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Ana Maria Nicolaci-da-Costa

Na Malha da

Rede
Os impactos íntimos da Internet
Apresentação da versão online

Na malha da Rede: os impactos íntimos da Internet é um livro sobre um período


único, aquele que se seguiu à chegada da Internet ao Brasil no ano de 1995. Ao longo
deste e dos anos de 1996 e 1997, no último dos quais o livro foi escrito, as reações à
sua chegada foram muitas e dos mais diversos teores.

A interatividade online, por exemplo, ao mesmo tempo em que conquistou muitos


adeptos, gerou muito medo de que as interações mediadas por computadores viessem
a substituir os relacionamentos face a face, o toque, o cheiro. Já a exploração do novo
espaço virtual que, naquela época de conexões discadas e lentas, consumia muitas
horas online foi rapidamente encarada como uma nova forma de vício (temor não
completamente extinto até os dias de hoje!). Enquanto isso, outros medos como o da
invasão da privacidade, do roubo de identidade, do controle, da pedofilia, invadiam as
páginas dos jornais, as telas de cinema, os livros e o imaginário de grandes parcelas da
população mundial.

Apesar de todos esses obstáculos e preconceitos, a grande curiosidade despertada por


algo tão novo e poderoso fez com que milhões de usuários brasileiros, tal como outros
milhões de usuários ao redor do mundo, mergulhassem de cabeça no que passou a ser
conhecido como “ciberespaço”.

A esses brasileiros e brasileiras, às suas reflexões, comportamentos, depoimentos e


reações, é dedicado este registro. Foram eles e a mídia que forneceram o farto material
de pesquisa que serviu de base às minhas análises, reflexões e conclusões.

Na malha da Rede foi publicado pela Editora Campus, Rio de Janeiro, no ano de 1998
e sua tiragem está esgotada há bastante tempo.

Novamente de posse dos direitos autorais, resolvi tornar o livro disponível online porque
percebi que, com o passar do tempo, Na malha da Rede está se tornando um registro
histórico cada vez mais procurado por pesquisadores e estudantes.

Ana Maria Nicolaci-da-Costa


Rio de Janeiro, 8 de outubro de 2008

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SUMÁRIO

PREFÁCIO 04

O IMPACTO DO NOVO 07

NOVOS USUÁRIOS 14
Marcando presença no ciberespaço 16
Usando o ciberespaço 22

NOVAS RELAÇÕES HOMEM-MÁQUINA 28


Novas formas de comunicação do homem com a máquina 30
O que está por trás das novas formas de comunicação do homem com a máquina 35
A antropomorfização da máquina 41
Homens e máquinas no ciberespaço 45
Nota sobre o registro de uma realidade 49

NOVOS CONCEITOS 50
O ciberespaço e a virtualidade 51
Home pages e hipertextos 59
Tempo real e chats 65
“Sabemos aonde podemos chegar?” ou a moral da história 70

NOVA LÓGICA 73
Excessos 75
Agilidade, integração e relativização 82
Liberdade de publicação, liberdade de acesso à informação e o copiar/colar 88
A expertise jovem e o novo mercado de trabalho 95
Velho e novo lado a lado 101

NOVOS USOS DE LINGUAGEM 102


Os desafios da conquista online e em tempo real 104
O e-mail e o estilo online 111
A influência do hipertexto 118
Os novos usos de linguagem da mídia 123
Inglês: a moderna versão do esperanto? 127

NOVOS RELACIONAMENTOS 128


Novas possibilidades para relacionamentos antigos 130
O fenômeno chat e o autoconhecimento 134
O fenômeno chat, o sentimento de pertencer e a auto-ajuda 141
Namoros virtuais e casamentos reais 146
Desilusões reais e virtuais 155
Os prós e contras dos relacionamentos virtuais 158

CONSOLIDANDO IMPRESSÕES E CONFIRMANDO INTUIÇÕES 161

GLOSSÁRIO 165

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Prefácio

Sou pesquisadora em psicologia, psicóloga e professora de Psicologia da PUC-Rio


desde 1976. Há já muitos anos venho me dedicando a investigar quais são os impactos
psicológicos de processos de mudança social, como os que presenciamos no Brasil,
principalmente a partir da década de 1960, com a mudança do Distrito Federal para
Brasília, o “milagre” do desenvolvimento econômico, a ditadura militar etc. Esses
processos de mudança locais, que ocorreram sob a influência da revolução de valores
mundial resultante do movimento hippie, da luta dos negros norte-americanos por
direitos iguais, da Guerra do Vietnam, da chegada do homem à Lua, da pílula
anticoncepcional etc., acarretaram inegáveis transformações nas formas de viver,
pensar, sentir e se organizar daqueles que os vivenciaram. Sobre alguns aspectos
dessas mudanças, escrevi, em 1987, um livro intitulado Sujeito e Cotidiano, também
publicado pela Editora Campus.

Esse tipo de interesse com o que acontece com os homens, mulheres e crianças no
espaço de cujas vidas ocorrem grandes mudanças sociais foi novamente acionado -- e
de maneira bastante dramática -- na primeiríssima vez em que me conectei à Internet.
Soube, então, que as minhas incursões pelo ciberespaço teriam alguma conseqüência
análoga à que o leitor tem agora em suas mãos. Em outras palavras, ainda sob o
impacto daquele primeiro contato, soube que o rumo de minhas reflexões ia sofrer uma
alteração radical. Pela primeira vez teria que lidar, em primeira mão, com uma mudança
tecnológica que certamente geraria mudanças sociais e psicológicas.

Muitos foram aqueles que, ao longo dos últimos anos, não conseguiram compreender
essa alteração de rumo e me perguntaram qual poderia ser a conexão entre a
psicologia e a Internet. A resposta está contida nas páginas deste livro.

No momento, quero apenas dizer que ao longo dessas páginas procuro tornar essa
conexão explícita através do registro de tudo o que pude observar no que diz respeito à
matéria-prima da psicologia: o ser humano e seus modos de pensar, seus modos de se
relacionar com o mundo e com os outros, seus modos de agir e seus modos de sentir,
todos passíveis de sofrerem alterações sob o impacto da nova tecnologia digital.

Qual a durabilidade desse registro?

Tendo em vista que uma das principais características de revolução cibernética é a


velocidade com a qual as coisas mudam, creio ser necessário deixar claro o que
pretendo com o registro das minhas observações e reflexões.

A Rede introduziu na vida de seus usuários uma nova noção de tempo e de


durabilidade do que é dito. A última palavra pode ficar ultrapassada em questão de
dias, horas ou até mesmo minutos. Por isso mesmo, a última palavra só tem sua
efêmera durabilidade garantida quando divulgada na própria Rede. A reflexão, ainda
pouco aprofundada (e aqui não vai nenhuma crítica), sobre a última palavra tem uma
durabilidade maior, semanal por enquanto, e vem sendo divulgada nos vários cadernos
de informática dos grandes jornais, que têm o mérito de estar fazendo, passo a passo, o

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registro histórico de uma revolução. Uma reflexão um pouco mais aprofundada e,
portanto, mais durável, é feita mensalmente através das revistas especializadas, cujo
mérito é semelhante ao dos cadernos de informática.

Neste livro não há nenhuma preocupação com a última palavra, seja esta relativa às
máquinas, aos programas ou à Rede. O tipo de observação e reflexão nele feitos são de
uma ordem diferente e têm sua durabilidade garantida por uma outra preocupação: o
que está acontecendo com o ser humano, que não muda tão rapidamente assim e para
quem mudanças geralmente trazem conseqüências psicológicas importantes a médio e
longo prazo, a partir de um ponto de vista interno a este.

A quem é dirigido este livro?

A todos aqueles que se interessam pelo que se passa com e dentro de um ser humano
a partir do momento em que suas condições externas de vida são modificadas, no caso,
por uma nova tecnologia.

Creio ser importante, para um jovem, saber, por exemplo, que não é o único a ter medo
das mudanças introduzidas na vida das novas gerações pela revolução cibernética.

Creio também ser importante que os pais desses jovens entendam um pouco desse
novo mundo para que possam ter alguma compreensão das paixões de seus filhos pela
Rede ou por ela geradas, de seus medos, de seu sofrimento às vezes muito real
embora oficialmente virtual (com seus amores cibernéticos, por exemplo)...

Creio ser indispensável para profissionais que lidam com gente de todas as idades
saber quais os recursos que a Rede coloca a seu dispor e quais os diferentes tipos de
problema que ela pode gerar para diferentes tipos de pessoa. Isso para que possam
dar a devida importância a essa nova realidade e não descartá-la como uma mera
fantasia ou hobby sem maiores conseqüências.

Creio, por último, ser fundamental que os pesquisadores das chamadas ciências
humanas e sociais reconheçam que, quando se está vivendo os primeiros estágios de
uma revolução do porte da que estamos presenciando, a observação e a reflexão são
nossas principais armas e devem anteceder qualquer tentativa de alçar vôos teóricos.

Qual o conhecimento de Rede necessário para lê-lo?

Este livro foi escrito tendo como alvo tanto o leitor que já usa a Rede quanto aquele que
com ela não tem nenhum contato.

Para o primeiro, os textos que se seguem oferecem reflexões sobre uma realidade que
já conhece. E reflexões circunscritas aos usuários brasileiros, a partir de um ponto de
vista ainda pouco explorado: o dos efeitos psicológicos das novas tecnologias. Já as
explicações dadas sobre alguns dos aspectos técnicos da Internet bem como de sua
difusão no Brasil não trarão nenhuma novidade para esse leitor e podem simplesmente
ser ignoradas.

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Essas explicações foram especialmente escritas para o leitor que desconhece
completamente a Rede, e podem, para ele, ser extremamente úteis. Ainda para esse
leitor foi preparado um pequeno glossário, que aparece no final do livro. O glossário foi
incluído para que o leitor leigo possa localizar com facilidade o significado do
vocabulário específico da Rede, cujo uso não poderia ser evitado.

Não há como falar de uma nova realidade sem usar uma terminologia nova e a proposta
do livro não é a de familiarizar o leitor com o que é a Internet. A proposta é a de mostrar
ao leitor o quanto e o quão profundamente a Internet está mudando nossas vidas e nós
mesmos.

Qual a estrutura do livro?

É útil que o leitor saiba de que forma o livro está organizado, pois isso já poderá ajudá-
lo a entender um pouco de seu propósito e a entrar em contato com algumas
características da Rede, no caso de com ela não estar familiarizado.

A Internet é vista, por muitos, como um caos organizado ou um caos que funciona. Tudo
pode se ligar a tudo, com um clicar do mouse. Uma viagem no ciberespaço raramente
tem itinerário certo. Tudo depende do que vai despertar o interesse do viajante.

Um livro sobre o impacto da Internet sobre nós, comuns e concretos mortais, deve
corresponder a essa, que é uma das principais características da Rede: tudo pode levar
a tudo. Não há, portanto, um roteiro pré-determinado e rígido. Há simplesmente uma
organização em blocos temáticos, que podem ser lidos em qualquer ordem.

Por isso mesmo, espero que o leitor se sinta livre para pular de um assunto a outro, de
acordo com o fluxo de seus interesses. Digo isso porque, diferentemente do texto
ciberespacial (o hipertexto), que tem ligações imediatas para vários outros textos e
raramente é lido do início ao fim de uma só feita, o texto impresso é linear e o leitor tem
o hábito de lê-lo seqüencialmente. Na ausência do hipertexto, faço das notas de pé de
página o elemento de ligação entre os diversos blocos e seções.

Tentando incorporar outra característica da Rede -- sua agilidade -- e para facilitar a


leitura da forma proposta, todos os temas são discutidos sob a forma de rápidos
ensaios, que procuram associar o registro bem-humorado à reflexão cultivada pelos
anos de leitura e pela experiência profissional e de vida.

Isto posto, que tal passarmos ao que interessa?

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O IMPACTO DO NOVO

Momento 1: uma tarde iluminada

Quanto mais velhos ficamos mais difícil se torna ter uma primeira vez impactante. Já
fizemos nossa primeira viagem, já demos nosso primeiro beijo, já experimentamos os
altos e os baixos da nossa primeira paixão, já enfrentamos as agruras da nossa primeira
decepção, já vivemos a excitação do nosso primeiro dia de trabalho, já festejamos
nossas primeiras vitórias e choramos os nossos primeiros fracassos, já ganhamos e já
perdemos... A isso comumente damos o nome de experiência de vida.

Por esse critério posso afirmar que sou uma pessoa experiente. Por isso mesmo, há
algum tempo achava que seria improvável ter alguma primeira vez realmente
impactante e, muito menos ainda, desconcertante, fascinante, intrigante e, acima de
tudo, transformadora de uma forma de ver e sentir o mundo -- e de me ver e me sentir
dentro dele -- já altamente consolidada pelos anos de vida.

Pois bem, era assim que me sentia até que uma jovem guia me mostrou como cruzar o
umbral de um novo mundo a partir de uma tela de computador.

A tela era negra -- a de um terminal de Rede operando no sistema UNIX -- e


contrastava com a bela tarde ensolarada que havia deixado do lado de fora. A princípio,
somente a minha curiosidade e o rosto iluminado da minha jovem instrutora me
forneciam a energia necessária para estar ali, numa sala repleta de telas como aquela à
minha frente e igualmente repleta de jovens excitados e iluminados que delas faziam
um uso que eu desconhecia.

Mas minha instrutora era competente e, a partir de alguns comandos digitados, me fez
ingressar pela primeira vez no ciberespaço. Era como se, num passe de mágica, tivesse
feito surgir luz e vida, profundidade, latitude e longitude das trevas bidimensionais de
uma tela negra. E eu me sentia como se tivesse sido contemplada com um par de asas
velozes para apreciar tudo isso.

Não demorou muito para que, embora carecendo da destreza dos meus jovens
companheiros e guia, meu rosto ficasse tão iluminado quanto o deles. O estranho
caminho de uma associação me levou aos descobridores do nosso já velho mundo que
um dia foi novo. Como se sentiram Cristóvão Colombo, ou Pedro Álvares Cabral (e
principalmente suas tripulações, que certamente estavam menos preparadas do que
eles), pensei eu, ao avistar, pisar e travar contato com os pedaços de América nos
quais aportaram? E fui mais longe ainda: como se sentiram os astronautas que viram
pela primeira vez o nosso planeta como se fora qualquer outro planeta, ou ainda, como
se sentiram os primeiros homens a pisar na Lua? Nesse momento, percebi que já
estava viajando -- e como! -- sem mover nada além dos meus dedos. Tive a sensação
de um estranho privilégio em relação a Colombo, Cabral e os astronautas! Tudo,

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inclusive as associações e emoções, era surpreendente porque completamente novo
para mim.

Nessa primeira vez, que durou umas duas horas, fiz, guiada por minha instrutora, um
pouco de tudo. Entrei em museus mundo afora, visitei livrarias em diferentes cantos do
mundo, verifiquei com cuidado o que estava acontecendo na Broadway, joguei conversa
fora com gente que nunca havia visto e que, provavelmente, nunca chegarei a ver,
entrei em lojas de CD’s, pedi informações sobre filmes antigos e sobre os que ainda
nem haviam sido exibidos, entrei numa discussão filosófica sobre Habermas, que já
estava rolando há algum tempo, li um artigo da Time Magazine e a primeira página do
New York Times, e ainda me dei ao luxo de procurar os endereços eletrônicos de
amigos que vivem em outros cantos do mundo. Tive, ainda, uma surpresa extra: não
pude entrar na Nova Zelândia para ver um projeto arquitetônico arrojado porque a
legislação neozelandesa não permite a entrada de internautas estranhos fora do horário
comercial!

Ao sair da sala das telinhas, eu estava completamente tonta. Nessa minha primeira
viagem virtual, que teve a duração de um vôo um pouco mais longo do que o que liga o
Rio de Janeiro a Brasília, havia viajado e conhecido muito mais do que em várias de
minhas viagens convencionais no Brasil ou no exterior. E não havia precisado de
carteira de identidade, bilhetes aéreos, passaporte, roupas especiais, ou descanso, para
me locomover, cruzar fronteiras geográficas, enfrentar diferentes climas ou suportar o
inevitável cansaço gerado pelas diferenças de fusos horários. A velocidade com a qual
tudo acontecia, embora natural para os jovens que me cercavam, era, para mim, até
então, impensável.

