Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
RELATÓRIO NACIONAL
Apoio
Juventude e Integração Sul-Americana:
caracterização de situações-tipo e organizações juvenis
4 Ibase | Pólis
ÍNDICE
INTRODUÇÃO 6
1. ESTADO DA QUESTÃO NO BRASIL 8
1.1 HISTÓRICO 9
1.2 DIAGNÓSTICOS 11
1.3 AS DEMANDAS DOS JOVENS 20
2. SITUAÇÕES-TIPO ESTUDADAS 24
2.1 MANIFESTAÇÕES DOS ESTUDANTES SECUNDARISTAS CONTRA O AUMENTO
DA TARIFA DO ÔNIBUS 24
2.2 OS TRABALHADORES JOVENS DO CORTE MANUAL DA CANA-DE-AÇÚCAR 25
2.3 GRUPO DE HIP HOP 26
2.4 TRABALHADORES DO TELEMARKETING E A DEMANDA POR TRABALHO 26
2.5 FÓRUM DE JUVENTUDES DO RIO DE JANEIRO – FJRJ 27
2.6 O ACAMPAMENTO INTERCONTINENTAL DA JUVENTUDE (AIJ) DO FÓRUM SOCIAL MUNDIAL
(FSM): EXPERIÊNCIA DE UMA NOVA GERAÇÃO POLÍTICA 27
3. ANÁLISE CONSOLIDADA DAS SITUAÇÕES-TIPO 30
3.1 CONSTITUIÇÃO E IDENTIDADE JUVENIL 30
3.2 AS DEMANDAS E O MOTE DA ATUAÇÃO 40
3.3 AÇÕES AFIRMATIVAS E VALORIZAÇÃO DA DIVERSIDADE 66
4. PERCEPÇÕES DOS ATORES E/OU MEDIADORES DAS DIFERENTES SITUAÇÕES-TIPO
SOBRE OS TEMAS RECORRENTES NAS AGENDAS PÚBLICAS CONTEMPORÂNEAS 70
5. FORMAS DE ATUAÇÃO E EXPRESSÃO PÚBLICA DAS DEMANDAS 72
5.1 INTERLOCUTORES/ MEDIADORES 78
6. AS POLÍTICAS RESPONDEM ÀS DEMANDAS? 82
6.1 TRABALHO 84
6.2 PARTICIPAÇÃO 86
6.3 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE JUVENTUDE 86
BIBLIOGRAFIA 88
O objetivo mais geral desta pesquisa, tal como está no espaço público; quais atores as sus-
desenvolvido em seu projeto, é contribuir para que tentam e em que tipos de canais de mo-
as demandas dos jovens ganhem visibilidade, pautem bilização e negociação; se há semelhan-
as agendas públicas e gerem novas iniciativas, ças entre as demandas, para que seja
enriquecendo o campo da luta por direitos no país e na possível a construção de pautas e redes
região do Mercosul e perscrutando as possibilidades em comum. A metodologia adotada foi a
de constituição de plataformas comuns na luta por de eleger algumas situações em que fos-
direitos envolvendo jovens. se possível aprofundar essas verificações,
não com a perspectiva de construir um
quadro descritivo ou analítico que des-
Há uma pista sugerida no projeto pres- se conta do universo das mobilizações ju-
supondo que as necessidades, as de- venis ou que pudesse representá-lo, mas
mandas e os desejos dos jovens fizeram que, aprofundando o olhar sobre situa-
surgir um espaço de políticas públicas ções concretas, pudesse configurar algu-
de juventude (que comporta ações, pro- mas pistas de entendimento e formular
gramas e instituições especificamente novas questões que enriquecessem o de-
construídas para formulação e execução bate aqui proposto.
dessas ações), nos últimos anos, neste As possibilidades de respostas a es-
pedaço do continente americano. As in- sas questões também dependem dos
terrogações se colocam a partir daí e in- contextos nacionais nos quais esses pro-
dagam, principalmente, até que ponto a cessos são desenvolvidos. Neste rela-
abertura desse espaço tem logrado estru- tório sobre o Brasil, antes de entrar na
turar uma pauta dos direitos a serem ga- análise das situações estudadas, realiza-
rantidos aos jovens. Qual tem sido a visi- remos uma breve localização do contex-
bilidade alcançada pelos atores juvenis to nacional.
e, mais especificamente, qual tem sido
a disponibilidade para a incorporação
de suas demandas na agenda pública?
As demandas apresentadas pelos jovens
têm logrado incidir no conteúdo das polí-
ticas a eles dirigidas? Qual é a força políti-
ca que a noção do jovem como um sujei-
to singular de direitos tem adquirido nas
sociedades latino-americanas?
É claro que essas questões pressu-
põem a necessidade de verificar com
mais acuidade como se configura a atu-
ação juvenil em torno de certas deman-
das, em que direção elas têm apontado
e que peso têm adquirido. A proposta da
investigação realizada foi, portanto, bus-
car compreender quais são as deman-
das dos jovens que têm tido interferência
6 Ibase | Pólis
Relatório Nacional do Brasil 7
1. ESTADO DA QUESTÃO NO BRASIL
No Brasil, o tema da juventude encontrou inflexões 1.1 HISTÓRICO
significativas nas últimas décadas. Até os anos 1970,
foi enfocada, principalmente, por meio da avaliação Foi, nesse sentido, durante todo o sécu-
de sua capacidade de ser vetor de modernidade lo 20, um componente do debate político,
e transformação política e comportamental: a mas não propriamente como um tema re-
juventude era identificada com o segmento de jovens lativo ao debate sobre as políticas públi-
escolarizados das classes médias que podiam viver cas ou relativo ao debate sobre os direitos
a moratória e a escolarização secundária e superior; sociais. A emergência do tema das políti-
o interesse político se dirigia para o papel que cas públicas de juventude, e dos direitos
(principalmente, por meio dos movimentos estudantis, que devem ser garantidos aos jovens, data
da contracultura e do engajamento em partidos de cerca de dez anos atrás, de certo modo
políticos de esquerda) jogava na continuidade ou na acompanhando uma tendência presente
transformação do sistema cultural e político. há mais tempo em outros países do nosso
continente. O processo brasileiro guarda,
contudo, algumas particularidades.
A partir desse período, ocorre uma grande Aqui, as ações desencadeadas pe-
modificação. Os movimentos estudantis las agências da Organização das Nações
retomam a possibilidade de organização e Unidas (ONU) a partir do Ano Interna-
manifestação pública e participam ativa- cional da Juventude, em 1985, não ti-
mente da luta pelo fim do regime militar veram a mesma repercussão que em
instaurado em 1964. Mas, em seguida, no outros lugares, produzindo pequeno im-
processo de redemocratização, vão per- pacto na formulação de programas ou
dendo paulatinamente visibilidade e legiti- organismos específicos de políticas para
midade social. Ao mesmo tempo, emerge, esse segmento. Naquele momento, o
como um tema social, a questão dos “me- tema em relevância não era o da juven-
ninos de rua”: como motivo de pânico, en- tude, mas o da infância.
gendrando ondas de repressão e violência Durante todo o último quartel do sécu-
contra os menores de idade em situações lo passado, o foco da preocupação ficou
diversas de abandono e desvio, e como centrado na questão das crianças e dos
bandeira de luta e mobilização social, en- adolescentes em situação de risco, que
volvendo uma série de atores dos setores emergiu como um tema de extrema gravi-
progressistas (entre juristas, funcionários dade e desencadeou tanto uma onda de
públicos, militantes de movimentos so- pânico social como uma importante mo-
ciais e comunitários), demandando a de- bilização em torno da defesa dos direitos
fesa dos direitos dessas crianças para que desses segmentos.1 Isso polarizou o deba-
passassem a ser tratadas como sujeitos de te no que diz respeito à juventude, fazen-
direitos e não como elementos perigosos do com que o termo, por muito tempo, se
para a sociedade. referisse ao período da adolescência, mui-
tas vezes como algo indistinto da infância.
1
Engendrando ações da sociedade
civil e do Estado e resultando no A juventude, propriamente dita, ficou
Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), que se tornou instrumento
de fora do escopo das ações e do deba-
fundamental para implantar a idéia de te sobre direitos e cidadania. Nesse pe-
crianças e adolescentes como sujeitos
de direitos. ríodo, a juventude foi tematizada apenas
8 Ibase | Pólis
com base em sua ausência ou apatia, em atores de âmbitos distintos e em diferentes
contraste com as gerações passadas, en- arenas públicas: gestores locais buscando
gajadas e propositivas. se articular e aumentar sua força política e
O que parece valer a pena ressaltar orçamentária; ONGs e entidades da socie-
é que a juventude, como tema político, dade civil aumentando o escopo de suas
emerge depois do processo de redemo- ações e procurando constituir redes para
cratização da sociedade brasileira, de- propor e executar políticas públicas; fun-
pois do momento de debate mais intenso dações empresariais e organismos de coo-
sobre a consolidação dos direitos de ci- peração internacional financiando projetos
dadania, que se corporificou no proces- da sociedade civil e programas públicos;
so da Constituinte no fim da década de núcleos acadêmicos e instituições ligadas
1980. Os sujeitos desse processo foram à ONU realizando pesquisas para diagnós-
os movimentos sociais que se articula- ticos e fomentando espaços públicos de
ram (a maioria nos anos 1970, mas al- debate; parlamentares instituindo comis-
guns antes), sobretudo, pela retomada sões públicas no âmbito legislativo para o
da democracia e pela constituição de po- acompanhamento e a proposição de políti-
líticas setoriais (como educação, saúde cas públicas e estabelecimento de marcos
e trabalho). Entre eles, estavam os cha- legais para o tema.
mados “novos movimentos sociais”, com Particularmente, nos últimos cinco
novas identidades e pautas, e em torno anos, esse processo se intensificou com a
de condições singulares, como os mo- configuração de atores e espaços mais ar-
vimentos de negros e mulheres. É, tam- ticulados e visíveis e a recente criação de
bém, nesse período, que emerge a pauta uma estrutura nacional para o desenvolvi-
dos direitos das crianças e dos adoles- mento de políticas especificamente pensa-
centes. Boa parte dos conselhos mais das para a juventude. É possível identificar
consolidados, no âmbito do governo fe- algumas vertentes que contribuíram para
deral, resulta da articulação e da con- a criação do ambiente que permitiu, final-
solidação desses movimentos e de suas mente, que a juventude emergisse como
bandeiras na esfera pública. tema de política do Estado.
No entanto, nesse momento, a juven- Por um lado, a pressão de diferentes
tude não se colocou como questão políti- atores juvenis, principalmente aqueles vin-
ca, como tema para os direitos e para as culados aos partidos progressistas e de es-
políticas públicas. Ficou, como tema, fora querda, assim como por certos atores e
do processo, embora muitos jovens e or- movimentos juvenis (as entidades estudan-
ganizações juvenis tenham participado tis, de um lado, os movimentos culturais e
ativamente da luta pela redemocratização identitários, de outro), para a participação
e muitos jovens tenham participado da nos governos de caráter democrático e po-
construção dessas pautas no interior de pular que conquistaram âmbitos executi-
outros movimentos. vos locais e estaduais. A principal deman-
Nos últimos dez anos, o debate sobre da era a criação de organismos gestores
a juventude e, principalmente, sobre po- para a formulação e execução de políticas
líticas públicas para o segmento aumen- específicas para a juventude e a participa-
tou bastante, envolvendo uma miríade de ção nesses processos.
10 Ibase | Pólis
de políticas de juventude para o país. Na eles. É desse modo, também, que a idéia
verdade, tal processo já foi desenvolvido da existência de direitos da juventude co-
em resposta a uma sinalização emitida meça a ser esboçada, embora ainda não
pelo recém-eleito presidente Lula, a par- tenha adquirido consistência política real,
tir de sua disposição de tomar o tema da como veremos adiante.
juventude como uma de suas preocupa-
ções centrais.
É assim que, em 2003, o governo fe- 1.2 DIAGNÓSTICOS
deral, pela primeira vez no país, instalou
um canal para a articulação dos seus O debate público sobre juventude se con-
programas setoriais de juventude (com centrou muito mais nas possibilidades e
a criação de um grupo de trabalho inter- nos entraves para a participação dos jo-
ministerial), que resultou na criação de vens nos processos de reconstituição de-
um arcabouço institucional específico mocrática – e nos modos de resgatá-los
para políticas de juventude em 2005: a das situações de risco e vulnerabilida-
Secretaria Nacional de Juventude, com de em que se viram crescentemente en-
caráter de articulação entre as políticas volvidos – que nas suas necessidades e
desenvolvidas pelos diferentes ministé- nos seus direitos. Não é possível dizer
rios, e o Conselho Nacional de Juventu- que havia, nesse sentido, uma pauta já
de (Conjuve), órgão de articulação entre consolidada de demandas ou de reivin-
governo e sociedade civil, consultivo e dicações relativas aos direitos dos jovens
propositivo. Ao mesmo tempo, o governo quando os aparatos institucionais para a
federal definiu a execução de um grande formulação de políticas públicas de ju-
programa nacional de inclusão dirigido ventude foram montados. Havia um acer-
a jovens entre 18 e 24 anos em situação vo multifacetado e bastante desarticula-
de vulnerabilidade social (fora da escola do de questões publicamente expressas,
e do trabalho, sem ter ainda concluído o de propostas e experiências-piloto (tan-
ensino fundamental). Apesar desse pro- to no âmbito governamental como no das
cesso estar, ainda, no início, foi o maior ONGs), mas poucos espaços de articula-
avanço na consolidação pública do tema ção e negociação dessas demandas. Res-
até aqui. taram, assim, muitos hiatos e muitas po-
Em 2003, foi também criada a Fren- lêmicas mal enfrentadas a respeito da
te Parlamentar de Juventude na Câmara composição dessa pauta.
Federal, que organizou uma série de au- É possível dizer que a construção da
diências públicas em torno do tema, as- pauta de direitos a serem garantidos pelo
sim como um seminário e uma conferên- Estado (e exigidos pelos atores da so-
cia nacional voltados para a estruturação ciedade civil) ainda está sendo feita, as-
de um Plano Nacional de Juventude, sim como está em debate a definição da
convertido em projeto de lei em tramita- perspectiva que orienta a constituição
ção. Os parlamentares envolvidos nes- do paradigma dos jovens como sujeitos
sa frente também têm tido atuação signi- de direitos. O processo de construção de
ficativa na aprovação dos decretos e das uma “política nacional de juventude” en-
leis propostas pelo governo federal para a tre poder executivo, legislativo e socieda-
criação dos órgãos e programas dirigidos de civil está sendo feito em meio a esse
a esse segmento. acelerado, mas ainda frágil, processo de
Houve diálogo e certa articulação en- debate público. A formulação de progra-
tre os processos, o que contribuiu para mas com investimento orçamentário sig-
a criação de uma pauta política em tor- nificativo por parte do governo federal e
no do tema, apesar da diferença de âm- a montagem de estruturas institucionais
bitos, de escopos e de perspectivas entre têm interferido nesse processo. Como
12 Ibase | Pólis
uma condição que é social e historica- ção, longa e plena, de conteúdo próprio,
mente construída e para não reprodu- o que confere à condição juvenil uma
zir desigualdades ao tomar o todo pela dupla dimensão a ser considerada – a
parte. Assim, boa parte do esforço atu- preparação para a vida futura e a expe-
al dos diagnósticos e do debate se diri- rimentação da vida presente. Aqui, con-
ge à consideração de diferenças e de- tudo, é preciso dizer que ainda predomi-
sigualdades, assim como boa parte do na, na postura da maior parte dos atores
esforço político se dirige à busca de in- e na formulação das políticas destinadas
corporar no processo de construção das aos jovens, o paradigma da juventude
arenas de debate atores juvenis dos dife- como período preparatório:2 “esta visão
rentes segmentos. No entanto, ainda não do jovem como sujeito em preparação
está equacionado, no debate, o que é si- e, portanto, como receptor de formação,
milar e o que é diferencial na juventude. é o eixo que predomina em quase to-
No plano conceitual, avança-se na bus- das as ações a ele dirigidas, combinada
ca para estabelecer uma diferença entre aos mais diferentes paradigmas, não só
condição, que diz respeito ao modo como nas políticas públicas estatais” (Abramo,
uma sociedade constitui e atribui signi- 2005b). Como aponta Livia De Tommasi
ficado a esse momento do ciclo de vida, em texto de análise sobre o trabalho de
e que alcança abrangência social maior ONGs brasileiras com jovens, “a abor-
quando referida a uma dimensão histó- dagem principal é aquela orientada pela
rico-geracional, e situação, que revela idéia de formação” (Tommasi, 2004).
o modo como tal condição é vivida com Além disso, a relação que os adultos (os
base nos diversos recortes relaciona- militantes, técnicos e “funcionários” das
dos às diferenças sociais – classe, gêne- ONGs) estabelecem com os jovens, em
ro, etnia etc. (Abad, 2003; Sposito, 2003; qualquer projeto desenvolvido, é a de
Abramo, 2005 a e b). Porém, no plano “educadores” (Abramo, 2005).
político, ainda é muito incipiente o debate Há, contudo, um esforço despendido
sobre o que é comum à juventude e, por- por parte de vários atores no sentido de
tanto, de quais seriam as pautas comuns construir outra abordagem, que pode ser
aos jovens brasileiros. observado no documento publicado pelo
Há, também, outra questão relati- Conselho Nacional de Juventude:
va ao entendimento do significado da Mas a vivência juvenil na contem-
condição juvenil contemporânea. Se há poraneidade tem se mostrado mais
compreensão generalizada sobre sua complexa, combinando processos
transformação no atual momento histó- formativos com processos de ex-
rico, há diferenças de interpretação dos perimentação e construção de tra-
sentidos dessa mudança, principalmen- jetórias que incluem a inserção no
te em torno do entendimento sobre o ca- mundo do trabalho, a definição de
ráter da moratória, sobre se há acentu- identidades, a vivência da sexuali-
ação ou diluição desse fenômeno, se a dade, da sociabilidade, do lazer, da
tendência é o adiamento generalizado fruição e criação cultural e da parti-
da entrada na vida adulta ou o estabele- cipação social. [...] Assim, a tendên- 2
Por exemplo, isso pode ser visto na
definição constante de um dos diag-
cimento de uma relação peculiar de in- cia ao prolongamento e à multiplici- nósticos mais importantes realizados
recentemente: “Esta decisão está
serção e experimentação. Dito de ou- dade de dimensões da vida juvenil relacionada ao conceito de juventude
tro modo: se o conteúdo da transição se provocariam a consideração de dois aqui adotado, como fase de transição,
em que cada sociedade define um
faz como passagem de uma etapa a ou- eixos de visão sobre os jovens: sua tempo socialmente necessário para a
transformação dos jovens de “depen-
tra (da infância à idade adulta, da esco- vida presente (a fruição da juventu- dentes” em “adultos” autônomos e
produtivos. As atividades dos jovens,
la ao trabalho, como etapas sucessivas de) e sua projeção para o futuro (os desse modo, remetem à preparação e
e opostas) ou se é muito mais o desen- modos pelos quais deixam de ser ao aprendizado para o cumprimento
dos papéis de ‘adulto’ na sociedade”
volvimento de uma trajetória de inser- jovens para se tornarem adultos). (Waiselfisz, 2004).
