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Waldenyr Caldas
TEMAS DA
CULTURA DE
MASSA
MUSICA, FUTEBOL, CONSUMO
2.000
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Waldenyr Caldas
Direção Geral
Henrique Villibor Flory
Editor e Projeto Gráfico
Karel Langermans
Editoração Eletrônica
Vinicius Bronzatto Graberth
Capa
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Sumário
A. Prefácio 07
Prefácio
A cultura de massa é, provavelmente, um dos temas masi estu-
dados das Ciências Humanas no Brasil. Nas Faculdades de Comuni-
cação espalhadas por todo país, a produção e o consumo de objetos,
faz parte de longas discussões em seminários, palestras, congres-
sos, mesas-redondas, etc.
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O texto acima faz parte da Aula Inaugural da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, ministrada pela Profa. Marilena Chauí, em 1994. O texto está
apenas mimeografado.
8
Dwight Mac Donald, “Masscultura e Medicultura”, in: A indústria da Cultura. Lisboa,
Meridano, 1977, p.71.
9
Claude Lefort, “Pensando a Política”, in: Ensaios sobre Democracia, Revolução e
Liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1994, p.74.
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Massimo Canevacci, “Giorni Cantati”, nº 2, 1982.
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Theodor Adorno, “Conversa com Beckman”, in: Educação e
Emancipação, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1996.
16
Theodor Adorno, op. cit, p. 72
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Eric Havelock, A Revolução da Escrita na Grécia e suas
Conseqüências Culturais, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1996, p.21.
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______________, op. cit., p.69.
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______________, op. cit., p.195.
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não seja unicamente sua, mas uma deliberação tomada pela própria
família (os pais) objetivando, entre outras coisas, a diminuição do dé-
ficit familiar. Basta observar que é exatamente dentro desse espírito
que os veículos de comunicação trabalham junto aos baixos estratos
da população, as mensagens publicitárias dos cursos profis-
sionalizantes de tantas instituições com o Instituto Monitor, Instituto
Universal Brasileiro, Escola Taylor etc. É o caso, por exemplo, do que
se verifica no programa radiofônico Linha Sertaneja Classe A, o de
maior audiência em sua categoria no rádio brasileiro, onde essas es-
colas oferecem cursos por correspondência sobre Rádio, Televisão,
Transistores, Eletricidade, Corte e Costura, Mecânica Geral, Mecâni-
ca de Automóveis, Bordado, Torneiro Mecânico, Desenho Mecânico,
Refrigeração e Ar Condicionado, enfim, toda uma gama de cursos
profissionalizantes.
É certamente pensando nos reflexos, nas conseqüências
dessa educação estratificada, privilégio das classes dirigentes,
que Gramsci propõe a criação de uma “escola média unificada, de
caráter formativo geral”7 .
A nós interessa, primordialmente, saber até onde a
estratificação da cultura (diferença entre conhecimento técnico-
profissional e a formação científica, por exemplo) pode ou não
interferir qualitativamente na produção e no consumo de bens
culturais. O problema aqui é, portanto, discutir se a diferença de
conhecimentos adquiridos pelas classes dirigentes e dirigida, se
traduz realmente numa avaliação estética mais e menos apurada,
respectivamente, no tocante à aquisição dos produtos da cultura.
Se, históricamente, a classe dominante sempre criou sua
própria cultura distintiva; se o proletariado enquanto classe social
que se formava, criado pela indústria capitalista moderna, não tinha
o conhecimento e a organização suficientes para criar uma nova
cultura que negasse a cultura burguesa, como mostra Alan
Swingewood 8 , hoje isso já não pode mais ser aceito como
verdadeiro. E a rigor, é um conceito que perde a História de vista.
Um conceito que não leva em conta o fato de ser impossível a
existência da cultura proletária na sociedade burguesa. É não
perceber como diz Trotsky, que “... a cultura burguesa já existia
antes de a burguesia ter galgado formalmente o poder. A burguesia
tomou o poder a fim de perpetuar seu domínio. O proletariado, na
sociedade burguesa, é uma classe sem propriedades e privada de
muitas coisas, de modo que não pode criar uma cultura própria”.9
7
GRAMSCI, Antonio, Os Intelectuais e a Organização da cultura. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1968. P. 68
8
Diz Alan Swingewood que “o proletariado, como uma classe social relativamente
‘nova’, criada pela indústria capitalista moderna, não tinha nem o conhecimento nem
a organização para criar uma cultura que rivalizasse e negasse a da classe dominante”.
In: O Mito da Cultura de Massa. Rio de Janeiro, Interciência, 1978. P.39.
9
TROTSKY, Leon, On Literatura and Art.p.34.
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MANNHEIM, Karls, op. cit., p.174.
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MANNHEIM, Karls, op. cit., p.177.
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A Escola de Frankfurt
(os postulados teóricos da industria cultural)
As tendências estruturais do moderno capitalismio industrial
coloca um problema axiomático a ser discutido pelos analistas da
sociedade: a incontestável presença do binômio consumo/lucro como
entidade que estabelece novas formas de comportamento, novos pa-
drões e valores sociais. A questão ideológica, nesse momento, assu-
me fundamental importância porque coloca em pauta a produção e o
consumo de massa que são, em outros termos, os pilares da socie-
dade de massa.
Pensadores como Theodor Adorno, Max Horkheimer Herbert
Marcuse, dedicaram boa parte da sua obra à analise desta socieda-
de, cujo resultado é conhecido por “teoria crítica da sociedade”. A
fecunda contribuição desses estudos tem estimuilado a reflexão con-
temporânea a entender melhor as relações entre Estado e indivíduo,
tendo como pano de fundo a ordem social do capitalismo organizado.
Em 1947, em Amsterdã, Adorno e Horkheimer publicam
“Dialektik der Aufklarung” 1, onde aparecem suas reflexões sobre a
sociedade e a cultura de massa. A expressão “cultura de massa” para
Adorno, já encerra em si mesma uma ambiguidade conceitual e ideo-
lógica que deve ser dissipada de imediato, para que não se confunda
cultura popular com cultura de massa. Deixando de lado esta ultima
expressão, o autor cria o termo “indústria cultural” e justifica da se-
guinte forma: “abandonamos essa ultima expressão para substitui-Ia
por ‘indústria cultural’, a fim de excluir de antemão a interpretação que
agrada os advogados da coisa; estes pretendem, com efeito, que se
trata de algo como uma cultura surgindo espontaneamente das própri-
as massas, em suma, da forma contemporânea de arte popular. Ora,
dessa arte a industria cultural se distingue radicalmente.” 2
As preocupações de Adorno com este tema, porém datam ain-
da de 1938, quando escreveu o ensaio intitulado “O Caráter de Fetiche
na Música”, cujo objetivo era estudar as transformações por que pas-
sava a música com sua inserção na produçao comercial de massa.
Nessa obra já se percebe todo o arcabouço teórico de análise sobre o
processo de reificação de produtos culturais como a música erudita,
por exemplo, que se imaginava estar à margem da estamdardizãção.
Nessas análises, na verdade, estão as “raízes” da industria cultural.
Mas o esforço teórico de Adorno não se limita à estética musi-
1
No livro de Gabriel Cohn já citado (p. 287) e de José Guilherme Merquior, Arte e
Sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin, Edições Tempo Brasileiro, Rio, 1969, p.
48, consta o ano de 1947. No livro de Alan Swingewood, também já citado, p. 14,
aparece 1944. Optei pelas informações anteriores imaginando um equívoco de
Swingewood.
2
Adorno, Theodor. “ A Indústria Cultural”. In: G. Cohn (org.) Comunicação e Indústria
Cultural, Cia. Editora Nacional, São Paulo, 1987, p. 287.
