos eletromecânicos. As
principais vantagens desses compósitos são a baixa impedância acústica (que possibilita
um melhor casamento com meios que têm impedância acústica menor que a da
cerâmica), alta flexibilidade mecânica e baixo fator de qualidade mecânico (o que
permite detecção num largo espectro de freqüências). Os compósitos 1-3 possuem alto
fator de acoplamento eletromecânico de espessura (kt), aproximadamente igual ao fator
de acoplamento eletromecânico k33 da cerâmica. A Figura 2.6 apresenta a variação da
impedância acústica (Figura 2.6a) e do fator de acoplamento eletromecânico (Figura
2.6b), para compósitos piezoelétricos polímero (poliuretano)-cerâmica (PZT) 3-1, em
função da concentração volumétrica de cerâmica no elemento.
(a) (b)
Figura 2.6. - Variação da impedância acústica (a) e do fator de acoplamento
eletromecânico (b), para compósitos piezoelétricos polímero (poliuretano)-cerâmica
(PZT) 3 -1, em função do volume fracionário de PZT.
20
Tabela 2.6 – Coeficientes dielétrico e piezoelétricos de compósitos piezoelétricos
cerâmica / polímero com conectividade 1-3.
__ __ __ __ __ __ ______
Compósito ρ d 33 g 33 dh dh dh gh
K 33
(Kg/m3) (pC/N) (10-3Vm/N) (pC/N) (10-3Vm/N) (10-15m2/N)
PZT palitos – Spurrs 1370 54 150 313 27 56 1536
epoxy [24]
PZT palitos – 1430 40 170 480 20 56 1120
Poliuretano [29]
PZT palitos – 930 41 180 495 73 210 15330
Poliuretano [29]
21
Os parâmetros mais importantes para a seleção de um material para aplicações SAW
são a velocidade da onda superficial (Vsup), o coeficiente de temperatura (CT), o
coeficiente de acoplamento eletromecânico (ksup) e a atenuação de onda acústica durante
a propagação.
Cristais de LiNbO3 e LiTaO3 são os mais utilizados em altas freqüências (> 500
MHz).
Óxido de zinco (ZnO) e nitreto de alumínio (AlN), que possuem estrutura wurzita,
são materiais que podem ser depositados, com orientação c, por “sputtering” em
substratos (de safira ou vidro, por exemplo). A performance do ZnO é limitada por seu
baixo coeficiente de acoplamento eletromecânico .
Filmes finos de materiais cerâmicos como os PZT’s, os titanatos de bário (BT) ou de
chumbo (PT) vêm despertando grande interesse para aplicações como microatuadores.
Para aplicações como filtros esses materiais apresentam as limitações de possuir baixo
fator de qualidade mecânico e alto coeficiente de temperatura, quando comparados aos
cristais.
Na Tabela 2.7 são apresentados os coeficientes característicos de materiais, cristais
ou cerâmicos, mais utilizados como componentes baseados em ondas acústicas de
superfície.
22
2.3. CARACTERIZAÇÃO DE PROPRIEDADES DIELÉTRICAS E
PIEZOELÉTRICAS
2.3.1. Introdução
A caracterização completa de um material que se deseja utilizar como transdutor
(atuador ou sensor) requer, na maioria dos casos, a determinação de diferentes
propriedades físicas. Materiais ferroelétricos por que apresentam propriedades dielétricas
e piezoelétricas destacadas frente a outros materiais, entre outras, são os mais utilizados
e destacados para aplicações em sensores e atuadores.
A determinação das propriedades dielétricas, em função da freqüência, temperatura
ou voltagem constitui a primeira e principal caracterização de um material ferroelétrico .
Por isso deve ser executada antes de se efetuar uma caracterização mais detalhada das
propriedades piezoelétricas.
As propriedades piezoelétricas de um material são definidas, por sua vez, pelos
coeficientes dielétricos, elásticos e piezoelétricos. Todos esses coeficientes dependem da
amplitude do sinal de medição (de campo elétrico ou tensão mecânica) e, em caso de
materiais ferroelétricos, dependem do estado de polarização . Em geral a determinação
desses coeficientes é feita na região linear (baixos campos).