Estava também muito excitada. Não o sabia então, mas havia acabado de travar
contato com outra importante característica dessa Rede das redes: o excesso de
informações.

Um engarrafamento de tráfego suavizou minha chegada em casa. Tive algum tempo


para pensar entre uma primeira marcha e outra. Ao adentrar o meu espaço real,
concreto e cotidiano já tinha pelo menos algumas certezas. A primeira era a certeza de
que essa havia sido apenas a minha primeira viagem. A segunda era a de que
certamente tentaria travar um contato mais íntimo com esse novo mundo. E a terceira
era a de que eu, sendo pesquisadora e psicóloga, daquele momento em diante,
passaria a me dedicar intensamente, se não exclusivamente, à observação e à
pesquisa das mudanças que a experiência com esse novo mundo certamente iria
introduzir na vida cotidiana e nas formas de pensar, viver e sentir de meus
contemporâneos (principalmente dos mais jovens).

E aí, já no porto seguro do meu espaço privado, retomei minhas antigas asas -- aquelas
da imaginação -- e viajei de novo.

Explico. Não há como se ter uma experiência nova sem se reportar, ao menos por
analogia, a experiências antigas, vividas pessoalmente ou vivenciadas imaginariamente
através de livros, filmes, documentários etc.

Assim sendo, fui transportada para o cenário que antecedeu a última grande revolução:
a Revolução Industrial. Para uma época distante, mas não tão longínqua assim (pois

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isso ainda acontecia no final do século XVIII), em que as pessoas moravam em
pequenas localidades nas quais todos se conheciam e se relacionavam entre si a partir
de afinidades baseadas nos laços de sangue, de vida em comum num determinado
lugar e de uma mesma vocação profissional e/ou religiosa. Trabalhavam a terra ou
fabricavam de modo caseiro (e do início ao fim) os objetos de que necessitavam. A vida
era vivida entre rostos familiares que tinham interesses comuns. A miséria era grande. A
população aumentava e a terra empobrecia de tal forma que Thomas Malthus chegou a
concluir, no final do século XVIII, que a capacidade de produção de alimentos estava
prestes a se esgotar! A esse quadro somavam-se os pesados impostos cobrados pelos
donos das terras (os senhores feudais).

Era também uma época em que as pessoas tinham pouca mobilidade. As viagens eram
feitas a cavalo, em carroças e carruagens. As grandes propriedades eram herdadas
pelos primogênitos e casamentos eram arranjados tendo em vista, não o amor, mas a
manutenção do patrimônio ou o aumento deste.

Quem, no final desse século distante, poderia prever que uma invenção tecnológica -- a
da máquina a vapor -- teria o poder de desencadear uma revolução de tal porte que
alteraria não somente os meios de produção, mas também as formas de viver, de se
relacionar com o mundo, com os outros e consigo mesmos, além das formas de sentir,
de progressivas levas da população mundial?

Pois bem, foi exatamente isso o que aconteceu. Todo esse quadro, cenário de tantos
romances e filmes, foi radicalmente alterado pelo que, no princípio, talvez tenha sido
visto por muitos como apenas mais uma invenção. Esses muitos estavam enganados e
a história revela de forma contundente que a invenção da máquina a vapor mudou os
modos de viver, produzir e sentir de praticamente todos os que viveram nos séculos XIX
e XX.

Por quê? Porque uma coisa leva à outra. Com o aparecimento dos trens movidos a
vapor (algo semelhante às nossas antigas marias-fumaça) ganhou-se uma mobilidade
nunca antes sonhada, o que acabou resolvendo o problema da escassez de alimentos
que, agora, podiam ser transportados com rapidez de terras férteis porém longínquas.
Com o aparecimento das indústrias, a população do campo deslocou-se para as sedes
das mesmas e isso resultou no surgimento das grandes metrópoles com seus parques
industriais. Emergiu o capitalismo com suas linhas de montagem e longas horas de
trabalho repetitivo.

Essas mudanças, por sua vez, tiveram um enorme impacto sobre a vida pessoal de
todos aqueles por elas atingidos. Ao se radicarem numa grande metrópole, as pessoas
perderam suas raízes, começaram a viver entre estranhos, a se sentir sozinhas e a
apresentar problemas de ordem psicológica antes desconhecidos. Nas linhas de
montagem, homens, mulheres e crianças passaram a trabalhar como autômatos. O
trabalho deixou de ter o significado e a completude que tinha antes, tornou-se
simplesmente repetitivo e sem sentido. O papel-moeda introduziu o anonimato nas
trocas antes pessoais. Até mesmo as bases do casamento foram alteradas. No lugar do
casamento arranjado pelas famílias, surgiu o casamento por amor, principalmente entre
aqueles para quem não se colocava o problema de um patrimônio que não tinham que
transmitir porque não o possuíam.

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Comparei minhas duas viagens -- a virtual e a imaginária -- e constatei que uma
pergunta havia, para mim, se desenhado com nitidez: se a invenção da máquina a
vapor tinha tido o poder de alterar os modos de viver, de ver o mundo e de sentir de
tantos, quais seriam as conseqüências a curto, médio e longo prazo, da inovação
tecnológica a que se deu o nome de Internet?

Não é à toa que muitos se referem ao que já está acontecendo como a Revolução
Digital ou Cibernética!

Momento 2: o plano de ação

Com essa pergunta em mente, tentei elaborar um plano de ação e, imediatamente, me


deparei com minha primeira dificuldade: a descontinuidade.

Explico. Não é fácil estudar o novo. E não é fácil porque o velho tende a atrapalhar,
principalmente quando já temos formas consolidadas de ver e interpretar o que nos
cerca. O novo sempre requer um novo olhar e novos olhares geralmente geram
insegurança naqueles que olham sem fazer uso de referenciais conhecidos, ao mesmo
tempo que provocam a ira daqueles que não querem abandonar a segurança desses
referenciais. Partir do que já é conhecido é sempre mais confortável. O problema é que,
em se tratando de algo completamente novo, quando se parte do conhecido tende-se a
encaixar o novo no velho, o que é uma forma de não enxergá-lo.

Mas o que é velho hoje já foi novo algum dia e alguém teve a coragem de, mesmo
enfrentando obstáculos e preconceitos, estudá-lo. Fiz mais uma visita ao novo
instaurado pela Revolução Industrial, agora buscando saber como com ele lidaram
aqueles que o estudaram.

Admirei a coragem e a visão de vários dos grandes intelectuais do século passado, que,
a partir de pontos de vista diferentes e com interesses diferentes, se debruçaram sobre
o que estava acontecendo diante dos seus próprios olhos, buscando compreender as
dimensões e o alcance das mudanças geradas pela Revolução Industrial. Sabia o
quanto essa compreensão havia sido fundamental para a construção de formas de lidar
com os diferentes problemas gerados por essas mesmas mudanças.

Pedi inspiração e coragem a vários grandes nomes. Dentre eles, os mais conhecidos
são Sigmund Freud e Karl Marx. Mas o século XIX nos deixou o legado do trabalho de
vários outros como Friedrich Engels, Emile Durkheim, Alexis de Tocqueville, Georg
Simmel, Max Weber, Ferdinand de Tönnies, para mencionar somente alguns daqueles,
além de Freud e Marx, aos quais pedi ajuda. Não quero aqui entrar no mérito do que
escreveram, pois não é esse meu objetivo. Quero somente dar ciência ao meu leitor de
que a eles recorri para que pudesse elaborar um plano de ação.

E a inspiração veio logo, pois o que todos esses diferentes nomes têm em comum é a
coragem que tiveram de, num primeiro momento, observar e registrar o que de novo
estava acontecendo ao seu redor. E, quando passaram à interpretação do que haviam

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observado, criaram -- progressivamente porque, em muitos casos, como o de Freud,
fizeram diversas revisões e reformulações de suas interpretações -- novas formas de
ver o mundo, seus habitantes e as formas destes se organizarem.

Isso é tudo o que é possível fazer nos primeiros estágios de uma mudança radical cujo
desenrolar é impossível de prever. E é exatamente isso que resolvi fazer na medida do
meu possível.

Resolvi ficar de mente aberta, e olhos e ouvidos mais abertos ainda, para tudo o que
estava e está acontecendo no nosso cotidiano, sem ter a preocupação, bastante
louvável e necessária em outros contextos, de entrar em contato com como outros
profissionais estão vendo o que está acontecendo. É claro que é interessante saber o
que outros profissionais estão pensando a respeito de um assunto que se quer
conhecer o mais profundamente que se possa. É interessante, porém pode canalizar a
percepção e criar obstáculos para uma visão diferente.

Estou convicta de que, nesses primeiros estágios da revolução que estamos


presenciando, quanto mais diversificados forem os pontos de vista, mais ricas poderão
ser as nossas contribuições. Que o leitor não espere, portanto, encontrar referências ao
que outros pesquisadores estão fazendo ou pensando. Este livro é o resultado da
interação de um modo próprio de ver essa nova realidade, a partir de uma experiência
de vida e uma trajetória profissional específicas, com as opiniões, experiências,
sentimentos, reflexões, questionamentos, etc. de muitos daqueles que vivem essa
realidade no seu cotidiano.

Esses muitos são todos usuários brasileiros porque, embora a Internet seja uma Rede
mundial, aqueles que a usam sempre têm como ponto de partida uma cultura local. O
que me interessa, quero deixar claro, é saber o impacto que o ingresso no ciberespaço
está tendo nos nossos contemporâneos que também são nossos conterrâneos.

Momento 3: ação, ou, observação do cotidiano

Para saber quais as mudanças que um determinado novo gera na vida das pessoas, é,
portanto, necessário observar o seu cotidiano. Isto foi exatamente o que fizeram, no
século passado, vários dos intelectuais que me serviram como fontes de inspiração.
Freud, por exemplo, se debruçou sobre o cotidiano da histérica no início de sua jornada;
Engels foi morar na Inglaterra para observar de perto o cotidiano da primeira classe
trabalhadora do regime capitalista; Simmel prestou atenção aos minúsculos detalhes da
vida numa grande metrópole; Durkheim usou, como um dos pontos de partida para suas
reflexões, o registro das taxas de suicídio nos diferentes países europeus da época...
Acho que estes são excelentes exemplos de observações cujos frutos marcaram o
nosso século.

Observar pode parecer uma tarefa fácil mas, asseguro ao leitor, não é. A observação
das mudanças que ocorrem em dois contextos diferentes que podem ou não se
interpenetrar -- o de um cotidiano extremamente diversificado como o das nossas

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grandes metrópoles e o de um cotidiano cuja velocidade de transformação é algo nunca
antes julgado possível como o da Internet -- requer muita paciência, dedicação, e,
principalmente, capacidade de lidar com o excesso de informação disponível.

Assim sendo, minhas observações têm origens bastante variadas.

Meu ponto de partida fui eu mesma. A todo momento parava -- e ainda paro -- para
observar o que estava acontecendo comigo mesma, usuária leiga (em informática) que
era: quais eram as minhas reações, quais eram os meus sentimentos, o quanto a minha
forma de pensar havia mudado. Observava, também, as reações dos meus amigos e
colegas ao que dizia e fazia. Eles, através de incentivos, críticas, comentários ou
mesmo simples olhares perscrutadores ou censuradores, me davam um retorno
importante do quanto eu própria estava mudando.

Observei, também com muito interesse, o que estava acontecendo com os jovens, que
sempre tenho ao meu redor em grande número. Seu modo de lidar com as máquinas,
com a Rede, com os relacionamentos que travaram a partir dela, seu modo de pensar e,
principalmente, seu modo de sentir me mostravam o quanto as coisas estavam
mudando, e mudando rápido.

Passei a prestar muita atenção na mídia especializada, como as revistas sobre a Rede
e os cadernos de informática dos grandes jornais, bem como programas de televisão
dedicados à informática, e na não-especializada, como os próprios jornais diários, as
revistas de grande circulação, a televisão e o rádio.

E, como não poderia deixar de ser, observei muito o que estava acontecendo na própria
Rede. Tornei-me, nela, uma central de coleta de todo tipo de dicas e informações. Meus
jovens amigos sempre estiveram a postos para me ajudar.

Tudo isso me rendeu uma enorme coleção de cadernos de informática de grandes


jornais, de revistas especializadas na Internet, de recortes de outros jornais e revistas,
além de inúmeros arquivos de e-mails e home pages. A cada recorte ou e-mail, a cada
novo caderno ou revista de informática, delineava-se uma reflexão ou surgia uma
pergunta para a qual eu não tinha uma resposta imediata.

Várias dessas perguntas foram organizadas sob a forma de questionários e entrevistas,


através dos quais foram colhidos depoimentos de inúmeros usuários brasileiros. Os
questionários foram divulgados e respondidos através da própria Rede (por e-mail) e as
entrevistas foram feitas pessoal e individualmente. Recebemos -- minha equipe de
pesquisa e eu -- um total de 83 respostas aos dois questionários que enviamos e
fizemos um total de 20 entrevistas.

Outros depoimentos escritos foram coletados através de e-mails espontâneos, através


de listas informativas e através da home page da pesquisa, que foi especialmente
construída com essa finalidade. Para a divulgação desta home page, contei com a
inestimável colaboração de dois grandes amigos, jornalistas especializados em
informática e Internet: Fernando Villela e Carlos Alberto Teixeira, o C@T.

A todos os usuários-colaboradores que nos forneceram dados, alguns bastante íntimos,


foi dada a garantia de completo anonimato. Por isso, ao longo do livro, seus nomes

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verdadeiros foram substituídos por nomes fictícios ou, em alguns poucos casos por
razões que serão oportunamente explicitadas, por simples letras.

É a partir de todo esse material, coletado ao longo de pouco mais de dois anos, que
foram desenvolvidas as reflexões que compõem este livro.

Espero que sua leitura seja prazerosa.

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NOVOS USUÁRIOS

A Internet tem novos e antigos usuários, que correspondem a fases distintas do uso
dessa Rede de computadores no Brasil. Os novos e antigos usuários sabem disso, pois
geralmente conhecem as origens do ciberespaço brasileiro. Mas, o leitor leigo
provavelmente desconhece. Seguem-se algumas informações, imprescindíveis para
este leitor, que podem, no entanto, ser úteis para que muitos outros leitores, já
experientes na Rede, entrem em contato com aquilo que chamei de configuração
psicológica básica do usuário brasileiro.

A história da Internet no Brasil pode ser dividida em dois períodos distintos: o


acadêmico e o comercial.

Quando começou o acadêmico é difícil precisar -- uma boa data talvez seja 1990, ano
que presenciou a implantação da Rede Nacional de Pesquisa, RNP --, mas é certo que,
pelo menos desde o início desta mesma década de 1990, cientistas brasileiros trocavam
informações e arquivos, se correspondiam e faziam uso de computadores distantes por
acesso remoto através da RNP que, por sua vez, estava ligada à Internet.

Já o período comercial -- ou melhor de acesso comercial à Internet -- tem data de início


bastante nítida: o ano de 1995.

No dia primeiro de março de 1995, quando o acesso à Rede ainda estava praticamente
restrito aos círculos acadêmicos, a revista Veja publicou o seguinte artigo de capa:
Internet: A Rede planetária em que você ainda vai se plugar, uma matéria escrita na
hora certa a respeito de um futuro pronto para explodir no Brasil.

Esta foi a primeira publicação a respeito da Rede que guardei.

Hoje, a minha coleção das mais diversas publicações, recortes, arquivos, etc. -- tudo
coletado ao longo de pouco mais de dois anos -- dá um eloqüente testemunho do
quanto a Rede cresceu nesse curto espaço de tempo.

Neste primeiro bloco, convido o leitor para uma contemplação, sem compromisso, de
algumas peças dessa coleção.