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A Escola Progressista-Evolucionista
(outra concepção teórica da. cultura de massa)
As críticas mais radicais à teoria da indústria cultural partem do
chamado “Grupo Progressista-Evolu-cionista”, que reune pensadores
como Edward Shils, Daniel Bell, David Riesman, entre outros. Liga-
dos ao pensamento sociológico americano, esses estudiosos refu-
tam o conceito “exacerbado” de indústria cultural, para proporem uma
teoria da sociedade de massa baseada na concepção de uma demo-
cracia pluralista. Este é o ponto de partida dos “progressistas
evolucionistas”. Edward Shils, por exemplo, ao analisar o pensamen-
to frankfurtiano de sociedade e cultura de nassa, apresenta um co-
mentário que oscila entre a discordância e a ironia. Acrescenta ele
que, a visão ao mesmo tempo, idealista e pessimista da Escola
Franikfurt, só tem sentido se partirmos da “fixação frustrada num ideal
impossível de perfeição humana e de uma aversão à sua própria soci-
edade e aos seres humanos tal como eram” 1
Esta frase, não analisada atentamente, pode parecer apenas
mais uma discordância, mais um protesto contra o pensamento teóri-
co dos frankfurtianos. Mas não é so. Ela encerra um componente tão
deselegante quanto equivocado. Na expressão “... aversão à sua pró-
pria sociedade e aos seres humanos ...” Shils nos leva a pensar na
situação do povo alemão (que se pense ainda em franceses e italia-
nos) diante do horror e da barbarie empreendida pelo nazi-facismo que
precedera a Segunda Guerra Mundial. A “aversão à sua própria socie-
dade” não é a expressão mais adequada para interpretar a fuga de
alguns intelectuais de Frankfurt como parece insinuar Shils que, entre
outras coisas, omite a perseguição nazista aos judeus.
De resto, a expressão “fixação frustrada de um ideal e impossí-
vel de perfeição humana”, reporta-se ao desencanto e ao péssimismo
dos frankfurtianos com a sociedade vigente. Como assinala Merquior,
“não distinguindo, nas condições atuais, nenhuma força capaz de as-
segurar a reestruturação completa da sociedade, os representantes
dessa crítica da cultura derivam , logicamente, para o pessimismo” 2
Mais adiante, Shils demonstra com clareza que não entendeu o cará-
ter universalizante da teoria da indústria cultural. Desta vez suas críti-
cas recaem sobre o seguinte aspecto: exilado que era, Adorno elabo-
rou suas análises e críticas à sociedade de massa baseado não em
experiências com sociedades européias, mas sim nos Estados Uni-
dos. Claro: a observação empírica foi a sociedade americana, mas o
modelo teórico aplica-se a qualquer sociedade de massa. Argumen-
tando o comportamento anti-capitalista e, consequentemente, anti-ame-
ricano de Adorno, Shils entende que o pensador alemão só veio co-
nhecer a sociedade em território americano. Ora, nada mais equivoca-
do que o raciocínio de Shils. Ainda nos anos trinta, na Alemanha,
1
Shils, Edward. “The Intellectuals and the Powers”, in: Monthly Review Press, New
York, 1963.
2
Merquior, José Guilherme. Op. cit., p. 149
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de dependência. 2
Não se trata, de nossa parte, deixar de reconhecer certos con-
ceitos e categorias que, como se sabe, apontam para o desenvolvi-
mento desigual em toda sociedade capitalista, apresentando como
característica fundamental, as disparidades regionais e setoriais. Esse
desequilíbrio, por outro lado, ganha contornos dramáticos no capita-
lismo periférico, em face do processo de acumulaçao do capital, re-
sultando naquilo que Florestan Fernandes chamou de “arcaização do
moderno” e “modernização do arcaico” 3. O mesmo fenômeno se apli-
ca às relações sociais na sociedade moderna. As classes sociais
(segundo a teoria da dependência) desempenham papel preponderan-
te nos planos político e econômico no sentido de viabilizar a “moderni-
zação” da sociedade. E aqui está o primeiro obstáculo a teoria da
dependência criado por ela mesma. Atribuir esse papel histórico às
classes sociais na sociedade de capitalismo periférico e correto a
meu ver. O problema, no entanto, é saber como se darão as relaçôes
sociais no âmbito dessa sociedade, de tal modo que possa efetiva-
mente viabilizar sua modernizaçao. Esta é a questão central e de
difícil solução.
Diferente dos centros hegemônicos, onde a estrutura política é
mais sólida, nas sociedades de capitalismo periférico, a luta de clas-
ses é uma realidade sempre presente que diz respeito diretamente às
transformações das estruturas política e social. Este é um ponto cha-
ve para se entender com clareza as bases da teoria da dependência.
O antagonismo entre capital e trabalho assalariado e a submissão
dos países perifércos aos centros hegemônicos, integram o discurso
desses teóricos cujo tom mais forte, tudo indica, dirige-se ao pensa-
mento nacionalista. Essas e outras questões são também analisadas
por Ruy Mauro Marini, que critica o caráter difuso e dogmático da
teoria da dependência acrescentando que “a consequência e um
ecletismo, uma falta de rigor conceitual e metodológico, em nome de
um pretenso enriquecimento do marxismo, que termina por ser sua
negação.” 4 Severo em seu julgamento, as palavras do autor devem
ser repensadas, justamente sob a óptica ideológica que imprime a
teoria da dependência, ou seja; a ausência de unidade e de coerência
política e ideológica. Esta situação, com efeito, resulta de amálgama
de concepções políticas que transitam desde as deformações ideoló-
gicas do pensamento nacionalista (tipo ISEB no Brasil), 5 até as inter-
pretações pretensamentente marxistas como bem registram Marini e
Weffort. 6
O fato é que as constatações onde se alicerça a teoria da de-
3
Fernandes, Florestan. Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América Latina
Zahar Editores, Rio, 1973, p. 45.
4
Marini, Ruy Mauro. Il Subimperialismo Brasileiro, Einaudi Editore, Torino, 1974, p. .5
5
Sobre o nacionalismo isebiano convém consultar o artigo de Caio N. de Toledo,
“Teoria e Ideologia na Perspectiva do ISEB”.in: Inteligência Brasileira, Reginaldo
Moraes, Ricardo Antunes e Vera B. Ferrante, (orgs), Editora Brasiliense, 1986, São
Paulo, p. 224-256.
6
A obra de Marini já foi citada. A de Francisco Weffort á “Nota Sobre a Teoria da
Depêndencia: Teoria de classe ou ideologia nacional ?” Estudos CEBRAP nº 1, 1971.
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Cardoso, Fernando Henrique. “Notas Sobre Estado e Depenência”. Cadernos CEBRAP,
nº11, São Paulo, 1975
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Trata-se do livro, A televisão: a participação estrangeira na televisão do Brasil,
Editora Cortez, S. Paulo, 1982, da autoria de Carlos Rodolfo Amedola Ávila,
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O trecho é de autoria de Carlos R. A. Avila, mas encontra-se na obra
de Renato Ortiz já citado, p. 18
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Ortiz, Renato. Op. cit., p. 190.
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Fernandes, Florestan. A Sociologia numa Era de Revoluçao Social.Zahar Editores,
Rio de Janeiro, 1976, p. 12.
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4. O Lixo Do Luxo:
O Consumo Da Elite e Da Periferia
Trash Chic
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pessoas cada vez com menos poder aquisitivo até chegar à periferia.
O automóvel começa, em outros termos, a percorrer os anéis (estra-
tos sociais) da tábua de tiro ao alvo, até chegar ao último anel, o mais
distante do alvo. Esse é o destino de boa parte dos automóveis fora de
linha de produção, como, por exemplo, Opala, Brasília, Corcel, entre
outros. São facilmente encontráveis nos bairros periféricos e raramen-
te vistos nos chamados bairros mais nobres ou da classe média. É
assim que se dá a “força centrífuga” do consumo, em que os produtos
“obsoletos” são “exemplos” do centro para a periferia.
A força centrípeta, ao contrário, não pode exportar tecnologia.
Ela é formada por uma parte de determinados produtos que partem da
periferia para o centro. Determinados ritmos da cultura musical brasi-
leira, como o lundu, o samba entre outros, nasceram nas classes
populares. O samba, por exemplo, surgiria de um ritmo chamado “ma-
xixe” nos arrabaldes da cidade do Rio de janeiro, no começo deste
século, entre os negros ex-escravos libertados pela “Lei Áurea”.