14 Ibase | Pólis
sileira (cf. Madeira, 1998; Rua, 1998). reestruturação produtiva, o “desmonte
Esse fenômeno foi (e ainda é) ampla- do estado pelo neoliberalismo”, a des-
mente citado como fator constituinte da responsabilização do poder público com
emergência da juventude na agenda pú- relação à questão social são entendidos
blica, uma vez que acentua a pressão como fatores de aprofundamento da de-
que os jovens exercem sobre o mercado sigualdade e da geração de novas for-
de trabalho e os serviços oferecidos pelo mas de exclusão, num processo que
Estado (educação, saúde etc.), tal como atinge, especialmente, os jovens.
aparece no Documento-base para a I As altas taxas de desemprego e a
Conferência Nacional de Juventude: precariedade da ocupação profissional
Esse grupo etário nunca foi (e nem dos jovens apontam as dificuldades de
será, desde que se mantenham as inclusão que a juventude brasileira tem
tendências demográficas) tão nu- de enfrentar: no começo da década, em
meroso, em termos absolutos, como 2001, a taxa de desemprego aberto es-
é hoje. Essa onda jovem tem gera- tava em torno de 18% e a média brasi-
do, ao mesmo tempo, preocupação leira era de 9,4%. Naquele ano, cerca
e esperança. A preocupação é por- de 3,7 milhões de jovens estavam sem
que o Estado não se preparou para trabalho, representando 47% dos de-
receber adequadamente esse enor- sempregados do país.
me contingente de jovens. A oferta Nesse sentido, tem sido chamada a
de bens e serviços públicos é insu- atenção para a singularidade da experi-
ficiente para atender toda a deman- ência histórica dessa geração quanto às
da (Secretaria Nacional da Juventu- dificuldades de construir perspectivas de
de, 2007). vida e processar a inserção social (pro-
cessos constituintes da juventude) num
Muitos têm buscado ressaltar a pos- momento histórico que se verifica o agra-
sibilidade de ver como oportunidade esse vamento das desigualdades e da exclu-
bônus populacional, apostando no re- são, ou seja, as dificuldades relativas a
torno de contribuição que essa geração entrar numa sociedade onde cabe cada
pode dar à sociedade se receber adequa- vez menos gente. Para alguns (ver, por
do investimento para o desenvolvimento. exemplo, Abramo e Novaes) é essa expe-
Há, porém, quem questione o peso riência geracional que faz com que os jo-
do argumento, alertando para o fato vens tenham passado a ocupar “o centro
de que os jovens já tiveram maior peso das questões que comovem o país” (Ins-
na composição da população do país e tituto Cidadania, 2004).
nunca foram incorporados com facilida- Em todos os documentos e diagnós-
de ao mercado de trabalho, assim como ticos, os dados indicando as diferen-
nunca se alcançou cobertura comple- tes situações de exclusão, assim como
ta dos serviços oferecidos pelo Estado, de risco e vulnerabilidade social, são
nem mesmo dos serviços educacionais os mais acionados para compor o qua-
(Porchmann, 2004). Fundamentadas dro de questões da juventude e de ar-
num outro tipo de percepção, as neces- gumentos a respeito da urgência em de-
sidades e questões dos jovens são com- senvolver repostas que a resgate dessas
preendidas como componentes da dívi- situações. A questão da vulnerabilidade
da social histórica que o país tem com e do risco é entendida tanto pela chave
as classes desapossadas e, particular- do resultado de processos cumulativos
mente, como conseqüências do mode- de exclusão como pela de características
lo econômico adotado nas últimas déca- comportamentais associadas à idade:
das. A falta de crescimento econômico, “Exibir acentuada vulnerabilidade à for-
a crise no universo laboral gerada pela mação de hábitos e padrões de compor-
16 Ibase | Pólis
se agora de uma demanda por ações Para a composição do quadro de ne-
focalizadas, uma vez que o público- cessidades e questões da juventude são
alvo das mesmas tende a ser definido tomados, com larga margem de impor-
em termos de ‘necessidade, pobreza tância, os dados sobre a situação educa-
ou risco’ (Cardoso et al, 2006). cional, principalmente os que permitem
indicar os avanços e as entraves na eleva-
É importante ressaltar que, como ção da escolaridade da juventude brasilei-
já anunciamos acima, começam a ga- ra, que apresenta índices bem abaixo dos
nhar atenção as informações que permi- de outros países do continente: na média,
tem mapear as diferenças e desigualda- menos de oito anos de estudo.
des entre os jovens. Os atores juvenis do Nesse tema, é coincidente a consta-
campo têm insistido para que a juventu- tação do avanço na cobertura educacio-
de rural não fique apartada do debate so- nal e nos anos de escolaridade com re-
bre os diagnósticos e as proposições po- lação às gerações passadas (o número
líticas. Embora representem apenas 19% de estudantes passa de 11,7 milhões em
da população juvenil brasileira, persisten- 1995 para 16,2 milhões em 2001). En-
te presença de atores significativamen- tre 1995 e 2001, o número de pessoas
te consolidados têm logrado superar essa de 15 a 24 anos que freqüentavam a es-
invisibilidade e pontuar suas questões, cola cresceu 38,5%, o que corresponde
que abrangem, simultaneamente, dife- ao acréscimo de 4,5 milhões de jovens à
renças internas (por exemplo, as existen- condição de estudantes.
tes entre jovens de famílias de pequenos Mas, mesmo assim, o país ainda não
proprietários rurais e os trabalhadores as- oferece aos jovens oportunidades ade-
salariados) e semelhanças com questões quadas para a educação. Há problemas
vividas pelos jovens do meio urbano. de oferta de educação pública nos graus
Outras singularidades também ocu- médio e superior, persistindo dificuldades
pam espaço: as diferenças raciais, so- para que amplas parcelas de jovens per-
bre as quais o debate começa a se am- severem na trajetória escolar, assim como
pliar da denúncia das desigualdades para graves problemas de qualidade do ensino.
a formulação de ações afirmativas que Apesar do crescimento de freqüên-
permitam resgatar a dívida histórica, e as cia, mais da metade dos jovens (em tor-
questões de gênero, que ganham amplia- no de 60%) já não está na escola. No ano
ção de enfoques a partir da militância de de 2005, 18,4 milhões de jovens entre 15
grupos de jovens mulheres que propõem e 29 anos não haviam concluído o ensino
inflexões novas em temas como os dos básico e não estavam freqüentando ne-
direitos sexuais e reprodutivos. Além des- nhuma escola. Desses, 12,5 milhões não
ses, há os temas emergentes ainda inci- tinham sequer concluído o ensino funda-
pientes, mas que têm logrado conquistar mental. Apenas a metade, aproximada-
atenção significativa a partir de uma for- mente, chega ao ensino médio. Além dis-
te militância de pequenos grupos, como so, a defasagem idade/série permanece
os relativos à liberdade de orientação se- como grave problema, atingindo cerca de
xual e aos grupos com deficiência. Outra 60% dos jovens estudantes.
dimensão que envolve um esforço de ex- Na maior parte dos documentos, tra-
plicitação quando se trata de pensar os ta-se de verificar em que medida o direi-
parâmetros para a elaboração de políti- to fundamental à educação está sendo
cas é a da consideração das diferenças atendido, além de examinar de que modo
nas faixas etárias internas à categoria ju- as diferenças de acesso à educação são
ventude, principalmente no que diz res- condicionadas pelas desigualdades (e as
peito à diferença entre adolescentes e jo- reforçam) existentes entre os diferentes
vens adultos. segmentos juvenis.
18 Ibase | Pólis
mos: 73% entre os jovens de mais baixa po de jovens, sendo que 7% deles parti-
renda e 72% entre os de renda mais alta. cipavam de grupos de música, dança e
Já quando se considera o nível de esco- teatro. Em 2003, um mapeamento rea-
laridade, as mais altas taxas de jovens na lizado pela Prefeitura Municipal de São
população economicamente ativa (PEA) Paulo identificou que dos 1.609 grupos
estão entre os de mais baixa escolarida- com participação de jovens, 35,8% dedi-
de (84% entre os jovens com até a quar- cavam-se a formas diversas de manifes-
ta série do ensino fundamental) e os de tações artísticas.
escolaridade mais alta (82% entre aque- As interpretações que ganham peso no
les que têm o ensino superior). As maio- país entendem que o lazer apresenta-se:
res desigualdades aparecem com rela- Como tempo sociológico no qual a li-
ção à possibilidade de encontrar trabalho berdade de escolha é preponderante
e à qualidade do trabalho encontrada: e que se constitui, na fase da juven-
nessa faixa etária, o índice de desempre- tude, como campo potencial de cons-
go aumenta na proporção inversa à ren- trução de identidades, descoberta de
da (cai de 47% nas duas primeiras faixas potencialidades humanas e exercí-
de renda para 27% na última). O mesmo cio de inserção efetiva nas relações
com relação à escolaridade: somente en- sociais. [...] No espaço-tempo do la-
tre os jovens com ensino superior é que zer, os jovens consolidam relaciona-
a proporção de jovens trabalhando supe- mentos, consomem e re-significam
ra (quase dobra) a de desempregados ou produtos culturais, geram fruição,
procurando emprego: 54% trabalhando, sentidos estéticos e processos de
22% já desempregados e mais 6% pro- identificação cultural. [...] Nos espa-
curando o primeiro emprego. ços de lazer, os jovens podem encon-
No entanto, ainda é tímida a preocu- trar as possibilidades de experimen-
pação com a qualidade do trabalho dos tação de sua individualidade e das
jovens, uma vez que o debate fica pola- múltiplas identidades necessárias ao
rizado entre posições que defendem o convívio cidadão nas suas várias es-
retardamento da entrada dos jovens no feras de inserção social. As diferentes
mundo do trabalho – enquanto se com- práticas de experiência coletiva em
pleta sua escolarização – e os que bus- espaços sociais públicos de cultura e
cam afirmar a perspectiva de garantir o lazer podem ser consideradas como
direito ao trabalho. verdadeiros laboratórios onde se pro-
Nos últimos anos, o que emerge cessam experiências e se produzem
como maior preocupação é o segmen- subjetividades (Dayrell; Brenner; Car-
to dos que não estudam nem trabalham, rano, 2005).
– definido como a população em situa-
ção de maior exclusão e vulnerabilidade Porém, ainda é pouco incorporada
–, que se transformaram no público-alvo a idéia de que a dimensão cultural deve
prioritário para as ações emergenciais e ser tomada como direito a ser garantido.
as políticas sociais. Geralmente, é vista como meio de apro-
Há, revelada por estudos qualitati- ximação do público juvenil por meio do
vos e pelas demandas de grupos juvenis uso de linguagens desenvolvidas no in-
de conformação cultural, uma crescente terior das culturas juvenis ou como ele-
percepção da importância das dimensões mento de desenvolvimento de recursos
da cultura e sociabilidade na vida dos jo- pedagógicos no interior de programas de
vens que devem ser consideradas para formação para os jovens. Assim, ativida-
a formulação das políticas. Na pesquisa des culturais para jovens têm sido valori-
Perfil da Juventude Brasileira, 15% dos zadas como bons instrumento para ele-
entrevistados participavam de algum gru- vação da auto-estima, para afirmação do
20 Ibase | Pólis
As questões que podem ser desen- levantamentos; a continuidade dos estu-
volvidas aqui, principalmente para inves- dos e a qualidade da educação, drogas,
tigar até que ponto as demandas dos jo- miséria e saúde são outros problemas re-
vens têm orientado a construção das feridos, mas têm ordens diferentes de
pautas públicas, são: até que ponto esses citação em cada uma delas. Por outro
níveis coincidem e quais as diferenças lado, educação, trabalho e cultura e lazer
entre os diversos planos de formulação? aparecem como temas que interessam e
Quais ganham legitimidade e força social? mobilizam os jovens.
A quais o Estado busca responder? Quais Também é coincidente a análise de
são as assumidas e incorporadas por ou- que as demandas se configuram mais no
tros atores? Quais são as polêmicas exis- campo das questões sociais que na di-
tentes em torno delas? mensão relativa às liberdades políticas,
Para levantar o que aparece como indicando que a experiência histórica da
preocupação, interesse ou desejo (que po- geração que vive a juventude na passa-
deriam ser considerados como informa- gem do milênio inclui, no seu âmago, as
ções para perceber as demandas latentes) dificuldades relacionadas à inserção so-
dos jovens brasileiros, podemos lançar cial. Como foi observado no relatório final
mão dos resultados de duas pesquisas da pesquisa Ibase/Pólis:
feitas recentemente: Perfil da Juventude A pouca enunciação espontânea a
Brasileira, realizada, em 2003, pelo Insti- demandas por garantia de direitos ci-
tuto Cidadania no bojo do Projeto Juventu- vis, tais como aquelas que se rela-
de, e Juventude Brasileira e Democracia: cionam com o direito à participação
participação, esferas e políticas públicas, na vida pública, e a forte referência a
realizada, em 2005, pelo Instituo Brasilei- demandas sociais insatisfeitas ates-
ro de Análises Sociais e Econômicas (Iba- tam o estágio de espoliação urba-
se) e pelo Instituto Pólis. Embora tenham na ao qual a maioria dos jovens está
usado metodologias e universos diferentes submetida. Nesse contexto, o que se
(a primeira realizou pesquisa quantitativa evidencia é que a consciência de di-
com 3.500 jovens de meio rural e urbano, reitos para esses jovens é mais ime-
em pequenas, médias e grandes cidades; diatamente percebida no plano da
a segunda realizou pesquisa quantitativa ‘questão social’ do que na esfera dos
com 8 mil jovens e pesquisa qualitativa, direitos relacionados com a vida cívi-
com rodas de diálogos, envolvendo 913 jo- ca e as liberdades fundamentais (Ri-
vens de sete regiões metropolitanas), as beiro; Lânes; Carrano, 2005).
duas nos dão informações sobre os jovens
em geral, que podem ser confrontadas A interpretação dos dados da pesqui-
com aquelas advindas dos processos que sa Perfil da Juventude Brasileira também
envolveram os jovens organizados ou dis- caminha nesse sentido:
postos a participar dos processos de deba- Pode-se dizer que os jovens estão an-
te e consulta. tenados com seu tempo histórico, em
A primeira observação feita a par- que muito do debate político e das
tir da leitura cotejada dos resultados das mobilizações sociais e disputas se pro-
duas pesquisas é que há conclusões duzem em torno dos direitos sociais,
muito semelhantes. São coincidentes os ameaçados de diferentes modos pelas
resultados sobre o que mais preocupa os transformações desencadeadas na es-
jovens: violência (e outras questões rela- fera da economia e da política nos últi-
tivas à segurança) e desemprego (e ou- mos anos (Abramo, 2005a).
tras questões relativas às dificuldades Com relação às demandas apresenta-
enfrentadas no mundo do trabalho) ocu- das por organizações, movimentos juvenis
pam primeiro e segundo lugar nos dois em processos de discussão, fóruns etc., é
22 Ibase | Pólis
A desigualdade no acesso à educação das decisões e do controle das políticas
é citada como fator fundamental de públicas.
manutenção de outras desigualdades. A demanda por transporte aparece
constantemente, com expressões varia-
A importância do tema educação das na cidade e no campo: ½ passe para
pode ser percebida, também, pela ordem estudantes; ½ passe para jovens; ½ pas-
e pelo volume de itens relacionados ao se para estudantes ou jovens para ati-
tema na maior parte dos documentos re- vidades além da escola; passe livre; ga-
sultantes dos processos de consulta das rantia de transporte rural para a escola;
demandas juvenis: é sempre a primei- transporte para circulação entre proprie-
ra mesa nos processos de debate, o pri- dades e municípios no meio rural, neces-
meiro item nos documentos e o que reú- sário para trabalho e sociabilidade; pas-
ne maior quantidade de reivindicações e se livre para pessoas que não conseguem
contribuições. primeiro emprego etc.
O trabalho, no entanto, tem ocupado A demanda por cultura se traduz em
lugar cada vez maior nas demandas, mas demanda por equipamentos culturais di-
de um modo diferente do ocupado pela versificados e com infra-estrutura; ma-
educação. Com menos clareza e insistên- nutenção dos equipamentos existentes;
cia na ordem das reivindicações, o de- incentivo e valorização da produção cul-
semprego aparece como um dos fatores tural dos jovens; formação e capacitação
mais importantes a denunciar a preca- na área da cultura; possibilidade de apos-
riedade em que se encontra a juventude, tar na cultura como modo de inserção
explicitada pelas altas taxas de desem- econômica; descentralização das ações e
prego entre os jovens. Desse modo, são dos equipamentos culturais (inclusão das
acionadas diversas bandeiras articula- periferias); apoio para intercâmbio cultu-
das à busca de enfrentamento do desem- ral; democratização do acesso à cultura.
prego, particularmente a necessidade No tema relacionado ao esporte e la-
de criar mecanismos para a superação zer, são citados a criação de espaços e
das discriminações sofridas pela condi- programas dirigidos aos esportes pratica-
ção juvenil, como a questão da inexperi- dos pelos jovens; a ampliação de áreas
ência que dificulta o acesso ao primeiro de lazer; programas voltados para desen-
emprego. Demandas de apoio ao empre- volvimento e não só para competição ou
endedorismo juvenil e às alternativas de especialização; espaços e programas no
economia solidária estão cada vez mais meio rural e nas periferias das cidades.
presentes nas reivindicações. Aparecem, Com relação a esse ponto, é preci-
também, demandas relacionadas à possi- so dizer que se há congruências entre as
bilidade de articulação entre escola e tra- muitas necessidades identificadas pelos
balho – muito fortemente, a de educação diagnósticos, entre as demandas laten-
profissional pública e de qualidade. tes captadas pelas pesquisas e aquelas
É importante notar que, associa- expressas publicamente pelos jovens, há
dos a essa questão, documentos dos ato- também alguns deslocamentos de peso
res juvenis têm apresentado, de forma e ângulos entre os diferentes planos. Por
destacada, a demanda por crescimento exemplo, a questão do trabalho aparece,
econômico ou por outro modelo de desen- aqui, como tema mais demandado que
volvimento, afirmando que a resolução das enfrentado por atores juvenis e gestores.
questões dos jovens só pode ser processa- Os temas relacionados à cultura e ao direi-
da se considerada nessa perspectiva. to à circulação ainda não aparecem como
Outra grande demanda diz respeito pontos tão sensíveis ou urgentes entre os
à participação dos jovens em várias di- jovens nem como temas dignos de maior
mensões, principalmente a de participar atenção por parte dos gestores.
24 Ibase | Pólis
A identificação da questão do trans- põe a cada trabalhador o corte de 10 to-
porte como política que abrange toda neladas de cana por dia. Para cumprir a
a família – e a sociedade de modo ge- meta, o corpo precisa de resistência físi-
ral – foi um dos principais argumen- ca, daí a necessidade de trabalhadores
tos utilizados e o que fez os estudan- jovens nos canaviais. O ritmo de trabalho
tes sustentarem as manifestações por é alucinante: os trabalhadores ficam no
tanto tempo e receberem grande apoio limite da capacidade física, os proble-
da população. Os trabalhadores, de mas de saúde pelo excesso de trabalho
maneira geral, professores e até mes- se agravam e não são raras as ocorrên-
mo alguns policiais e motoristas de ôni- cias de acidentes fatais. As demandas,
bus reconheciam a importância do ato, nesse sentido, dizem respeito às condi-
mesmo diante do imenso transtorno ções de trabalho e se configuram, tam-
causado na cidade. bém, no desejo de um trabalho melhor.
Não há, aqui, identidade ou organização
ancorada na categoria juventude, a não
2.2 OS TRABALHADORES ser em situações e dimensões circuns-
JOVENS DO CORTE MANUAL DA critas (sociabilidade nas regiões de ori-
CANA-DE-AÇÚCAR gem, marcas corporais, desejos de con-
sumo e expectativas de mudança de
Jovens migrantes canavieiros: vida que carregam consigo). Os atores
entre a enxada e o facão com que se relacionam são os Sindica-
JOSÉ ROBERTO PEREIRA NOVAES tos de Empregados Rurais e a Pastoral
dos Migrantes.