Gostaria que ele -- o leitor -- pudesse ter acesso direto ao fascínio que a Rede vem
exercendo sobre suas crescentes levas de usuários, bem como a alguns indicadores da
velocidade com a qual a Internet penetrou e continua penetrando os mais diversos
recantos da nossa vida cotidiana. Isso é necessário para que possa avaliar quantos
brasileiros já estão vivendo -- de formas diferentes, mas, no mais das vezes, com muita
intensidade -- sob a égide dessa nova realidade.

Os dados são simples -- muitos falam por si mesmos -- e têm uma função também
relativamente simples: a de contextualizar minhas reflexões e os usuários brasileiros no
tempo veloz e na cultura voraz que a Rede inaugurou.

14
Quanto ao espaço, mesmo tratando do ciberespaço, reafirmo que estarei sempre
falando do Brasil, pois esta é a plataforma a partir da qual nos lançamos nas nossas
aventuras ciberespaciais. A título de exemplo, pensemos nas enormes diferenças
existentes entre abraçar o desafio do ciberespaço, cuja existência depende de linhas
telefônicas e eletricidade, a partir de uma infra-estrutura de primeiro mundo, e abraçá-lo
quando se depende da falha infra-estrutura de nossas grandes metrópoles. No segundo
caso, o nosso, a vontade tem que ser muito maior, e a paciência e a persistência
também.

15
Marcando presença no ciberespaço

Uma das formas de usarmos a Rede é a de nela colocarmos à disposição dos outros
usuários aquilo que gostaríamos que eles soubessem a nosso respeito. Para isso são
construídas as home pages que povoam o ciberespaço e nele são visitadas.

Dou alguns exemplos. Em sua home page, uma universidade divulga seus cursos, as
qualificações de seu corpo docente, sua produção científica, etc.; uma editora divulga
seus livros; uma loja de eletrodomésticos anuncia os produtos que vende; uma
campanha para encontrar crianças desaparecidas fornece os dados e fotos dessas
crianças; um partido político torna públicas suas posições a respeito de diferentes
assuntos; um clube desportivo torna disponíveis horários de aulas e treinamentos bem
como históricos de suas glórias e conquistas; etc. etc. etc.

Usar uma home page é uma forma nova de se fazer, ao mesmo tempo, marketing --
pois as home pages cumprem as funções de vitrines, anúncios, catálogos, outdoors,
simples cartões de visita, etc. -- e pesquisa de mercado -- dado que as home pages
podem solicitar as opiniões dos visitantes e promover debates entre os mesmos, tudo
isso através da Rede, é claro.

Mas o que talvez seja mais importante é que a interatividade das home pages inaugura,
embora ainda de forma incipiente por conta de problemas de segurança no envio de
informações privadas, uma nova forma de fazer comércio, transações bancárias, etc. O
dia em que o comércio na Rede estiver funcionando a todo vapor, não há dúvidas de
que ela vai se tornar um grande shopping.

De qualquer forma, parece que cada vez mais representantes de todos os setores da
nossa sociedade pressentem, quando não sabem de fato, que é importante estar
presente no ciberespaço mesmo que dele ainda não se saiba bem o que fazer.1 Esses
primeiros estágios da nova revolução requerem muita experimentação, muito ensaio-e-
erro, pois o que não se sabe é sempre muito. Mas já se sabe que não é possível
aprender desconhecendo ou testar estando ausente...

Assim sendo, o ciberespaço começou a ser colonizado por home pages brasileiras no já
histórico ano de 1995, que viu o início da Internet comercial no Brasil.

No início, as home pages eram poucas e era fácil listá-las. A revista Internet World --
cujo primeiro número foi publicado em setembro de 1995 --, por exemplo, o fazia
destinando para tal finalidade algumas páginas de sua publicação mensal.

Pouco tempo depois, mais exatamente em junho de 1996, a mesma revista adotou uma
nova política perante o crescente número de home pages brasileiras. Passou a listá-las

1
Uma discussão de como os usuários vêem as home pages pode ser encontrada em NOVOS
CONCEITOS. Já algumas considerações a respeito de como usar as home pages com finalidades
publicitárias podem ser encontradas em A expertise jovem e o novo mercado de trabalho, no bloco
sobre a NOVA LÓGICA.
16
num encarte intitulado Internet Brasil, que se tornou um guia de home pages e
provedores de acesso à Internet no Brasil.
Em suas primeiras edições, esse guia listava as home pages simplesmente em ordem
alfabética. Logo depois, em agosto de 1996, ainda para lidar com números cada vez
maiores e para facilitar a consulta, a listagem passou a ser feita por assuntos. A
discussão desses assuntos fica para daqui a pouco, dado que o propósito, agora, é
simplesmente o de mostrar ao leitor a velocidade com a qual o ciberespaço foi povoado.

Um pouco mais tarde ainda, a revista Internet World deixou de publicar esses encartes.
Muito provavelmente o número de home pages cresceu tanto que tornou impraticável a
sua publicação. A tudo continuar no mesmo ritmo, os encartes logo, logo acabariam
tendo as dimensões dos catálogos telefônicos de grandes metrópoles. E a Rede já
contava com sites de busca nacionais, como o Cadê? que, em dezembro de 1996, tinha
em seus cadastros a bagatela de mais de 14 mil endereços exclusivamente brasileiros.
Estes endereços, por sua vez, deram origem a uma publicação -- daquelas
convencionais -- intitulada Internet: Páginas Amarelas Brasil (organizada por Gustavo
Viberti e editada por Axcel Books do Brasil Editora), que, em 1997, já se encontrava em
sua segunda edição. Os encartes não eram mais necessários. Já haviam cumprido sua
missão.

Revistas e cadernos de informática acabaram adotando o procedimento de publicar


dicas de home pages visitadas. O Guia da Internet.Br, por exemplo, desde seu primeiro
número, que data de maio de 1996, publica encartes com comentários, críticas e outras
informações sobre home pages brasileiras e internacionais.

Todo esse processo pode ser resumido da seguinte forma: a Internet no Brasil cresceu
assustadoramente nos seus dois primeiros anos de vida comercial.

Uma importante conseqüência desse crescimento é a penetração da Rede nas mais


diversas áreas da nossa experiência cotidiana.

Como mencionei anteriormente, já em agosto de 1996, a revista Internet World, passou


a publicar a lista de home pages brasileiras por assunto. Quais eram esses assuntos?
Diria que os convencionais de um guia de páginas amarelas. Ou seja, assuntos bem
cotidianos como:

- Arte, Cultura, Lazer e Religião


- Ciência e Tecnologia
- Comunicação
- Educação
- Esportes
- Finanças & ETC.
- Governo, Política e Associações
- Indústria e Comércio
- Internet e Informática
- Pessoais
- Saúde
- Turismo e Ecologia

17
Isso já dá uma boa idéia da penetração da Rede. Mas acho que, para que o meu leitor
possa ter uma avaliação mais concreta do quanto a Rede já atingiu os mais diferentes
recantos do nosso cotidiano bem brasileiro, melhor seria ele me acompanhar num
passeio por home pages selecionadas por mim mesma. O principal critério que usei
para fazer essa seleção foi o quanto essas home pages estão próximas do nosso dia-a-
dia e de alguns de seus problemas e alegrias, ou seja, o quanto elas são reveladoras de
como vivemos e reagimos às nossas experiências diárias.

Quem está na Rede de acordo com essa seleção?

O time de maior torcida carioca, dizendo o seguinte:

“Tenha um endereço e-mail no formato: seunome@flamengo.com.br(...) Telefone


já para (...), ramal Flamengo ou vá no endereço:
http://www.flamengo.com/provedor.html”.

“Mostre a 40 milhões de pessoas em todo o mundo a sua paixão pelo Flamengo.


Coloque sua home page pessoal dentro do Fl@Net e seja parte integrante da
Torcida Eletrônica Oficial do Flamengo. Maiores informações no endereço:
http://www.flamengo.com/torcida/socio.html”
(Revista do Flamengo de dezembro 96/janeiro 97).

E o Flamengo não somente está na Rede como se tornou um provedor de acesso à


mesma. Anuncia tudo isso na Revista que é vendida nas bancas de jornais e distribuída
a todos os seus inúmeros sócios sem qualquer preocupação de ter sua popularidade
arranhada por uma propaganda elitista ou de difícil compreensão. Além disso, de
acordo com o número de fevereiro de 1997 da mesma Revista, o Flamengo firmou
convênio com a empresa Data-Rio com o objetivo de oferecer a seus sócios cursos de
computação de caráter profissionalizante nas dependências do clube, com desconto de
50% na mensalidade. Entre os vários cursos que estão abertos a alunos a partir dos
sete anos de idade já está incluído um de Internet. Em breve, ainda de acordo com a
Revista, serão lançados cursos de Clipper, Visual Basic, HTML e Coreldraw para a
elaboração de home pages.

Agora, além de grandes desportistas, as escolinhas do Flamengo podem gerar novos


profissionais de computação e Rede. A Internet torna-se cada vez mais popular.

Mas o Flamengo, é bom que se saiba, é apenas um dentre os vários times brasileiros
que já faz a divulgação de sua história e desempenho no ciberespaço e tem uma torcida
eletrônica. Outro exemplo é o seu tradicional adversário, o Fluminense.

A penetração e a popularidade da Internet brasileira também podem ser apreciadas no


texto que se segue:

“Comprar uma fantasia da Beija-Flor, da Mocidade Independente de Padre Miguel,


da Imperatriz Leopoldinense, da Estácio de Sá ou do Salgueiro... acessando seus
endereços eletrônicos tem vantagens. Além da possibilidade de a roupa para o
desfile poder ser entregue em casa, na maioria dos casos, elas estão sendo
parceladas em várias vezes. Um negócio virtual que começou a virar realidade no
ano passado.”

18
(O Globo , domingo, 2 de fevereiro de 1997)

As populares escolas de samba cariocas também estão na Rede, vendendo o seu


carnaval.

Quem mais?

A impopular TELERJ. Mas, aqueles que com ela se desesperam podem desabafar num
site intitulado “Eu odeio a TELERJ!”, que já foi tema de um bloco carnavalesco no Rio
de Janeiro.

Os grandes jornais com suas versões online.

Muitas grandes revistas, também.

A Divisão de Repressão a Entorpecentes (DRE) da Polícia Civil do Rio de Janeiro, que,


após a descoberta de que a Rede estava sendo usada para a venda de drogas,
resolveu abrir uma home page para onde podem ser feitas denúncias. Alguns
delegados especializados em Rede foram deslocados para desbaratar o crime no
ciberespaço.

O Senado Federal, com uma home page que afirma aceitar sugestões e críticas.

Vários partidos políticos.

Os cegos, com a ajuda de um programa de acesso com sintetizador de voz.

Outros deficientes físicos, também com a ajuda de programas especiais.

Os psicanalistas e algumas de suas sociedades e revistas.

Os psicólogos, individualmente e através de seus conselhos regionais e federal.

Os advogados e juízes.

Os médicos, inclusive com pelo menos um hospital virtual intitulado Médico Virtual,
projeto idealizado e executado pelo Hospital Clementino Fraga Filho da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, que se propõe a formar uma grande rede de comunicação
entre médicos e especialistas de todo o país.

Os dentistas, com um catálogo de odontologia.

A acupuntura.

O Procon-Rj, que, em sua home page, publica o Código de Defesa do Consumidor.


Outros Procon’s Brasil afora.

Os alunos das escolas comunitárias ligadas ao Comitê para Democratização da


Informática, cujas contas foram doadas por um provedor de acesso comercial.

19
As campanhas para encontrar crianças desaparecidas.

As tradicionais receitas da vovó Dona Benta (para quem não sabe, um livro de culinária
popular). Outra vovó que está na Rede é a vovó Barreiros, com receitas de bolos,
conservas, geléias, etc.

O Ponto Frio “Bonzão” e as Lojas Americanas, entre outras cadeias vistas como
populares, com suas lojas virtuais. As cadeias de supermercados Pão de Açúcar e Zona
Sul, também, entre outras do gênero, facilitando a vida das donas e donos-de-casa com
suas vendas online.

Vários grandes bancos.

A Receita Federal, inclusive com seus formulários para declaração do Imposto de


Renda. (A expectativa em abril de 1997 era a de que 500.000 contribuintes fizessem
sua declaração pela Rede. Expectativa esta que foi confirmada.)

Várias associações profissionais e sindicatos.

A música popular brasileira através de, entre outros: Gilberto Gil, MPB-4, Quarteto em
Cy, Jamelão (o grande mestre da Mangueira, mesmo), Chico Buarque, Barão Vermelho,
Biquíni Cavadão, Lulu Santos, Zélia Duncan, etc. Há também aqueles que, como Noel
Rosa, Cazuza, Raul Seixas, e os Mamonas Assassinas, estão presentes in memoriam.

O samba e o chorinho, com uma Agenda do Samba & Choro.

A música erudita brasileira.

Vários artistas brasileiros.

Jô Soares Onze e meia.

Grandes pintores brasileiros, a exemplo de Candido Portinari.

Quase todas as editoras brasileiras, com seus catálogos e, em muitos casos, vendas de
livros pela Rede. Várias livrarias também.

Vários escritores brasileiros vivos ou mortos.

Os poetas atuais e os futuros também, pois a home page Expoética aceita


contribuições.

Os ufólogos, em cuja home page pode ser encontrado um “Ufonário”, ou seja, um


dicionário dos termos utilizados pela Ufologia.

Filmes, cinemas, teatros, churrascarias e outros restaurantes, companhias de aluguel


de carros, igrejas, seitas esotéricas, jogos lotéricos, administradoras prediais, griffes,
moda jovem, companhias de táxi, construtoras, imobiliárias, guias de saúde, agendas
culturais de diversas cidades, lojas de CD’s, festivais folclóricos, grandes cervejarias,

20
canais de TV por assinatura, batalhões da polícia militar e do corpo de bombeiros, guia
de CEP’s de todo o Brasil, dicionários, etc., etc., etc.

Não tenho dúvidas de que o leitor concordará comigo. É difícil pensar em algum setor
de nossas vidas bem cotidianas que não tenha um representante na Rede. E foi tudo
muito rápido, não?

Resta saber, e essa é a grande pergunta para a qual este livro tentará encontrar
algumas respostas, qual o impacto que tudo isso está tendo sobre todos nós.

21
Usando o ciberespaço

A difusão da Internet no Brasil pode ser avaliada a partir de diferentes tipos de dados.
Alguns -- como as home pages -- revelam a presença de instituições, empresas e
pessoas físicas na Rede mas não necessariamente o seu uso ativo -- ou melhor,
interativo -- da mesma. Afinal de contas, é possível mandar construir uma home page e
abandoná-la no ciberespaço somente para nele marcar presença. Isso é possível e
acontece.

Há, no entanto, outros fatos e números que revelam as levas de brasileiros que vêm se
tornando usuários ativos da Rede. Passemos a alguns deles.

Comecemos com o relato -- baseado em algumas peças valiosas da minha coleção de


recortes históricos -- de um episódio que, por comparação com o que veremos depois,
pode dar ao leitor a oportunidade de fazer uma avaliação bastante concreta de quanto
cresceu o uso ativo da Rede desde o ano-marco de 1995.

Em julho de 1995, um usuário foi excluído do AlterNex, então o único provedor de


acesso comercial do país, sob a acusação de comportamento incompatível com os
princípios do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), organização
não-governamental conhecida por suas posições e campanhas em defesa da cidadania
e dos direitos humanos, organização à qual o AlterNex se achava vinculado.

O caso gerou muita discussão porque, acima de tudo, a maior parte daqueles que
realmente usam a Rede se posiciona firmemente contra a censura no ciberespaço,
posição que seria esperável que o Ibase endossasse. Mas, por razões de ordem
interna, o AlterNex resolveu não apenas censurar, como excluir o usuário em questão.

É óbvio que o AlterNex não era o ciberespaço, era apenas o braço ciberespacial e
comercial de uma instituição de renome cujas regras o usuário havia infringido. No
entanto, infelizmente para todos os envolvidos, naquele momento o AlterNex, embora
não o sendo de direito, era, de fato, o ciberespaço para todos os que não pertenciam
aos círculos acadêmicos, pois, como disse, era o único provedor comercial no Brasil.