Aos poucos, este ritmo superaria os preconceitos de classe,
passaria por algumas transformações estéticas, até chegar o final
dos anos 50, quando ocorre a grande revolução estético/musical em
nosso país, conhecida internacionalmente como “Bossa-Nova”. Con-
vém registrar, no entanto, que esta grande revolução a que me refiro,
foi feita pelos então jovens da classe média carioca como, Antônio
Carlos Jobim, Vinicius de Morais, João Gilberto, Newton Mendonça,
Carlos Lyra, entre outros.
Acrescente-se ainda, que a força centrípeta do consumo, por
sua própria trajetória (da periferia para o centro), não poderia mesmo
exportar tecnologia. Sua importância se concentra bem mais nas ques-
tões comportamentais e até mesmo culturais. São as causas, por
exemplo das conhecidas “tribos urbanas” formadas por jovens da pe-
riferia, que influenciam comportamento, parte da juventude bem nutri-
da dos estratos mais abastados. O uso de peirce pelo corpo, a moda
da calça larga (“calça mano” como é mais conhecida) até a metade da
tíbia, o chamado “tênis radical”, entre outras, são alguns dos objetos
e atitudes da periferia que chegaram até a juventude mais abastada.
Mas há, em nossos dias, alguns exemplos importantes: o “rap” ame-
ricano que saiu da periferia pobre formada pelos negros e hoje se
tornou um ritmo quase universal, com grande; penetração em todas
as classes sociais.
Bibliografia
I. ADORNO, Theodor W. A indústria cultural. ln: COHN, Gabriel (org.).
Co111unicação e indústria cultural. São Paulo: Cia. Editora Nacional,
1978. p. 287-295.
2. BAUDRILLARD, Jean. La société de consommaation. Paris: Editons
Planète, 1976.
3. ______________.Pour une critique de I’économie potitique du signe.
Paris: Editions Gallimard, 1972
4. SWINGEWOOD, Alan. O mito da cultura de massa. Rio d” Janeiro:
Editora Interciência, 1992.
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Diversos autores, Encontros com a Civilização Brasileira, n. 1, Editora Civilização
Brasileira, Rio de Janeiro 1978, p. 232.
25
Ianni, Octavio, obra citada, p. 23
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lidade. É neste momento que ela assume sua função política. O con-
trole social se faz presente, justamente em decorrência do estereóti-
po da imagem estigmatizada que sempre se faz da sexualidade. Ali-
ás, esta é uma prática secular que já nasceu acompanhada de toda a
visão da cultura afirmativa sobre o mundo e com ela a concepção
burguesa do amor. É neste momento também que a paraliteratura
brasileira chega ao ápice do seu reacionarismo. O falso moralismo é
tão exaustivamente exaltado que nos faz até lembrar a repulsa que os
integralistas (versão tupiniquim do fascismo) tinham pela sexualida-
de. Como bem assinala Gilberto Vasconcellos, “no campo da sexua-
lidade, ninguém compete com os camisas-verdes em termos de
reacionarismo: repulsa dos instintos, monogamia indissolúvel, sexo
como procriação, dessexualização da mãe e da criança, etc...” 4 Incrí-
vel! Mas é precisamente por essa ótica também que a paraliteratura,
aqui representada por Adelaide Carraro, vê a sexualidade. Desvalori-
za-se o gozo, o prazer, reificando a sexualidade e transformando-a
num instrumento de coerção política. Ela deve agora assegurar o fun-
cionamento da ordem social estabelecida e manter a mesma concep-
ção que sempre foi difundida na cultura afirmativa. Estamos nesse
estágio, vivendo a auto-sublimação da sexualidade. Perpetua-se a
dessexualização do corpo, tornando o organismo o sujeito-objeto das
atividades socialmente úteis. O destino da sexualidade não é outro
senão viver, a partir desse instante, sob a égide do princípio de realida-
de repressivo. É nesse momento que a sublimação real opera sobre a
estrutura instintiva da sexualidade anulando o principio de prazer e
dessexualizando o corpo. Assim, os impulsos sublimados (Freud usa
a expressão “impulsos sexuais de finalidade inibida”), para manter a
coerência com a ideologia da cultura afirmativa, para sancionar a prá-
tica sistemática da moral sexual repressiva, toma o lugar das livres
relações libidinais com evidente prejuízo da saúde corporal e mental
do indivíduo. E é este elevado grau de sublimação determinado, entre
outras coisas, pelos valores sociais da cultura afirmativa que dá o
“tom” do comportamento sexual da nossa civilização ocidental, hoje,
ao que tudo indica, um pouco pior que amanhã.
Nesses termos e sob tais condições, me parece, é que deve-
mos pensar como se organiza a “cultura do corpo”, da sexualidade e
do prazer em nossa sociedade. O psicanalista húngaro Géza Róheim,
analisando comportamentos sociais e psicológicos da cultura repres-
siva, nos dá um excelente exemplo de como a reativação da libido
narcisista (atributo comum nas personagens da paraliteratura de
Adelaide), transforma-se num eficiente instrumento anticultura e ao
mesmo tempo gerador de neurose:
“A diferença entre uma neurose e uma sublimação é evidente-
mente, o aspecto social do fenômeno. Uma neurose isola; uma subli-
mação une. Numa sublimação algo novo é criado - uma casa ou uma
comunidade, ou uma ferramenta - e é criado num grupo ou para uso
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de um grupo.” 5
A interpretação do autor nos leva a perceber a forma como se
organiza o controle social repressivo dos instintos. Nessas condições,
os instintos vitais (Eros) curvam-se diante dos instintos de morte
(Thânatos) .A brutalidade do controle repressivo, aniquilando as
potencialidades do indivíduo só pode conduzi-lo a um único destino:
como diria Marcuse, ao interpretar Freud, “à descida para a morte”.
Cerceiam-se os instintos sexuais e Thânatos triunfa sobre Eros. Este,
em última instância, criará sua própria destruição atuando a serviço
da Thânatos, transformando a trajetória da vida num tortuoso caminho
rumo à morte. Os impulsos eróticos, força alimentadora do instinto de
vida, esvaem-se irremediavelmente diante da cultura repressiva. Nes-
se instante, não há outra alternativa: a morte está muito mais próxima
da vida. O controle repressivo do corpo decreta a supremacia de
Thânatos sobre Eros; e com isso o instinto de morte vence a vida e o
prazer.
Todas as sociedades autoritárias (caso das sociedades nazi-
fascistas européias, as latino-americanas de ditaduras militares) vive-
ram, e de certo modo ainda vivem, o tormento da velha moral sexual
repressiva. Na América Latina, a meu ver, os melhores exemplos des-
se quadro desolador estão no Chile de Pinochet e no Brasil da ditadu-
ra militar.
Historicamente, o autoritarismo sempre reprimiu o corpo, o pra-
zer, a libertação sexual e as próprias potencialidades humanas. Com
certeza, para esconder sua pecha e o barbarismo que sempre se-
meou. A arte, a cultura, o desenvolvimento econômico, social, enfim,
todo o florescimento da sociedade, do indivíduo dizimam-se, ou me-
lhor, são dizimados pela força bruta da cultura afirmativa. Brasil e Chi-
le (apenas para citar dois países latino-americanos, entre tantos) já
passaram (o Chile ainda passa) por essa experiência; e os resultados
são aqueles já conhecidos cuja história do país e da civilização não
deixarão passar impunemente.
No Brasil, os iconoclastas da cultura e do prazer conseguiram
o inusitado: mergulhar nosso país na mais profunda depressão cultu-
ral, social e política de toda a sua história. Salvam-se muito poucas
coisas. O movimento musical tropicalista é uma delas. Mesmo as-
sim, porque eles não entenderam a ótica política (a questão do subde-
senvolvimento) subjacente à grande estética desse movimento; se-
não, até ele teria sucumbido à força bruta e à arbitrariedade com que
o autoritarismo tratou a produção cultural em nosso país. Os exem-
plos desses desmandos são tantos que nem caberiam num ensaio
como este. É bom lembrar, no entanto, que os chefes do autoritarismo
passarão para a história como os vilões da cultura e da arte brasileira.