A expansão recente da agroindústria ca- É importante salientar que os jovens
navieira – ao combinar mecanização e migrantes canavieiros – com ou sem par-
trabalho manual – ampliou a deman- ticipação sindical ou em movimentos so-
da de trabalho temporário, procurando ciais – se relacionam com dois conjuntos
para o corte manual da cana,o trabalha- de demandas: o trabalho na agricultura
dor migrante sazonal, principalmente os familiar e o trabalho assalariado.
jovens rapazes, que são potencialmente Mesmo sem a existência de um ator
mais produtivos. O foco do estudo des- juvenil envolvido nesta situação-tipo, a
ta situação tipo são esses jovens, perten- escolha se justifica pela atualidade do de-
centes a famílias de agricultores pobres bate público que tem colocado em pau-
do Nordeste, onde as oportunidades de ta a produção do etanol e seus benefícios
trabalho são escassas. Por isso, migram como fonte energética e que, via de re-
e buscam na safra da cana uma oportu- gra, não se detém na questão do trabalho
nidade concreta de obter renda para si e (do fator humano) nas plantações cana-
assegurar a sobrevivência da sua família vieiras. Por outro lado, jovens trabalhado-
na agricultura. Sua demanda é, central- res assalariados da cana são quase invisí-
mente, a de trabalho. veis no debate sobre políticas públicas de
O corte manual da cana é um traba- juventude. Se os jovens rurais já se res-
lho duro e extremamente desgastante. O sentem do lugar que seus problemas es-
padrão de produtividade das usinas im- pecíficos ocupam na hierarquia das
26 Ibase | Pólis
o Sindicato dos Trabalhadores em Tele- projetos, participar dos debates e incidir
marketing – Sintratel –, que se apresen- na formulação de políticas. Na formação
ta como um “sindicato tão jovem quanto atual, congrega dez entidades com pre-
sua categoria”) e os coletivos juvenis das sença mais permanente, além de um nú-
centrais sindicais, principalmente a CUT, mero não preciso de colaboração even-
à qual o Sintratel é filiado. Foram anali- tual. Tem como principais bandeiras a
sados, neste estudo, tanto a expressão discussão sobre as políticas públicas de
das desmandas dos jovens trabalhadores juventude e a participação dos jovens em
como a dos sindicalizados e suas lideran- espaços de definição e elaboração des-
ças jovens e adultas. O resultado permi- sas políticas. Além de participar de certos
te constatar as mesmas polêmicas e os âmbitos onde tal debate se desenvolve,
mesmos debates que marcam o cenário realiza, periódica e itinerantemente, “En-
nacional a respeito do tema do trabalho contros de Galeras”, com o objetivo de
para os jovens, revelando, principalmen- desenvolver a discussão dos temas e das
te, que a configuração das demandas e demandas com os jovens em locais próxi-
do entendimento do trabalho como um mos aos bairros onde eles moram.
direito dos jovens está, ainda, em pro- As demandas dos jovens que par-
cesso de disputa e formatação. ticipam de projetos, a forma como elas
têm sido consideradas no debate públi-
co e de que modo a constituição de um
2.5 FÓRUM DE JUVENTUDES DO ator como FJRJ tem possibilitado que os
RIO DE JANEIRO – FJRJ jovens se configurem como sujeitos de
participação política na definição das po-
ANA KARINA BRENNER líticas a eles dirigidas são questões de-
senvolvidas nesse estudo.
Desde meado dos anos 1980, vem se
compondo um campo de ações de or-
ganizações da sociedade civil (principal- 2.6 O ACAMPAMENTO
mente ONGs, mas também entidades INTERCONTINENTAL DA JUVENTUDE
ligadas a movimentos sociais e entida- (AIJ) DO FÓRUM SOCIAL MUNDIAL
des empresariais) voltado para crianças (FSM): EXPERIÊNCIA DE UMA NOVA
e adolescentes em situações variadas de GERAÇÃO POLÍTICA
desvantagem social (principalmente, os
moradores de favelas e bairros das peri- NILTON BUENO FISCHER, ANA MARIA DOS
ferias urbanas), que desenvolve “projetos SANTOS CORRÊA E MÁRCIO AMARAL
sociais” de diferentes escopos, mas cen-
trados na perspectiva de um “resgate das O Acampamento Intercontinental da Ju-
situações de vulnerabilidade e risco” e no ventude foi um espaço organizado por jo-
oferecimento de alternativas de inclusão vens durante a realização das edições
e desenvolvimento de vínculos de cida- do Fórum Social Mundial em Porto Ale-
dania. Nos últimos anos, aumentou o nú- gre. Foi, em primeira instância, propos-
mero de projetos desse tipo voltado para to como um modo de garantir e ampliar a
jovens e cresceu o envolvimento desses participação dos jovens nesse importan-
atores no campo do debate a respeito te acontecimento dos movimentos empe-
das políticas de juventude. nhados na afirmação da possibilidade da
O Fórum de Juventudes do Rio de transformação do mundo. Porém, carac-
Janeiro (FJRJ) se estruturou, no início terizou-se, na sua realização e posterior
dos anos 2000, com a perspectiva de proposição, como um território juvenil de
congregar militantes e jovens atendidos práticas e experiências dos mais diversos
pelas entidades responsáveis por esses grupos e movimentos juvenis em torno de
28 Ibase | Pólis
Outros pontos importantes de inves-
tigação e reflexão estão relacionados às
seguintes indagações: de que modo es-
ses atores e suas demandas ostentam
uma identidade ou acento juvenil e qual
é o peso e sentido desse conteúdo. No
exame dessas questões, tentaremos,
também, localizar as invisibilidades e
interdições existentes, as polêmicas de
interpretação e de proposição de res-
postas, tanto em termos das políticas
como das possibilidades de organiza-
ção e mobilização.
30 Ibase | Pólis
Os entrevistados citam, também, certos casos, existem tensões em torno
questões negativas, como drogas e vio- da oportunidade de fundamentar aí sua
lência, crime e narcotráfico, assim como expressão política.
a falta de oportunidades, principalmente Alguns se constituem e se apresen-
de trabalho. Em várias situações, apare- tam explicitamente como atores juve-
ce o fato de enfrentarem visões negativas nis, como é o caso do Sintratel, do hip
na sociedade e em suas relações mais hop, do Fórum de Juventudes do Rio de
diretas (comunidades, ambiente de tra- Janeiro e dos que militam em torno do
balho, famílias) por serem associada à ir- Acampamento Intercontinental da Ju-
responsabilidade e falta de experiência. ventude, configurados no COA – embo-
No caso do hip hop, a questão ganha re- ra, nesse caso, haja uma modificação
levância, pois os jovens se sentem pro- que transforma o sentido dessa
fundamente discriminados e “apartados” identidade.
pela associação negativa estabelecida Em resumo, pode-se dizer que, nas
entre juventude, pobreza, raça e condi- diferentes situações-tipo estudadas, a
ção de moradia. composição social do segmento é evi-
Entre as lideranças entrevistadas, do dente ou majoritariamente “juvenil” em
ponto de vista do conteúdo da identida- termos da caracterização etária – o que
de juvenil, o senso comum citado aci- não significa que a identidade social
ma é compartilhado. No entanto, outro central seja necessariamente essa, nem
“senso comum da esquerda” é agrega- que a identidade política ostentada nos
do: ser jovem é ter rebeldia, questionar processos de organização e mobilização
e ter disposição para participar e propor esteja aí ancorada. Ou seja, nem sem-
transformações. Partilham, também, a pre os atores que expressam publica-
visão de que a maioria da atual geração mente a demanda do segmento são jo-
de jovens “trai” essa “essência” juvenil, vens e, mesmo que sejam, nem sempre
pois, como “filhos do neoliberalismo”, se apresentam politicamente como tais.
se mostram acomodados, consumistas, Isso implica perceber que não é neces-
competitivos, ideologicamente aprisio- sariamente com atores com esse recorte
nados pela mídia etc. Essa visão contém que os jovens vão procurar estabelecer
uma derivação, que entende a juventu- identificações ou conexões na forma de
de como um “produto do capitalismo”, redes, plataformas etc., embora em vá-
consumidora de um tipo específico de rios casos isso aconteça.
consumo ligado ao lazer, à indústria cul- Os manifestantes da Revolta do
tural e à industria da moda. Buzu, na cidade de Salvador, em 2003,
No caso dos atores estudados, a eram, principalmente, estudantes secun-
identidade juvenil está presente de um daristas e pertencentes aos setores popu-
modo ou de outro (com exceção daque- lares. A mobilização foi deflagrada e sus-
les implicados com os trabalhadores mi- tentada basicamente por estudantes das
grantes sazonais para o corte da cana), escolas públicas, recebendo, posterior-
embora deva-se lembrar que nem sem- mente, o apoio de estudantes das escolas
pre essa é a identidade preferencialmente particulares, de estudantes universitários
acionada e valorizada politicamente. Em e de ensino técnico.
32 Ibase | Pólis
res que acionam tal identidade (aqueles às condições de trabalho, além disso,
que, hoje, estão integrados ao Movimento atribui-se aos jovens maior capacida-
pelo Passe Livre – MPL –, por exemplo, de de assimilar o treinamento básico
não têm nenhuma identidade com os ato- necessário (cuja duração é de cerca
res que, ligados a certas ONGs e a funda- de 4,4 semanas) e, principalmen-
ções empresariais, acionam o tema da ju- te no caso daqueles oriundos de fa-
ventude em Salvador). De todo o modo, mílias de baixa renda, de suportar as
resta uma tensão entre a valorização da pressões para o cumprimento de me-
identidade estudantil e a identidade “po- tas de atendimento. [...] Do ponto de
pular”, que se relaciona, como veremos, vista dos contratantes, profissionais li-
com a divergência de visões a respeito do gados às classes de maior rendimen-
conteúdo central da demanda e da con- to não teriam predisposição para se
dução estratégica do movimento. submeter às situações de pressão
Os trabalhadores de telemarketing para o cumprimento de metas (Corro-
são, predominantemente, jovens e muitos chano; Nascimento, 2007).
encontraram no setor o primeiro empre-
go. Segundo os dados da PNAD de 2005, Entre os jovens trabalhadores entrevis-
os operadores de telemarketing na fai- tados, a idade média ficou nos 23,4 anos:
xa dos 16 aos 24 anos representam 52% Como parte do jogo de identidades,
do total de trabalhadores do setor. Alar- todos os entrevistados se considera-
gando-se para a faixa de 15 até 29 anos, ram jovens – uns por conta da idade,
chegam a 72,5%. A categoria é, também, alguns pelos sentimentos com rela-
predominantemente feminina (70% do ção à vida, outros por causa das prá-
setor) (Oliveira Júnior; Trevisan, 2006). ticas de lazer e brincadeiras –, do
De modo geral, os operadores são mesmo modo que foram unânimes
membros das classes populares, cujos em argumentar que também pos-
pais estão ligados a profissões de baixa suem características de adultos, sem-
especialização e tiveram pouco acesso à pre as relacionando às suas ativida-
educação formal ou ampla. O nível de es- des de trabalho ou sindicais
colaridade é, para a maior parte, de en- (Corrochano; Nascimento, 2007).
sino médio, sendo que em torno de 22%
dos atendentes têm nível superior. Para os sindicalizados, assim como
Essa grande presença de jovens para as lideranças, a média de idade sobe
constitui o setor como um “nicho” para a um pouco: 27,6 anos. Esse é um dos fato-
juventude no mercado de trabalho: res mais significativos para a identificação
De acordo com Selma Venco (2006), juvenil como ator em relevância. O Sintra-
a contratação da mão-de-obra juve- tel teve, inclusive, sua diretoria ocupada
nil neste setor se explicaria por con- por sindicalistas bastante jovens.9 É nes-
ta da baixa exigência de qualifica- se contexto que essa identidade passa a
ção formal (ensino médio concluído ser “ostentada” explicitamente, implican-
e conhecimento básico de informáti- do em renovação de bandeiras, formas de
ca) da parte das empresas, enquan- atuação e linguagem. Esse é, na verdade,
to que, da perspectiva dos jovens, o um ponto no qual se apóiam: conhecem
atrativo do setor está na jornada de as demandas, a linguagem e a postura
trabalho semanal de 36 horas, que dos jovens, podem produzir identificação
os permite, aparentemente, conciliar com eles. Baseiam, também, sua valoriza-
o trabalho com os estudos. [...] Para ção no interior do movimento sindical nes-
os empregadores, a justificativa para sa identidade/capacidade, tornando-se re- 9
O presidente dessa gestão tinha,
a alta contratação de mão-de-obra ju- ferência para o trabalho com juventude então, 23 anos. Foi ele que se tornou,
também, o primeiro presidente do
venil está na facilidade de adequá-la dentro da CUT. coletivo de juventude da CUT.
34 Ibase | Pólis
capital social (respeitadas as diferenças vio nem de identidade com os jovens re-
entre um caso e outro). Como esclarece sidentes nesses bairros (muitos deles, fi-
José Roberto Pereira Novaes: lhos de trabalhadores migrantes que já
Entre tais trabalhadores migrantes há se estabeleceram na região e buscam
outro aspecto diferenciador: ser jo- oferecer alternativas de trabalho e de
vem faz diferença. O que não signifi- vida para a segunda geração). Tal iden-
ca apenas ter força, resistência física. tidade também não é acionada pelos
Significa, também, ter uma especí- atores presentes: nem sindicatos nem
fica disposição para o trabalho ala- pastorais os agregam segundo esse re-
vancada pelo momento do ciclo de conhecimento (ao passo que alguns de-
vida quando – via de regra – prevale- les participam de grupos de jovens, in-
ce a busca, o desejo de ‘ser alguém clusive da Pastoral da Juventude, nas
na vida’, motivação indispensável cidades de origem). Nenhum deles tem
para os jovens enfrentarem a rotina e espaço ou trabalho dirigido especifica-
a disciplina no trabalho. Afinal, para mente aos jovens, embora atendam e in-
esses jovens, filhos de agricultores corporem jovens em suas atuações.
nordestinos, o trabalho é o único ca- Ainda que não tenhamos dados esta-
minho para a realização de projetos tísticos que possam nos dar informações
pessoais e familiares. mais precisas sobre aqueles que se arti-
Certamente o critério etário não é cla- culam em torno do hip hop ou têm nele
ramente explicitado pelos arregimen- suas referências, sabemos que ele diz
tadores de mão-de-obra. Porém, não respeito, principalmente, a “jovens ne-
é difícil comprovar a hipótese de que gros moradores de bairros periféricos”.
a idade tornou-se um critério no re- Não temos, também, estatísticas sobre
crutamento de mão-de-obra para o a população juvenil dos bairros do Mor-
corte da cana. Trata-se de uma evi- ro do Bom Jesus e do bairro do Centená-
dência que salta aos olhos: nos ôni- rio, da cidade de Caruaru, mas o levan-
bus que saem do Nordeste para as tamento feito por esta pesquisa com os
usinas de São Paulo, nos canaviais e jovens do grupo que compõem a Famí-
nos alojamentos das usinas (Novaes, lia MBJ (13 jovens dos dois bairros cita-
J., 2007). dos, cada um de um grupo de rap) indi-
ca que a idade varia entre 18 e 29 anos,
Com relação à identidade juvenil, no sendo que a maioria tem até 21 anos.
caso desses trabalhadores, parece haver Apenas dois não se consideram afrodes-
uma situação dual. Nas cidades de ori- cendentes e apenas um integrante é mu-
gem, se ainda solteiros, vivem com suas lher. Cinco deles já não estudam e o grau
famílias e são considerados jovens, com de escolaridade, baixo, varia: há uma di-
hábitos de sociabilidade e lazer bastan- visão, quase igual, entre os que não con-
te caracterizadores dessa condição. No cluíram o ensino fundamental, os que já
período em que estão no interior de São concluíram o ensino médio e os que ain-
Paulo como trabalhadores sazonais, pra- da estão cursando esse nível de ensino.
ticamente perdem essa identificação, Nenhum deles chegou à universidade.
que só se manifesta, com pouca explici- Apenas três têm vínculo empregatício e
tação, como vimos, na força física e em salário fixo, e cinco deles já têm filhos.
certas marcas corporais, assim como na A identidade juvenil é forte entre os
disponibilidade para um controle acen- integrantes do hip hop. Está articula-
tuado do empregador. Vivendo por seis da às identidades de raça, de condição
meses em alojamentos coletivos nas pe- econômica e de local de moradia, dizen-
riferias das cidades da região produtora do respeito ao “conjunto de sua vida”:
de cana, não constroem laços de conví- nomeiam-se, o tempo todo, como jovens
36 Ibase | Pólis
social, cultural e de tipo de militância dos tidade está no mote e na convocação
jovens que acamparam ao longo de suas do acontecimento, expressa no nome e
cinco edições, com a presença, até mes- com uma elaboração conceitual a res-
mo, dos outros segmentos aqui estuda- peito registrada em documentos. Pas-
dos: jovens de movimentos estudantis, do sa, no entanto, por uma transformação
hip hop e outros grupos culturais, de enti- ao longo do tempo, com base em ques-
dades sindicais urbanas e rurais, do MST, tionamentos provocados pelos integran-
jovens de projetos desenvolvidos por tes do COA, que acabam por substituir
ONGs e de redes articuladoras desses o termo pelo de “nova geração política”.
projetos, das juventudes partidárias, de O termo juventude, de todo modo, con-
pastorais religiosas, de movimentos anar- tinua sendo usado – e com destaque –
quistas e anticapitalistas, de punks etc. em toda convocação e expressão públi-
Uma observação de uma militante do ca do acontecimento.
hip hop (e integrante do COA) no III AIJ, Na primeira formulação, no docu-
quando aconteceu, no interior do acam- mento de convocação do primeiro AIJ,
pamento, a Cidade do Hip Hop, pode há uma localização conceitual da juven-
ser ilustrativa dessa questão: para ela, tude como o momento da vida em que
a maioria dos jovens que participava do se faz escolhas, inclusive as ideológicas,
acampamento era de classe média e uni- fundamental para viver experiências e
versitários; também é significativa a afir- debates políticos que incidam sobre o
mação de que “trazer o jovem negro, fa- posicionamento político. É a juventude,
velado e ativista do movimento hip hop genericamente, a chamada a se congre-
para dentro do Fórum Social Mundial, gar e a se mobilizar contra o capitalismo
para o acampamento, foi difícil”. Nesse e o neoliberalismo, pelo papel que pode
sentido, a proposta da constituição da Ci- desempenhar no FSM por meio da afir-
dade do Hip Hop foi a de dar mais visi- mação dos valores da solidariedade e da
bilidade aos jovens da periferia, tirando- participação. No documento convocató-
os do posto de ouvintes das discussões e rio do segundo AIJ, a ancoragem na sin-
colocando-os como participantes.11 gularidade política da juventude também
A composição dos integrantes do é explícita e aparece como fundamento
Comitê Organizador do Acampamento de sua proposta: afirmam que “a juven-
(o ator estudado pela pesquisa) vai nes- tude tem seu próprio tempo, sua pauta e
ta direção: além dessa militante do hip seu próprio modo de se expressar”.
hop, moradora de um bairro de periferia O desenvolvimento da proposta do
de Porto Alegre, os outros componen- acampamento, que vai alargando e trans-
tes são, quase todos, estudantes uni- formando sua perspectiva, torna mais
versitários de classe média, com larga complexas as definições e convocações
experiência de militância no movimen- da juventude (em determinado momen-
to estudantil ou em partidos de esquer- to, por exemplo, busca convocar mais ex-
da (principalmente o Partido dos Traba- plicitamente jovens engajados de setores
lhadores – PT) e, alguns, quando surge populares, tanto urbano como rural). Mas
e se desenvolve a proposta do AIJ, com traz, sempre, o objetivo de dar à socieda-
cargos na máquina pública de governos de uma visibilidade diferencial da juven-
populares do Rio Grande do Sul. Boa tude (como veremos a seguir), propiciar
parte deles tem pais com inserção mili- uma experiência política relevante e de-
tante, com história no movimento estu- senvolver formas de atuação para o seg-
dantil e/ou nos partidos de esquerda. mento definido como juvenil.