O conflito entre a defesa da ausência de censura no ciberespaço e a censura, no


mundo real (ou, como prefiro, cotidiano), de uma proibição ciberespacial, fez com que
fossem, publicamente, trocadas cartas em tom bastante áspero. O episódio envolvia
pessoas e instituições muito prezadas e, por isso mesmo, dava uma noção das
dificuldades que o conflito mundo real versus mundo virtual pode gerar.

A confusão foi tanta que fez com que a jornalista Cora Rónai, editora de “Informática,
etc” -- o caderno de informática de O Globo --, e, de acordo com ela própria, “internauta
de carteirinha”, assumisse a autoria da nota que serviu de estopim ao episódio e se
pronunciasse indignadamente. Segundo ela, a punição havia sido exagerada.

22
“A nota sobre a desconexão do usuário do Ibase... foi assinada por mim. Eu não
protestaria contra a atitude do AlterNex se existissem outros provedores de
acesso à Internet comercial no Brasil; neste caso, o Ibase poderia cuidar à
vontade do seu meio-ambiente, podando da Rede as vozes muito dissonantes.
Mas, como único provedor do país, o AlterNex é, até segunda ordem, ‘a Internet’.
Saindo (ou saído) de lá, o usuário não tem alternativas. Se alguém está passando
dos limites pode -- e deve -- ser processado: Justiça existe para isso.
Desconexão, porém só quando este for um país de fato civilizado com ampla
escolha de acesso à Internet.”
(Cora Rónai, O Globo, 10 de julho de 1995)

Ou seja, em julho de 1995 só podia usar a Rede quem fazia parte dos círculos
acadêmicos ou quem tinha tido a sorte de poder abrir uma conta no AlterNex.

Dadas essas condições, era pequeno o número de pessoas que usavam os diversos
serviços que a Rede torna disponíveis (correio eletrônico, grupos de discussão com
temas definidos, grupos de bate-papo livre, transferência de arquivos, viagens pelas
home pages, visitas a museus e bibliotecas, etc. etc. etc.).

E agora, quantos são os usuários desses serviços no Brasil? É difícil calcular e, vale
advertir, as estatísticas estão sempre defasadas dada a velocidade com que tudo muda
na Rede. Mas, mesmo assim, as estatísticas são o único conjunto de dados capaz de
revelar o tamanho que a Rede já assumiu e como tudo foi extremamente rápido.

Segundo a Folha de São Paulo, de 25 de dezembro de 1996, o ano de 1996 começou


com cerca de 110.000 e fechou com cerca de 1 milhão de usuários brasileiros (os
cálculos foram feitos pela Embratel). Um crescimento assombroso!

Também segundo o artigo da Folha, a maioria desses usuários tem acesso à Rede
através de provedores de acesso comerciais, que pularam de 50 para cerca de 800
somente no ano de 1996.

E deve-se levar em consideração o também enorme crescimento do ano anterior, pois


os 50 provedores do início do ano de 1996 se contrapunham, como já vimos no caso da
expulsão do usuário pelo AlterNex, à existência de apenas um provedor comercial no
país no mês de julho do ano de 1995.

Quais são as características desses usuários? Esta é uma outra questão que se coloca
com freqüência (há grandes interesses econômicos por trás dessa curiosidade) e que
comporta diferentes tipos de resposta baseados em diferentes tipos de dados, coletados
de diferentes modos e com diferentes objetivos.

O primeiro tipo é aquele que tenta traçar o perfil sócio-econômico e saber quais as
áreas de interesse dos usuários.

De acordo com a primeira pesquisa deste tipo sobre o internauta brasileiro, realizada
pelo Cadê? (site de busca brasileiro que, em dezembro de 1996, já recebia cerca de
170 mil acessos diários) em associação com o Ibope e divulgada na imprensa
convencional em fevereiro de 1997, os usuários ativos eram, naquela época, em sua
maioria, homens, jovens e solteiros. Muitos haviam acabado de entrar na Rede. Dois

23
terços dos entrevistados acessavam a Rede uma vez ao dia e a maior parte destes
ficava ligada pelo menos uma hora a cada acesso.

Ainda segundo a mesma pesquisa, esses usuários pertenciam ao topo da pirâmide


social. Mais de um terço tinha nível superior e um grande contingente já havia
completado ou estava completando o segundo grau. Mais da metade dos entrevistados
falava inglês e já era relativamente reduzido o percentual de usuários que trabalhava
com informática (apenas cerca de 20% do total). Além de boa instrução, os
entrevistados tinham uma vida financeira confortável (renda familiar mensal acima de 20
salários-mínimos)

Quanto ao que demandavam da Rede, foi constatado que a grande maioria se


conectava em busca de informação.2 As principais áreas de interesse apontadas foram
os esportes -- principalmente para os homens -- e a música, a arte e o turismo para as
mulheres. (Fontes: Caderno de Economia de O Globo de 2 de fevereiro de 1997,
Revista Internet World, volume 2, número 18.)

Embora todas as entrevistas tenham sido realizadas na própria Rede, certamente um


novo e rápido modo de produzir estatísticas, todos sabemos que, quando foram
divulgadas, os números já eram outros e, hoje, são outros ainda. Porém isso não
importa, pois esses números sempre indicam ao menos uma tendência e uma ordem de
grandeza.

Resumindo, as estatísticas acima mostram que o usuário brasileiro médio, na época em


que a pesquisa do Cadê?/Ibope foi realizada, era homem, jovem, solteiro, culto,
poliglota e com uma boa renda mensal. Digo era porque, e disso o leitor não deve se
esquecer, levas de novos usuários se conectam todos os dias, o que pode alterar o
quadro drasticamente de uma hora para outra. (O número de mulheres, por exemplo,
certamente tem aumentado muito.)

Mas, embora minuciosos, esses são dados quantitativos, somente capazes de revelar o
perfil sócio-econômico do usuário da Rede. Este perfil é muito útil para quem tem
interesses comerciais na Rede, mas não inclui quaisquer indicações a respeito das
características pessoais dos usuários da mesma. E essas características pessoais são
de grande interesse para quem quer que queira avaliar o impacto psicológico que a
Internet vem tendo sobre todos nós.

Sem contradizer ou confirmar nenhum desses resultados, gostaria agora de


complementá-los com dados de um segundo tipo: dados baseados na análise do
discurso dirigido pela mídia -- muitas vezes pelo jovem usuário-jornalista -- ao jovem
usuário-leitor, corroborados pelo conhecimento olho-no-olho de muitos jovens usuários
e pela observação próxima destes e de outros tantos. Estes são dados que, embora não
se prestando a qualquer tipo de quantificação, podem delinear, ao menos
provisoriamente, um perfil psicológico básico do usuário brasileiro. Quaisquer
discordâncias serão bem-vindas, pois o intuito principal é o de provocar alguma
reflexão.

Começo com o exemplo do discurso dirigido por uma jovem usuária-jornalista ao público
leitor do primeiro número, datado de maio de 1996, da primeira revista mensal
2
Contrastar com os nossos próprios resultados expostos em NOVOS RELACIONAMENTOS.
24
completamente brasileira sobre a Internet, da qual a jovem usuária-jornalista é
supervisora editorial -- o Guia da Internet.Br. Diz ela no artigo/editorial intitulado Na era
da informação, que transcrevo na íntegra:

“A sociedade sempre rompe seus paradigmas. Agricultura, comércio e


indústria já tiveram seus tempos de glória. Agora estamos em plena revolução
‘informacional’.
Para você que está chegando, as nossas boas vindas em nome de todo o
cyberspace! E prepare-se, pois alguma coisa realmente grande está acontecendo.
A Internet é um mundo novo, onde não há fronteiras, quase sem leis, quase sem
limites. Estatísticas indicam que hoje encontram-se ligadas à rede
aproximadamente quarenta milhões de pessoas, sendo estimado um crescimento
na faixa de um milhão de novos adeptos por mês. Na Internet estas pessoas
fazem comércio, trocam mensagens, participam de grupos de discussão,
disponibilizam e pesquisam informações, se divertem, falam de sexo, pirataria e
muito mais. Se você for explorando sistematicamente tudo que encontrar pela
frente, nunca vai terminar.
Com o surgimento do telefone, da televisão e do satélite, sentimos que o
mundo havia ficado menor, e realmente havia. Agora nossas possibilidades
aumentam de forma exponencial, em breve poderemos dizer que na Internet
existe informação sobre todos os assuntos já pensados pela humanidade.
Informação sem filtros ao alcance de todos -- poder para quem souber usar.
Os grandes nomes da Internet não são Microsoft, IBM ou APPLE, mas sim
uma coleção heterogênea de novas companhias, pesquisadores e estudantes
universitários. A velha fórmula de manter novas descobertas e informações
trancadas a sete chaves não vale no cyberspace. Grandes quantidades de
software são distribuídas largamente sem qualquer custo, alterando
profundamente a forma de fazer negócios.
O que isso tudo significa é que existe um novo mundo fora daqui
esperando por você. Não importa sobre o que você se interessa, o que você quer
conseguir ou qual o seu nível de conhecimento em computação, a Internet tem
algo para você.
A Internet.br é uma iniciativa como muitas outras que nascem na Internet.
Nossa equipe é composta de jovens com raízes universitárias, totalmente imersos
no cyberspace, sendo o nosso único compromisso o de mostrar o que há de
melhor neste novo mundo. Trabalhamos afinados ao espírito evolutivo da
Internet, fazendo esta revista para você e com você. Ligue sua máquina e venha
surfar com a gente!”

Jaqueline Gomes Pedreira

É um discurso contagiante de quem sente estar participando de uma revolução. É um


convite ao leitor para participar também, em condições de igualdade, feito por uma
equipe com a qual ele provavelmente irá se identificar (identificação que é comprovada
pelo espaço conquistado, em poucos meses, pela revista entre suas congêneres de
origem estrangeira ou nacional). Provoca sua curiosidade -- quem não tem sua
curiosidade despertada pela menção de um mundo novo? -- e atiça seu medo de ficar
para trás.

25
Estratégia de marketing da revista? Até poderia ser se não fosse esse, com algumas
pequenas alterações e variações de estilo, o discurso que ouvi todos os jovens, e não-
tão-jovens (cujo número aumenta a cada dia), usuários da Rede proferirem a respeito
da mesma nas mais variadas circunstâncias e para os mais variados interlocutores. A
revista somente documentou para a posteridade um discurso que é contagiante por
estar em sintonia com os olhos vibrantes e com os sentimentos daqueles que o emitem.

Assim sendo, a partir desse discurso, corroborado por minhas observações olho-no-
olho, acrescentaria ao perfil do usuário brasileiro traçado pelo Cadê?/Ibope, as
seguintes características de ordem interna (que valem para diferentes faixas etárias): o
sentimento de estar participando de uma revolução, a curiosidade insaciável gerada por
um novo que nunca deixa de ser novo, e o medo de ficar para trás e perder o bonde da
história.

Mas ainda faltam algumas características para completar o perfil dos sentimentos do
usuário brasileiro que me é possível delinear no momento. Essas características estão
presentes em duas outras matérias publicadas no número 8 do ano 1 -- janeiro de 1997
-- da mesma revista Guia da Internet.Br.

Na primeira, cujo sugestivo título é Convocação, encontramos novamente o espírito


revolucionário, agora associado ao desafio de estar (e permanecer) à frente, cravando
uma bandeira no ciberespaço:

“(...) Algum dia você imaginou que poderia participar ativamente de uma
experiência fascinante que iria mudar o rumo da história? (...)
Não? Então se liga, cara. Você é parte do que está acontecendo e o seu
talento, mais do que nunca, está sendo requisitado para essas coisas que estão
por vir.
Por que você não sai de dentro de você mesmo e tenta fazer aquela
revolução que os seus pais não conseguiram fazer em 68? Por que não
experimenta testar você mesmo esse novo paradigma do ciberespaço ao invés de
ficar aí, assistindo o resultado dos outros?
Na Rede, você não depende da ajuda de deputados, bispos, generais, ou
favores de qualquer outra autoridade constituída. Ouse mostrar a sua cara neste
final de milênio. Se você se ferrar, não se preocupe -- as pessoas só vão perceber
isso no início do próximo.
O que é que você está esperando para cravar sua bandeira no
ciberespaço?”
Marcela Lanson
25 de agosto de 1996

Já a segunda matéria lida com duas outras características do usuário brasileiro da


Rede, sua ambição profissional e seu faro para novas alternativas no novo mercado de
trabalho aberto pela Internet (e isso também parece independer de idade).3 O título da
seção da revista é Profissionet: Internet e a sua profissão e de seu discurso inaugural
foram retirados os seguintes trechos:

“(...) Já imaginou se, por um custo razoável, você tivesse acesso às últimas
novidades do ramo, comunicação simples e veloz, preciosos contatos humanos, e
3
Leia mais sobre o novo mercado de trabalho em a NOVA LÓGICA.
26
softwares específicos para o seu negócio? Ou ainda: dados exclusivos, clientes
potenciais, e até a resolução de dúvidas cabeludas em sua especialidade? São
algumas, entre as múltiplas vantagens que a Internet pode oferecer a sua
atividade profissional.
(...) muitos caminhos levam à utilização consciente da Rede-Mãe. Temos o
objetivo de orientar você, o usuário brasileiro, lhe mostrando a diversidade de uso
da Internet, e ajudando-o a aproveitar tudo de positivo que a Rede pode lhe
oferecer. De olho vivo e mente aberta, a Internet.br inaugura então a seção
Profissionet. Mensalmente, um internauta profissional -- ou seria um profissional
internauta? -- contará de que maneira utiliza a Internet em prol de sua profissão.
(...) Caso a Internet contribua, de algum modo, para impulsionar seu
desempenho no trabalho, chegou a hora de compartilhar essa experiência com os
nossos leitores. O espaço está aberto: Participe!! (...)”

Por esses novos critérios, chegamos ao que chamaria de configuração psicológica


básica do usuário brasileiro. Jovem ou não,4 este sente estar participando de uma
revolução, é curioso, tem medo de ficar para trás e, portanto, aceita o desafio de estar e
tentar permanecer à frente. É, ainda, ambicioso e sensível para novas alternativas no
mercado de trabalho, alternativas essas geradas pelas novas tecnologias deste final de
século nas quais ele é o expert.

Essas características básicas vão interagir com o que a Rede oferece e dessa interação
surgirão outras características, expertise, recursos e problemas aos quais retornaremos
em diversos pontos deste livro.

4
Ao longo do livro, o leitor entrará em contato com vários usuários que podem ser considerados jovens
somente “de espírito”.
27
NOVAS RELAÇÕES HOMEM-MÁQUINA

Máquinas, das mais simples, como uma torradeira, às mais sofisticadas, como um
automóvel, há muito fazem parte do nosso cotidiano. Há muito, portanto, que
aprendemos a lidar com elas com um confortável grau de distanciamento e a frieza que
condizem com o tratamento que julgamos deve ser dispensado a um objeto.

O computador, ao sair dos círculos acadêmicos -- principalmente das áreas em que o


uso de computadores por pessoas que entendem de computadores é antigo -- penetrou
no espaço doméstico e passou a ser usado por leigos em informática cuja experiência
com máquinas geralmente se resume à experiência com aquelas máquinas mais
distantes, e também mais dóceis, que povoam nossos lares.

Essa experiência é profundamente contrariada por seus contatos com o computador.


Não é o homem, mas o computador que dá o tom dos primeiros contatos. Num primeiro
momento, o homem mal sabe o que fazer depois que a telinha se ilumina. O início da
comunicação homem-máquina é difícil. O homem não sabe o que pedir à máquina e,
quando sabe, não sabe como pedir. Se pede da forma errada, o computador se nega a
fazer o que foi pedido e exibe mensagens e perguntas que o usuário também não
entende.

Para lidar com essas dificuldades iniciais, que são previsíveis, os programas, instalados
ou instaláveis em nossas máquinas, tornam-se cada vez mais “amigáveis”, ou seja,
mais fáceis de usar, revelando o cada vez mais aprofundado conhecimento do ser
humano que lhes serve de base.