Eles só serão lembrados como tirânicos; caso contrário, o ostracis-
mo lhes será inevitável. A arte, por sua vez, varou o tempo e se impôs
por aquilo que oferece às potencialidades humanas. É do seu lado
que Eros tornar-se-á imbatível. Thânatos, o instinto de morte, nessas
5 Róheim, Géza, The Origin and Function of Culture, Nova York, 1943, p.74.
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são notórias.
Era até previsível que a televisão pudesse ter alguma interferên-
cia nos valores culturais locais num país continental como o Brasil.
Isso realmente aconteceu e, de certo modo, ainda ocorre. Mas a meu
ver, não o suficiente para falarmos em descaracterização da cultura
regional. Não se pode falar, pelo menos até agora, no chamado fenô-
meno da estandardização da cultura com o advento da televisão via
Embratel. Não se pode negar, evidentemente, a forte presença de uma
cultura de massa.
Com a integração televisiva do país, os estudiosos da cultura e
da comunicação, passaram a se preocupar com os rumos que pode-
riam tomar a cultura regional. Com algumas exceções, o pensamento
vigente apontava para um desfecho pessimista: a pasteurização
irreversível daquela cultura.
Pois bem, ha vinte e oito anos o país está integrado pela ima-
gem eletrônica e não se pode ainda falar de transformações irreversíveis
ou radicais na cultura regional brasileira. O que se pode observar, isto
sim, é aquilo que os antropólogos chamam de “interpenetração cultu-
ral” 4, o u seja; a presença de duas culturas interagindo no mesmo
espaço. Isso no entanto, não significa, necessariamente, o desgaste
estrutural da cultura autóctone ou vice-versa 5. O que se percebe, efe-
tivamente, é a absorção de determinados valores culturais, tanto de
uma parte quanto de outra, sem que isso signifique, de fato, danos à
cultura regional. As mudanças culturais ocorreriam de qualquer forma
nessas regiões, justamente em face da própria dinâmica da socieda-
de.
Não se poderia esperar que só a sociedade mudasse e sua
cultura permanecesse a mesma. E fácil observar empiricamente como
se dá esse processo na dinâmica sociocultural. Seria, aliás, um erro
teórico, não se admitir este fato. Uma coisa é se desejar a preserva-
ção cultural de um lugar, de uma região, outra coisa é não se admitir
que esse mesmo espaço necessariamente mude no decorrer do tem-
po, com ou sem interferência externa.
De uma forma ou de outra é inegável a mudança. Este “purismo
cultural” gera, na verdade, uma espécie de conservadorismo românti-
co e retrógrado que às vezes pode obliterar novos e importantes cami-
nhos para a pesquisa antropológica.
E preciso notar que o norte e o centro-oeste do Brasil têm ainda
(não se sabe por quanto tempo) uma forte presença da cultura indíge-
na. Não só nos seus hábitos culinários (vide o mujangué, a chicha, os
refrescos de assai, patoá, biribá, tacacá, etc.), mas nas suas crenças
e festas populares. Além disso, permanece ainda, toda uma mitologia
acerca da sua cultura que continua viva nos hábitos, costumes e tra-
dições do homem amazônico 6.
4
A expressão é do antropologo M. J. Herskovits, em seu trabalho, Les Bases de
l’Anthropologie Culturelle, Paris, Payot, 1967.
5
Quando ocorre o choque entre duas culturas costuma-se chamar esse fenômeno de”
fricção cultural” .
6
Especialmente sobre essa questão convém ler a obra de Orlando Villasboas, intitulada
Xingu, Editora Brasiliense, 1984, S.Paulo.
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dessa nudez que precisa ser entendida na sua lógica interna, no pla-
no da sua tradição mesmo. Já é algo internalizado à cultura lúdica do
país. Foi isso o que procurei mostrar um pouco antes, de modo mais
resumido.
Por outro lado, discordo, isto sim, da exploração mercadológica
dessa imagem que a transforma em mero objeto de consumo visual,
banalizando sua sexualidade e, por extensão, a própria imagem da
mulher brasileira. É como se a sexualidade no Brasil fôsse hoje um
produto a mais de consumo.
Nesse sentido, aliás, o governo federal, através da Embratur -
Empresa Brasileira de Turismo, tem contribuído para a divulgação dessa
falsa imagem. Em 1989, foram distribuídos cartazes por toda a Euro-
pa e a América, estimulando o turista a passar suas férias no Brasil.
O cartaz encaminhado pela Embratur trazia uma mulher deitada de
bunda para cima, na praia de Copacabana com um olhar insinuante,
lânguido, vestida num maiô “fio dental”. O texto, escrito em vários
idiomas, convidava elegantemente o turista a visitar o Brasil. É claro
que a intenção do governo era estimular o turismo internacional no
país, e não banalizar a imagem da mulher brasileira. Mas o cartaz
também permite outra leitura que vai ao encontro dessa última obser-
vação. Alias, se bem analisado, ele permite diversas leituras. Uma
das possíveis é esta que mencionei.
o futebol
Pois volto a dizer: se a música popular, o carnaval e o futebol
podem parecer ao leigo apenas objetos de prazer e de folia, no Brasil
e para os brasileiros, eles estão muito além das aparências. Estão,
na verdade, na essência do seu povo.
Por outro lado, é certo e sabido que este país não possui tradi-
ção nas competições esportivas, a não ser no futebol. A explicação
para isso vem de longe e data ainda do século XIX quando, em 1882,
Rui Barbosa, chefe da Comissão Nacional de Ensino tenta, sem su-
cesso, introduzir a educação física no currículo das escolas primári-
as. A partir daí, esta atividade ficaria à mercê de alguns imigrantes
europeus que Iá chegavam e da voluntariedade de um reduzido nume-
ro de brasileiros que havia estudado na Europa e adquirido o hábito de
praticar esportes.
Foi assim, por exemplo, que apareceu o futebol no Brasil em
1894. Charles W. Miller, brasileiro de origem familiar inglesa, ao voltar
de suas férias na Inglaterra, trouxe uma bola de futebol em sua baga-
gem. Em São Paulo, ao lado do alemão Hans Nobiling que chegara ao
Brasil em 1897, passariam os dois a organizar competições entre
seus amigos no campo de rugby do São Paulo Athletic e no Velódro-
mo. Concretizava-se, dessa forma, a importação do assim chamado “
esporte bretão “ 11.
No início, mas por pouco tempo, o futebol ficaria restrito aos
11
O professor e historiador Alfred Wahl, da Universidade de Metz, em seu livro, La
Baile au Pied, Edition Gallimard, 1990, Paris, faz uma trajetoria muito interessante
sobre a historia do futebol no mundo.
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jogadores, cujo espaço deste ensaio não nos permite esmiuça-la 12. O
fato é que, tanto no Rio de Janeiro, quanto em São Paulo, o futebol já
não era mais aquele esporte que só as elites podiam praticar. Nas
ruas, nos espaços vazios da periferia, na várzea e na areia das praias
(caso do Rio de Janeiro), os jovens que não pertenciam à elite econô-
mica começavam a improvisar suas partidas de futebol, que mais tar-
de seriam chamadas popularmente de “peladas”. Estava criado, a partir
desse momento, um hábito que teria (e continua tendo) lugar de des-
taque na cultura lúdica brasileira. Nem sempre a bola era de couro.
Muitas vezes era de meia e corda ou de borracha, mas sempre atrain-
do jovens que se habituavam a jogar e um público disposto a se diver-
tir assistindo a “pelada”.
Esta expressão, além de ser sinônimo de futebol no Brasil,
está estreitamente ligada à popularização desse esporte no país. Está
aliás, incorporada à própria cultura futebolística do torcedor brasileiro.