Com relação à identidade juvenil dos A partir de certo momento, a oportu-
atores, o caso do AIJ tem de ser com- nidade de se ancorar no conceito de ju-
Depoimento de Malu Vianna para
11
preendido com mais detalhes. A iden- ventude é questionada por integrantes Thais Zimbwe (ver Zimbwe, 2005).
38 Ibase | Pólis
um segmento, a identidade juvenil é a to ou pela segmentação de uma identida-
central. No caso dos estudantes secun- de que se pretende maior e mais “funda-
daristas, é bem provável que a identida- mental” (de classe ou da sociedade), por
de estudantil suplante ou recubra a iden- conferir uma “distorção” a esses propósi-
tidade juvenil, pelo menos no momento tos (o conteúdo capitalista da categoria ju-
da mobilização, acionada a partir do es- ventude) ou, ainda, por conferir uma po-
paço escolar e por atores configurados sição “subordinada” ao ator que assim se
como estudantes. identifica no interior de outras organiza-
O “conteúdo juvenil” também pode ções. Por outro lado, percebe-se que al-
afetar algumas dimensões da vida mais guns atores têm buscado se apoiar nessa
que outras: por exemplo, no caso dos tra- identidade para criar e ocupar espaços de
balhadores migrantes no corte de cana, participação política. No âmbito deste es-
manifesta-se no âmbito familiar e no la- tudo, essa posição parece ser mais pre-
zer, na sociabilidade entre amigos, mas sente que a anterior.
não na relação com o trabalho (não se De todo modo, pode-se dizer que as
vêem nem são vistos como jovens, a não referências às tensões intergeracionais
ser quando ressaltam a questão da força (presentes em todas as pesquisas) tam-
física que os torna especialmente “aptos” bém apontam um “sentimento de per-
para esse trabalho). tencimento à categoria juventude”, nem
No caso dos jovens trabalhadores de que seja pela percepção de uma dispu-
telemarketing, parece haver uma ambi- ta de sentidos atribuídos a jovens ou uma
güidade na identificação relacionada ao disputa de espaços (laborais e políticos).
trabalho: ao mesmo tempo que se vêem No entanto, é importante ter em vista que
como jovens, e ressaltam a dimensão ju- nem sempre a questão geracional se con-
venil de suas vidas (planos, comporta- figura na principal oposição ou no foco
mentos, posturas, dimensão de experi- produtor de tensão nas relações: outras
mentação etc.), e como trabalhadores oposições aparecem, como posições de
jovens, diferentes dos trabalhadores classe, outras juventudes, poder públi-
adultos (o que se revela, até mesmo, no co, polícia, empresários, outros atores do
modo como são tratados no trabalho ou próprio campo de luta, certas formas de
nos sentidos que atribuem ao trabalho fazer política etc.
em suas vidas), apresentam como res- Há, ainda com relação às diferen-
salva que o trabalho traz “atributos adul- ças entre jovens e lideranças no que diz
tos”, como responsabilidade, possibili- respeito às diferentes valorações sobre a
dade de arcar com seus gastos, prover identidade juvenil, outras questões: a pre-
o próprio sustento. Já entre os jovens do sença de diferença etária, mesmo peque-
hip hop, o conteúdo do trabalho (ou sua na, entre uns e outros pode incidir nessas
necessidade) aparece incorporado à vi- diferenças? O tempo de amadurecimento
vência juvenil: trata-se, inclusive, de en- das lideranças briga com a identidade ju-
contrar caminhos no mundo do trabalho venil e coloca problemas para a continui-
justamente a partir da potencialidade de dade da representação? Isso implica na
criação juvenil. busca de ocupação de outros espaços,
Embora não seja consensual, é possí- não juvenis, pelas lideranças que amadu-
vel perceber também, no conjunto dos es- recem? Ou seja: cabe perguntar em que
tudos, a relevância do elemento juvenil na medida o “amadurecimento” das lideran-
composição identitária dos atores e a indi- ças introduz medidas diferentes de valori-
cação de uma valorização dessa identida- zação da identidade juvenil.
de em muitos deles. As contraposições se Essa questão remete a outro pon-
relacionam ao receio da desqualificação to, mais ligado às formas de organização,
de seus propósitos pelo apequenamen- mas que também tem incidência sobre o
40 Ibase | Pólis
com a educação e dos sindicalistas com Há uma grande e generalizada va-
o trabalho), outros apresentam deman- lorização da educação, tanto no sentido
das indissociavelmente ligadas entre si, de direito de cidadania como no de ele-
como parece ser o caso do grupo de hip mento fundamental para propiciar melho-
hop. Por isso, optamos por apresentar res oportunidades no mundo do trabalho.
as informações e os comentários, nesta Há, contudo, uma crítica ao sistema edu-
parte do relatório, não por situação-tipo, cacional, que é percebido como desigual,
mas por demanda, verificando se e como discriminatório, distante do universo real
cada uma aparece em cada segmento, dos jovens e carente de recursos de in-
se e como é empunhada pelos diferentes vestimento público. Segundo Júlia Ribeiro
atores. Isso pode nos ajudar a verificar as de Oliveira e Ana Paula Carvalho:
pistas sobre as mais freqüentes e, tam- Eles denunciam que o modelo de
bém, sobre as consonâncias e diferenças proteção e educação da socieda-
de abordagens. de brasileira, inserido em uma pro-
Já sabemos, pelas pesquisas, pelos posta de desenvolvimento econômi-
levantamentos e pelas observações an- co excludente, não garante os direitos
teriores, que os jovens têm diversas de- juvenis – isto é, do indivíduo em for-
mandas em diferentes áreas: inclusão so- mação, amadurecimento e momento
cial, educação, trabalho, saúde, diversão, de fazer escolhas – e pouco oferece
cultura; segurança, participação. Tal mul- para formação integral do jovem hoje
tiplicidade pode ser constatada e pode (Oliveira; Carvalho, 2007).
acrescentar elementos à reflexão a res-
peito do conteúdo da condição juvenil e No documento de convocação do pri-
dos modos em que seus direitos podem meiro AIJ, a luta contra “o desmonte da
vir a ser definidos. educação” pelo neoliberalismo também
Há escalas de importância entre aparece como uma das bandeiras em torno
as demandas, que nem sempre são as das quais a juventude pode se congregar
mesmas para todos os segmentos e ato- na luta contra esse modelo de sociedade.
res: algumas têm entendimento e acei- O direito à educação (a partir de várias
tação quase consensual (como é o caso bandeiras) gera manifestações públicas,
da demanda por educação), outras são mobilizações de diferentes ordens (entre
polêmicas – no entendimento de seu as entidades e os movimentos estudantis,
significado, na consideração da oportu- evidentemente, mas também entre outros
nidade e justeza de serem levantadas atores, como a Família MBJ, cuja primei-
como bandeiras e nas respostas encon- ra intervenção comunitária se fez em torno
tradas –, como é o caso da demanda da recuperação do espaço de uma esco-
por trabalho. la pública no bairro) e, normalmente, vem
em primeiro lugar nas pautas e listas de
Educação reivindicações de quase todos os atores ju-
A demanda por educação é a mais referi- venis, até mesmo no caso dos atores sin-
da e, talvez, a única presente em todos os dicais. Significativo, nesse sentido, é o fato
segmentos. Diversos tipos de questões re- de que uma carta assinada por jovens de
lacionadas à educação são citados pelos diferentes centrais sindicais (Central Geral
atores, tanto no plano das demandas pes- dos Trabalhadores – CGT –, CUT e Força
soais dos entrevistados como nas bandei- Sindical), apresentando dez pontos básicos
ras explícitas e públicas, e estão incluídos para as políticas de educação e emprego
nas pautas dos diferentes atores juvenis. no Brasil, traga em nove pontos referência
É, também, uma das poucas demandas à necessidade de elevação de escolarida-
nas quais a expressão em termos de direi- de e educação profissional entre os jovens
to é mais constante, quase natural. (Corrochano; Nascimento, 2007).
42 Ibase | Pólis
[...] Assim, do ponto de vista dos jo- me dar esse emprego? Que vai achar
vens migrantes canavieiros, a deman- que eu tenho condição de ocupar
da por educação não se resume à ga- esse emprego? Nenhum. Depois,
rantia de vagas em escolas. Implica você sai da escola, conclui seus es-
em garantia de transporte, mudanças tudos, se é filho do rico tem logo um
de calendário escolar tradicional, gra- emprego bom ou tem dinheiro para
de curricular adequada e, finalmen- abrir seu próprio negócio. Aí, os es-
te, na implantação de um programa tudos desse jovem têm importância.
educacional que se estruture por mó- Mas, e o filho do pobre? Qual a con-
dulos, que seja flexível e emergencial, dição que você tem para produzir
que traga consigo a possibilidade dos seu conhecimento ou para pôr em
jovens canavieiros estudarem tan- prática os conhecimentos que você
to no Nordeste como em São Paulo, construiu? Culturalmente, a escola
tanto na entressafra quanto na safra não contribui para o reconhecimen-
(Corrochano; Nascimento, 2007). to do jovem da favela. A própria for-
ma como ela apresenta a cultura do
Entre os jovens do hip hop aparece, jovem da favela é negativa (“JC”, Ju-
com muita ênfase, o direito a uma educa- ventude Sangrenta).
ção não discriminatória e, também, pro-
fissionalizante; uma educação adaptada A demanda pela instalação de uma
à realidade dos jovens da periferia, que escola básica no bairro e o envolvimen-
seja capaz de dialogar com suas referên- to na recuperação de um prédio públi-
cias e produções culturais. Segundo a co abandonado para esse fim foi um dos
análise apresentada no relatório, esses jo- principais motes de atuação da FMBJ,
vens têm consciência da importância do instigado pelo professor que, já nesse
conhecimento como instrumento de afir- momento, atuava como apoiador/media-
mação social, mas explicitam uma de- dor do grupo. É encarado como conquis-
cepção com a escola que podem acessar. ta, mesmo que não tenha sido desenvol-
Afirmam que essa educação não é inclu- vido o projeto integral, o fato dos jovens
siva porque não os prepara para o merca- idealizarem para a escola mudanças no
do de trabalho, nem oferece chances re- projeto pedagógico e abertura da institui-
ais de escolha e de desempenho de uma ção para referências e ações dos grupos
profissão digna. A citação de um dos en- culturais dos jovens e da comunidade.
trevistados é muito elucidativa: O tema da educação também apare-
A escola? Bom, ela é importan- ce citado no estudo sobre o Fórum de Ju-
te, mas não para o jovem da favela, ventudes do Rio de Janeiro em três situ-
muito menos se ele for negro. Não ações: como preocupação que mobiliza
da forma como ela está aí. Veja bem os jovens envolvidos nos projetos (garan-
o que eu quero dizer, não é que a tia de educação de qualidade); como ex-
escola não tenha importância para pressão pública, arrolada (de forma mui-
mim. A questão é: o jovem da fave- to sintética) como uma das demandas de
la tem uma educação de qualida- políticas de juventude no documento pu-
de oferecida pela escola? E educa- blicado pelo fórum, na forma de “espaços
ção recebida da escola é garantia construídos pela e para a juventude para
para esse jovem de que ele vai ar- diversão, cultura, educação”; e como um
rumar um bom emprego? Não! Nem dos temas de discussão de um Encon-
uma coisa, nem outra! Eu, por exem- tro de Galeras (onde foram apontadas
plo, gostaria muito de ter um empre- demandas como construção de escolas,
go, ser reconhecido pelo meu traba- melhoria da qualidade do ensino, melhor
lho. Mas qual o empresário que vai preparação para professores).
44 Ibase | Pólis
De todo o modo, educação parece ser essa formulação de direito à cidade seja
a demanda juvenil mais aceita e incorpo- de apenas alguns atores. Está, historica-
rada por outros atores, vista como a ban- mente, ligada à demanda por direito ao
deira juvenil por excelência, para a qual transporte para estudantes. No caso aqui
existe maior número de políticas públicas estudado (Revolta do Buzu), o que pa-
e projetos da sociedade civil, mesmo que rece ter começado como uma derivação
insuficientes e com diretrizes e condições do direito à educação ganhou significado
de execução criticadas pelos atores. mais amplo, embora controverso, como
Um exame mais detalhado das for- veremos a seguir.
mas com que essa demanda se expres- As discussões relativas ao passe livre
sa pode ser interessante para pensar em e à meia passagem já constavam como
seu significado como direito universal e, demandas históricas das organizações
ao mesmo tempo, singular; ou, em ou- estudantis, que entendem ser essa reivin-
tra chave, direito geral e, ao mesmo tem- dicação uma garantia de acesso à educa-
po, juvenil: educação é um direito que ção. Em Salvador, os estudantes tinham,
diz respeito a todos os cidadãos, mas é em 2003, direito à meia passagem (por
especialmente central em certos perío- meio de um cartão eletrônico que dá di-
dos da vida, como na juventude. Diz res- reito a dois deslocamentos por dia letivo,
peito a todos os segmentos de jovens e o Smart Card). A discussão sobre as ne-
demanda uma política com dimensão de cessidades de mobilidade dos jovens vin-
resposta universal e estruturante. Porém, culada a outros usos da cidade estava
para atender efetivamente as demandas presente nas pautas dos coletivos estu-
concretas das diferentes e desiguais situ- dantis. A interpretação dos entrevistados,
ações vividas pelos jovens, precisa con- no entanto, é a de que foi somente com
siderar tais diferenças e oferecer-se com a Revolta do Buzu que essa demanda foi
uma gama variada de execução, como colocada como reivindicação a fim de ga-
atesta o caso da singularidade da deman- rantir o acesso à educação, ao lazer e à
da dos jovens migrantes sazonais. Como cultura, mas também o direito de ir e vir,
aponta Dina Krauskopf, é preciso que a e o direito ao trabalho.
dimensão universal esteja localizada na O estopim da mobilização não foi
idéia de um direito universal a ser garan- propriamente o passe estudantil, mas o
tido de forma específica, segundo as dis- aumento da tarifa do transporte públi-
tintas e desiguais situações nas quais vi- co, definido pela prefeitura da cidade.
vem os jovens, e não em uma noção de A primeira e principal demanda dos es-
situação universalmente homogênea de tudantes era o retorno do valor da tarifa
juventude, centrada na possibilidade de para R$ 1,30. Ao longo das manifesta-
viver a moratória (dedicação à prepara- ções, especialmente durante as assem-
ção), que não se realiza para todos os jo- bléias realizadas, outras demandas fo-
vens, porque isso acaba por gerar novas ram agregadas à proposta original: meia
situações de exclusão (Dina Krauskopf passagem nos fins de semana, feriados
apud Abramo, 2005). e férias; meia passagem nos transpor-
tes alternativos; meia passagem para es-
Demanda por circulação tudantes de cursinhos pré-vestibular, de
É interessante verificar que o direito à cir- educação profissional e de pós-gradua-
culação, que por vezes se estende à idéia ção; meia passagem nas linhas intermu-
de direito à cidade, tem aparecido de for- nicipais; gratuidade da 1ª via do Smart
ma crescente entre os jovens. É o mote Card; revitalização do Conselho Munici-
de algumas das mais expressivas mani- pal de Transporte; melhoria dos trans-
festações públicas desencadeadas por jo- portes, ampliação da frota e do número
vens do país nos últimos anos, embora de linhas.
46 Ibase | Pólis
A própria necessidade de experimenta- Compreendida e consentida18 pelos
ção e de ampliação das referências, de poderes instituídos como um direito sin-
construção de redes de sociabilidade, gular dos jovens referido à educação (e
leva os jovens a desejarem circular por respondida como subsídio para a garantia
diferentes lugares da cidade. Talvez, por do direito de freqüentar a escola), os mo-
isso, tenha se tornado ponto crucial para vimentos têm expressado, também, ou-
as demandas dos jovens. tros componentes que dizem respeito a
É importante anotar que essa de- outras dimensões da vida dos jovens. A
manda aparece citada por outros jovens demanda relativa à possibilidade de cir-
nesta pesquisa: a meia passagem (as- culação remete a outras gamas de direi-
sim como a meia-entrada em cinema) tos, como o acesso à cidade (o direito de
é citada como direito dos jovens pelos ir e vir), à educação, aos bens culturais,
trabalhadores do telemarketing; a “pos- ao esporte, lazer e trabalho. A questão
sibilidade de livre circulação16 sem as da mobilidade, assim, revela-se condição
barreiras impostas pelo tráfico de dro- para garantia de todos os outros direitos.
gas estabelecido em suas comunida- Além disso, é possível ver aqui uma
des de origem” é identificada como uma disputa pelo significado do que é ser jo-
demanda do jovens do FJRJ; como de- vem, pois a afirmação do direito a realizar
manda expressa pela prática instaura- outras atividades além da formação es-
da pelos jovens do hip hop;17 e também colar, aponta a importância de considerar
está presente entre os jovens do meio que a vida juvenil é composta por múlti-
rural, onde não só a falta ou precarieda- plas dimensões, que requerem respos-
de de transporte escolar aparece como tas múltiplas. Nesse sentido, a diferença
uma das dificuldades para a continuida- de formulação entre subsídio do transpor-
de dos estudos, mas também a deman- te para estudantes ou subsídio para os
da por meios de se deslocar para ati- jovens também revela uma diferença de
vidades de lazer, para a sociabilidade, entendimento sobre quais são os direitos
namoro etc. se revela no desejo de com- considerados legítimos para os jovens ou
prar uma motocicleta com o dinheiro ga- aqueles de quais o Estado deve (ou pode)
nho pelos jovens migrantes na safra da se ocupar. Como um direito “auxiliar” ao
cana quando voltam para suas cidades direito à educação, encontra grande con-
no Nordeste. Não é à toa, aliás, que a cordância e apoio; como direito à circu-
moto seja um símbolo de consumo juve- lação, ao lazer, à experimentação, mui-
16
Note-se que, em momento algum,
nil com tanto apelo. to menos. O que reforça a percepção de qualquer dos entrevistados, seja
A necessidade de circulação pela que, para muitos atores e para a maior jovem ou liderança, tocou no tema
do passe livre, que tem sido uma
cidade revela, também, aquilo que foi parte dos atores no poder público, o direi- das mais importantes bandeiras de
reivindicação dos movimentos juvenis
pontuado em outros momentos des- to essencial que deve e pode ser garanti- (relatório FJRJ).
te estudo: a importância da experimen- do aos jovens é o direito à educação. 17
Como demonstra a fala de um dos
líderes: “aqui na periferia, a gente
tação e da ampliação das redes de re- A posição que os diferentes atores as- procura passar a idéia de que ser
jovem é saber curtir a vida sem se
lações e referências nessa fase da vida. sumem com relação à questão tem a ver, envolver com a marginalidade. O
jovem periférico não está preso à sua
Esse também é um ângulo ainda pou- portanto, com as diferentes compreen- quebrada, ele está sempre circulan-
co incorporado pelos atores e pelas po- sões acerca da singularidade juvenil, acer- do por todos os espaços da cidade;
aí, ele está sempre observando as
líticas: embora demandem equipamen- ca da noção sobre os direitos essenciais coisas, aprendendo com elas e se
inspirando nelas. Ele tem inteligência
tos e atendimentos descentralizados nos e o papel que cabe ao Estado na sua ga- e a vida é sua escola. Ele quer se
divertir, mas está aprendendo com
bairros ou nas comunidades, os jovens rantia, mas também com a posição que tudo o que está ao seu redor.” (DJ
não querem ficar aí “confinados’, que- ocupam como atores e seu papel institu- Nino – Entrevista, concedida em 29
de junho de 2004, que faz parte do
rem poder fruir os equipamentos, os es- cional: parte da discordância de lideran- relatório A família do Morro do Bom
Jesus – Alves, Alvim, 2007)
paços e as oportunidades de outros pon- ças ligadas a entidades gerais em assumir 18
Na medida em que é reconhecida
tos da cidade, querem, portanto, ter o a bandeira de “passe livre”, assim como como bandeira legítima e que gera
diferentes tipos de resposta a seu
direito à “cidade”. a de subsídio para todos os jovens em vez atendimento.