Mas outros tipos de dificuldades, decorrentes do que chamei de antropomorfização da


máquina, não são ainda objeto de atenção especializada. O usuário pode encontrar
livros (além do help-na-tela que consta de praticamente todos os programas que
usamos) que o ajudem a lidar com os problemas técnicos acarretados pelo uso de um
ou outro programa. Porém, raramente encontrará algo que lhe diga como avaliar ou
interpretar as dificuldades para ele geradas por seus próprios inesperados sentimentos
em relação ao seu computador.

Sim, porque a crescente antropomorfização da máquina está fazendo com que a


relação do homem com seu computador subverta muitas de nossas concepções, ao
colocar em cena -- da parte do homem em relação ao seu computador -- sentimentos,
negativos e positivos, às vezes muito intensos. Dado que sentimentos desse tipo estão
geralmente circunscritos às relações do homem com seus semelhantes e alguns outros
seres vivos, muitos usuários -- e aqueles que com eles convivem -- são arrebatados
pela surpresa, incredulidade, medo, etc.

Tentarei discutir um pouco desses novos aspectos da relação do homem com sua
máquina neste bloco. Peço, portanto, a ajuda e a compreensão dos leitores experientes.
Quero garantir o acesso do meu leitor leigo à discussão (ele pode, por exemplo, estar
muito preocupado com alguns comportamentos e reações de seu filho ou filha, que são
incompreensíveis de seu ponto de vista). Por isso, dado que este é apenas o segundo

28
bloco de um livro, que não é técnico, mas cujo ponto de partida é, necessariamente,
uma tecnologia que nem todos dominam, terei, novamente, que fornecer algumas
informações básicas nas quais os leitores experientes não precisam se deter. Minha
intenção é a de que todos possam ter contato com alguns dos ingredientes que podem
tornar a relação do homem com seu computador cada vez mais amigável, e, muitas
vezes, surpreendentemente íntima e intensa. Isso pode ajudar tanto o leitor experiente
quanto o leitor leigo a fazer sentido do que está acontecendo ao nosso redor.

29
Novas formas de comunicação do homem com a máquina

“O que parecia impossível aconteceu. Garry Kasparov, ser humano,


campeão mundial de xadrez há 12 anos consecutivos, oficialmente reconhecido
pela Federação Internacional de Xadrez como o melhor jogador de todos os
tempos, perdeu para Deep Blue, máquina.
(...) A tensão acumulada pelo humano nos últimos dias foi ao auge no
encerramento da penúltima partida, sábado, considerada por muitos mestres o
verdadeiro final da disputa. O que se viu nesse dia foi xadrez de verdade, com um
lance espetacular de Deep Blue, impedindo Kasparov de fazer uma dama quando
isso parecia líquido e certo:
-- O jogo acabou ali. Não me sobraram forças para continuar. Sou um ser
humano -- reconheceu Kasparov domingo, depois de perder pela segunda (e por
enquanto definitiva) vez para Deep Blue.” ( Caderno de Esportes de O Globo, 13 de
maio de 1997)

É fato e foi manchete: Garry Kasparov, considerado o melhor jogador de xadrez de


todos os tempos, foi derrotado por Deep Blue, o computador da IBM.

Talvez essa tenha sido uma derrota histórica de um humano para a máquina, mas
certamente não foi a primeira nem será a última.

Fernando Carvalho, contador experiente, relata estar suando a camisa para aprender a
usar uma simples planilha eletrônica. Já foi derrotado várias vezes.

José Queiroz, escritor, perdeu todas as notas de seu próximo livro sem sequer saber
como. Contratou um expert para vasculhar seu computador na esperança de encontrar
ao menos alguns traços do seu trabalho (é claro que ele, novato, não havia salvado
nada em disquete).

Cartunistas retratam o computador, temperamental -- cara amarrada e braços cruzados,


se recusando a acatar uma ordem humana --, tendo à sua frente um usuário derrotado e
ansioso, desesperado e suplicante. Retratam, também, revanches de usuários, que,
unidos e enraivecidos, formam pelotões de fuzilamento para a execução de seus
micros.

Ao mesmo tempo, fala-se em grandes avanços nos programas disponíveis para as mais
diversas finalidades. Diz-se que eles estão se tornando cada vez mais amigáveis.

O que está acontecendo? Quais as razões desses embates? É verdade que os


programas estão se tornando cada vez mais fáceis de usar? Se estão se tornando mais
fáceis, por que os usuários ainda se desesperam tanto enquanto tentam dominá-los e,
depois que o fazem, se sentem vitoriosos?

30
As razões são relativamente simples, mas são comparativas, ou seja, para
compreendê-las necessitamos conhecer um pouco da história recente do computador.
Quem quer que já a conheça, deve passar para a próxima seção.

Na época em que o homem interagia com o computador através de cartões perfurados


e o computador era apenas uma grande máquina, hoje chamada de mainframe, que
ocupava andares inteiros de centros de computação, eram raríssimos aqueles que, sem
terem necessidade imperiosa do computador como ferramenta de trabalho, se
aventuravam a usá-lo.

Um pouco mais tarde, surgiram os computadores pessoais (ou microcomputadores) e,


com eles, programas de manuseio mais fácil, usando DOS (Disk Operating System),
que já atraíram mais adeptos para o computador, pois até quem usava os recursos
deste somente para escrever e editar textos começou a achar que o custo de aprender
a se comunicar com a máquina através das teclas de função (as F1, F2, F3... F12) e de
absurdas combinatórias destas com as teclas Ctrl, Alt e Shift, era menor do que o
enorme benefício de poder alterar e re-alterar um texto sem ter que datilografá-lo (a
alternativa ainda era uma máquina de escrever) novamente e por inteiro a cada
alteração que mudasse a paginação de um documento.

Mas foram relativamente poucos aqueles que, como eu, embarcaram nesse tipo de
aventura. E, quando o fizemos, sabíamos que o aprendizado seria difícil. O problema é
que as funções desempenhadas pelas teclas de função, isoladas ou combinadas com
outras, tinham que ser memorizadas a partir de manuais tão longos quanto maçantes. E
pior, o que valia para um programa, certamente não valia para outro, ou seja, as
mesmas teclas desempenhavam diferentes funções em diferentes programas.
Disquetes não podiam ser passados ou enviados para quem não usasse o mesmo
programa. Impressoras configuradas para a impressão de um programa certamente não
imprimiam o que houvesse sido digitado em outro. A acentuação também variava de um
programa para outro. Era uma odisséia e esse era diz respeito a um passado
relativamente recente.

A difusão do computador no Brasil, como já vimos, data do início da década de 1980 e


deve-se a dois fatores conjugados: o fim da reserva de mercado que tornava as
melhores opções de máquinas, geralmente as importadas, difíceis de adquirir e
proibitivas em termos de preços, e o advento de programas mais amigáveis e mais
fáceis de manusear, ou seja, os programas para Windows.

As vantagens de máquinas mais rápidas e com maior capacidade de armazenamento


de dados são óbvias. No entanto, os principais responsáveis pela difusão dos
computadores no Brasil são mesmo os novos programas para Windows, mais
amigáveis, em português, e comportando todas as necessidades de acentuação da
língua pátria.

Mas, cabe perguntar, se os programas são amigáveis, por que há tantas referências a
um relacionamento tenso, antagônico e hostil entre o homem e a máquina?

Bem, para começar, os programas se tornaram mais amigáveis se comparados com os


programas que os antecederam, o que não quer necessariamente dizer que eles
tenham se tornado amigáveis de fato.

31
Além disso, há que se levar em consideração o usuário a respeito do qual estamos
falando. As grandes brigas, à exceção de casos como o de Kasparov, geralmente se
dão entre iniciantes e o computador, o que não quer dizer que veteranos não briguem
com suas máquinas. Na realidade, quer simplesmente dizer que esses já estão
acostumados às pequenas derrotas e vitórias que fazem parte da convivência homem-
máquina e já se sentem vitoriosos por não terem desistido nos estágios iniciais de sua
aventura digital.

Tendo definido o iniciante como o usuário sobre o qual centraremos esta discussão,
podemos retomar a questão dos programas mais amigáveis e tentar avaliar as
vantagens que estes oferecem em relação aos seus antecessores.

Uma grande diferença é introduzida nesses programas pelos avanços da computação


gráfica: a tela ficou organizada em janelas auto-explicativas que podem ser
movimentadas e os comandos se tornaram visíveis e clicáveis com o mouse. Isto
porque, o que era feito pelas teclas de função (que ainda podem ser usadas) tem agora
seu correlato na forma de botões e ícones compreensíveis. Há, ainda, os úteis menus, a
partir dos quais os comandos podem ser escolhidos sem maiores dores de cabeça por
aqueles que já tiverem apreendido a lógica desses botões, menus e ícones. Agora, ao
menos aparentemente, são os programas que têm que falar a língua do usuário e não o
contrário.

Isso torna as coisas fáceis para o novato? Diria que torna as coisas mais fáceis, o que,
novamente, não é o mesmo que dizer que torne as coisas fáceis. O novato vai levar
algum tempo para se sentir em casa mesmo nesse ambiente amigável de janelas
supostamente auto-explicativas. São tantos os comandos possíveis que é necessário
conhecer muito bem as opções disponíveis como também saber nomeá-las
corretamente (de acordo com os parâmetros do programa) em português. Dou alguns
exemplos tirados da minha própria experiência, quando já sabia quais eram as opções,
mas não sabia nomeá-las incorretamente em português pelo simples fato de conhecer
bem inglês.

Ao tentar armazenar um arquivo na memória de meu computador, fiquei sem saber


como fazê-lo pois, por mais que vasculhasse os diversos menus, não encontrava nada
como armazenar, arquivar, guardar ou qualquer coisa no gênero. Como poderia
imaginar que o verbo inglês save que significa poupar, ou seja, guardar dinheiro ou
objetos de valor nos cofres de um banco, guardar alguma coisa para mais tarde (ou, por
analogia, guardar arquivos na memória de um computador) encontraria sua tradução
para o português em seu outro significado, ou seja, o de salvar uma vida, um bem de
uma catástrofe, uma alma de encontrar a perdição, etc.? Pois bem, quando queremos
armazenar em português, salvamos ao invés de guardarmos/arquivarmos. Perdi alguns
arquivos por conta dessa tradução bastante canhestra.

Outro problema que enfrentei foi quando quis deletar alguma coisa. Em inglês é delete,
em português só se fala em deletar (que é um neologismo já incorporado),5 no entanto,
no menu do Word, só podemos deletar se excluirmos, não podemos sequer apagar, que
seria a tradução mais próxima.

5
Leia mais a respeito da incorporação de palavras inglesas ao português em NOVOS USOS DE
LINGUAGEM.
32
Talvez o novato tenha mais sorte! Mas, de qualquer modo vai ter que aprender a se
comunicar com o computador de uma de três formas: freqüentando um cursinho (já há
vários cursinhos de computação disputando a atenção de potenciais alunos), se
debruçando sobre as inúmeras páginas de um manual, ou perdendo horas a fio na
frente da telinha ensaiando e errando (e, quiçá, se desesperando). O pior é que não
necessariamente estas formas são excludentes.

Essa será uma experiência única na história das relações que o novato em computação
já estabeleceu com outras máquinas. Nunca antes ele havia enfrentado tanta
dificuldade.

É, no entanto, útil que esse novato saiba que se tudo tivesse continuado como antes ele
provavelmente sequer cogitaria de usar um computador. Na realidade, se tudo tivesse
continuado como antes muito provavelmente a revolução digital não estaria
acontecendo.

Sim, porque apesar dos pesares e embora se fale muito em plug and play -- ou seja,
coloque na tomada e use --, o que certamente ainda não acontece, os avanços da
computação gráfica já tornaram tudo muito mais fácil.

Enquanto escrevo este texto, olho para a tela e vejo que estou usando, neste exato
momento, a nonagésima segunda posição da trigésima segunda linha da página atual.
Vejo também o número da página, a hora em que escrevo e tenho acesso a uma barra
de ferramentas na qual posso clicar diversas teclas e, assim, executar as operações
correspondentes: abrir uma nova pasta, salvar, imprimir, visualizar a impressão, corrigir
a ortografia, recortar, copiar, colar, limpar, voltar, repetir, fazer auto formatação, inserir
tabelas, usar negrito ou itálico, sublinhar, colocar bordas, escolher fontes, justificar, etc.
etc. Para me movimentar no texto uso a barra de rolagem lateral, ou clico o botão que
exibe o layout da página e aí aciono página por página. Tenho também acesso a um
botão de zoom, através do qual posso aumentar ou diminuir o que vejo na telinha, e a
botões que alteram o tipo e o tamanho das letras que estou usando. Além disso, posso
abrir vários menus dentro das seguintes categorias: arquivo, editar, exibir, inserir,
formatar, utilitários, tabela, janela e ? (o ponto de interrogação significa ajuda).

Estamos longe de ter, à frente da telinha, a facilidade inicial que temos quando
apertamos as teclas ou botões de um liquidificador, mas a invenção das janelas, menus,
barra de rolagem e, principalmente, dos botões já simplificou muito nossa interação com
a máquina quando não somos experts (alguns desses ainda preferem digitar comandos
ou usar teclas de função).

A mesma lógica das janelas foi, mais recentemente, transportada para os programas da
Rede.

Da mesma forma que comecei a usar o computador quando se usavam programas que
rodavam em DOS, comecei a usar a Rede usando programas que rodavam sobre outro
sistema operacional, o UNIX, ainda sem a facilidade de janelas.

Expliquei que os primeiros, os que rodavam em DOS, faziam uso de teclas de função
sozinhas ou combinadas com outras teclas. Já os programas em UNIX da Rede exigiam

33
que os comandos fossem dados por extenso, naquele tipo de sintaxe que não permite
qualquer tipo de erro ou omissão, e em inglês.

Pouco depois, no entanto, com a difusão da Internet, tanto os programas que rodavam
em UNIX quanto aqueles que rodavam em PC’s (personal computers, computadores
pessoais) passaram a ser substituídos por programas que usavam o sistema de janelas,
o que tornou a vida dos usuários da Rede bem mais fácil, embora ainda desafiante para
os iniciantes.

Em resumo, a amigável lógica das janelas, menus, barra de rolagem e botões se tornou
a predominante em praticamente todos os programas que usamos, seja para interagir
somente com a nossa máquina (como quando jogamos unicamente com ela ou quando
escrevemos, fazemos uma planilha, etc.), seja para fazer com que a nossa máquina
interaja com outras (como quando enviamos uma correspondência eletrônica, surfamos
nas ondas WWW, usamos mecanismos de busca em nossas pesquisas, etc.), ou ainda
para que possamos interagir com nossos semelhantes através das máquinas (como nos
programas de bate-papo livre -- os chats --, os grupos de discussão temática, etc). Esta
lógica tornou-se, num determinado momento da nossa história recente, a lógica à qual
estamos expostos todo o tempo que usamos o computador, o que não é pouca coisa. 6

6
Leia a respeito de algumas de suas conseqüências em NOVA LÓGICA.
34
O que está por trás das novas formas de comunicação do homem com a máquina

Todas as mudanças que temos presenciado nos últimos anos no sentido de tornar a
vida do usuário do computador mais fácil através da criação de linguagens e programas
mais amigáveis e acessíveis evidenciam um domínio cada vez maior da tecnologia que
produz, por um lado, máquinas que se superam em velocidade de processamento de
dados e capacidade de armazenamento, e, por outro, programas ao mesmo tempo mais
e mais fáceis de usar, e mais e mais sofisticados.

Na qualidade de usuária leiga em informática, posso simplesmente apreciar uma


máquina mais veloz do que aquela que usava há um ano ou programas mais fáceis de
manusear do que aqueles com os quais tive que lidar no início de minha aventura
informática, mas certamente não posso discorrer sobre a tecnologia que está por trás
dos mesmos. Não tenho conhecimento de informática suficiente para tanto.