Trata- se de uma partida cuja principal característica é a desorganiza-
ção tática e técnica dos jogadores em “campo”. Não é necessário que
haja vinte e dois jogadores. O jogo se realiza com qualquer numero,
desde que igualmente para cada “time”. Não há necessariamente ár-
bitro nem bandeirinha, mas as regras do futebol devem ser rigorosa-
mente respeitadas pelos jogadores. A única condição imprescindível,
aliás, para que ele participe da “pelada”. Há toda uma ética de com-
portamento nesse sentido e ela não deve, sob qualquer hipótese ou
pretexto, ser desrespeitada. Agora, é evidente que, com a
ausência do árbitro, quando ocorre uma falta grave (o penalte, por
exemplo) não há consenso quanto a real procedência da penalidade.
Trata-se de uma situação decisiva e, como tal, nesse caso, prevalece
a cumplicidade que cada um tem com o seu time.
Nesse momento, é claro, a confusão esta formada. Pode haver
briga, empurra-empurra e o jogo pode não chegar ao fim, que alias não
é cronometrado. Ele só termina por um acordo entre os times ou quando
os jogadores chegarem à exaustão. Os desentendimentos, no entan-
to, com raras exceções, não ultrapassam o domínio esportivo. É habi-
tual esses mesmos jovens se reunirem no dia seguinte para continu-
arem a mesma partida, ou iniciarem uma outra. Na várzea, na praia,
na periferia ou, como ja disse, em qualquer espaço vazio, sem qual-
quer demarcação de um campo de futebol. Estas também são impro-
visadas.
A expressão “pelada”, por outro lado, tem muito a ver com uma
cultura da pobreza dos jovens da periferia no Brasil. Sejam eles dos
grandes centros urbanos (Rio, São Paulo, Salvador, etc.) ou mesmo
do interior. Sem trabalho, seu tempo se limita, eventualmente, à Es-
cola e ao futebol. Por não terem dinheiro para comprar material espor-
tivo, eles costumam jogar descalços e sem camisa. Apenas de cal-
ção. Explica-se por que: eles não devem estragar seus sapatos ou
tênis jogando futebol, muito menos suar a camisa.
12
Em meu livro, O Pontapé Inicial, Editora Ibrasa, São Paulo, 1990, eu analiso a
relação entre o elitismo econômico, o preconceito racial e social e a luta política entre
dirigentes e jogadores no sentido de profissionalizar o futebol brasileiro.
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O “olheiro” é uma espécie de treinador itinerante que sai pela varzea, praia e outros
lugares onde ocorrem as peladas, à procura de novos talentos para o futebol do seu
clube.
123
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Temas da Cultura de Massa
a política
Nesse momento, porém, o futebol brasileiro vive uma situação
extremamente importante no tocante à sua própria estrutura. Se por
um lado, ele atingiu um elevado estagio de desenvolvimento que lhe
permitiu conquistar quatro campeonatos mundiais, por outro, não se
pode dizer que é exatamente organizado. Não só sob a óptica da sua
política administrativa, mas também sob a própria concepção do que
significa o futebol profissional em nossos dias. Nessas questões, me
parece, o futebol brasileiro tem muito ainda a aprender com o futebol
europeu, especialmente o italiano, o francês e o alemão. O calendário
anual para distribuição dos jogos tem a tradição de ser sempre muito
mal elaborado. Além de fazer coincidir datas de jogos dos campeona-
tos estaduais e brasileiro nunca considera o compromisso extra-cam-
peonato que um time possa ter. Não deixa dias disponíveis para im-
previstos. Os jogos de campeonato são realizados até três vezes du-
rante a semana, num ritmo que não leva em conta a recuperação
física do jogador. Esse é um dos aspectos pelos quais se diz que o
jogador de trinta anos no Brasil já está “velho”.
Na sua política interna, já faz tempo, a CBF -Confederação Bra-
sileira de Futebol, em certos momentos, administra esse esporte ao
sabor de interesses políticos particulares. A presidência dessa enti-
dade é um cargo arduamente disputado entre os dirigentes do futebol
brasileiro. Além do prestigio pessoal, da força política em nível nacio-
nal e internacional ele permite, a médio prazo, que este presidente
postule também, mais tarde, a presidência da FIF A. Foi essa a traje-
tória de João Havelange que, em 1998, no campeonato mundial a ser
realizado na França, completará 25 anos no poder dessa entidade.
No tocante à política interna dos clubes prevalece ainda um
certo amadorismo administrativo. Quero dizer o seguinte: alguns diri-
gentes de clubes ainda não se deram conta (ou pelo menos relutam
em aceitar) de que o presente e provavelmente o futuro do futebol
estão coligados ao capital. Ou ainda, como se diz no Brasil, ao fute-
bol-empresa. Só de 1992 para ca, é que o São Paulo Futebol Clube e
a Sociedade Esportiva Palmeiras iniciaram, de forma ainda muito tími-
da, a modernização do conceito amadorista presente no futebol des-
se país.
Ao contrário do que possa parecer, e da indiscutível paixão bra-
sileira por esse esporte, ele é deficitário aos clubes, com poucas ex-
ceções. São os casos do São Paulo Futebol Clube e do Clube de
Regatas Vasco da Gama, que apresentaram superavit em 1993. Isso
não significa, porém, um desempenho habitual. O ano de 1992 foi
deficitário para todo o futebol brasileiro de modo geral. Em 1994, em
função da conquista do tetra campeonato mundial é possível que os
clubes venham a ter superavits.
Por outro lado, enquanto permanecer a desorganização admi-
nistrativa e a política equivocada dos dirigentes (auto-promoção,
clientelismo, nepotismo, etc.), continuará havendo também a evasão
dos melhores jogadores para o exterior. Não há como concorrer com
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Waldenyr Caldas
bibliografia básica
Bosi, Alfredo. Cultura Brasileira, Editra Atica, S.Paulo, 1991
Caldas, Waldenyr. O Pontapé Inicial, Editora Ibrasa, S.Paulo,1990.
Freyre, Gilberto. Casa Grande e Senzala, Editora José Olympio, 1968,
128
Temas da Cultura de Massa
S. Paulo.
Geertz, Clifford, As Interpretações da Cultura, Zahar Editores, 1978,
Rio de Janeiro.
Hollanda, Sérgio Buarque de. Raizes do Brasil, Editora Brasiliense,
1980, S, Paulo.
Lambert, Jacaues. Os Dois Brasis,Cia. Editora Nacional, 1958, S.
Paulo.
Mario Filho. O Negro no Futebol Brasileiro, Editora Civilização Brasi-
leira, 1964, Rio de Janeiro.
Queiroz, Maria Isaura Pereira de. O Carnaval Brasileiro, Editora
Brasiliense, 1992, S. Paulo.
Skidmore, Thomas. Brasil: de Getulio a Castelo,Editora Paz e Terra,
S. Paulo, 1983.
Villas-Boas, Orlando. Xingu: seus indios, seus mitos, Editora
Brasiliense, 1984, S.Paulo.
129
Temas da Cultura de Massa
131
Waldenyr Caldas
do esportista.
Nesse preciso momento, a técnica pura e simples não é mais
vista como suficiente. É necessário um excelente preparo físico, um
corpo muito bem treinado e condicionado. Enfim, é necessária a opu-
lência física.
Não se pode, sensatamente, contestar esse comportamento. Afinal,
sabemos que o atleta dotado de bom condicionamento físico terá mais
chances de vitória. Nesse sentido é compreensível, e até justo, que
seu corpo seja posto a serviço do seu sucesso profissional. Sabe-se
ainda que o desenvolvimento e as conquistas da medicina esportiva
têm levado ao esporte uma certa concepção cientificista de prepara-
ção física. Isto é muito bom, conquanto não provoque o desgaste pré-
maturo do atleta.