48 Ibase | Pólis
mitigamento deve ser enfrentado, fun- Uma das observações interessantes
damentalmente, no campo da melhoria nesse sentido é que os jovens deman-
das condições de educação e formação dam “não apenas trabalho, mas trabalho
dos jovens. Assim, ao lado de deman- decente”, como conclui o estudo sobre
das por geração de emprego e renda, os jovens no telemarketing (Corrochano;
ganham centralidade as demandas por Nascimento, 2007). É recorrente a ex-
educação e formação de várias ordens. pressão do desejo de outro trabalho, de
Para muitos, trata-se não de pensar em um trabalho melhor, de melhorias no tra-
ações de apoio à entrada no mundo do balho que se exerce ou de um trabalho
trabalho, mas de garantir a criação de digno. No entanto, há poucas formula-
condições que permitam aos jovens con- ções explícitas e públicas nesse sentido,
tinuar os estudos em vez de trabalhar, gerando parcas mobilizações e respostas.
apoiando-se na consideração de que o Como apontam os dois estudos focados
que faz diferença para os jovens é a for- no tema do trabalho, apenas recente e ti-
mação escolar. midamente os aspectos relacionados às
O estudo sobre telemarketing apon- condições de trabalho, jornada e salários
ta que outras percepções têm sido ex- dos jovens têm aparecido no debate pú-
postas no debate (citando mais especifi- blico e gerado mobilização de atores. No
camente a publicação feita pelo Conjuve, entanto, são ainda poucas as respostas
em 2006, e o relatório da Organização de ações governamentais.
Internacional do Trabalho – OIT –, em No caso dos trabalhadores do cor-
2007), principalmente atentando para o te de cana, por exemplo, as entrevistas
lugar que tem o trabalho na vida dos jo- feitas levaram à interpretação de que
vens e para os diferentes significados que o trabalho é necessário para garantir a
pode assumir. Além disso, o estudo apon- vida para si e sua família e para a rea-
ta a necessidade de ultrapassar a polari- lização de sonhos de consumo, princi-
zação entre perspectivas de reter o jovem palmente os relacionados a atividades
fora do mundo do trabalho, ou apoiar sua de sociabilidade, lazer e aparência jo-
entrada, e de preocupar-se com a quali- vem (aparelho de som, moto, roupas).
dade de sua relação com o trabalho e o Seu sentido está ligado, também, ao de-
desenvolvimento de iniciativas para a ga- sejo de experimentar e se emancipar,
rantia dessa qualidade. de alterar a posição subordinada den-
A opinião dos entrevistados acompa- tro da família e garantir possibilidades
nha as percepções e polêmicas vigentes de transição para a vida adulta (estrutu-
a respeito do tema. No entanto, nas en- rar a própria casa). Assim, é recorrente
trevistas, muitos jovens expressam que o a explicitação de que o trabalho na cana
trabalho assume um sentido de neces- é a única saída (e, por isso, é valoriza-
sidade não apenas em função da ren- do – eles, por exemplo, não concordam
da imediata (para ajudar o orçamento da com a proposta de fim do corte manual
família ou para propiciar a obtenção de da cana), mas todos desejam sair dele
itens de consumo, de lazer, de formação para um trabalho melhor (menos duro e
etc.), mas como componente fundamen- esgotante) ou para viver a condição de
tal de construção de uma trajetória de in- agricultor em melhores condições. Esse
serção profissional aliada à escolaridade, é o único segmento no qual a deman-
que auxilia na formação da experiência, da por trabalho parece vir em primeiro
na localização no mundo do trabalho e lugar, na frente de todas as outras, até
na formação de redes de contato. Logo, mesmo da educação.
aparece também como aspiração e com- As demandas por trabalho, nes-
ponente estratégico na demanda por in- se caso, apresentadas pelos atores com
serção social. quem os jovens se relacionam (sindicatos
50 Ibase | Pólis
ganhar o nosso com dignidade, viver nos- ção trouxe importantes aprendizados so-
sas vidas sem criminalidade, ser um pai bre as potencialidades e os desafios da
de família pobre e honrado, e não querer implementação de outro modo de relação
ser um ladrão pobre e fracassado”. econômica e sobre a demanda por possi-
O trabalho também está presente na bilidades de inserção econômica dos jo-
pauta do AIJ, na medida em que é parte vens em bases de relação não capitalistas.
das demandas dos grupos e movimentos Os integrantes do COA – que por um
juvenis que integram os acampamentos bom tempo se dedicaram quase integral-
e o FSM, assim como na prática exerci- mente à realização dos AIJ, subordinando
tada durante os AIJ pelo desenvolvimen- tempo de formação e inserções no mun-
to de experiências de economia solidária do do trabalho a essa organização –, agora
(tomada como uma bandeira). No entan- que já não estão mais dedicados à militân-
to, aí já está com um sentido de transfor- cia no COA, envolveram-se na construção
mação, como via de construção de outro de alternativas pessoais de trabalho afina-
modelo econômico de produção. das com as bandeiras desenvolvidas du-
Em documento do AIJ estabelece-se: rante a experiência e com os “princípios
O objetivo de trabalhar com ações de um novo mundo” (economia solidária,
que sejam uma alternativa real ao ca- recursos alternativos etc.).
pitalismo, onde neste espaço insti- No caso dos jovens do telemarketing,
garemos a organização de uma eco- é onde a demanda por trabalho, na sin-
nomia autogestionária, cooperativa, gularidade da juventude, está mais expli-
democrática e justa, estando esse citamente desenvolvida, embora alcan-
tema também relacionado a diversos ce ênfases e ângulos diferentes por parte
eixos de trabalho e discussão, como dos jovens trabalhadores, por parte dos
sustentabilidade ambiental, soberania jovens sindicalistas e por parte das insti-
alimentar, comércio justo e solidário, tuições do movimento sindical, como as
educação econômica, saúde, gênero, centrais sindicais:
etnia, entre outros. Nos discursos dos jovens trabalhado-
res, esteve implícita a reivindicação
Baseado nesses princípios e buscan- por trabalho decente quando se pon-
do ‘outra lógica econômica’, foram im- dera as críticas aos baixos salários
plantadas, nos acampamentos, práticas e à pressão por produtividade, bem
como a vigência de uma moeda social (o como a dois dos efeitos perversos da
sol), grupos de trocas solidárias e a poten- terceirização do setor – a alta rotativi-
cialização e o fomento de grupos autoges- dade e a redução dos benefícios ofe-
tionários e cooperativados por meio do for- recidos. As reclamações, no entanto,
necimento de produtos para as praças de dirigem-se às condições de trabalho,
alimentação. E, conjuntamente com es- não ao fato de estarem trabalhando,
sas práticas, existia a discussão conceitu- pois o trabalho aparece como um va-
al da temática, problematizando a questão lor importante: está associado à inde-
do consumo e buscando ampliar o debate pendência financeira e, especialmen-
sobre economia solidária. Uma das con- te, à possibilidade de construírem
vicções é a de que para criar outra for- melhores condições de inserção futu-
ma de produção é preciso, também, criar ra (Corrochano; Nascimento, 2007).
nova concepção de ‘cultura de consumo’. 20
É interessante observar que os
Certamente, houve limites no fornecimen- Em outro trecho, observam que o jovens nomeiam o que estão consi-
derando experiência: para além do
to dos produtos, pouca estrutura dos gru- trabalho faz sentido, também, porque registro em carteira, que aparece com
pos autogestionários e cooperativados, agrega experiência e aprendizado, assim mais freqüência, a importância de ser
“apresentado” ao mundo do trabalho,
pouca adesão à moeda social, mas a ex- como amplia as redes que ajudam a sua de conhecer seu espaço, suas regras,
enfim, de ser socializado em seu inte-
periência dessas práticas de implementa- inserção laboral.20 rior (Corrochano; Nascimento, 2007).
52 Ibase | Pólis
Há um investimento na formulação pode estar relacionado ao surgimen-
de demandas específicas relativas às con- to de doenças e pouco se interessam
dições de trabalho dos jovens no setor. A por atividades de prevenção
pauta pública inclui a demanda de gera- (Corrochano; Nascimento, 2007).
ção de primeiro emprego, a luta pela regu-
lamentação do estágio, a proteção à saú- Uma percepção parecida reforça a
de e ao assédio moral e sexual, a redução proposição de desenvolver o tema do as-
da jornada e piso salarial. Além disso, há sédio moral com jovens trabalhadores.
o oferecimento de benefícios na forma de Por desconhecerem seus direitos no am-
cursos de qualificação e convênios com biente de trabalho, ficam mais expostos
escolas de idiomas, facilidades para ba- às pressões e constrangimentos daqueles
rateamento das mensalidades e a monta- que ocupam cargos de chefia.
gem de um banco de currículos. No en- Uma reflexão associada pode ser ano-
tanto, suas mobilizações estão, de modo tada aqui: a de que, em todos os segmen-
geral, menos voltadas para a geração de tos estudados, o tema da saúde aparece
novos empregos e mais direcionadas à vinculado ao trabalho, tanto no caso dos
construção de políticas que contribuam jovens do telemarketing como no dos tra-
para melhorar as condições de trabalho, balhadores da cana, relacionado ao des-
combatendo a precarização dos postos gaste excessivo (físico e mental) produzi-
em telemarketing, e a um esforço de pro- do pelo tipo e pelas condições de trabalho,
piciar mais qualificação. A primeira ban- além de doenças associadas (com decor-
deira de luta do Sintratel foi a negociação rências fatais no caso da cana).
do piso salarial da categoria. Uma das lu- No entanto, no caso dos trabalhadores
tas atuais mais importantes (realizada em de corte de cana há uma complexidade:
um amplo processo de negociação com o seus integrantes são os únicos que citam a
Ministério do Trabalho e Emprego – MTE – demanda por atendimentos e equipamen-
e sindicatos patronais) se dá em torno da tos de saúde (como hospitais) nas cidades
aprovação de uma norma regulamentado- onde moram suas famílias. Mas, o que
ra que abranja aspectos relacionados à se- de fato está em jogo para eles é contornar
gurança e saúde dos profissionais em te- problemas de saúde até – pelo menos – o
lemarketing.21 É interessante verificar que, fim da safra, uma vez que ficar doente ou
no caso do Sintratel, a experiência, a iden- se acidentar (o que é muito comum na si-
tidade e a demanda juvenil estão intrinse- tuação em que trabalham) pode signifi-
camente ligadas: car o desemprego ou a diminuição do ga-
A inclusão da saúde no ambiente do nho (que é por produção). Talvez, por isso
trabalho como uma bandeira relacio- mesmo, não seja comum ouvir demandas
nada aos jovens se justificaria porque explícitas sobre acesso a equipamentos de
se trata de uma profissão que acar- saúde, embora seja mote de ação por par-
reta grande desgaste físico e mental te dos atores que representam seus inte-
e expõe ao risco de doenças por es- resses (pastoral e sindicatos).
forço repetitivo ou psicossomáticas, Nos dois casos, essas questões ge-
sobretudo porque boa parte dos pro- ram demandas e impulsionam ações de
fissionais em telemarketing concilia denúncia e proposição de políticas pelos
mais de um trabalho ou a atividade atores que representam os trabalhadores.
profissional com o estudo. Uma das É interessante pensar que o tema tem es-
lideranças argumentou que a saúde tado ausente dos debate sobre políticas
deve ser o centro da atuação sindical de juventude que, nesse campo, se con- 21
Anexo II da Norma Regulamen-
tadora 17 (NR-17), aprovada pela
quando se trata de trabalhadores jo- centram sobre questões ligadas à sexuali- Portaria 9 do Ministério do Trabalho e
vens, porque eles são os que menos dade e a problemas advindos de compor- Emprego, assinada em 30 de março
de 2007 e que passou a vigorar em 2
percebem que o ambiente de trabalho tamentos de risco. de julho do mesmo ano.
54 Ibase | Pólis
mundo dos diferentes participantes, de di- O diferencial entre o que o governo faz
versas origens, uma prática onde todos par- e propõe é que os jovens demandam
ticiparam como produtores de cultura” (ver essa herança da experiência dos AIJ:
Fischer; Corrêa; Amaral, 2007). um espaço físico que contemplasse a
Interessante perceber que, para além criação de um telecentro, uma incu-
de uma atividade do acampamento, a cul- badora e um posto de venda de ini-
tura passa a ser considerada eixo estru- ciativas cooperativadas, um espaço
turante: em 2005, deixa de ser o tema de de atividades culturais [...] um espa-
uma comissão, como era desde 2001, ço gestionado por jovens, direciona-
para ser considerada do principalmente a jovens, através do
elemento da identidade cultural dos qual fosse possível expressão cultural
participantes. A proposta, então, e geração de emprego e renda
era promover espaços de expressão (Fischer; Corrêa; Amaral, 2007).
cultural, tendo a cultura como eixo
transversal. A comissão de progra- Para o hip hop, a cultura é tema e
mação passa a ter esta preocupa- bandeira central, arena e instrumento pe-
ção: dinamizar e possibilitar diferen- los quais se constituem como atores. Como
tes expressões culturais para além da lembram Adjair Alves e Rosilene Alvim, o
apresentação em palcos próprio hip hop se define como “cultura
(Fischer; Corrêa; Amaral, 2007). de rua”. A demanda, aqui, abrange ampla
gama de dimensões. Passa pela importân-
Essa reunião cultural é, também, um cia do resgate dos diversos níveis de an-
dos elementos que mais visibilidade confe- coragem social – a cultura negra, a cultu-
rem ao experimento, exatamente por essa ra nordestina, a cultura da periferia, todas
exposição da diversidade e da experimen- ocupando posição de subordinação e dis-
tação libertária. Nesse sentido, o acampa- criminação na sociedade brasileira –, tor-
mento torna-se referência cultural para os nando-se elemento de afirmação e cultivo
jovens da cidade de Porto Alegre, que viam para produzir uma reversão na valorização
nele um espaço de congregação, território social de sua constituição como sujeito,
de liberdades, de festa, de badalação. Esse uma superação do preconceito. É uma luta
foi um elemento que fez com que o AIJ simbólica pelo reconhecimento, como ana-
apresentasse outra faceta para a cidade, lisam Adjair Alves e Rosilene Alvim.
muitas vezes ‘desfocada’ de sua propos- Passa, também, pela construção do
ta, e fosse mostrado como um novo ‘Woo- hip hop como constelação de referências
dstock’. Esse sentido será tema de reflexão para os jovens de seu segmento (pobres
e campo de disputa com a mídia. Os ato- e negros das periferias), que buscam ofe-
res (COA) buscaram ressaltar a dimensão recer não apenas elementos positivos
transformadora do encontro cultural frente de construção de identidade e fortaleci-
a uma visão desqualificadora da dimensão mento de auto-estima, mas sinalizações
“festiva” atribuída pela mídia. de comportamento individual e coletivo,
Além disso, os entrevistados (inte- além de enquadramentos para o compar-
grantes do COA) pretendem um efei- tilhamento de uma “visão de mundo”, de
to de interferência da experiência do AIJ uma conscientização social e política.
na formulação de outra possibilidade de Gera demandas concretas relativas a
pensar políticas de cultura, como no caso ações e políticas culturais: tanto equipa-
dos Pontos de Cultura (programa do Mi- mentos para fruir e produzir cultura na ci-
nistério da Cultura). Essa demanda se ex- dade e nos bairros, como para reverter o
plicita na fala de um dos integrantes, in- sentido ou aprimorar outras políticas ofe-
clusive na sua diferença com aquilo que recidas aos jovens. Entre as demandas
parece ofertado pelo poder público: que a FMBJ apresentou aos poderes
56 Ibase | Pólis
No entanto, nessa situação-tipo, pa- mília MBJ. Um dos motivos citados pelos
rece que uma das dimensões da violên- entrevistados para a conformação do gru-
cia – a produzida pelo crime organiza- po foi mostrar para a sociedade que eles
do contra os próprios jovens moradores não eram bandidos. Como mostra um
das favelas – está interdita nesse espaço, dos jovens entrevistados, quando aponta
não sendo tratada em nenhum momento, as “bandeiras” de cada grupo de hip hop
nem nos debates organizados nos encon- que compõem a articulação da FMBJ,
tros, que ficaram centrados sobre o tema esse tema é um dos mais presentes:
da violência policial contra os jovens. A A questão da violência praticada con-
pesquisadora se interroga sobre o sentido tra os jovens do morro, porque a polí-
dessa ausência, aventando o receio de cia quando subia o morro não queria
provocação de represálias sobre os pró- saber quem era quem. Subia atiran-
prios jovens. do e derrubando portas de barracos,
O tema da redução da maioridade batendo na gente, numa demonstra-
penal também está presente para as li- ção de pura brutalidade contra os jo-
deranças de outros segmentos, como no vens, que era aquele lado mais obs-
caso das lideranças estudantis, mas não curo enfrentado pela juventude. Essa
apareceu como mote de atuações, embo- era a mensagem da Juventude San-
ra saibamos que as entidades estudan- grenta, que tinha como objetivo de-
tis estejam engajadas nos movimentos de nunciar e lutar contra a violência do
resistência contra a redução, assim como sistema e também do crime. Bando-
certas entidades sindicais e os movimen- leiros do Agreste, que procura mos-
tos vinculados ao hip hop. trar as ações de grupos de extermí-
No caso dos jovens do hip hop, a vio- nios, que agem nas caladas da noite
lência policial é vivida como um dos mais tirando a vida de nossos jovens e pais
contundentes fatores de discriminação e de família no morro. A Voz do Morro,
desrespeito aos direitos de cidadania. “A retratando o lado da infância perdida
questão da violência, da identidade nega- no crime (MC JC).
da, está sempre presente na leitura que o
rapper faz sobre a forma como o sistema, Sua estratégia de luta, além da de-
representado pela polícia e pelas institui- núncia da violência sofrida sempre pre-
ções sociais, lêem a realidade” (Alves; Al- sente nas músicas e nos grafites, é a do
vim, 2007). Eles se sentem perseguidos e fortalecimento e da valorização de sua
agredidos por serem jovens negros, mora- identidade e de sua produção cultural.
dores de bairros com altos índices de vio- Buscam construir outro modo de serem
lência e por serem visto através desse es- reconhecidos socialmente. Nesse senti-
tereótipo pela polícia e abordados como do, o trabalho social que realizam nas co-
se fossem todos, “naturalmente”, envolvi- munidades em que vivem também co-
dos com o crime. Como agravante, o pró- labora para essa estratégia. Avaliam que
prio rap é considerado por muitos como conquistaram uma força maior, sentem
música de bandido e a identificação com que puderam superar o preconceito exis-
o hip hop também se torna elemento de tente na própria comunidade e consegui-
“criminalização”. Suas histórias pesso- ram a diminuição da criminalização do
ais acumulam experiências concretas de hip hop produzida pela policia. Ou, como
agressões, de violência física e simbólica. diz um dos jovens:
Por isso, um dos trabalhos de interlocução A família MBJ ajudou na construção
mais difícil é, justamente, com a polícia. de uma proximidade maior com a co-
A questão da violência é tão impor- munidade. Aqui está a nossa força.
tante para o hip hop que está no centro Sem a comunidade a gente não pros-
da motivação para a organização da Fa- segue. Então, esse era o primeiro
58 Ibase | Pólis
dividualismo; de garantir a paz e os di- dução da experiência do acampamento:
reitos humanos, as liberdades políticas e a economia solidária como forma de pro-
a democracia. dução econômica e social; a preservação
Fazem a ligação dessas perspectivas ambiental (traduzida em práticas como
de transformação mais global e estrutural alimentação orgânica e bioconstrução); a
com demandas específicas: vários desses livre comunicação e o uso de tecnologias
atores têm buscado explicitar essa ligação da informação baseada em softerwares li-
nas pautas, principalmente por meio da in- vres; a diversidade cultural e de orienta-
serção do ponto relativo à necessidade de ção pessoal (sexual, religiosa etc.); e a
repensar o modelo de desenvolvimento autogestão, a democracia direta e a rela-
para a promoção de políticas de inclusão ção de horizontalidade como princípios de
que respondam às demandas dos jovens. organização social e política.