Já na qualidade de usuária-psicóloga, posso avaliar o quanto de conhecimento do


homem, seus desejos e suas limitações todos esses desenvolvimentos têm em sua
base. E aqui me refiro principalmente aos desenvolvimentos do software -- ou seja, dos
programas através dos quais os usuários interagem com a máquina. Deixarei meus
comentários sobre o hardware -- os aspectos físicos da máquina -- para depois.

Comecemos, portanto, por aquilo com que interagimos -- o software -- e tentemos


apreender os esforços feitos, por seus criadores, no sentido de torná-los cada vez mais
fáceis e agradáveis para o usuário. Tomemos, como exemplo, o tempo que temos que
esperar para que a máquina abra um determinado aplicativo ou execute algum
comando.

Segundo um documento divulgado pela divisão de pesquisa da multinacional Bell, do


Canadá, e de acordo com os programadores da Microsoft, o ser humano tem muito
pouca paciência quando está sentado à frente da telinha. Cada segundo de espera
torna-se fonte de exacerbação e motivo de desatenção. Ainda na opinião desses
especialistas, o tempo de resposta ideal para determinadas operações é, de forma
resumida, o seguinte:

“- 0,1 segundo -- Limite para o usuário sentir que o sistema está reagindo
instantaneamente. Máquina e cérebro estão no mesmo compasso.
- 1 segundo -- Limite para o fluxo de atenção do usuário permanecer ininterrupto,
mesmo que note o lapso. Não é necessário nenhum aviso na tela, mas o usuário
perde a sensação de estar trabalhando ininterruptamente.
- 2 a 3 segundos -- Recomenda-se mostrar uma ampulheta indicando que uma
operação está em curso e o usuário não poderá continuar trabalhando até o seu
término. [a não ser que passe a trabalhar em outro programa].
- 5 segundos ou mais -- Recomenda-se mostrar uma barra indicando o progresso
da operação sendo realizada pelo micro, de forma que o usuário saiba quanto
tempo falta para sua conclusão.
- 10 segundos -- Limite para manter a atenção do usuário focalizada. Para esperas
maiores, o usuário desejará fazer outras operações enquanto aguarda o

35
computador concluir a sua. Sempre que os tempos de espera forem variáveis, as
barras indicando em porcentuais o progresso da operação são imprescindíveis.”
(Fonte: revista Veja, edição especial Computador: o micro chega às casas, dezembro
de 1995, pp. 38-39)

É desnecessário dizer que todos aqueles que lidam com computadores logo se
familiarizam com ampulhetas e barras. Elas ajudam o usuário a lidar com a subversão
de sua expectativa -- gerada pela experiência com outras máquinas -- de que basta
comandar que a operação é executada imediatamente (como, por exemplo, num
controle remoto de televisão). E os programadores sabem disso.

E sabem mais ainda. Sabem que algumas operações são demoradas e que, para
esperar que sejam concluídas, o usuário vai querer fazer alguma outra coisa, de
preferência sem deixar de lado o computador. Essa alguma outra coisa enquanto se
espera é o fundamento básico do conhecido -- porque amplamente divulgado pela
Microsoft à época do lançamento do Windows 95 -- conceito de multitarefa simultânea,
ou seja o mandamento que reza que devemos fazer várias coisas ao mesmo tempo
para que possamos ganhar tempo para fazer mais coisas ainda. Vejamos o que dizia a
esse respeito a propaganda do Windows 95:

“Assobiando e chupando cana”


“Com Windows 95 a multitarefa no seu PC ficou muito mais fácil.
Agora você pode imprimir
enquanto você escreve um texto,
enquanto você roda um velho programa em DOS,
enquanto você navega pela Internet,
enquanto você faz o que quiser.”

(Anúncio do Windows 95 em diversos jornais e revistas à época de seu lançamento no


ano de 1995)

Outra coisa que os programadores conhecem a respeito dos seres humanos que usam
computadores, mas que muitos seres humanos que pouco conhecem de si mesmos
desconhecem, é que seres humanos, quando ficam cansados depois de muito tempo à
frente da telinha ou à procura de soluções difíceis para as tarefas que estão
executando, precisam de um pouco de distração para descansar a mente. Por isso
mesmo, esses programadores introduziram os joguinhos de paciência, copas e
congêneres no pacote do Windows. Numa visão bastante utilitária e prática, que pode
ser sentida pelo usuário como muito atenciosa e amiga, é melhor descansar sem largar
o computador do que deixá-lo de lado por algum tempo enquanto se toma um cafezinho
ou se bate um dedo de prosa. O cafezinho e a prosa certamente tomarão mais tempo...

Um outro exemplo do conhecimento que os programadores têm dos limites, das


capacidades e gostos dos seres humanos pode ser dado usando a linguagem de
sintaxe rígida da máquina. É fato conhecido que não interagimos diretamente com a
máquina, mas sim com programas, sejam estes sistemas operacionais ou aplicativos
que rodam em cima de um sistema operacional. E, dentro de um determinado

36
programa, os comandos têm que ser dados de determinadas formas, caso contrário o
computador não executará a operação que desejamos que execute.

Se o programa exige uma seqüência de letras, símbolos e espaços para efetuar uma
determinada operação, e algo for omitido ou alterado na seqüência digitada, o usuário
vai simplesmente receber uma mensagem assinalando que a seqüência está incorreta,
ou que é impossível executar a operação.

Examinemos a seguinte mensagem de uma lista informativa bastante conhecida: a lista


MeuPovo. Nela encontramos as instruções a serem seguidas para nos tornarmos
assinantes da mesma.

**************************************************************************
**********
Lista Informativa MeuPovo. Para assinar a lista MeuPovo,
envie msg para MAJORDOMO@ACTECH.COM.BR,
contendo, na 1a linha da msg, o texto:
SUBSCRIBE MEUPOVO
Para cancelar a assinatura, envie msg para
MAJORDOMO@ACTECH.COM.BR, com o texto
UNSUBSCRIBE MEUPOVO
Sugestoes e colaboracoes para a lista devem ser
enviados para dariomor@actech.com.br
**************************************************************************
***********

Estas instruções são explícitas: deve-se usar a primeira linha e escrever SUBSCRIBE
MEUPOVO exatamente da forma indicada. Isso deve ser enviado por e-mail para
MAJORDOMO@ACTECH.COM.BR, sem qualquer espaço entre as letras e símbolos do
endereço. Basta colocar um espaço que a mensagem não vai seguir. E, caso o texto
seja ligeiramente diferente do prescrito, ou não esteja na primeira linha como indicado,
não vai haver resposta. Isso porque quem envia a correspondência é uma máquina e
quem responde é outra. Observe-se também que esse software não aceita acentos ou
cedilhas.7

Comparemos, agora, o endereço acima com esse outro (fictício) do mundo real:

Alberto Vieira
Avenida N.S. de Copacabana, 1200, apto 402
Copacabana, Rio de Janeiro
22040-000

Não vai fazer a menor diferença se o digitamos no computador e o imprimimos numa


impressora laser, se o datilografamos na máquina de escrever manual que herdamos da
nossa avó, se o escrevemos à mão usando letra cursiva ou de fôrma, se a tinta é
vermelha, azul ou verde, ou mesmo se algo é escrito incorretamente, o carteiro vai
compreender onde deve deixar a carta.

7
Leia mais a respeito da ausência de acentuação e de cedilhas em NOVOS USOS DE LINGUAGEM.
37
E mais, compreenderá o endereço mesmo que nos esqueçamos do CEP, ou do bairro,
ou do nome do destinatário (só não podemos nos esquecer de tudo, ou dos dados
essenciais como o número do prédio numa avenida que percorre alguns quilômetros!).

Estamos acostumados à flexibilidade desse tipo de linguagem e temos muita dificuldade


em usar seqüências que não permitem qualquer alteração. Mas a evolução dos
programas tem feito com que o uso das seqüências rígidas, exigidas pela máquina, por
nós, simples usuários, esteja se tornando cada vez menos freqüente. Na realidade, seu
uso está ficando cada vez mais restrito aos endereços eletrônicos ou aos endereços de
sites na Rede.8

Isso porque os programadores inventaram fórmulas para tornar a nossa vida mais fácil.
Clicamos um botão e a máquina transforma esse clicar em algo por ela compreensível.
Quanto mais clicamos botões ou abrimos janelas, menos nos damos conta de que a
linguagem da máquina continua inflexível e mais temos a sensação de que ela fala a
nossa língua.

Da mesma forma que os programadores conhecem a dificuldade que nós, usuários,


temos com a sintaxe rígida da máquina, sabem perfeitamente que adoramos teclas e
botões. Assim sendo, transformam comandos difíceis e insuportáveis em macios botões
virtuais que quase todos acham visualmente agradáveis e gostosos de apertar.

E isso nos leva a uma outra área onde, embora o conhecimento do ser humano seja
grande, os avanços não têm sido muito impactantes. A área da interação física do ser
humano com o computador, ou seja, a área das interfaces.

Para clicar todos os macios botões gerados pelos programadores temos que usar o
mouse e, para executarmos outras tantas tarefas, temos que usar o teclado. O uso
prolongado do mouse e do teclado bem como o ficar sentado à frente de uma tela
iluminada horas a fio geram problemas de saúde de várias ordens, problemas esses
que só podem ser evitados pelo desenvolvimento de um hardware mais ergonômico,
gerado por um conhecimento cada vez mais aprofundado dos efeitos físicos que a
interação homem-máquina tem sobre o primeiro.

Alguns problemas de saúde gerados pelo uso contínuo e prolongado de computadores


são tão preocupantes que a eles, ou melhor, à sua prevenção, é dedicado espaço em
home pages, cadernos de informática dos grandes jornais, revistas especializadas, etc.
Seguem-se alguns exemplos:

Há algum tempo, na home page da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro


(PUC-Rio), havia um link para uma página integralmente dedicada à dor nas costas.
Mesmo os jovens sabem que não é nenhuma brincadeira ficar sentado em má postura
horas a fio à frente de um micro!

A revista Guia da Internet.Br, em seu número 8 (janeiro de 1996), fornece dicas de um


célebre professor de ioga, conhecido simplesmente como professor Hermógenes, para
esticar colunas castigadas e moídas pelo uso constante de computadores.

8
Leia mais a respeito de diferentes usos de linguagem em NOVOS USOS DE LINGUAGEM.
38
O caderno Informática, etc., do jornal O Globo já abordou o tema diversas vezes, como,
por exemplo, na reportagem intitulada Micreiros com o corpo em forma, publicada em
18 de março de 1996, em resposta à demanda de seus leitores. Alguns dos dados
fornecidos na matéria, embora certamente defasados, são bastante interessantes:

“Uma pesquisa do Núcleo de Referência em Doenças Ocupacionais da


Previdência Social, realizada em Belo Horizonte, revelou que a incidência de LER
(lesões por esforço repetitivo) -- que atingem os usuários de computador --
aumentou de 34% para 60,71% entre os 908 pacientes analisados. Nos próximos
anos, 5% dos usuários estão na mira da doença.”

Feita esta triste constatação, a matéria passa a discutir os movimentos que -- segundo
terapeutas ocupacionais que participaram da elaboração de um software intitulado
Postura no Trabalho Informatizado, da Ergon -- podem ser feitos diante de um
computador. Ainda de acordo com esses mesmos terapeutas, o segredo para evitar a
LER se resume a três palavras: relaxar, alongar e fortalecer.

Mas a preocupação dos editores do Informática, etc. com a questão da saúde não pára
aí. Até a coluna Input, que semanalmente publica uma espécie de dicionário bem-
humorado de informática e Internet em capítulos, dedicou uma entrada a um tipo de
lesão que pode ser mutilante, a tenossinovite. Diz:

“Tenossinovite - Doença ocupacional grave e potencialmente debilitante, causada


por movimentos prolongados e repetitivos das mãos e dos braços, que podem
lesar, inflamar ou matar os nervos das mãos, braços, ombros e pescoço. A
tenossinovite ocorre quando o micreiro é acometido de uma fascinação
compulsiva pelo micro, e não consegue sair de perto da máquina mais do que
alguns metros. A doença é conhecida dos cortadores de carne, músicos e
trabalhadores de linhas de montagem que executam repetidamente os mesmos
movimentos das mãos. Com a informatização dos escritórios, passou a ser
identificada como a doença dos digitadores.”

Afinal de contas, não fomos feitos para passar horas a fio, sentados à frente de uma tela
iluminada, repetindo ad nauseam os mesmos movimentos com nossas mãos e com o
nosso braço mais hábil. A musculatura da coluna, do braço, do pescoço, as articulações
das mãos, etc. acabam se ressentindo. Como conseqüência, ocorrem lesões algumas
vezes irreversíveis. Isto sem falar dos olhos para os quais há poucas formas de
prevenção disponíveis, como, por exemplo, proteções de telas e lentes especiais.

Por tudo isso, permito-me discordar dos terapeutas citados anteriormente. Embora
relaxar, alongar e fortalecer sejam importantes para a manutenção da nossa saúde,
para evitar a lesões por esforço repetitivo no que diz respeito à informática, é necessário
que tenhamos máquinas que interajam com nossos corpos de maneira menos
agressiva. Se o software já se tornou mais amigável e, por isto mesmo, passamos mais
horas à frente de uma telinha, é chegada a hora dos projetistas de hardware usarem
todo o amplo conhecimento que as ciências biomédicas acumularam sobre o corpo
humano e suas limitações para criar máquinas, não somente mais rápidas ou com maior
capacidade de armazenamento de dados, mas também máquinas com as quais
possamos interagir mais harmonicamente.

39
Ao que parece, a psicologia já contribuiu mais para os avanços do software que usamos
(ou suas contribuições foram melhor utilizadas) do que as ciências biomédicas para os
avanços do hardware que ainda nos faz penar...

Para o que mais contribuiu o conhecimento aprofundado do ser humano? Contribuiu


para tornar o computador, com o qual o usuário interage, cada vez mais humano aos
seus olhos. Ou seja, contribuiu para a antropomorfização dos computadores. Isto tem
conseqüências surpreendentes para grande parte dos usuários...

40
A antropomorfização da máquina

Indagada, através da própria Rede, a respeito da relação homem-máquina, Stella


Freitas, estudante de programação visual de 23 anos de idade, escreve:

“Esta relação está muito próxima, e tem gente por aí sendo parte da máquina.”

Já Ricardo Neves, estudante de comunicação de 19 anos de idade, vai mais além em


resposta à mesma pergunta.

“Relação homem-máquina = Tempos Modernos, eu e meu computador (amor).”

Maria do Carmo Veiga, advogada de 32 anos de idade, concorda:

“Relação homem-máquina = Relação existente entre as pessoas e os


computadores. Que da minha parte é maravilhosa. :))”

Como se vê nesses depoimentos, que são somente exemplos,9 foi-se a época em que
máquinas eram máquinas e seres humanos eram humanos e em que havia uma linha
divisória indiscutível entre essas duas categorias. Hoje, enquanto muitos seres
humanos ainda são tratados como máquinas, uma classe especial de máquinas -- os
computadores -- recebe o mesmo tratamento que seres humanos.

Não cabe aqui falar da mecanização do ser humano na estressante civilização industrial
ou pós-industrial (quem não se lembra da magistral cena de Chaplin preso às
engrenagens de uma máquina no filme Tempos Modernos, ao qual Ricardo Neves faz
menção?), mas certamente cabe falar da humanização, ou melhor, da
antropomorfização do computador na moderna sociedade digital.

Para começar, computadores não são máquinas comuns, disso todos sabemos. São
máquinas que já nasceram um pouco humanas na medida em que nelas seus criadores
procuraram simular e incorporar duas das principais características da nossa espécie: a
inteligência, com seu infinito potencial de resolução dos mais variados tipos de
problema, e a capacidade de memória.

Mas os computadores de nossos dias não são simples arquivos de dados ou


instrumentos para a resolução rápida e eficaz de diferentes tipos de problemas. Os
computadores dos dias de hoje, se não têm a capacidade humana de sentir, têm, ao
menos, a capacidade também muito humana de gerar uma ampla gama de sentimentos
em seus usuários: sentimentos negativos -- como os de raiva, desespero e impotência
perante a máquina --, e sentimentos positivos -- como os de confiança, cumplicidade,
companheirismo em relação à máquina. O fato é que não são poucos os relatos de
seres humanos que admitem ter estabelecido uma relação de amizade e até mesmo de
amor com seus computadores.