Dito assim, tudo parece estar devidamente equacionado e re-
solvido. Isso porém, não é verdade. É exatamente aqui que começam
a surgir os problemas. Nesse momento, o excelente preparo físico do
atleta adquire uma feição polissêmica. Ele serve para ajudar a superar
lealmente o adversário, para intimidá-lo psicologicamente, para me-
lhor resistir o tempo de disputa, mas serve, também, para ser desleal-
mente usado em busca da vitória. Esta é, aliás, uma prática que tem
se tornado cada vez mais freqüente no esporte, especialmente no
futebol.
Corpo: a arma da vitória
O corpo, elemento central das competições esportivas, passa
a descaracterizar a própria competição, à medida que usa a força
física de forma desleal para vencer o adversário. Nesse instante, a
beleza, a graça e a sutileza do espetáculo enquanto tal, se esvaem. A
violência reina soberana. A truculência sobrepõe-se à técnica e à
racionalidade. O corpo é, ao mesmo tempo, agressor e vítima, herói e
vilão. Prepondera o imponderável.
Mutilar o adversário numa disputa decisiva pode não ser um ato de
irracionalidade, muito menos de covardia. Ao contrário, os espectado-
res, o comportamento coletivo da massa 2, pode interpretar como um
ato de bravura, abnegação, coragem e amor à camisa e às cores do
clube. A deslealdade através da força física torna-se, naquele instan-
te, socialmente “aceitável”. O objetivo último não é mais o espetáculo,
a exibição do talento ou da técnica, e sim, a vitória “a qualquer preço”.
O próprio espectador “legitima” a prática da violência nos campos de
futebol, quando percebe a inferioridade técnica ou superioridade física
do seu time 3.
Assim, o corpo perde a condição de sujeito da competição para
tornar-se simples objeto exposto ao sabor de impoderabilidade, da
agressividade e da violência. Aqui, antes de prosseguir a discussão
quero lembrar o trabalho do pensador alemão Max Weber sobre a
2
O conceito de massa aqui usado está baseada no trabalho de Sigmund Freud,
Psicologia de las masas, Guadarrama, 1982
3
A literatura sobre a violência no esporte especialmente nos estádios de futebol, é
particularmente vasta. Convém, no entento, consultar os livros de N. Elias e E. Dunning.
Sport e Agressività (1989), e G. Vinnai, El fútebol como ideología.
132
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Waldenyr Caldas
física contra seu colega? Aqui emergem algumas sutilezas, onde pro-
vavelmente a análise sociológica nos fará compreender melhor o pro-
blema. Para responder a pergunta gostaria, logo de início, de enume-
rar algumas situações em que o jogador, agressor e vítima, ao mesmo
tempo, tem enfrentado enquanto profissional. Esta situação diz res-
peito especialmente ao futebol brasileiro, que vive um contexto dife-
rente do futebol europeu. Apesar disto, convém prosseguirmos nesta
análise, porque, ainda que vivam realidades diferentes, sabe-se que
há algumas identidades entre o futebol brasileiro e o europeu.
134
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do, tem hoje nos meios futebolísticos do seu país, a imagem de técni-
co-perdedor.
Com efeito, esse não é um caso isolado. A gênese dessa ob-
sessão mórbida pela vitória a qualquer preço, surge ainda por ocasião
do quarto campeonato mundial, em 1950, sediado justamente no Bra-
sil. É precisamente nesse momento - na última partida do campeona-
to (Brasil e Uruguai) - que a imprensa e os torcedores passariam a
viver a “síndrome da derrota” e a justificar a violência como forma de se
chegar à vitória. A seleção brasileira, uma vez mais, era a melhor e a
favorita para vencer o campeonato. Tinha tudo a seu favor. Coinci-
dentemente vivia até um hiato democrático no governo do presidente
Eurico Gaspar Dutra. Cartolas e jogadores já eram vistos pela popula-
ção como os novos “gênios da raça”. Era apenas uma questão de
horas e o Brasil emergiria do seu anonimato de país colonizado e do
subdesenvolvimento pleno, para “glorificar” seu povo através do fute-
bol.
No dia 16 de junho de 1950, o Estádio do Maracanã estava
literalmente lotado. Havia 220 mil pessoas dentro do Estádio e outras
60 mil do lado de fora querendo entrar. Uma das últimas frases do
técnico Flávio Costa a seus jogadores antes de entrarem em campo
foi a seguinte:
“em cada ponta da chuteira de vocês, há milhares e milhares de
corações brasileiros. Vamos lutar, vamos brigar. Vamos tirar sangue
se for preciso. É uma partida de vida ou de morte 7”.
Foi esta a “preparação psicológica” recebida pelos jogadores.
Naquele momento, porém, os atletas não iriam disputar apenas um
titulo mundial de futebol. Estava em jogo a “honra nacional”, a “digni-
dade da raça brasileira”. Enfim, todos os valores nacionais que tão
bem caracterizavam o exacerbado nacionalismo verde-amarelo, res-
quícios do integralismo de Plínio Salgado, versão cabocla do fascis-
mo europeu.
Justamente por ser o adversário um latino-americano havia,
portanto, mais um ingrediente nessa “luta”. O vencedor teria a homo-
logação simbólica e real, ao mesmo tempo, da hegemonia do futebol
nas Américas. A Argentina, o mais temível adversário, havia sido eli-
minado. Caberia ao Brasil e Uruguai, a disputa pela hegemonia. Ao
Brasil, bastaria o empate e a glória seria alcançada. Mas ninguém
pensava nisto. A vitória era tida como certa. Ao Uruguai, por sua vez,
só interessava a vitória. O empate, formalmente, teria o mesmo efeito
da derrota.
Inicia-se o jogo e, no primeiro tempo, o Brasil marca 1 a O. A
esquadra brasileira não jogava bem, mas “honrava a pátria”. A única
chance brasileira de conquistar a vitória teria que ser mesmo através
da habilidade técnica, porque fisicamente os uruguaios eram bem mais
fortes. Subitamente, no segundo tempo da partida, a situação come-
ça a se inverter. Os uruguaios empatam o jogo e fazem prevalecer sua
superioridade física usando o corpo para interceptar a maior criatividade
técnica dos jogadores brasileiros. A tão conhecida “garra” uruguaia
7
Revista Sport Ilustrado, 19/7/1950.
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Convém destacar que este é apenas um caso entre tantos ou-
tros que ocorrem no futebol brasileiro. Lamentável, no entanto, é re-
gistrar que a refinada técnica de grandes atletas - como Zico, Sócrates,
Falcão, entre outros - tem que conviver e enfrentar a truculência de
impostores do futebol. São os jogadores que só sabem ser violentos -
usam o corpo como se fossem gladiadores - e não profissionais da
bola. Esses jogadores enfeiam e destroem o futebol enquanto espetá-
culo.
Diferente dos profissionais competentes, os impostores do fu-
tebol colocam-se em posição oposta, usando a repressão e a coação
física como instrumento de trabalho. Impõem-se aqui, a teoria freudiana
do antagonismo, da luta primordial pela existência, que separa o “prin-
cípio de prazer” do “princípio de realidade”. A truculência e a violência
física materializam-se como instrumento de repressão, de subjuga-
ção, da mesma forma que “o princípio de realidade” materializa-se
num sistema de instituições” de controle social com suas leis repres-
sivas.
O que diferencia os impostores do “princípio de realidade” é
algo quase imperceptível. Mas, enfim, há uma diferença. Os imposto-
res, com a sua truculência causam lesão física imediata, e o “princí-
pio de realidade”, usando de suas leis repressivas e de controle soci-
al, causa a lesão psíquica a longo prazo. A identidade entre ambos
reside justamente no fato que ambos são repressivos. Um destrói o
corpo, o outro reprime a alma.
Nesses termos é que os impostores do futebol se distanciam
do “princípio de prazer” e se identificam com o “princípio de realidade”.
Na concepção freudiana o princípio de realidade materializa-se
num sistema de instituições. E o indivíduo, evoluindo dentro de tal
sistema, aprende que os requisitos do princípio de realidade são os
da lei e da ordem, e transmite-os à geração seguinte.te 12.