Neste capitulo são apresentados os fundamentos de técnicas dinâmicas de
caracterização que se utilizam para determinar as propriedades dielétricas e piezoelétricas
de materiais ferroelétricos. Para a caracterização de cristais as técnicas são exatamente as
mesmas, com a exceção de que o elemento piezoelétrico deve ter seus cortes efetuados
segundo orientações cristalográficas definidas, conforme mostrado anteriormente.
23
V/mm, região linear), é uma das caracterizações mais importantes nos materiais
ferroelétricos.
Em geral, esses parâmetros são determinados em amostras em forma de discos ou
placas, que possuem eletrodos em suas faces, de forma que possam ser analisadas como
capacitores plano-paralelos preenchidos com um dielétrico (o material que se deseja
caracterizar). Os eletrodos são depositados nas faces por evaporação, “sputtering” ou
pintura (com prata, grafite ou outro material condutor), de forma que fiquem aderidos ao
material. Dessa maneira, a medição consiste basicamente em uma medida da capacitância
de um capacitor.
Existem varias técnicas que podem ser utilizadas para medir a capacitância de um
capacitor, cada uma com vantagens e desvantagens frente às demais. Considerações
como intervalo de freqüência, valores de capacitância, precisão e facilidade de operação
determinam a opção por uma determinada técnica. Considerando o intervalo de
freqüência como critério, são recomendados os circuitos ponte (ponte de Shering, por
exemplo), circuitos ressonantes e medidas de I – V (I-corrente elétrica e V-voltagem)
desde ~10 Hz até ~100 MHz (analisadores de impedância); medidas de RF I – V entre
100 MHz e ~3 GHz (analisadores de impedância) e analisadores de rede para freqüências
superiores a 3 GHz. Por convenção, medições “standard” são realizadas na
freqüência de 1 kHz. Na Figura 2.8 se apresenta um diagrama esquemático de um
sistema para medir a constante dielétrica de uma amostra.
24
Uma vez determinada a capacitância C (=C’ + iC”) do capacitor que representa a
amostra, a constante dielétrica (κ) e o fator de dissipação (D) são calculados com as
seguintes relações :
d d
k = C' D = C" (2.4)
ε A ε A
o o
onde d é a espessura da amostra e A a área do eletrodo.
Para materiais isolantes e cerâmicas ferroeléctricas não polarizadas a constante
dielétrica praticamente não varia até ~400 MHz. Em freqüências superiores alguns
materiais ferroelétricos, como o titanato de bário e o titanato zirconato de chumbo podem
apresentar uma relaxação provavelmente associada aos domínios ferroelétricos. Em
baixas freqüências mecanismos de polarização interfacial e de condução afetam as
medidas de constante dielétrica em amostras cerâmicas.
Em cerâmicas ferroeléctricas polarizadas a impedância de uma amostra, na forma de
um capacitor plano-paralelo, pode apresentar forte dependência com a freqüência devido
ao efeito piezoelétrico, como será mostrado a seguir (em propriedades piezoelétricas).
25
As técnicas estáticas ou quasi-estáticas consistem em aplicar uma tensão mecânica
ou uma voltagem (campo elétrico) a uma amostra do material e medir a carga elétrica em
eletrodos, que se depositam nas faces (efeito piezoelétrico direto) ou a deformação do
material (efeito piezoelétrico inverso), respectivamente.
As técnicas ressonantes consistem em excitar a amostra com uma freqüência em
torno da freqüência fundamental de ressonância mecânica, de um de seus modos de
vibração característico. Assim, por exemplo, uma amostra em forma de disco pode ser
excitada para vibrar no modo de vibração radial ou planar e no modo de espessura.
As técnicas ressonantes são mais precisas e permitem a determinação de um número
maior de coeficientes eletromecânicos e de alguns coeficientes elásticos. Além disso, as
técnicas ressonantes fornecem os valores dos coeficientes em regime dinâmico, condição
em que os elementos piezoelétricos são mais comumente utilizados.