9
Leia mais a respeito de como foram coletados esses e outros depoimentos em O IMPACTO DO NOVO.
41
É útil, portanto, pensar um pouco sobre esse novo tipo de relação de amizade e,
principalmente, sobre os elementos que tornam possível uma amizade entre o homem e
a máquina.

Qualquer adolescente conhece a importância de um diário ou, mais modernamente, de


uma agenda (que serve mais ou menos aos mesmos propósitos). O diário é um amigo,
um interlocutor, um companheiro com o qual nos abrimos sem reservas. Às suas
páginas, confiamos nossos pensamentos, nossas dúvidas, nossos pecadilhos, nossas
emoções mais profundas, nossas esperanças, nossos projetos, nossos desejos, etc. O
diário é um confidente discreto.

Minimamente, o computador pode desempenhar funções análogas, sendo ainda mais


discreto, pois não pode ser sorrateiramente aberto e lido por outros com a mesma
facilidade que um diário ou agenda comuns.

Disse minimamente porque, dadas as múltiplas funções que um computador


contemporâneo pode exercer, são inúmeras as áreas da nossa experiência em que ele
pode se tornar um companheiro confiável e quase imprescindível.

Estamos com insônia? Por que não ligar o computador e jogar um pouco de paciência
para chamar o sono? Se formos vitoriosos, ainda receberemos os parabéns.

Queremos passar um fax, por que não fazê-lo através do computador?

Temos que escrever um trabalho para a faculdade? Nada melhor do que o computador
para poder mexer e remexer à vontade no que estamos fazendo.

Precisamos calcular o orçamento doméstico? O computador certamente torna isso mais


fácil. Podemos até, sem sermos grandes calculistas, fazer um exercício de futurologia e
calcular rendimentos a serem creditados, coisa que não saberíamos fazer com uma
simples calculadora.

Queremos imprimir cartões de visita ou convites para uma festa? Basta termos o papel
e o software apropriado que não necessitaremos de recorrer a uma gráfica.

Queremos ampliar uma foto? Não há problema. Com o uso de um scanner, colocamos
a foto na telinha e com alguns cliques do mouse a foto estará ampliada e pronta para
ser impressa.

Queremos recuperar um trabalho que fizemos há cinco anos quando usávamos um


processador de texto diferente e que rodava em DOS? Também não há problema. Hoje,
qualquer processador de textos faz a conversão de textos gerados em programas
antigos (pelo menos os mais comuns) para o nosso grande alívio e comodidade.

Não vou listar todos os usos possíveis, que são muitos. Quero somente mostrar que,
mesmo desconectado da Rede, o computador já se torna nosso amigo inseparável e
polivalente (pois sabe fazer de tudo!).

Isso pode parecer estranho tendo em vista toda a discussão sobre os embates entre o
homem e o computador. Mas não é estranho, não.

42
O computador pode ser visto como uma mulher ou um homem atraente e difícil que
queremos conquistar. Penamos, mas, quando somos bem-sucedidos, nos sentimos
vitoriosos e dela ou dele podemos nos aproximar sem os grandes receios e barreiras
iniciais, pois esses já foram vencidos durante a fase da conquista.

São inúmeros os relatos de usuários que odeiam seus micros, que têm crises de
desespero, querem atirá-los pelas janelas de seus apartamentos, etc. Estes geralmente
estão nas primeiras fases da conquista.

Uma vez dominado o know-how necessário, ou feita a conquista, é comum


constatarmos que esses mesmos usuários facilmente entram num estado de total
enlevo com a nova parceria. Só que essa lua-de-mel não dura para sempre pois,
eventualmente, o usuário -- tal como um namorado/a ou marido/mulher -- vai se
aventurar por áreas e experiências novas e, com isso, reacender os conflitos.

Quantos de nós, usuários antigos que nos damos muito bem com nossos micros, não
nos enfurecemos esporadicamente quando nosso computador, não querendo obedecer
a uma ordem que nos parece absolutamente sensata, emite um som desagradável,
exibe uma janela com dizeres ásperos e se recusa terminantemente a executar um ou
outro tipo de operação? Quando isso acontece, como num relacionamento humano,
sabemos que é hora de revermos o que estamos fazendo e procurarmos uma outra
forma de tentar fazer o que queremos...

Agora, uma advertência: toda essa discussão sobre relações harmoniosas e


desentendimentos entre o homem e o computador certamente parecerá absurda se não
registrarmos que, por trás dos computadores, ou melhor, do software que usamos, há
sempre homens e mulheres que são responsáveis por seu desenvolvimento e que para
isso usam todo o conhecimento sobre o ser humano de que dispõem. Em outras
palavras, ao nos relacionarmos com nossos computadores, estamos indiretamente nos
relacionando com os seres humanos que estão por trás do software que estamos
usando.

O conhecimento do qual esses homens e mulheres lançam mão pode ter uma ou mais
de várias origens: pesquisas científicas, pesquisas de opinião, experiência própria,
experiência de pessoas próximas e, principalmente, o conhecimento de seres humanos
que qualquer ser humano tem. É a crescente capacidade de gerar e fazer uso desses
diferentes tipos de conhecimento que torna os diversos tipos de software cada vez mais
amigáveis e o computador cada vez mais humano e o amigo de todas as horas.

O cursor pisca e nos convida à ação; o computador se zanga e solta um grunhido de


raiva; ganhamos uma partida de paciência jogada contra o computador e ele, com a
elegância que muitos humanos não têm, registra nossa vitória com uma alegria
exuberante; se queremos fazer uma operação radical, o computador, sempre atento,
nos pergunta se temos certeza do que queremos fazer; se escrevemos um texto,
podemos pedir-lhe que reveja a ortografia daquelas palavras com as quais sempre
tivemos dificuldades, se queremos ver de perto o detalhe de uma página ou de uma
figura, ele nos fornece uma lupa, etc., etc., etc. Os exemplos se multiplicam... São seres
humanos que estão por trás dos diversos tipos de software que usamos e são seres

43
humanos que tornam a máquina humana ou não, amigável ou não, dependendo dos
objetivos para os quais será usada.

Garry Kasparov, o grande enxadrista, foi derrotado por Deep Blue. Mas Deep Blue é um
computador da IBM programado por uma equipe de seres humanos especializada não
somente em programação como também em xadrez. E esta equipe tinha por objetivo
vencê-lo. Pelo que li, uma das reclamações de Kasparov, depois de derrotado, foi a de
que Deep Blue era desumano!

44
Homens e máquinas no ciberespaço

O ciberespaço é um espaço onde as máquinas reinam soberanas. Lá, máquinas se


comunicam com máquinas, homens se comunicam com máquinas e homens se
comunicam com homens através das máquinas. Ou seja, no ciberespaço, o homem não
tem vida independente da máquina.

Esta dependência acaba intensificando a relação homem-máquina de forma análoga à


que faz com que outros tipos de dependência intensifiquem a relação entre homens,
entre homens e animais (como o cego e seu cão, ou o jóquei e seu cavalo), entre
homens e outras máquinas (como o homem e seu carro), etc. 10

Enquanto o acesso ao ciberespaço era facultado somente por programas que rodavam
em UNIX, sem as facilidades de um sistema de janelas, a cada vez que queríamos dar
um novo comando tínhamos que digitá-lo por extenso, naquela gramática rígida da
máquina e em inglês. Isso, inevitavelmente, nos recordava de que estávamos lidando
com uma máquina.

Mas, embora os programas em UNIX ainda sejam usados por muitos, hoje tornou-se
muito fácil esquecermos daquilo com o que estamos lidando. Surgiram os programas de
Rede para Windows, mais amigáveis, que, como os outros programas para Windows
que nada têm a ver com a Rede, incorporaram várias formas mais humanas de se
relacionar, como, por exemplo, uma manifestação de alegria -- geralmente uma música
alegre -- para avisar que chegou correspondência nova, ou um sádico, mas também
bem humano, aviso de que o seu programa executou uma operação ilegal -- que a
maioria dos usuários totalmente ignora qual seja -- e por isso será fechado.

Ou seja, a antropomorfização do computador chegou à Rede e, nela, colaborou para


derrubar ainda mais as fronteiras entre seres humanos e máquinas e intensificar suas
relações.

Esses fatores somam-se a outros -- a dimensão de novidade, a curiosidade, as várias


possibilidades de exploração tanto da nova quanto da velha realidade, a velocidade, as
novas formas de comunicação, etc. -- que atraem e surpreendem, no mais das vezes
positivamente, o novato e tornam-no cada vez mais dependente dessa máquina cada
vez mais humana.

Para que o meu leitor possa ter uma idéia do que gera esse tipo de dependência,
vejamos o que dizem (em entrevistas olho-no-olho) ou escrevem (em resposta a
questionários enviados por e-mail) a respeito de suas primeiras impressões da Rede os
seguintes usuários:11

Rafaela Nunes, estudante de segundo grau de 17 anos:

10
Leia a respeito de um tipo de dependência que chega a ser caracterizada como vício em Os prós e
contras dos relacionamentos virtuais, no bloco NOVOS RELACIONAMENTOS.
11
Leia mais a repeito dos questionários e entrevistas em O IMPACTO DO NOVO.
45
“... o negócio da Rede é que é um mundo muito grande, né, cara? É, e a Rede é
uma parada muito sinistra, cara. Quando você entra na Internet, você, você... É
outro mundo, sacou? É outra coisa, eu posso saber o que eu quiser ali.”

Julia Novaes, estudante de psicologia de 22 anos:

“... no mundo não estou mais presa ao Rio de Janeiro, o mundo se abriu para
mim.”

Paulo Sodré, 20 anos, estudante de medicina:

“[Tive a impressão de] que nunca mais sairia da frente do computador... pois eram
milhares as possibilidades... até mesmo nos estudos... pesquisando sobre
medicina, conversando c/ [com] estudantes e médicos do Brasil e exterior...
Atualmente provavelmente tenho um e-mail de estudantes em todos os estados
da federação... vários médicos, pesquisadores etc... etc...”

O impacto, grande e positivo, gerado pelas primeiras experiências com a Rede, é, em


muitos casos, imediatamente transferido para aquele que tornou tudo possível: o
computador. Vários usuários relatam terem tido uma mesma sensação ao se
conectarem à Internet pela primeira vez: a sensação de que seus computadores
subitamente haviam se tornado mais potentes. Estreita-se o vínculo entre o homem e
sua máquina.

Vejamos alguns desses depoimentos.

Bruno Torres, estudante de informática de 26 anos:

“E comecei a navegar, quer dizer, foi uma extensão natural, para quem já usa
computador é como se estivesse tudo no próprio computador.”

Luís Cardoso, professor de inglês de 31 anos, parece confirmar a impressão de Bruno:

“Excitante. Talvez porque a primeiríssima vez que acessei a Net, foi aqui na minha
casa, com um amigo também ‘virgem’. Somos loucos por computador e, naquele
momento, percebemos que o HD do meu computador subitamente expandiu de
1.2 Gigabytes para o tamanho do mundo.”

Sylvia Barroso, psicóloga de 25 anos, expressa a mesma visão de um modo bem mais
leigo e singelo. Diz ela que, antes de entrar na Rede, se fazia a seguinte pergunta:

“Como é que pode o mundo inteiro caber dentro do meu computador?”

Alguns usuários vão mais longe e admitem a ausência de fronteiras entre o computador
e o homem, tanto dentro quanto fora da Rede. O computador torna-se uma extensão do
corpo humano.

Bruno Torres, estudante de informática de 26 anos com o qual já travamos contato, por
exemplo, quando perguntado a respeito dos sentimentos que a Rede nele gerava, numa

46
entrevista olho-no-olho, trata o seu próprio braço e o computador de forma análoga,
independentemente de onde esteja (na Rede ou fora dela):

“Não dá para ter sentimento (...) sobre acessar a Web pelo seguinte, eu... Você vai
perguntar pra mim ‘o que você sente pelo seu braço hoje?”. Eu vou dizer ‘Não
sei.”; não e... ‘o que você sente pelo seu computadorzinho, pelo seu
laptopzinho...?’. É uma extensão natural e isso porque eu já venho, peguei uma
fase boa da minha aprendizagem com um computador do lado, passou a ser uma
coisa fundamental em muitas coisas que faço.”

Outros, ainda, enfatizam que a relação entre o homem e o computador deve ser de
pleno entendimento, ou seja, de total intimidade. Os ideais de perfeição e comunicação
total, geralmente associados aos relacionamentos humanos, também parecem, agora,
ter sido transferidos para o relacionamento homem-computador.

Walter Costa, analista de sistemas, 36 anos:

“Interação que deve existir entre o computador e seus usuários para que o
mesmo seja usado de forma correta, eficaz e plena.”

Rogério Dantas, metalúrgico, 39 anos:

“Interação total no mundo cibernético.”

Gustavo Freire, estudante de desenho industrial, 22 anos:

“Não tem como fugir!!! O homem criou sua perfeita reflexão, uma combinação
perfeita, desde que bem utilizada.”

Todos esses depoimentos me trazem à mente a imagem de cavaleiro e cavalo numa


prova de hipismo da qual nem um nem outro podem participar sozinhos. O sucesso da
parceria dependerá da qualidade e intensidade do entendimento de ambos. Será que
com o computador é diferente?

As respostas acima sugerem que não. Sugerem que os usuários de computadores


acham que suas aventuras digitais, dentro e fora da Rede, vão depender do grau de
sintonia que têm com a sua máquina, seja esta vista como amiga, companheira,
cúmplice, etc.

Mesmo admitindo que, para o leigo em informática e Internet, toda essa discussão
possa parecer surreal, ou, no mínimo, vítima de algum exagero da parte de fanáticos,
creio que não restam dúvidas a respeito da cada vez mais estreita relação do homem
com o seu computador fora da Rede, e da dependência do primeiro em relação ao
segundo no ciberespaço.

Como reagem a isso os usuários? No mais das vezes, com incredulidade, e outras
vezes, com muito medo. A antropomorfização das máquinas, com as quais se trava
contato no ciberespaço, chega a afetar a credibilidade de muitos usuários nas
comunicações digitais. E por quê? Porque eles, usuários, temem poder vir a interagir

47
(de modo significativo, é claro) com uma máquina pensando que estão interagindo com
um outro ser humano através de uma máquina.

Esse medo não é totalmente infundado. Na Rede, há robôs programados para interagir
com seres humanos, quando estes sabem que estão interagindo com máquinas --
como, por exemplo, quando usam uma ferramenta de busca do tipo Altavista ou o
brasileiro Cadê? --, e também quando não sabem, como relatam acontecer inclusive
em alguns canais de bate-papo.

Isso gera o medo, bem humano, de ser iludido, medo esse que é revelado em
“advertências aos incautos”, bastante comuns no discurso de usuários. Uma dessas
advertências, por exemplo, que reza que “do outro lado [da comunicação] pode estar
um cachorro...!”, muitas vezes tem como resultado uma certa paranóia.

Sei que cachorros não têm o know-how necessário para usar computadores e não
acredito que máquinas possam ser programadas para realmente dar a um ser humano
a impressão de que têm capacidades e sentimentos humanos, ao longo de uma
comunicação que não se reduza a algumas poucas palavras.

O que já me foi possível observar é que sempre que se interage com algo/alguém
desconhecido -- e tenho plena consciência de que algo/alguém desconhecido pode soar
muito estranho para o meu leitor leigo --, o que acontece muitas vezes na Rede, o medo
do desconhecido se instaura. O relacionamento estabelecido com a própria máquina ou
com o amigo que se conhece fisicamente não geram medo. No entanto, o desconhecido
-- ser humano ou máquina -- gera. Ele ou ela podem estar mentindo ou simulando e não
há meios de descobrirmos isso a curto prazo...12

Acho que podemos injetar um pouco de realidade e sensatez à antiga em tantas


experiências novas e fazer um simples raciocínio: novas formas de relacionamentos
humanos sempre levam ao surgimento de novos medos, novas dúvidas, novas
ansiedades.13 O que dizer de novas formas de relacionamento que podem envolver, ou
de fato envolvem, afetos dirigidos a máquinas? Isso é novo demais para não gerar
medo. Vai levar tempo para que todas essas novidades sejam assimiladas, e vai levar
tempo para que aprendamos a nos defender do que nos é indesejável.