No caso do combate ao desemprego, a co- É nesse sentido que as lideranças (os
nexão aparece como fundamental. Nas de- integrantes do COA) entendem e tradu-
mandas apresentadas pelas entidades ge- zem sua demanda. E consideram que a
rais à educação, aparece a luta contra o presença das “diferentes demandas” dos
princípio do privado versus o público, con- diversos atores, que também constituem
cretizada por meio dos eixos do combate à a experiência do acampamento, são re-
“mercantilização da educação” e à “inva- significadas quando incorporam tais prin-
são imperialista” no ensino privado (eixos cípios e quando os jovens saem da expe-
de atuação da UNE). riência agregando tais princípios às suas
No FJRJ também encontramos, em pautas. Ao mesmo tempo, se revela nas
um documento que lista seus objetivos e decepções geradas pelas últimas experi-
suas contraposições, o repúdio a “todos ências do AIJ, quando avaliam que, por
os projetos e todas as políticas públicas muitos jovens não aderirem a tais princí-
que não tenham a perspectiva de trans- pios, a experiência tenha se descaracteri-
formação social”. No hip hop, há a refe- zado como proposta.
rência à necessidade de derrubar o siste- Por outro lado, é possível ver que es-
ma, de fazer a revolução. sas definições criaram pontos de tensão
No AIJ, essa é a “bandeira central”. com outras lideranças juvenis, que con-
É importante reparar que a demanda ge- sideram tais bandeiras demasiado van-
ral de transformação não aparece para os guardistas, com pouca capacidade de
integrantes do COA como síntese ou con- permitir a “unificação” dos movimen-
junto das diversas demandas apresenta- tos juvenis. Para essas lideranças, a idéia
das pelos atores que ali se reúnem, mas da unificação das pautas ou uma síntese
como determinada perspectiva de trans- das diferentes demandas, tal como a pro-
formação do mundo. Talvez a idéia de sín- posta inicial do acampamento, aparecia
tese estivesse presente no início, mas a como mais factível e eficaz. Talvez, aqui
configuração da bandeira da “possibilida- esteja embutida uma divergência relati-
de de outro mundo” que deve ser posto va ao projeto de transformação do mun-
em prática já apresenta, na verdade, um do. Nem todos os princípios empunhados
conjunto de princípios que devem organi- pelo COA são conicidentes com os alicer-
zar esse “outro mundo”. O enquadramen- ces do “outro mundo” que os integrantes
to geral do que se combate é o mesmo dos partidos de esquerda almejam.
dos outros atores da esquerda: a busca
de reversão do capitalismo e do neolibe- Visibilidade
ralismo, do modelo de globalização, do in- Para além das demandas nomeadas
dividualismo e do consumismo. Porém, a como tais, consideramos importante in-
proposição está fundada em certos princí- cluir a observação de que uma questão
pios, o tempo todo reafirmados pela pro- que aparece de modo importante para
60 Ibase | Pólis
jovens sindicalistas e nos debates mais É importante dizer que as experiên-
gerais sobre as questões e necessidades cias de mobilização constituídas pela Re-
dos jovens. Nesse caso, é uma invisibili- volta do Buzu e pelos AIJs revelaram, aos
dade que precisa ser rompida. próprios jovens e à sociedade, de forma
surpreendente, a disposição e o engaja-
Participação mento dos jovens e a massividade desse
Para alguns atores, um mote muito im- engajamento. O número de manifestantes
portante é a abertura de espaços de par- de Salvador (cerca de 20 mil), e sua garra,
ticipação, seja como demanda expres- mantendo-se mobilizados, por aproxima-
sa (por exemplo, o caso do FJRJ, com damente 20 dias, com manifestações pú-
relação aos espaços institucionais para blicas que impactaram a cidade, dão a di-
a formulação de PPJUV, ou o caso do mensão de uma juventude nada alienada
AIJ, cuja primeira demanda é justamen- ou acomodada. No caso do acampamen-
te a de propiciar a participação dos jo- to, não só o número dos participantes (de
vens no Fórum Social Mundial), seja 2.500 a 35 mil, da primeira à ultima edi-
como perspectiva de atuação (como no ção) como a extensão da diversidade de
caso dos jovens sindicalistas, que esta- atores que acorreram à experiência supe-
belecem entre suas principais diretrizes raram, sucessivamente, as expectativas.
a construção e conquista de espaços no Essas experiências fornecem o retrato de
interior de suas organizações). um engajamento até então pouco visível
De modo geral, a participação consti- nessa dimensão. Em ambos os casos, é
tui uma perspectiva básica para todos os possível pensar que produzem marcas na
militantes e todas as lideranças dos mo- experiência de uma geração.
vimentos e organizações juvenis em dois Para além dessas dimensões gerais
planos: a ampliação da participação dos relativas à questão da participação, em
jovens nos processos sociais e políticos e, dois casos ela aparece mais explicitamen-
principalmente, nas organizações a que te como demanda na constiutição do ator.
pertencem (configurando estratégias para Primeiramente, no Fórum de Juven-
estimular o engajamento de jovens nas tudes do Rio de Janeiro, que se constitui
suas entidades, em campanhas etc.); e como espaço de articulação de organi-
ampliação da participação dos jovens ato- zações e de jovens em torno do tema da
res nos espaços de poder constituídos ou juventude. A participação se apresenta
nos espaços de articulação dos proces- como demanda central, dirigida aos pro-
sos de transformação em curso. cessos e espaços instaurados no cam-
Há referências, também, a uma de- po das políticas de juventude: “O Fórum
manda geral de aumentar a possibilidade de Juventudes tem como principal ‘ban-
de participação dos jovens na medida em deira’ a discussão sobre as políticas pú-
que eles são, muitas vezes, desqualifica- blicas de juventude e a participação dos
dos pelas instituições, como aparece no jovens em espaços de definição e ela-
estudo da Revolta do Buzu: boração destas políticas” (ver Brenner,
Os entrevistados, no entanto, ao re- 2007). Tal objetivo está fartamente ex-
latarem suas dificuldades em ser jo- presso nos documentos encontrados. A
vem, revelam que, na realidade, gos- pista explorada no estudo é, porém, a de
tariam de ser reconhecidos como que essa bandeira aparece como justifi-
pessoas que podem oferecer sua cativa retórica repetida por jovens e lide-
contribuição onde quer que estejam: ranças, mas que não encontra ação prá-
numa reunião de bairro, de esco- tica correspondente.
la, na organização de algum evento, A busca de participação se configura
mesmo que não esteja voltado para em pelo menos três níveis: incluir a parti-
os jovens (Oliveira; Carvalho, 2007). cipação dos jovens que são público-alvo
62 Ibase | Pólis
políticas de trabalho para jovens, ou as situações. Por um lado, isso nos ajuda
seja, a luta por espaço não vem as- a sustentar a idéia da existência de uma
sociada à luta por direito ao trabalho multiplicidade das dimensões da condi-
(decente) das jovens gerações (Corro- ção juvenil. Por outro, nos coloca ques-
chano; Nascimento, 2007). tões a respeito de onde se ancora sua sin-
gularidade. Se há demandas recorrentes,
O tema da participação, por outro ân- em que medida apontam para a constitui-
gulo, também encontra centralidade no ção de eixos gerais? Pode-se dizer que re-
AIJ: sua própria constituição é fruto de velam conteúdos comuns da condição ju-
uma demanda de garantia e ampliação da venil? Nesse caso, quais são as diferenças
participação da juventude no Fórum So- de formulação que indicam desigualda-
cial Mundial, estruturando uma possibili- des no modo como se apresentam como
dade de hospedagem e participação sem carências? O fato de comporem temas co-
ser, necessariamente, por meio de repre- muns (como educação, trabalho, cultu-
sentação institucional (no FSM a inscrição ra, circulação) implica a possibilidade de
era por entidade), assim como de inclusão constituir motes ou alvos de luta comuns,
dos temas da juventude no fórum. gerais o suficiente para estruturar pautas
Essa perspectiva se mantém e se ou lutas unificadas? Ou os acentos e as in-
amplia. Para além da conquista de es- flexões são tão grandes que inviabilizam
paço de participação, trata-se, cada vez a apresentação unificada? Em outras pa-
mais, da transformação do próprio modo lavras: poderão sustentar a construção de
de participar, de fazer política: postulan- pautas da juventude? O que indica que
do outra relação da política com a cultu- tais demandas formem conjuntos articula-
ra, com o comportamento e com a vida, dos pela singularidade de sua inflexão ju-
consubstanciada na idéia de experimen- venil e não pela de outras identidades que
tação dos princípios e das diretrizes. O também vivenciam (de classe, de etnia, de
grande sentido de sua atuação vai ser, condição de moradia etc.) ?
então, a proposição de outra forma de As perguntas, que foram sendo fei-
participar e construir o mundo social, tas ao longo do exame das demandas
efetivando os princípios de autogestão, desses jovens, têm a ver, em boa parte,
democracia direta em vez de representa- com a existência ou não de uma especi-
tiva e o estabelecimento de relações hori- ficidade juvenil das demandas: em que
zontais e não verticais: medida são juvenis? São juvenis porque
A grande contribuição e ‘novidade’ são específicas da juventude ou porque
que tínhamos para oferecer era a idéia são sentidas e empunhadas por jovens?
de uma militância fora de partidos e São juvenis apenas na forma de expres-
de aparelhos, que você voltava à ação são e mobilização e não no conteúdo?
direta, às práticas (software livre, eco- Ou porque são mais presentes – ou fa-
nomia solidária etc., e à construção de zem mais sentido – nesse momento da
circuitos alternativos em vez de seguir vida? Ou, ainda, porque expressam o lu-
uma agenda vinculada à política elei- gar e o significado que têm nas suas vi-
toral. (Fischer; Corrêa; Amaral, 2007). das como jovens?
É bom relembrar que há uma valo-
Considerações sobre as demandas rização diferente por parte de cada ator
estudadas sobre o conteúdo juvenil da deman-
Lançando um olhar geral sobre as deman- da. Alguns fazem disso um ponto de for-
das presentes nessas situações, podemos ça (Sintratel, hip hop), outros vêem nisso
notar que cada segmento ou ator apre- uma diminuição da importância e bus-
senta várias demandas e que há deman- cam mostrar que suas bandeiras vão
das que estão presentes em quase todas além do âmbito juvenil, como no caso da
64 Ibase | Pólis
mandas de inclusão social acontece por mas, ou inflexões de temas, ainda pou-
uma “regressão do político”, como inter- co incorporados: incluir cultura e lazer,
pretam alguns? Por que os jovens de hoje por exemplo, como tema de importância
têm demandas menos nobres, generosas maior que a encontrada hoje, amplian-
e utópicas que os de gerações passadas? do a noção do direito à cidade; abrir no-
Por que são esses os temas que expres- vas frentes de luta na postulação da idéia
sam as contradições que vivem e que se de trabalho decente, forçando a conside-
transformam em problemas políticos cen- ração de novas combinações entre as di-
trais no modelo econômico e social exclu- ferentes dimensões que compõem a vida
dente que vivemos? atual; e, nesse sentido, ampliar a própria
Não é que as demandas políticas, concepção a respeito de direitos funda-
ou as subjetivas, estejam ausentes. As mentais vigentes na sociedade.
“questões subjetivas” vêm implicadas em Por outro lado, parece instigante per-
questões de identidade social e cultural, guntar como a reunião de diversidade de
de gênero e raça, assim como da própria demandas se relaciona com a possibilida-
identidade juvenil. As questões relativas à de de montar uma agenda única. A idéia
dimensão propriamente política vêm im- de uma conjunção de bandeiras diver-
bricadas na demanda por participação, sas está presente, embora com profundi-
por incidir nos debates e definições de dades distintas, no AIJ, na Família MBJ –
políticas e pelos questionamentos e pe- reunião de várias bandas, cada uma com
las proposições sobre as formas de “fazer sua bandeira, mas fortalecendo-se num
política”, sobre os modelos de represen- conjunto – e, de certo modo, nas mani-
tação, de democracia e de gestão (AIJ). festações da Revolta do Buzu, quando
Nesse sentido, é possível dizer que se pensa que não se trata de uma única,
as demandas concretas estão bastante li- mas de várias manifestações que valoram
gadas às demandas simbólicas, e que é diferentemente cada uma das reivindica-
nesse imbricamento que podem ser per- ções do movimento.
cebidas as inflexões juvenis nas questões Já apontamos que certos atores juve-
sociais ou nos direitos universais. nis vêem negativamente essa postura (da
Por outro lado, é preciso ressaltar a di- multiplicidade de direções impressas nas
mensão política que as questões sociais mobilizações) e valorizam a questão da
têm nessa conjuntura histórica, na medi- unidade e direção única do movimento.
da em que remetem às desigualdades es- Para o COA, estamos em uma nova forma
truturadas e mantidas pelo modelo de de- de fazer política, que contém princípios
senvolvimento, pelo “sistema” (nos termos políticos muito consistentes.
do hip hop), pela “ordem neoliberal” (nos Quais são as limitações de uma e ou-
termos do AIJ). O vínculo das demandas tra perspectiva? Quais são, assim, as pos-
concretas de inclusão social com as pro- sibilidades de criar pautas comuns para
posições de transformação mais geral do além do arrolamento de demandas pon-
mundo, processadas por boa parte do ato- tuais (as famosas listas de demandas
res, aponta nessa direção. Pode, nesse em que se transformam os documentos
sentido, ajudar a revelar contradições do que saem dos encontros, fóruns e confe-
modelo de desenvolvimento? rências)? Qual a chance dessas listas se
Assim, cabe considerar que essas transformarem em eixos de luta e diretri-
demandas apresentadas do ângulo da ju- zes de políticas?
ventude podem trazer contribuições ao No entanto, para perseguir essas
debate geral sobre os direitos negados e questões, é importante ver não só as de-
aqueles a serem conquistados. Se pude- mandas explicitadas pelos jovens, mas
rem ser consideradas, podem ampliar a quais entram nas pautas mais gerais e
pauta das reivindicações, incluindo te- de outros atores. Por esse ângulo,
66 Ibase | Pólis
embora já tenha sido anotado em ou- tencente ao FJRJ, a dificuldade, por par-
tro lugar a permanência de descompas- te desses atores, de inserir o tema da
so entre a participação das mulheres nas juventude como nova pauta de reivindi-
mobilizaçãos e nos cargos de liderancas cações, uma vez que tanto os militantes
das entidades,22 esse é um direito afirma- GLBTT quanto os negros estariam muito
do com convição pelos entrevistados. As “amarrados” a causas específicas e não
linhas de ação para sua promoção cons- perceberiam a razão de falar sobre ju-
tam na proposição de várias entidades. ventude além de sua causa principal.
Não encontramos, no entanto, nenhuma No caso do setor de telemarketing, as
bandeira empunhada explicitamente en- questões de gênero, raça e orientação se-
tre os atores destes estudos. xual são temas presentes de forma signi-
O tema da orientação sexual é o que ficativa na própria composição da cate-
parece causar maior dificuldade de acei- goria. São, desse modo, temas explícitos
tação dos trabalhadores da cana até as para a atuação sindical, principalmente
lideranças estudantis. No entanto, en- as questões de gênero e orientação se-
gendra configuração de ações afirmati- xual. Curiosamente, a questão de raça é
vas ou estabelecimento de relações com menos presente:
atores constituidos por essa identidade: Embora a pesquisa tenha registra-
podemos perceber isso por meio da re- do maior participação de jovens e
ferência à tentativa do FJRJ de estabele- adultos que se autodeclararam par-
cer relações com o Fórum de Gays, Lés- dos ou pretos (64%) e o telemarke-
bicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais ting seja um setor que emprega pro-
(GLBTT); na importância que adquiriu o fissionais negros, ações afirmativas
tema nos últimos AIJs com a constituição ou experiências de discriminação
do Planeta Arco-íris; e na configuração de vinculadas ao segmento foram pou-
uma linha de ação dentro do Sintratel. co apresentadas pelos entrevistados.
Para o FJRJ, há referência explíci- A discriminação racial foi comentada
ta, embora bastante genérica, ao direi- apenas por uma jovem trabalhado-
to à diversidade, tal como está registrado ra, que assegurou ter sido preterida
em um de seus documentos, na forma no espaço escolar por ser negra, e
de repúdio à “discriminação de raça, gê- por uma liderança do Sintratel, que
nero, orientação sexual, classes, gera- relatou que ações discriminatórias fi-
ção, religião e pessoas com deficiência”. guram entre as queixas que os tra-
Parece interessante, porém, examinar balhadores encaminham para o sin-
no FJRJ como aparecem as tentativas dicato. [...] Já as temáticas gênero
de construir relações nesse campo (um e orientação sexual estiveram mais
dos entrevistados informou que o fórum presentes neste estudo por con-
ainda tenta aproximar representantes do ta das particularidades sociológicas
movimento GLBTT, citou ainda o dese- da situação-tipo aqui estudada, uma
jo de ver participando do fórum um dos vez que o setor de telemarketing tem 22
Lançando um olhar sobre a ques-
movimentos do Rio de Janeiro mais ar- como características a predominân- tão da valorização da diversidade de
gênero no interior das organizações
ticulados em torno da questão dos pré- cia da mão-de-obra feminina e a que se destacaram na manifestação
de 2003 e cujos representantes
vestibulares populares, que é o Pré-ves- contratação de trabalhadores de dis- foram entrevistados, naquele
tibular para negros e carentes – PVNC) tintas orientações sexuais. [...] As li- período, havia grande presença
feminina, como é possível verificar
e, ao mesmo tempo, os limites dados deranças sindicais do ator privilegia- entre as pessoas entrevistadas pelos
jornais e documentários da época.
pela dificuldade desses atores consituí- do neste estudo, o Sintratel, também No entanto, a presença feminina
entre as lideranças das organizações
dos em torno da afirmação de identida- realçaram o significativo número de e dos coletivos juvenis foi bastante
des muito discriminadas de assumirem profissionais mulheres e de diferen- inferior à masculina. Nas eleições
para entidades como a UNE e Abes,
outras pautas além das suas originais; tes orientações sexuais no setor de ou para o grêmio do colégio Iceia,
porém, constata-se a emergência de
ou como identifica um entrevistado per- telemarketing e argumentaram que novas atrizes na cena pública.