A seguir é apresentado o método da ressonância, com os coeficientes que podem ser
determinados, dependendo dos modos característicos de vibração de cerâmicas
polarizadas.
26
Figura 2.9. – Circuito equivalente de um ressonador piezoelétrico .
No método da ressonância a admitância do ressonador, o módulo ou suas partes
real e imaginária, são determinados em função da freqüência. Um arranjo experimental
para a realização das medidas pelo método da ressonância pode ser o mesmo utilizado
para a caracterização dielétrica (Figura 2.8), desde que o intervalo de freqüências permita
cobrir as freqüências de ressonância desejadas. Na Figura 2.10 se apresenta como varia a
admitância com a freqüência de excitação em freqüências próximas de uma ressonância .
3,5 4,0
Módulo da Admitância (mS)
FR 3,5 Real
3,0
3,0 FR Im aginario
2,5 2,5
2,0
G , B (mS)
2,0
1,5 f-1/2 f1/2
1,5 1,0
0,5
1,0 FA 0,0
0,5
-0,5 FR FA
-1,0
0,0 -1,5
50 60 70 80 90 100 110 120 130 140 150 70 80 90 100 110 120 130
Frequência (kHz) Frequência (kHz)
(a) (b)
Figura 2.10. – Admitância, a) modulo y b) partes real e imaginaria, em função da freqüência
de um ressonador piezoelétrico ao redor de uma ressonância .
Nas Figuras 2.10a e 2.10b FR e FA correspondem às freqüências de ressonância e
anti-ressonância do piezoelétrico, respectivamente. Observa-se que na freqüência de
ressonância FR a admitância é máxima, que corresponde à ressonância do ramo R1R2LC-
série do circuito da Figura 2.9. Na freqüência de anti-ressonância FA a admitância é
mínima e corresponde à ressonância do ramo formado pelo ramo R1R2LC-série em
paralelo com Co.
Caracterizando as freqüências de ressonância e anti-ressonância para os diferentes
modos de vibração de um ressonador piezoelétrico é possível determinar seus
27
coeficientes eletromecânicos. Para caracterizar completamente um material piezoelétrico
é necessário preparar amostras com diferentes geometrias ou orientações (no caso de
cristais), de forma a poder excitar diferentes modos puros de vibração, como veremos
adiante.
Para a determinação das freqüências de ressonância e anti-ressonância um ressonador
pode ser forçado a vibrar em, essencialmente, duas condições: vibração (ou acoplamento)
transversal e vibração (ou acoplamento) longitudinal, que serão apresentadas a seguir.
28
3
w
V t
2
L 1
Mecânicas Elétricas
Ti ≈ 0 exceto T2 Ei = E3
T2 = 0 p/ y = L/2 dE/dy = 0 (campo uniforme)
onde Ti são as tensões mecânicas e Ei o campo elétrico (=V/L).
Quando se varia a freqüência da tensão elétrica V na ressonância a mais baixa
freqüência, na curva de admitância (Figura 2.10), pela condição L > w >>t, ocorrerá em
uma freqüência fR dada por:
29
1 ν 1 1
f R2 = → fR = = → L = λ/2 (2.5)
4 L ( ρ s 11E )
2
2L 2L ρ s11E
Mecânicas Elétricas
Sij ≈0 exceto S3 Ei = E3
dD/dz= 0 (pol. uniforme)
onde Si é a deformação relativa (“strain”) e D o vetor deslocamento elétrico.
A condição L > w >>t implica que as ressonâncias do modo de vibração de
espessura ocorrem em freqüências superiores às dos modos transversais e seus
harmônicos. Na prática, para “isolar” a freqüência fundamental do modo de espessura
dos harmônicos dos modos transversais, as dimensões da amostra devem ser tais que L e
w ≥ 20-25 t.
30
Para o modo de vibração de espessura a condição t = λ/2 ocorre na freqüência
de anti-ressonância fA, dada por:
ν 1 c33D c33D
fA = = fA = t = λ/2 (2.7)
2t 2t ρ 4t 2 ρ
31
Tabela 2.8 – Modos de vibrações em cerâmicas piezoelétricas.