Esta situação, ainda a propósito da teoria freudiana, é radical-
mente oposta ao “principio de prazer”, de onde está próxima a arte
futebolística de atletas como Garrincha, Falcão, Pelé, Zico, Ademir
da Guia, Di Stefano, Maradona, Gullit e tantos outros citando apenas
os contemporâneos.
A diferença entre esses dois tipos de profissionais (o truculento
e o técnico) é a mesma existente entre a arte e a força bruta. Entre a
arte e a farsa. Ou ainda, para usar a expressão consagrada por Abraham
Moles, entre a arte e o Kisch. A truculência no futebol é um arremedo.
É o comportamento espúrio do profissional incompetente. O torcedor
não gosta disso. Ele prefere o espetáculo futebolístico, os movimen-
tos elegantes e técnicos do jogador habilidoso e competente com a
bola nos pés. O corpo e os lances limpos, elegantes, fazem o espetá-
culo para os olhos e a alma.
Se seu time perder, certamente ganhará em beleza e movimen-
tos harmônicos, que só o futebol de verdadeiros profissionais pode
proporcionar. Só o futebol dessa qualidade, com este refinamento téc-
nico, pode levar ao “princípio de prazer” irrestrito. E mais: é uma forma
12
Herbert Marcuse, 1966. P. 36
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O Corpo e o futebol
Com efeito, os jogadores de refinada técnica têm, mas últimas
décadas (de 1970 até hoje), perdido parte do seu espaço, em benefí-
cio de atletas de maior vigor físico. Esta é, na verdade, uma prática
que ganha prestígio entre fisicultores e treinadores de futebol a partir
de 1974, quando o futebol alemão conquistou pela segunda vez, o
Campeonato Mundial.
A esquadra alemã, que no jogo final superou a refinada técnica
13
As palavras de Antonio Roversi estão contidas na Introdução do livro Norbert Elias
e Eric Dunning, Sport Agressività... já citado, p. 12.
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“...o desenvolvimento do futebol, não num esporte igual aos
outros, mas numa verdadeira instituição brasileira, tornou possível a
sublimação de vários daqueles elementos irracionais da nossa forma-
ção social e de cultura. A capoeiragem e o samba, por exemplo, es-
tão presentes de tal forma no estilo brasileiro de jogar futebol que um
jogador um tanto álgido como Domingos da Guia, admirável em seu
modo de jogar, mas quase sem floreios - os floreios barrocos tão do
gosto brasileiro - um critico da argúcia de Mário Filho pode dizer que
ele está para o nosso futebol como Machado de Assis para a nossa
literatura, isto é, na situação de uma espécie de inglês desgarrado
entre tropicais. Em moderna linguagem sociológica, na situação de
um apolíneo entre dionisíacos. (...) com esses resíduos é que o fute-
bol brasileiro afastou-se do bem ordenado original britânico para tor-
nar-se a dança cheia de surpresas irracionais e de variações dionisíacas
que é. A dança dançada baianamente por um Leônidas e por um Do-
mingos, com uma impossibilidade que talvez acuse sugestões e influ-
ências ameríndias sobre sua personalidade ou sua formação 14”.
A citação é longa, mas esclarecedora. Necessária. Como se
pode observar, a instituição do gingado, da manemolência e do jogo
de corpo já tem tradição no futebol brasileiro.
A partir da conjunção dos dois fatores: a crise técnica e a
consequente introdução do futebol-força - o gingado, o jogo de corpo
(que se pense em Garrincha) e a manemolência passariam, lenta-
mente, a desaparecer dos estádios brasileiros. Em 1975 já se perce-
bia com clareza a influência do futebol-força no Brasil.
O Sport Club International de Porto Alegre contrata o técnico
Rubens Minelli conhecido por sua competência profissional. Intransi-
gente defensor do futebol-técnico Minelli, ironicamente, inaugura o fu-
tebol-força no Brasil, conquistando o campeonato brasileiro daquele
ano. Em 1976, com o mesmo time, ele sagra-se bicampeão.
A contradição de Minelli, na verdade, é apenas aparente. Quan-
do estruturou o time do Internacional procurou contratar jogadores de
grande porte físico, ainda que tecnicamente limitados. Ocorre que
estavam nesse elenco, jogadores como Falcão, Batista, Elias Figueiroa
e Dario. Todos eles dotados de bom porte físico e tecnicamente res-
peitáveis. Assim as conquistas de Minelli e do seu Internacional se
devem, fundamentalmente, à oportunidade de se mesclar técnica e
força.
A concepção do futebol-força, no Brasil, atinge o ponto máximo
no Campeonato Mundial da Argentina em 1978. Cláudio Coutinho,
capitão do Exército e treinador da seleção, resolveu optar pela força e
deixar a técnica do jogador brasileiro em segundo plano, baseado no
seguinte argumento: “o campeonato mundial da Argentina será a com-
petição da força e da virilidade. Nossos jogadores precisam estar pre-
parados para esta batalha.” 15 Foi pensando dessa forma que o técni-
co brasileiro não convocou Falcão e Sócrates, dois jogadores técni-
14
Gilberto Freyre, no prefácio do livro de Mário Rodrigues Filho, O negro no futebol
brasileiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964, p. 2-3.
15
Entrevista concedida ao Jornal dos Sports, Rio de Janeiro. 6/2/1978
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O corpo solto no ar
Quando te vejo voar sobre o tapete verde
Para ir ao encontro da pelota
Imediatamente minha memória
Se reporta a ApoIo.
Teus longos braços viajam plenos pelo espaço
Como se fosse um elegante pássaro a passear.
Teu lindo corpo suspenso e solto no ar
Para a pelota abraçar
151
Waldenyr Caldas
Bibliografia
CAILLAT, M. L ‘Ideologie du sport en France. Paris: Editions de la
Passion, 1989.
ELIAS, N. e DUNNING, E. Sport e aggressività. Bologna: Sociclà
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MARCUSE, H. Eros e civilização. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
RODRIGUES, M. F. O negro no futebol brasileiro. Rio de Janeiro: Civi-
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SCHNEIDER, M. Neurose classes sociais. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.
Vários Autores. Violenza e sport. Torino: Corsi Editore, 1987.
Vários Autores. Sport e Violenza negli stadi. Torino: Corsi Editore,
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VINNAI, G. El fútbol como ideología. Madrid: Siglo Veinliuno, 1974.
152
Temas da Cultura de Massa
157
Waldenyr Caldas
nossa esquadra, a mais forte, não está no Brasil, nem seus jogadores
pertencem a clubes brasileiros. Basta observar, por exemplo, que o
time titular no campeonato mundial da Itália era formado por nove atle-
tas atuando em times europeus e apenas dois jogando por esquadras
brasileiras. São eles: Taffarel e Mauro Galvão, que após o mundial da
Itália foram também comprados por times europeus. Além disso, con-
vém assinalar que, com algumas poucas exceções (são os casos de
Renato e Sócrates), os jogadores brasileiros comprados por time eu-
ropeus quase sempre justificam, com suas atuações de alto nível, o
investimento feito na compra de seu passe. Em outros termos, o pres-
tígio adquirido por esses jogadores em gramados europeus reverte-se
em benefício da seleção brasileira, por quem atuarão mais tarde em
competições internacionais.
Assim, se por um lado o futebol brasileiro vive internamente uma
crise profunda em função da crise do próprio país, por outro lado,
externamente, consegue manter, com justiça, seu grande prestígio
internacional. Esse fenômeno, com efeito, revela uma situação pecu-
liar: nesse caso é notório que a crise do futebol brasileiro restringe-se
ao aspecto econômico-financeiro e à incompetência administrativa.
Esse último, no entanto, de forma mais localizada. Apenas algumas
instituições no nosso futebol são bem administradas. O primeiro as-
pecto, claro, transcende a esfera do futebol e dos esportes em geral
para abater-se sobre toda a sociedade brasileira, como vimos anteri-
ormente.