68 Ibase | Pólis
Relatório Nacional do Brasil 69
4. PERCEPÇÕES DOS ATORES E/OU MEDIADORES
DAS DIFERENTES SITUAÇÕES-TIPO SOBRE OS
TEMAS RECORRENTES NAS AGENDAS
PÚBLICAS CONTEMPORÂNEAS
Uma primeira observação a fazer é que poucos desses o oxigênio”. Aqui, é interessante notar a
temas são realmente recorrentes entre as situações- ausência de qualquer menção ao etanol
tipo estudadas. A questão da violência, na verdade, (álcool como combustível): “Seria impor-
é a que aparece mais presente, como já assinalamos tante, em outra pesquisa, aprofundar essa
ao separá-la como demanda a ser examinada mais discussão indagando até que ponto a pre-
profundamente, uma vez que aparece como questão ocupação ecológica nas áreas rurais se li-
expressa e enfrentada por diversos atores. Cabe dizer mita ao âmbito da produção familiar e da
que, nesta parte da entrevista, foi também o tema que luta pelo acesso à terra, não entrando re-
mais sucitou intervenções. almente na pauta do trabalho assalariado”
(Novaes, J., 2007).
Curiosamente, a sexualidade apare-
Por outro lado, meio ambiente e ecologia ce como tema apenas em alguns casos,
aparecem de modo esporádico, na forma causando constrangimentos e estranha-
de preocupação genérica, nas falas dos mento (como no caso dos estudantes).
estudantes e outros entrevistados, como Torna-se curioso reparar que os próprios
na vertente encontrada entre as lideranças jovens, muitas vezes, dão um conteúdo
estudantis: “o tema relacionado à ecologia de irresponsabilidade ou promiscuidade
e meio ambiente evidencia preocupação ao comportamento sexual juvenil. Contra-
com um futuro que está próximo, quando riamente, é a área comportamental vista
não só a ‘vida do planeta’, mas do próprio com maior valorização entre os trabalha-
jovem está comprometida caso não sejam dores da cana, que anotam a maior liber-
tomadas medidas urgentes (governamen- dade para se falar do tema hoje em dia.
tais, empresariais e individuais)”. Mas, em O tema da sexualidade, associada
nenhum dos casos, a questão ambiental à saúde, aparece espontaneamente en-
aparece como mote de aglutinação organi- tre os jovens trabalhadores urbanos re-
zativa ou de mobilização. ferida como uma temática que necessi-
O caso dos trabalhadores do cor- ta ser incorporada nas agendas sindicais,
te da cana merece ser examinado com especialmente no telemarketing, onde há
mais cuidado. Nota-se que nos documen- grande número de jovens trabalhadores.
tos das organizações que falam de inser- Uma das sindicalizadas do Sintetel rela-
ção produtiva de jovens na agricultura, via tou que a preocupação com a saúde dos
de regra, há menções ao ideário ecológico jovens não deve se restringir às doen-
traduzido como “empreendimentos ecolo- ças decorrentes do ambiente do trabalho,
gicamente sustentáveis”, por exemplo. Os mas abranger a prevenção de doenças
entrevistados explicitaram um conjunto de sexualmente transmissíveis e de gravidez
percepções sobre o tema, como “ter mais não planejadas por meio de cursos nas
cuidado com a poluição”; “tem que pre- empresas ou de oficinas nos sindicatos.
servar muito”, “tem que pensar melhor”; Vale ressaltar, ainda, que dois dos jovens
“transtorno no meio ambiente cada dia fizeram relação do tema com a definição
destrói mais; “o aquecimento acaba com da orientação sexual: um deles atentan-
70 Ibase | Pólis
do para o “livre arbítrio para a escolha”; o
outro, argumentando que a homossexua-
lidade é produto da ausência dos pais na
educação dos filhos (Corrochano; Nasci-
mento, 2007).
Nesse sentido, embora não haja ele-
mentos suficientes para produzir nenhu-
ma interpretação mais consistente a esse
respeito (pois a ausência desses temas
pode ser fruto apenas dos atores e das
demandas escolhidos no escopo deste
projeto), pode-se anotar a pergunta so-
bre se esses temas não têm sido mais
presentes nos projetos destinados aos jo-
vens, que resultam de estímulos e finan-
ciamentos por parte de organizações de
cooperação, que propriamente deman-
das que mobilizam jovens.
Outro eixo implicado no debate sobre as possibilidades senvolvimento de uma ação específica e
da interferência dos jovens diz respeito a formas de eventual, mas que acabam assumindo
participação. Muito desse debate gira em torno de existência e identidade política própria
quais seriam os traços que poderiam caracterizar (por exemplo, o COA).
os estilos de atuação política dessa geração. As Com relação ao modo como se orga-
observações colhidas neste estudo não nos autorizam nizam: aqueles que se constituem como
a aprofundar tal caracterização, mas sim a explorar entidades de representação assumem as-
algumas das questões presentes. Uma delas é, pectos de organização com maior grau
justamente, o questionamento da possibilidade de de formalidade e hierarquia, a partir da
desenhar uma caracterização genérica das formas constituição de direções e cargos com di-
atuais de organização e atuação dos jovens, ou a ferentes atribuições de papéis e poder in-
existência de uma tendência de conformação de um terno. Em outras, há formas mais fluidas
“novo estilo” como superação de outro “velho” ou ou, como diz um dos integrantes da Fa-
“tradicional”. Mais uma vez, parece que o possível mília MBJ, com “uma estrutura deses-
de ser dito, nesse quesito, é que existem vários estilos truturada”, seja porque são grupos in-
que coexistem e, na verdade, disputam entre si, sem formais, ou menos estáveis, seja porque
que seja possível verificar predominância de uns buscam, conscientemente, estabelecer
sobre outros. outras formas de relação de participação,
explicitada, por exemplo, pelos mem-
bros do COA. É possível, de todo o modo,
Os estilos de atuação também podem ser perceber que a necessidade de forma-
verificados quando observamos o modo lidade e as vantagens da informalidade,
de constituição dos atores e as arenas es- a valoração negativa ou positiva da insti-
colhidas para atuação. tucionalidade, a função ou pretensão de
No conjunto aqui considerado, apa- representação e os fundamentos da legi-
recem entidades de representação de timidade das lideranças variam bastante
23
É importante ver que, aqui, a categorias (como as estudantis e as sin-
organização e atuação se fazem para
e constituem temas de discussão, de ten-
lograr, ao mesmo tempo, inserção dicais) em âmbito local (grêmios, sindi- são e conflito entre os atores juvenis.
social coletiva e individual.
24
Somando 13 representantes mas
catos), regional (UEB) ou nacional (UNE, A Família do Morro do Bom Jesus se
referido a cerca de 60 jovens, quando Ubes, centrais sindicais); aqueles que se estruturou como um coletivo de diversos
computados os integrantes dos
grupos: “A família, então, surge da constituem como seções jovens de or- grupos de hip hop de dois bairros da cida-
necessidade de mostrar o que se pas-
sa no morro, mas de forma que fosse ganizações maiores (coletivos juvenis de de de Caruaru. Segundo seus integrantes,
possível perceber que tudo tem a ver
com tudo. Isso não podia ser feito
centrais sindicais, juventudes partidá- se juntaram para reunir forças, ampliar a
por um grupo só. Então, você veja: rias); grupos que se articulam em torno voz e produzir uma interferência pública
a Obsessão ia apresentar apenas a
questão do racismo. Um jovem negro de identidades ou referências culturais maior, potencializando a capacidade de
como o “Preto-RF”, falando que é dis-
criminado por ser da favela. O que se (hip hop) e que podem ter atuação local ação. Ao mesmo tempo, buscam fornecer
podia pensar? Que era um recalcado,
frustrado, que se queixa de não ter
(como a FMBJ) ou nacional (como cer- uma estrutura de apoio para cada um dos
tido êxito na vida e culpa o racismo. A tas articulações do hip hop que partici- participantes.23 A FMBJ se constitui, as-
Juventude Sangrenta falando dos pais
de família assassinados no morro pela param dos AIJ); fóruns e redes que arti- sim, como uma espécie de conselho dire-
polícia ou morrendo no crime, o que
iriam dizer? Uns marginais querendo culam organizações juvenis, assim como tor formado por um representante de cada
defender os criminosos. Mas, aí,
você tem a família, todo mundo junto
aquelas que incluem ONGs que dirigem banda de rap do Morro Bom Jesus,24 com
dizendo tudo isso, um grupo grande, ações a jovens (como o FJRJ); e, ain- a função de pensar as ações em conjun-
mais de 60 jovens. Quando a gente
faz os shows na Praça do Centenário, da, atores que se constituem para o de- to: funciona como o “cérebro” das ações
72 Ibase | Pólis
no hip hop no bairro. Não há direção ou os grafites) que “colocam sua voz”, que
representação instituída; distribuem en- se expressam publicamente, que se co-
tre si as tarefas sem hierarquias definidas. municam com aqueles que querem atin-
É claro que alguns se destacam numa re- gir com sua atuação.
lação de liderança, inclusive para as rela- O segundo plano é o da “atuação
ções externas, que não é formalizada. comunitária”, em que buscam interfe-
Nesse conselho, discutem e acertam rir no atendimento das demandas (ex-
posições e posturas que devem assumir pressas nas músicas) para os jovens dos
coletivamente e as orientações que que- seus bairros e, ao mesmo tempo, das de-
rem passar para os jovens do hip hop e mandas para a realização das atividades
do bairro em geral, mas sem decidir so- constitutivas do primeiro plano: a escola e
bre as posições que cada grupo toma na o espaço para o desenvolvimento da pro-
sua atuação particular. Como observam os dução cultural; a negociação das possibi-
pesquisadores, “parece não haver preo- lidades de ocupação do espaço público
cupação com a manutenção de uma con- para a realização de suas atividades etc.
formidade de discurso ou de ação: cada As demandas são dirigidas, des-
um é cada um”, expressão corrente en- se modo, tanto a dimensões bastante
tre seus integrantes (Alves; Alvim, 2007). abstratas, tais como a “sociedade” ou
Essa também parece ser a forma como se “o sistema”, quanto aos interlocutores
pensam, “orientadores de posição” frente mais próximos e concretos – ou seja,
aos jovens das suas comunidades: “Nós, aos representantes locais do poder pú-
do hip hop, procuramos alertar os jovens blico ou às direções dos equipamentos
dos perigos da vida bandida, mas cada públicos existentes.
um é livre para escolher os caminhos que Questionamentos sobre a legitimida-
quer. No rap a gente mostra esses dois la- de das “lideranças institucionalizadas”
dos da vida” (trecho do depoimento de nas entidades e sobre a necessidade de
Suspeito. Alves; Alvim, 2007, p. 27). relações mais horizontais também estão
Nesse sentido, a FMBJ se coloca, ao presentes, enfaticamente, na Revolta do
mesmo tempo, como grupo específico e Buzu. Há uma observação interessante
como expressão de um movimento dentro no relatório desse estudo de que o acon-
do hip hop. Neste momento, buscam se tecimento consistiu em várias manifesta- desce toda a juventude do morro,
bairros Centenário, São Francisco,
constituir como uma ONG, para potencia- ções e não em uma única e gigantesca. Salgado, Cohabs, enfim, aquela mul-
tidão de jovens repetindo os refrões
lizar o desenvolvimento de projetos (artísti- Isso está relacionado ao fato de que não das bandas. Isso sim é pressão! Os
cos e de atuação com a comunidade). foi um movimento inteiramente planejado pais desses jovens tudo ali, apoiando
o grito deles. Essa era a intenção. E aí
As formas de atuação se apresentam, e orquestrado por uma liderança unifica- você tinha, do outro lado da cidade,
seja no São Francisco, seja no Alto da
basicamente, sobre dois planos: o primei- da, embora esse seja um ponto polêmico Balança, os parceiros que colam com
a gente, fazendo suas paradas, sozi-
ro é o da “expressão artística”, cultural, na suas interpretações. Tal polêmica é, nhos também. Então, vamos juntar
através das músicas, da dança e do grafi- na verdade, extensão das diferentes e di- todo mundo, “Poder Negro” no São
Francisco, falando do que se passa
te: esse é o modo de atuação fundamen- vergentes orientações que manifestaram na quebrada por lá, e “Alerta Pro
Sistema” disparando o verbo contra o
tal, a base de sua existência como ato- tanto em torno da demanda (do que era sistema do lado do Salgado e do Alto
da Balança. Então, foi essa a nossa
res, o modo como fazem a disseminação central e inegociável nela), como já vimos estratégia para fazer valer nosso grito
de sua visão de mundo. É pelas músicas antes, quanto em torno da “forma de fa- de liberdade (JC, fragmento do Diário
de Campo, 23 de junho de 2007.
(nos shows, nos CDs, com as danças e zer política”. Alves; Alvim, 2007).
74 Ibase | Pólis
únicas para representarem tanto o COA cebida nos inúmeros pequenos grupos
como o FSM fazia parte do conceito de dispersos em diferentes arenas.
horizontalidade. A prática da autogestão É elucidativo, neste ponto, registrar as
se expressava no microespaço da com- dificuldades e limitações que essa pers-
posição do COA e na gestão de todo es- pectiva encontra: por um lado, as dificul-
paço do AIJ. A denominação de “Cidade dades da democracia direta e a exigência
das Cidades”, em 2003, foi destacada de dedicação quase exclusiva que os in-
nos documentos não como tendo uma tegrantes do COA têm de dar à experiên-
“pretensão de totalidade”, mas como cia; por outro, a dificuldade de aplicar tais
um respeito à diversidade da organiza- princípios (autogestão, democracia direta,
ção (em bairros), coordenada por um relações horizontais) numa “cidade” de 35
conselho de gestão e não por uma única mil pessoas. A isso se soma a dificuldade
pessoa (tipo ‘prefeito’). Há, por exemplo, de adesão dos participantes dos acampa-
um documento do AIJ que fala em “rein- mentos aos princípios propostos (que se
ventar a militância juvenil”. manifesta na dificuldade de praticá-los),
Percebemos uma lógica democráti- produzindo problemas que levaram os in-
ca ligada mais à participação dire- tegrantes do COA a avaliarem uma “invia-
ta que à representatividade, e essa é bilidade da proposta” nessas condições.
uma importante mudança de lógica Parece importante ressaltar que as
apresentada por este grupo no sen- críticas e diferenças com relação a práti-
tido de construir novas relações po- cas e concepções dos partidos políticos
líticas. Logicamente, esse princípio e “organizações tradicionais” também
vai apresentar limites relacionados apresentam conexão com as diferentes
com essa participação, pois parte posturas relacionadas ao poder público.
do pressuposto de envolvimento dos Os atores aqui considerados apresentam
atores do processo, fato que nem diferentes avaliações a respeito da “políti-
sempre se concretizou na prática ca” e dos partidos políticos.
(Corrochano; Nascimento, 2007). Em alguns casos, é muito grande o
receio da cooptação por parte de repre-
É interessante anotar que esses ato- sentantes do poder público ou de mili-
res nomeiam essa lógica de participa- tantes partidários, gerando uma postura
ção, aliada ao estilo de atuação (de ação de recusa de interlocução ou de afasta-
direta e de pôr em prática as idéias e os mento dos canais de relação com o po-
princípios) como o de uma “nova gera- der público. Em outros, é justamente a
ção política”, indicando tanto uma ten- eles que os atores se dirigem preferen-
dência dos jovens a propor e aderir a cialmente. Em alguns casos, há alta va-
essa postura quanto no sentido de afir- lorização da organização partidária. Por
mação de uma tendência de renovação exemplo, no sindicalismo, o vínculo e a
das formas de fazer política. Mas a re- formação partidária de lideranças sindi-
sistência de muitos atores, inclusive ju- cais jovens é percebido como acrescen-
venis, em assumir tal perspectiva, sus- tando qualidade política e ampliação de
pende a possibilidade de falar numa perspectivas à organização sindical, as-
tendência de superação. Como já men- sim como possibilitando a ampliação das
cionado, trata-se de uma perspectiva possibilidades de relações e interlocu-
que disputa com outras, mais consolida- ções em vários planos de atuação.
das nos partidos e em certas organiza- Por isso, cabe aqui fazer uma di-
ções. O que talvez seja interessante per- gressão reflexiva. Por um lado, parece
ceber é que o AIJ dá maior visibilidade importante identificar um processo de
e fortalecimento político a essa postura questionamento bastante profundo da
“nova”, antes apenas pontualmente per- prática política dos “atores tradicionais”
76 Ibase | Pólis
Juventudes do Rio de Janeiro e pedem a ser necessário estabelecer alguns pon-
ampliação da importância do tema da ju- tos prioritários de discussão e ação, con-
ventude no interior de suas organizações. siderando as necessidades dos jovens e
Na maioria das vezes, há uma com- as questões que estão na pauta pública”
binação desses planos: os atores têm de- (Brenner, 2007).
mandas dirigidas ao poder público e de- Na verdade, essa tensão está refle-
mandas de ampliação na participação tida na controvérsia a respeito da ori-
das estruturas de organizações e movi- gem desse ator. Aliás, essa controvérsia
mentos mais amplos (ou demandas de também dá pistas sobre as diferentes vi-
transformação das relações políticas na sões a respeito do seu lugar e significa-
prática de suas entidades e seus movi- do, assim como sobre a importância po-
mentos), combinadas a demandas mais lítica do campo das PPJUV. Para alguns,
gerais relativas à transformação da socie- a origem vem de outra tentativa de arti-
dade, do modelo econômico e social e culação (com o nome de Rede Jovens
dos valores culturais. em Movimento), estimulada pela parti-
Assim, é possível perceber que os cipação de vários militantes no II FSM,
jovens têm se mobilizado por diversas com a proposição de “discutir o emer-
questões e em planos múltiplos, não so- gente tema da juventude, suas deman-
mente em torno de políticas públicas, das e as ações públicas voltadas para
nem totalmente ao largo delas; nem in- essa população”, mobilizando jovens
teiramente focados no Estado, nem dan- para construir uma pauta coletiva (a par-
do as costas a ele. Assim, não parece tir da discussão de seus interesses e
possível assinalar uma tendência co- suas necessidades) e colocá-la na agen-
mum nesse sentido. da pública, cobrando do poder público
O Fórum de Juventudes do Rio de soluções aos problemas e às demandas
Janeiro também parece seguir o estilo levantados pelos jovens. Essa rede não
de uma “estrutura desestruturada”, mas conseguiu se consolidar. Em seu lugar
aqui a ambigüidade com relação à forma- (na versão de uns) ou como continuida-
lidade parece ser foco de tensões: as li- de (na versão de outros), é formada ou-
deranças sentem falta de uma estrutura tra, em 2003, a partir da convocação de
de organização, algo que se assemelhas- um agente público e com uma proposta
se a uma secretaria executiva, mas, ao de articulação mais ampla, tanto em ter-
mesmo tempo, não querem criá-la, por mos sociais (da gestão pública à iniciati-
considerarem que isso poderia burocra- va privada e organizações não-governa-
tizar demais as relações, “engessando” o mentais) quanto territoriais (se propunha
fórum em uma estrutura burocrática. O como um Fórum Regional de Políticas
temor maior é que uma estrutura assim Públicas de Juventude do Sudeste do
organizada possa acabar com a esponta- país). Essa rede também não se conso-
neidade desejada pelos integrantes adul- lida, não conseguindo adesão de várias
tos. Tal espontaneidade de organização das organizações da primeira proposta.
também aparece vinculada à indefinição Um ano depois, nova rede é organizada,
de uma pauta de discussão e de ação, desta vez com o nome do Fórum de Ju-
“traduzida na possibilidade de ter agen- ventudes do Rio de Janeiro, puxada por
da sempre aberta a temas emergentes no uma entidade nova no tema da juventu-
cotidiano, nunca ocupada por temas pre- de no cenário carioca, com o “objetivo
viamente estabelecidos”. Esse parece ser de reunir jovens das organizações parti-
um dos temas mais controversos no in- cipantes para discutir políticas públicas,
terior do próprio grupo, como assinala a pois esse era um tema que estava na
pesquisadora Ana Karina Brenner, pois pauta do dia devido ao processo que se
“alguns dos seus membros acreditam desenrolava nacionalmente”.