Geometria do Condição de contorno Fator de Acoplamento Constante
ressonador (k2) Elástica
Elástica Elétrica
∂E3 d312 1
1 T1=T3≈ 0 =0 k312 =
(T) ∂x2 s ε
E
11
T
33
s11E
Transversal
∂D3 d 332 1
2 T1=T2≈ 0 =0 k332 =
(L) ∂x2 s33E ε 33
T
s33D
Longitudinal
∂E3 2 d312
=0
(a)
3 T3≈ 0 k p2 = (b)
(T) ∂r (1 - σ ) s11E ε 33
T cefE .
Radial/Extensional
∂E3 2 2
e31
=0
(c)
4 S3≈ 0 k p' 2 = c11E
(T) ∂r (1 + σ ' ) E ~ T
Radial/Dilatacional c11 ε 33
S2≈ 0 ∂E3 '2
e31
=0
(d)
5 T3≈ 0 k =
'2
(b)
(T) ∂x1 31
cefE ε efT cefE .
S1≈ 0 ∂D3 2
e33
7 S2≈ 0 =0 k =
2
c33D
(L) ∂x3 t
c33D ε 33S
Espessura (1)
S2≈ 0 ∂E3 2
e31
8 S3≈ 0 =0 kte2 = c11E
(L) ∂x1 c11E ε 33S
Espessura (2)
∂D1 e152
9 S4≈ 0 =0 k =
2
c55D
(L) ∂x1 15
c55D ε11S
Cisalhamento (1)
∂E1 e152
10 S6≈ 0 =0 k15' 2 = c55E
(T) ∂x1 c55E ε11S
Cisalhamento (2)
d h2 (g)
11 k =
2
shE ε 33
h T
Hidrostático
32
f) cef' E = c11E - (c12E ) 2 / c11E
E
a) σ = - s12 E
- razão de Poisson.
s 11
'
d) e31 = e31 - e33c13E / c33E ; ε efT = ε 33T (1 - k 312 ) .
"
e) e31 = e31 (1 - c13E / c11E ) .
2.4. REFERÊNCIAS
33
15. J. M. Herbert, em “Ferroelectric Transducers and Sensors”, Gordon and Breach
Science Publishers, N. York – London – Paris (1982).
16. G. A Smolemkii, Sov. Phys. Sol. State 1, 150 (1950).
17. H. Ouchi, K. Nagano and S. Hayakawa, J. Am. Cer. Soc. 48, 630 (1965).
18. M. Takahashi, Jap. J. Appl. Phys. 10, 5 (1971).
19. S. Takahashi, FERROELECTRICS 41, 143 (1982).
20. P. V. Lambeck and G. H. Jonker, FERROELECTRICS 22, 729 (1978).
21. T. Yamamoto, H. Igarashi and K. Okazaki, J. Am. Cer. Soc. 66, 363 (1983).
22. S. Ikegami, I. Ueda, and T. Nagata, J. Acoust. Soc. of Am. 50, 1060 (1971).
23. H. Kawai, Jap. J. of Appl. Phys. 8, 975 (1969).
24. K. A Klicker, J. V. Biggers, and R. E. Newnham, J. Am. Cer. Soc. 64, 5 (1981).
25. T. R. Gururaja, W. A Schulze, L. E. Cross, and R. E. Newnham, IEEE Trans. Sonic
and Ultrasonics SU-32, 481 (1985).
26. J. R. Giniewicz, R. E. Newnham, and Safari, Ferroelectrics 66, 135 (19860.
27. R. E. Newnham, D. P. Skinner, and L. E. Cross, Mat. Res. Bull. 13, 525 (1978).
28. L. M. Levinson, em “Electronic Ceramics – Properties, Devices and Applications” –
Marcel Dekker, Inc. (1987).
29. K. A Klicker, W. A Shulze, and J. Biggers, J. Am. Cer. Soc. 65, C208 (1982).
30. M. E. Lines, and A M. Glass, em “Principles and Applications of Ferroelectric
Materials” – Clarendon Press – Oxford (1977).
31. IEEE Standards Definitions and Methods of Measurement for Piezoelectric Vibrators,
IEEE 177 (1970).
34