Nesses termos pode-se dizer, sem sobra de dúvida, que o fute-
bol brasileiro mantém uma admirável capacidade de renovação. De
acordo com a Federação Internacional de História e Estatística do
Futebol, o Brasil é o país que mais exporta jovens atletas para jogar
futebol em outros países, Essa renovação, sem dúvida, contribui de
forma decisiva para a manutenção do futebol brasileiro entre os me-
lhores do mundo.
Aqui, no entanto, cabem algumas considerações, perguntas e
alguns esclarecimentos. Como se explica, por exemplo, que um país
mergulhado numa crise econômica tão longa, quase crônica, com um
futebol mal administrado em sua grande maioria (há as exceções),
apesar do alto nível, possa renovar-se com tanta facilidade e rapidez?
A explicação é relativamente simples (embora não tenha uma só res-
posta), mas requer um conhecimento razoável sobre a cultura lúdica
brasileira.
O futebol foi introduzido no Brasil no fim do século XIX, para se
tornar mais tarde, ao lado do carnaval e da música (especialmente o
samba), um dos três mais importantes produtos lúdicos da cultura
popular brasileira3. É uma atividade esportiva de tal modo arraigada
aos costumes e tradições do provo brasileiro que se torna difícil imagi-
nar esse povo sem o prazer do grito de gol. Gilberto Freyre, eminente
sociólogo da cultura brasileira, certa vez escreveu sobre a paixão do
brasileiro pelo futebol. Diz ele: “o desenvolvimento do futebol, não num
3
Em meu livro, Memória do futebol brasileiro, Editora Ibrasa, São Paulo, 1990, eu trato
detalhadamente desse tema.
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Waldenyr Caldas
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Temas da Cultura de Massa
clubes europeus.
Importante acrescentar ainda que o nível intelectual do jogador
brasileiro é muito baixo por um motivo também muito simples, mas
que envolve a incompetência administrativa do Estado: o Brasil, como
se sabe, apresenta uma carência muito grande de vagas na sua edu-
cação de base. Existem mais crianças na idade de freqüentar a esco-
la do que vagas para absorvê-las. Esse é um problema crônico na
estrutura educacional brasileira, cujo ônus maior recai sobre a popula-
ção mais pobre do país. As classes sociais mais abastadas superam
essa carência pagando escolas particulares para seus filhos. As clas-
ses mais modestas não têm alternativa. Esperam por uma vaga para
seu filho, que nem sempre aparece. Enquanto isso, os campos de
futebol na várzea vão recebendo crianças que, quase como forma de
sublimar sua frustração por não poder freqüentar a escola no momen-
to certo, dedicam-se às populares “peladas” na esperança inconsci-
ente de que sua ascensão social se dê não mais através das letras,
da escolarização oficial, mas sim pela arte de jogar futebol. De jogar o
futebol gingado brasileiro.
Se tudo correr mais ou menos dentro das expectativas, alguns
anos mais tarde a criança ou o jovem adolescente estará iniciando
sua carreira de futebolista profissional. Se for um atleta dotado de
certo talento terá, num futuro bem próximo, a grande oportunidade de
ser contratado por uma equipe européia , americana, japonesa ou do
Oriente Médio realizando, dessa forma, sua independência financeira.
Nesse momento, porém, completa-se o ciclo renovação/exportação,
fenômeno que vem crescendo e acompanhando o futebol brasileiro
nos últimos 25 anos. Mesmo antes ele já existia, mas de forma mais
discreta e quase imperceptível. Como se sabe, os primeiros jogado-
res a atuarem em esquadras do exterior foram contratados por clubes
uruguaios e italianos, ainda na década de 20.
O último aspecto sobre a crise por que passa o futebol brasileiro
diz respeito à evasão dos seus melhores atletas vendidos ao exterior.
Os dirigentes de clubes asseguram que, se esses jogadores perma-
necessem no Brasil jogando por suas respectivas esquadras, a pre-
sença do público nos estádios e a renda dos jogos seriam bem maio-
res. É possível que sim, mas isso é uma dupla utopia. Primeiramente
porque é vendendo sues grandes jogadores, que os clubes brasileiros
continuam sobrevivendo, ainda que acumulando déficits. Em segundo
lugar, é plenamente justificável que um atleta profissional queira traba-
lhar no exterior, num centro onde, seguramente, poderá realizar-se
financeiramente. No Brasil, hoje, não há clube de futebol capaz de
pagar nem mesmo a metade do que um atleta profissional pode ga-
nhar em times europeus, especialmente italianos, espanhóis e fran-
ceses. Os clubes brasileiros não têm a mínima chance de evitar a
evasão desses jogadores. Ao contrário, em função do alto preço que
pagam aos clubes europeus (tendo como referência a sistemática
desvalorização da moeda brasileira), os dirigentes estão sempre inte-
ressados em vender seus jogadores, embora não ratifiquem publica-
mente esse intenção, justamente para não desvalorizar o preço do
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passe do atleta. Coisa elementar da lei mais banal que rege as rela-
ções comerciais no capitalismo: a lei da oferta e da procura.
Ao mesmo tempo, emerge aqui um problema que deve ser pen-
sado com cautela: ora, se os grandes jogadores brasileiros permane-
cessem em suas respectivas esquadras, todos eles estariam nos gran-
des clubes do Brasil. Os jogos entre eles, provavelmente, levariam
mais público aos estádios, Mas isso nem de longe sequer ameniza a
crise por que passa o futebol brasileiro. Essa situação apenas privile-
gia ainda mais a grande esquadra cujo poder econômico, pelos me-
nos em nosso país, tem sido usado sistematicamente como instru-
mento de persuasão política quando surgem impasses nos campeo-
natos estaduais e brasileiros. Como se sabe, não foram poucas as
vezes em que grandes times brasileiros, incapazes de conseguir sua
classificação pelo desempenho técnico, o fizeram (e continuam fa-
zendo) através da justiça desportiva. Nessa instância, em que pese o
pomposo nome de STJD (Superior Tribunal da Justiça Desportiva), as
grandes esquadras são sempre (ou quase sempre) imbatíveis quando
se defrontam com esquadras de menor porte econômico e político.
Os exemplos são tantos e tão constantes, que se torna desnecessá-
rios qualquer um deles.
Nesse sentido é que a permanência do grande jogador nos ti-
mes brasileiros não resolveria a crise do nosso futebol. Essa seria
uma solução pouco eficiente par tentar resolver o problema pela supe-
restrutura. Não é assim. É um erro acreditar nisso. E as pequenas
esquadras, aquelas que não podem manter um grande jogador em
seu elenco, o que fariam para melhorar suas rendas nos estádios?
Nada. Elas não podem fazer nada, porque o problema central está,
como vimos, na precária estrutura econômica do Estado brasileiro
que insiste numa política econômica improdutiva e tautológica, levan-
do a sociedade a um constante processo de empobrecimento e, em
muitos casos, ao constrangimento de não poder satisfazer suas ne-
cessidades básicas.
Sendo assim, é claro, o torcedor começa mesmo a se afastar
dos estádios, Sua paixão pelo futebol deve ser contida, ou melhor,
reprimida, em face do seu empobrecimento cada vez maior. Seus com-
promissos financeiros não permitem mais que ele mantenha a mes-
ma assiduidade aos estádios. Mesmo assim, sua paixão pelo futebol
já é há tanto tempo de tal grandeza, que ele não pode mais prescindir
do grito de gol. Já faz parte de seu cotidiano, dos seus costumes,
enfim, da sua própria cultura.
Ele agora, apesar de tudo, tem dois motivos para torcer: continu-
ar gritando o nome do seu time ( o “grito de guerra” da torcida), mas
torcer também para que os políticos recuperem de fato a economia do
país. Só assim seria possível sua volta aos estádios e seu reencontro
com o futebol, sua paixão, o esporte que melhor reflete a crise e a
decadência econômica por que passa o Estado e a sociedade brasi-
leira.
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Bibliografia
ABREU, Marcelo de Paiva – A ordem do progresso. Editora
Campus, Rio de Janeiro, 1989.
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