78 Ibase | Pólis
No estudo da FMBJ, o principal me- Acadêmico de História e em partido
diador do grupo é o próprio pesquisador, político, sua postura foi de animador,
que foi professor de um dos integran- isto é, daquele que provoca a refle-
tes do grupo na época de sua fundação. xão coletiva e busca uma identidade,
Essa relação com um professor que per- uma ‘alma’ para o grupo, levando os
cebe, se interessa e cria uma relação estudantes a reconhecerem seu pa-
de interlocução, de apoio e se constitui pel de sujeitos políticos (Oliveira,
como referência para grupos de hip hop Carvalho, 2007).
(e outros grupos culturais) não é única.
No caso da FMBJ, o professor atua dan- No curso dos acontecimentos, os es-
do apoio, individual e coletivo, aos inte- tudantes tiveram, além da simpatia da po-
grantes do grupo, busca mediar a relação pulação em geral, apoio de várias enti-
com certas instituições, como a polícia e dades e vários movimentos sociais, entre
o poder local, estrutura relações com ou- eles o Movimento dos Sem Teto de Salva-
tros setores, por exemplo, com a universi- dor (MSTS), a Federação das Associações
dade e os órgãos de imprensa. de Bairros de Savaldor (Fabs), o Movimen-
Embora eles se sintam bastante soli- to dos Trabalhadores Desempregados e o
tários e com pouco apoio real no percur- “Conselho de Acessibilidade” (Cocas).
so de buscar produzir intervenções na No caso dos trabalhadores da cana,
comunidade e conquistar certos direitos, os mediadores são, na região paulista da
entraram em relação com vários atores produção sucroalcooleira, os sindicatos
institucionais (nem sempre avaliadas po- rurais e a Pastoral do Migrante (mais es-
sitivamente): direção da escola, polícia, pecificamente, nesta pesquisa, o Sindi-
primeira-dama, arquidiocese. Percebe- cato dos Empregados Rurais de Cosmó-
se que essas relações são sempre pon- polis e Região de Campinas e a Pastoral
tuadas por certa tensão, construída pela do Migrante de Guariba), embora ne-
desconfiança de haver uma intenção de nhum dos dois tenha, como já foi anota-
cooptação política ou de estabelecimento do antes, um trabalho voltado especifica-
de uma relação clientelista por parte dos mente para jovens. O sindicato media a
atores políticos que se dispõem a entrar relação dos jovens com as usinas princi-
em relação com eles. palmente em torno da luta pelo cumpri-
O professor que apóia e estimula, mento dos direitos trabalhistas. A maior
ajudando a construir a reflexão acerca da parte dos jovens procura o sindicato de
própria atuação, também aparece entre forma eventual: quando necessita de as-
os estudantes da Revolta do Buzu. Nesse sistência médica, quando os sindicatos
estudo, as pesquisadoras relatam: fazem a negociação com os patrões nas
Houve grande dificuldade em identi- paralisações das turmas e nas greves da
ficar pessoas que atuaram como ‘me- categoria, quando o sindicato fiscaliza
diadores institucionais’, sobretudo as condições de trabalho. Alguns parti-
devido à resistência dos jovens mani- cipam mais intensamente e se integram
festantes em aceitar qualquer tipo de aos sindicatos. Mas há posições diferen-
liderança ou mediação, propriamen- tes a respeito de sua importância.
te dita. Alguns professores foram cita- O trabalho pastoral consiste em dar
dos, como Raphael Cloux, menciona- apoio e prestar solidariedade aos migran-
do naturalmente pelos estudantes do tes que chegam na região de Ribeirão
colégio Iceia e lembrado pelo presi- Preto. É um trabalho de acompanhamen-
dente do grêmio do Central. Durante to dos migrantes e de suas famílias, no
a entrevista, ficou evidente que, não qual cabe tanto a evangelização, as cele-
obstante sua idade na ocasião (20 brações, as atividades culturais e os en-
anos), seu engajamento no Centro contros para conscientização dos
80 Ibase | Pólis
cais e outras organizações das classes
trabalhadoras; mas é importante notar
que eles têm, também, procurado estar
presentes nos canais de articulação “ju-
venis”, principalmente aqueles voltados
para a questão das políticas de juventu-
de (os coletivos juvenis têm assento nos
conselhos de juventude, como o Conju-
ve). Importante reparar que o ator privi-
legiado para a pesquisa dos trabalhado-
res de telemarketing, o Sintratel, também
faz conexões políticas importantes com
outros setores baseados em “singularida-
des”, como mulheres e militantes dos di-
reitos de orientação sexual.
Os atores estudantis (principalmen-
te os de caráter nacional) têm alto grau
de articulação com diferentes setores
da sociedade, inclusive com assento em
vários canais de articulação com o po-
der público (não só os “de juventude”, e
nem só os de “educação”). Não foi pos-
sível, porém, aferir quais dessas redes
ou conexões eles privilegiam. Como vi-
mos, há controvérsias mas, de modo ge-
ral, é possível dizer que existe tanto uma
orientação para articulação com a “po-
pulação” quanto com os “jovens”. Eles
têm tido participação significativa em to-
dos os momentos de encontro, debate,
seminários, fóruns, campanhas, acam-
pamentos etc.
Nesses dois casos, entidades estu-
dantis e sindicais, as articulações tam-
bém se fazem pelo recorte ideológico e
político-partidário (a escolha dos interlo-
cutores, parceiros e dos espaços de ar-
ticulação). Por outro lado, não parecem
ter investido na presença em articulações
promovidas por organizações não-go-
vernamentais de cooperação internacio-
nal. Também não parecem estar presen-
tes de modo mais orgânico nas redes e
nos fóruns mais informais que buscaram
se articular em torno do tema da juventu-
de (como o Pró-Fórum de Movimentos e
de Organizações Juvenis). Será que isso
pode indicar processos de montagem de
campos de articulações distintos entre os
atores juvenis?
82 Ibase | Pólis
As possibilidades de superar essa li- Em Salvador, o benefício foi institu-
mitação estão relacionadas à capacida- ído em 1983, proporcionando aos estu-
de de considerar, mais a fundo, as di- dantes do município o desconto de 50%
versidade de situações, as demandas no pagamento da passagem de ônibus
dos jovens e à capacidade de formular exclusivamente para os seus desloca-
respostas com formatos suficientemen- mentos à escola. Depois da mobiliza-
te flexíveis para atender às particulari- ção de 2003, ganharam o direito de usar
dades. É claro que isso não é nada fá- a meia passagem em outros períodos,
cil num país com o tamanho geográfico além do escolar, assim como aumentou
e populacional do Brasil, com a diversi- a categoria de estudantes beneficiados:
dade e desigualdade que contém. Isso hoje, têm direito ao benefício alunos ma-
significa, na verdade, considerar que a triculados em instituições públicas ou
necessidade de aumentar o investimen- particulares de ensino fundamental, mé-
to na educação vai além do aumento de dio, superior, suplência, cursos de pós-
verbas para a estrutura e a garantia da graduação de mestrado e doutorado, ca-
qualidade do ensino, implicando, tam- dastrados no Sindicato das Empresas de
bém, a importância de sofisticar os diag- Transporte de Passageiros de Salvador
nósticos sobre as singularidades juve- (SETPS) que estejam freqüentando re-
nis e as demandas apresentadas, e de gularmente as aulas, que possuam ida-
formular repostas diversificadas que lo- de mínima de 7 anos e residam a mais
grem maior ‘adesão” dos jovens aos pro- de um quilômetro da escola.
gramas oferecidos. Essa tem sido, contudo, uma das
Com relação ao direito de circulação, demandas que mais embate têm pro-
as respostas existentes estão configura- duzido entre jovens e poderes públi-
das na concessão de diferentes formas cos, principalmente na disposição dos
de passes estudantis e de fornecimento estudantes em rejeitar as proposições
de transportes especiais para acessar a de aumento da tarifa (em Vitória, capi-
escola em casos especiais (por exemplo, tal do Espírito Santo, em 2005, foram
os veículos escolares – ônibus e barcos vitoriosos ao barrar o aumento). Aqui
– no meio rural, com oferta ainda lon- se instala um debate sobre se os jovens
ge de atingir a demanda, especialmen- devem ter esse tipo especial de subsí-
te em certas regiões). Tais políticas são dio e em quais circunstâncias: a maior
definidas no nível municipal e apresen- parte dos gestores se dispõem a bancar
tam variação muito grande. Segundo le- o subsídio apenas como forma de ga-
vantamento não-exaustivo feito para este rantir o direito à educação (considerado
estudo, apenas Rio de Janeiro e Cuiabá como o essencial e dever do Estado), e
tinham passe livre; em Brasília, os alu- não para outros fins. Nesse sentido, po-
nos pagam um terço da tarifa; em Curiti- demos dizer que o direito mais genérico
ba e Belo Horizonte, a meia passagem só à circulação e à cidade, tal como for-
existe para quem comprova renda fami- mulado em certas expressões, não está
liar baixa. Outras cidades conferem meia incorporado nem respondido.
passagem a estudantes que moram a
certa distância da escola.
84 Ibase | Pólis
de jovens trabalhadores poderem aces- to da discriminação de gênero e raça no
sar tais programas, como vemos nas re- campo da educação, no campo do traba-
flexões de José Roberto Novaes (2007). lho não parecem ter aparecido com con-
Essa observação tem estado em outros sistência no caso da juventude. Menos
estudos, que apontam que somente cer- ainda com relação à discriminação por lo-
tos segmentos de jovens conseguem se cal de moradia, tão citada como proble-
valer desse tipo de apoio. ma pelos jovens.
Em outra vertente, têm sido desenvol- Um último plano pode ainda ser con-
vidas linhas de apoio a iniciativas de eco- siderado. Muitos atores, até mesmo ju-
nomia solidária entre jovens, o que vem venis, apontam para a limitação dos Es-
ao encontro de várias demandas dos jo- tados na capacidade de responder aos
vens engajados na proposição de modos problemas de trabalho e emprego, uma
alternativos ou de transformação das so- vez que são produzidos pelo modo de
ciedades, como no caso dos idealizado- produção e pelo modelo de desenvolvi-
res do AIJ. mento vigente, condicionados, inclusive,
Também, como já vimos antes, aspec- às dinâmicas internacionais do capita-
tos relacionados às condições de trabalho, lismo. Nesse sentido é que as deman-
à jornada e aos salários dos jovens apare- das relativas ao trabalho têm sido reme-
cem de maneira muito tímida no debate tidas à necessidade de interferência no
público e estão praticamente ausentes no modelo de desenvolvimento, assim como
campo das ações governamentais. no ritmo do crescimento. Pode ser in-
Com relação à demanda de combi- teressante refletir, assim, sobre ques-
nação trabalho e estudo, conforme já foi tões levantadas neste estudo a respeito
dito no item sobre educação: de setores que “absorvem” mão-de-obra
Parece evidente que as respostas ain- juvenil, constituindo-se mesmo em ni-
da são insuficientes. Ainda que nos chos de mercado de trabalho para jo-
últimos anos possam ser observados vens: o corte da cana e o telemarketing.
avanços significativos, eles são limita- Nos dois casos, embora por ângulos dis-
dos quando se trata de construir polí- tintos, trata-se de setores em expansão,
ticas específicas no campo do traba- compreendidos como eixos de desenvol-
lho. Se é fato que os jovens desejam vimento e crescimento econômico, apoia-
ampliar sua escolaridade (e aqui vale dos em tecnologias modernas e, no caso
observar, sem serem ingênuos, pois da produção do etanol, como alternati-
eles sabem que a educação não resol- va de uma produção não ambientalmen-
ve tudo), eles também reivindicam tra- te agressiva. Nos dois casos, geram pos-
balho e condições de trabalho. Assim, tos de trabalho formais para jovens. Mas
a demanda é por trabalho (decente) e o que têm representado, para os próprios
educação. Ora, grande parte das polí- jovens, como respostas de uma inclu-
ticas está muito mais direcionada para são “decente” no mundo do trabalho? O
a elevação da escolaridade e oferta de que significa quanto às possibilidades de
qualificação profissional. Assim, a ou- construção de uma trajetória “decente”
tra metade de questões levantadas de inserção laboral?
pelos jovens aqui investigados ainda Esses dois casos podem ser toma-
encontra-se sem resposta. dos para afirmar que, se por um lado,
as respostas relativas a trabalho para
Outra dimensão que aparece ainda os jovens dependem do modelo de de-
pouco considerada é a do enfrentamen- senvolvimento e do crescimento econô-
to das situações de discriminação vividas mico, por outro, as respostas “estrutu-
pelos jovens no mundo do trabalho: se já rais” têm que ser acompanhadas por
existem formulações para o enfrentamen- outras políticas que sejam capazes de
86 Ibase | Pólis
juventude (as secretarias ou coordenado- garantidos pelo Estado, também é fato
rias de juventude nos executivos – mu- que logrou muito pouco definir os conte-
nicipal, estadual e nacional), pela qual a údos específicos das políticas para além
representação da juventude no governo do estabelecimento de uma linguagem
se faz por meio da nomeação de um ges- singular e da incorporação de sujeitos jo-
tor jovem. Portanto, a interlocução real se vens nos seus processos. Nesse senti-
fará internamente ao governo, supondo- do, se contribui para afirmação da noção
se que esse gestor conhece e traduz as dos jovens como sujeitos de direitos em
demandas juvenis. nossa sociedade, contribui pouco para a
Uma questão que pode ser explici- definição da “pauta de direitos” que diz
tada diz respeito a uma problematiza- respeito aos jovens. E, talvez, para avan-
ção levantada no estudo sobre o FJRJ: as çar nesse sentido, tenha-se que mudar o
políticas de juventude teriam temas espe- modo de formulação e avaliação das po-
cíficos que diferem das demandas reais líticas, abrindo maior espaço para a com-
dos jovens e das questões em torno das preensão das diferentes situações vividas
quais se mobilizam outros atores juvenis, pelos jovens e para o debate em torno
forjados na mobilização social anterior das demandas que eles apresentam.
à criação do “espaço de PPJUV”? Mas, Entretanto, também é possível ver a
aqui, caberia perguntar: quais são as de- criação das PPJUV e de seus espaços
mandas reais que escapam às PPJUV? institucionais de formulação e execução
As demandas reais dizem respeito às po- como respostas a demandas de certos
líticas universais e não específicas? atores juvenis (juventudes partidárias e or-
Por outro lado, os estudos sobre ganizações ligadas ao movimento estudan-
telemarketing, cortadores de cana e hip til e às pastorais), com a percepção a res-
hop consideram que há demandas espe- peito dos “problemas” de inclusão social
cíficas da juventude, que implicam em identificados no segmento jovem. Há que
políticas específicas, mas que remetem a se ponderar que muitos atores juvenis lu-
direitos universais – como trabalho e edu- taram pela constituição desses espaços e
cação. E que só podem ser resolvidas, só para serem considerados na formulação
podem ser respondidas integralmente se de políticas. Como essas demandas são
atenderem às especificidades da juventu- incorporadas – e quais atores são incor-
de e se cruzadas com suas especificida- porados nos espaços de participação – é
des internas. Ou seja, há a necessidade outra questão. Pode-se pensar que certos
de aprofundar o olhar sobre as especifici- atores foram mais incorporados que as de-
dades da juventude, sobre sua diversida- mandas; que há pouco investimento – tan-
de e, ao mesmo tempo, sobre os direitos to por parte dos representantes do poder
universais implicados nessas demandas público quanto de muitos dos atores juve-
específicas. Além disso, deve-se ampliar nis – na formulação política e no debate
o leque dos direitos (e das políticas) a se- público sobre as demandas. Isso reforça
rem considerados. certa ocupação de espaços sem conteú-
Para além dessas distintas visões, do, por parte de atores jovens, e a tendên-
que certamente têm a ver com as espe- cia de formular as diretrizes dos progra-
cificidades dos sujeitos e atores pesqui- mas baseados em análises diagnósticas e
sados, vale avançar na reflexão sobre o sensos políticos comuns sobre as neces-
campo das políticas públicas de juven- sidades dos jovens sem que as demandas
tude. Se é certo que a montagem des- tenham muito peso nessas formulações.
se campo trouxe visibilidade inédita à Mas nem tanto por uma “insensibilidade”
questão da singularidade da juventude, dos poderes públicos, como pela posição
da importância de considerar os jovens que os próprios atores juvenis foram ocu-
como sujeitos de direitos que devem ser pando nesse cenário.
88 Ibase | Pólis
CORROCHANO, Maria Carla; NASCIMENTO, Érica. Demandas de jovens no mundo do
trabalho urbano: jovens, sindicato e trabalho no setor de telemarketing. Relatório
de estudo desenvolvido para a pesquisa “Juventude e integração sul-americana:
caracterização de situações-tipo e organizações juvenis”, realizada pelo Ibase e
pelo Instituo Pólis, 2007.
DAYRELL, Juarez; BRENNER, Ana Karina; CARRANO, Paulo. “Culturas do lazer e
do tempo livre dos jovens brasileiros”. In: ABRAMO, Helena W.; BRANCO, Pedro
Paulo Martoni .(Orgs). Retratos da juventude brasileira: análises de uma pesquisa
nacional. São Paulo: Fundação Perseu Abramo; Instituto Cidadania, 2005. p. 175-
214.
FISCHER, Nilton Bueno; CORRÊA, Ana Maria dos Santos; AMARAL, Márcio. Acam-
pamento intercontinental da juventude: experiência de uma nova geração política.
Relatório de estudo desenvolvido para a pesquisa “Juventude e integração sul-
americana: caracterização de situações-tipo e organizações juvenis”, realizada pelo
Ibase e pelo Instituo Pólis, 2007.
FREITAS, Maria Virgínia (Org.). Juventude e adolescência no Brasil: referências con-
ceituais. São Paulo: Ação Educativa, 2005.
______ (Org.). Conselho Nacional de Juventude: natureza, composição e funciona-
mento – agosto de 2005 a março de 2007. Brasília; São Paulo: Conselho Nacional
de Juventude; Fundação Friedrich; Ação Educativa, 2007. Disponível em: <http://
www.juventude.gov.br/biblioteca/documentos-nacionais/Conjuve%2025%20set%2
02007%20FINAL.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2007.
GUIMARÃES, Nadya. “Trabalho: uma categoria chave no imaginário juvenil?”. In:
ABRAMO, Helena; BRANCO, Pedro Paulo Martoni (Orgs.). Retratos da juventude
brasileira: análises de uma pesquisa nacional. São Paulo: Fundação Perseu Abra-
mo; Instituto Cidadania, 2005. p. 149-174.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. População jovem no Brasil.
Rio de Janeiro: IBGE, 1999. (Série Estudos e Pesquisas: Informação Demográfica
e Socioeconômica, n. 3).
INSTITUTO CIDADANIA. Projeto Juventude: documento de conclusão. São Paulo:
Instituto Cidadania, 2004.
MADEIRA, Felícia Reicher. “Recado dos jovens: mais qualificação”. In: COMISSÃO
NACIONAL DE POPULAÇÃO E DESENVOLVIMENTO. Jovens acontecendo na trilha
das políticas públicas. Brasília, DF: CNPD, 1998. v. 2. p. 426-496.
NOVAES, José Roberto Pereira. Jovens migrantes canavieiros: entre a enxada e o
facão. Relatório de estudo desenvolvido para a pesquisa “Juventude e integração
sul-americana: caracterização de situações-tipo e organizações juvenis”, realizada
pelo Ibase e pelo Instituo Pólis, 2007.
90 Ibase | Pólis
VENCO, Selma. Tempos moderníssimos nas engrenagens do telemarketing. 2006.
Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Pedagogia, Universidade Estadual
de Campinas, Campinas.
WAISELFISZ, Julio Jacobo et al. Relatório de desenvolvimento juvenil 2003. Brasília,
DF: Unesco, 2004.