Mas, nesse primeiro momento de grande confusão, sejamos bem-humorados e


descubramos o lado jocoso e divertido de tudo isso. Esse desconhecimento de com
quem se está falando, essa mistura entre homens e máquinas, é o que leva Pedro
Werneck, engenheiro de 32 anos, a fazer a seguinte brincadeira:

“Relação homem-máquina - Injusta, nós (as máquinas - Ri,ri,ri) sempre levamos a


culpa por tudo de errado que acontece.”

Temos que aprender a lidar com essa nova realidade tendo o cuidado de não acionar
uma improdutiva e paralisante paranóia.14

12
Leia mais sobre o medo da mentira nos relacionamentos ciberespaciais em NOVOS
RELACIONAMENTOS.
13
Leia mais sobre isso também em NOVOS RELACIONAMENTOS.
14
Leia mais sobre a paranóia em CONSOLIDANDO IMPRESSÕES E CONFIRMANDO INTUIÇÕES.
48
Nota sobre o registro de uma realidade

Há pouco tempo, um amigo, jovem de 40 anos de idade, teve um infarto sério ao qual,
felizmente sobreviveu. Foi socorrido a tempo e, após alguns dias de internação
hospitalar -- inclusive no CTI (Centro de Tratamento Intensivo) -- voltou para casa tendo
que se submeter a um repouso absoluto.

As ordens do médico foram explícitas: ele podia ligar a televisão, o vídeo, a


aparelhagem de som, etc., porém estava terminantemente proibido de ligar o
computador e, principalmente, de acessar a Rede.

Alguns amigos -- aqueles que não têm nenhum contato com computadores -- ficaram
surpresos. Outros aplaudiram a sensibilidade do médico em questão. Por quê? Porque
ele protegeu nosso amigo -- que é amante das máquinas -- ao deixar claro que sabia
que o computador é diferente de outras máquinas. Demonstrou estar em contato com o
novo e provou a utilidade profissional desse contato: é importante que se saiba que o
computador pode gerar emoções fortes e inadequadas para um recém-infartado.

O leitor conhece alguma outra máquina que seja capaz de gerar em nós os sentimentos
descritos ao longo das últimas páginas e resumidos nos dois depoimentos abaixo?

“[A relação entre o homem e o computador é] uma difícil relação onde às vezes os
homens dominam a máquina e, outras, a máquina domina os homens. Como em
toda relação, o difícil é chegar a um ideal; meio termo onde se convive sem
dominação.”
(Marcela Caetano, dados pessoais ignorados)

“Relação homem-máquina - problemas, dificuldades, possibilidades e


expectativas geradas pelo desenvolvimento tecnológico da informática. Modifica-
se rapidamente pois o computador vai assumindo diferentes ‘caras’ e funções
para o ser humano. É desde uma ferramenta bastante pragmática, até a
possibilidade de tornar-se um companheiro, médico, faxineiro, operário, etc.”
(Carolina Ribeiro, jornalista de 24 anos de idade)

Que fiquem atentos aqueles que ainda olham para tudo isso com descrédito!
Principalmente se, como profissionais, têm que lidar com seres humanos que podem
estar vivendo essa nova realidade.

49
NOVOS CONCEITOS

O espaço é cibernético; a realidade é virtual; o tempo é real; o correio é eletrônico; a


velocidade chega a ser medida em nanossegundos (a bilionésima parte de um
segundo); nosso lar ciberespacial é uma home page; navegamos por ondas WWW,
sobre as quais nos locomovemos através de links; nossos computadores se
transformam ora em bancos, ora em museus, ora em bibliotecas, ora em livrarias, ora
em lojas de CD’s, ora em salas de visita, ora em salas de conferência, ora em
escritórios virtuais...

Com o advento dos computadores contemporâneos e, principalmente, de sua


interligação em redes, adentramos um novo espaço onde impera uma nova realidade
que só pode ser mapeada e apreendida a partir de novos conceitos.

Os novos conceitos são tantos que já há dicionários integralmente dedicados a eles.


Esses dicionários são extremamente úteis, porém, como são escritos por experts, suas
definições não nos dão a dimensão de como absorvem e lidam com esses novos
conceitos aqueles que usam a Rede, muitas vezes sem nenhum conhecimento de
informática e outras tantas com muito pouco conhecimento da tecnologia usada na
Internet. Um livro sobre os impactos psicológicos da Rede, no entanto, tem que
privilegiar as concepções dos homens e mulheres, jovens e não-tão-jovens, “feras” em
informática ou leigos, que dela fazem uso.

Neste bloco, convido meu leitor para um passeio inédito. Um passeio por reflexões
tornadas possíveis pela colaboração de 43 usuários comuns, habitantes dos mais
diversos cantos deste país, que nos nos deram as suas próprias definições de alguns
conceitos básicos da realidade inaugurada pela Internet. Essas definições vieram
complementar as informações colhidas nas 40 respostas que recebemos a um segundo
questionário, no qual outros usuários, também comuns, nos relataram algumas de suas
experiências na Internet, e nas 20 entrevistas olho-no-olho que fizemos. Os autores dos
depoimentos citados (quer tenham tido origem nos questionários ou nas entrevistas)
não são identificados; somente seu sexo, profissão e idade são mencionados. Os
nomes citados são fictícios como os outros nomes que já apareceram neste livro. A eles
o meu mais profundo agradecimento.15

Através deste passeio, o leitor vai poder ter acesso a como a Internet é vista por esses
usuários, que, vale frisar, são homens e mulheres, de diferentes faixas etárias e
diferentes profissões, mais ou menos versados em informática. Vai poder perceber as
dificuldades que eles encontram quando tentam colocar em palavras aquilo que
conhecem muito bem na prática, vai poder avaliar alguns de seus conflitos e vai poder
apreciar o seu espírito brincalhão, mesmo quando crítico.

Acho que esse passeio, além de divertido, pode ser muito informativo.

15
Leia mais a respeito dos procedimentos usados em O IMPACTO DO NOVO.
50
O ciberespaço e a virtualidade

Na década de 1960, travamos contato com o espaço sideral que, todos aprendemos
então, é muito diferente do espaço cotidiano em que vivemos. Acompanhamos as várias
peripécias dos navegantes desse espaço -- os cosmonautas -- e vimos, pela televisão,
o primeiro homem pisar na Lua.

Enquanto isso acontecia, Elis Regina cantava:

“Poetas, seresteiros, namorados correi.


É chegada a hora de escrever e cantar,
Talvez as derradeiras noites de luar.”,

versos nos quais Gilberto Gil registrava a surpresa, o choque do novo e o medo no
imaginário de muitos.

Nessa época já distante, esse entrar em contato com o espaço cósmico significava
muito simplesmente saber de sua existência, saber que nele não há força da gravidade,
saber que os homens nele podem viajar mesmo assim, e assistir aos feitos do homem
na televisão como se fossem, tal qual os filmes produzidos em estúdios de Hollywood,
obras da imaginação. (Não foram poucos aqueles que, mesmo havendo visto a chegada
do homem à lua, afirmavam que tudo era mentira!) É claro que nunca nenhum de nós
travou contato pessoal com esse espaço.

Em outras palavras, o espaço sideral, que é muito real para quem lá esteve, para os
outros mortais era simplesmente um espaço potencialmente alcançável. Poder-se-ia
então dizer que o espaço cósmico para praticamente todos os mortais era um espaço
virtual. Mas isso não estava em pauta nos anos 60.

Está em pauta agora. O fato é que a década de 1990 nos fez entrar em contato com um
outro tipo de espaço, o espaço cibernético, ou o chamado ciberespaço que é, todos
dizem, um espaço virtual.

O que significa isso? Significa dizer que o ciberespaço é algo apenas potencialmente
alcançável e distante como o espaço cósmico? Significa dizer que, tal como o espaço
sideral, ele é regido por suas próprias leis que são diferentes daquelas que regem o
espaço cotidiano no qual todos sempre vivemos?

Para tentar responder a essas e outras perguntas, vejamos o que nos dizem nossos
colaboradores, muitos dos quais, contrariando as expectativas de que receberíamos
respostas quase que exclusivamente de jovens, têm idade suficiente para poderem
fazer comparações com outras épocas, inclusive com a década de 60. E, para termos
uma idéia do quanto eles têm consciência do que gera esse novo espaço, comecemos
com suas definições do que é a Rede.

Todos têm plena consciência de que a Rede é formada pela conexão de computadores.

51
“Uma porção de computadores ligados”,

define Arnaldo França, aposentado de 50 anos de idade.

“Rede = união de computadores”


“Rede = Ligação entre computadores”,

fazem coro Julio Tavares, perito judicial de 38 anos de idade, Maria do Carmo Veiga,
advogada de 32 anos, e Henrique Salles, médico de 56 anos.

Muitos vão além disso e registram diferentes características da Rede, como os diversos
tipos de ligação que formam sua malha.

“Rede: seqüência de assuntos, lugares, etc. ex: um assunto tem dez pontos
diferentes, cada um desses pontos se abre em outros, e assim por diante.”

Essa é a definição de Stella Freitas, estudante de programação visual de 23 anos, que


escolhe priorizar a interconexão temática.

Já Wanda Soeiro, economista de 45 anos, enfatiza os aspectos infra-estruturais:

“Rede -- sistema mundial de ligações -- com roiters, computadores, linhas


telefônicas e sites com infos [informações] que constituem a malha da Web.”

Há, também, os que optam por definições compactas e de impacto, mas bastante
reveladoras. É o que fazem:

Rogério Dantas, metalúrgico de 39 anos, ao definir Rede como

“Aldeia global”,

Felipe Delgado, engenheiro geotécnico de 27 anos, ao dar como definição de Rede

“muitos ligados a muitos”,

e, Isabel Torres, engenheira de 40 anos ao associar à palavra Rede uma de suas


principais características ao dar sua definição em uma única palavra

“Comunicação”.

Nenhum dos usuários consultados revelou qualquer dificuldade ou contradição ao


responder o que é Rede. Esta parece ter sido uma definição fácil de dar.

Tendo esse resultado em vista, ou seja, de posse do conhecimento de que os usuários


sabem muito bem que a Internet é formada por computadores conectados em Rede,
seria de se esperar que, quando perguntados a respeito do espaço virtual criado por
essas conexões, os mesmos usuários fizessem alguma referência a um espaço que é
uma ilusão ou um produto da imaginação. Isso, no entanto, não aconteceu.

52
Nossos colaboradores, usuários comuns que são, não registram em suas definições de
ciberespaço aquilo que é a principal característica deste: a de ser um espaço
imaginário. Segundo a definição dada por Christian Crumlish, um especialista no
vocabulário ciberespacial, em seu O Dicionário da Internet, publicado pela Editora
Campus em 1997, ciberespaço é:

“Um termo popularizado por William Gibson [escritor norte-americano] para


designar a realidade imaginária compartilhada das redes de computadores.
Algumas pessoas usam o termo ciberespaço como sinônimo de Internet. Outros
se atêm à realidade mais completa, consensual e similar ao mundo físico, tal
como a retratada nos romances de Gibson.”
[A ênfase é minha.]

Já que os usuários não se referem a essa realidade imaginária compartilhada, quais são
as suas definições?

Sugiro que prossigamos por partes.

Primeiramente, considerando-se que praticamente todos tomaram como referência a


realidade cotidiana (e quem não o faria?), as definições foram confusas e contraditórias.
Dou alguns exemplos e explico. Muitos dizem que ciberespaço é um lugar, espaço, local
etc. que não tem existência física. Mas como a experiência cotidiana desses usuários,
tal como a nossa, garante que lugares e espaços têm existência física, o mero colocar
em preto e branco de uma palavra como “local” parece deixar alguns usuários
desconfortáveis e eles passam, imediatamente, a qualificar o que estão escrevendo.
Muito provavelmente eles, que estavam usando o ciberespaço para receber nossos
questionários e enviar suas respostas, jamais haviam parado para pensar no assunto.

Assim é que encontramos definições como as seguintes.

“Ciberespaço: espaço virtual, normalmente faço analogia com o inconsciente


freudiano, um local onde coisas acontecem, fatos se dão, mas não existe
fisicamente”,

Roberta Dantas (estudante de psicologia, 19 anos).

“local, não físico, onde está a informação”,

Felipe Delgado (engenheiro geotécnico, 27 anos).

“Ciberespaço, o espaço virtual, em que as trocas de informação da Net ocorrem.


O oposto de espaço "real" em que interagimos cara a cara com outras pessoas.”,

Elizabeth Ramos (psicóloga, 40 anos).

Complicado, não? Espaço sem existência física, local não físico, espaço não real. Estas
e outras caracterizações são importantes para percebermos o quanto é difícil -- para
aqueles que, imersos na nova realidade, tentam fazê-lo -- conceber o ciberespaço como
uma ilusão ou uma obra do imaginário coletivo. O constante recurso a palavras como

53
lugar e local parece indicar que os usuários percebem o espaço virtual como tão
concreto quanto o espaço “real”.

Outra grande dificuldade encontrada pelos usuários parece ser a de abandonar


conceitos de fora Rede -- como os de lugar ou local -- para definir algo que só existe
dentro dela.

As confusas definições apresentadas acima, no entanto, sugerem que seus autores, ao


se referirem a algo que não tem existência física como um local ou um lugar, se dão
conta de que alguma coisa está estranha e se apressam em fornecer uma explicação.
Daí a confusão que, trocando em miúdos, significa dizer: “Ôpa, isto está soando
esquisito!”.

Outros usuários nem parecem se preocupar com isso. Ao que suas definições indicam,
o ciberespaço para eles é algo tão concreto e natural que sequer suscita dúvidas, ou dá
origem a contradições e confusões.

“Ciberespaço: lugar da net onde vc [você] pode colocar infos [informações].”,

escreve Stella Freitas (estudante de programação visual, 23 anos).

“Lugar em que se "vive" e se instrui com o auxílio do computador.”,

diz Walter Costa (analista de sistemas, 36 anos).

Alguns, ainda, definem ciberespaço, implícita ou explicitamente, como um espaço


paralelo regido por suas próprias leis.

Pedro Werneck (engenheiro, 32 anos), por exemplo, afirma que

“após descansar no sétimo dia (um dia divino=X Gdias humanos), Ele, cansado
de criar somente matéria, criou um universo paralelo e virtual, livre das correntes
físicas e mais ao gosto dos impulsos elétricos dos neurônios.”

Enquanto que a também engenheira Isabel Torres (40 anos) livre-associa de forma a
dar a entender algo análogo

“Ciberespaço - Liberdade”.

A definição de ciberespaço como um espaço paralelo regido por suas próprias leis é a
que mais se aproxima daquela do dicionário que diz que o ciberespaço é a realidade
imaginária compartilhada das redes de computadores. Ao menos introduz a noção de
uma realidade completamente diferente daquela na qual vivemos o nosso cotidiano.

A total ausência de referência a um imaginário compartilhado, no entanto, pode nos dar


uma idéia do quão concreto o ciberespaço é para os seus usuários.

E qual a sensação que eles têm do que acontece nesse espaço? Diria que uma
sensação bastante difícil de colocar nas palavras convencionais, atreladas que estas
estão à concretude das sensações geradas pela realidade cotidiana que continua a lhes

54
servir de referência. Examinemos, por exemplo, o que acontece quando é solicitada aos
mesmos usuários-colaboradores uma definição de realidade virtual.

Para definir realidade virtual, eles recorrem a dois tipos principais de definição: usam
definições dos equipamentos e técnicas que criam essa nova realidade, mas pertencem
à realidade cotidiana e, neste caso, fazem uma ponte que integra as duas e faz sentido;
ou tentam definir a nova realidade tomando como referência a antiga e acabam
concluindo, muitas vezes para sua própria surpresa, que a velha e já complexa
realidade comporta agora uma nova cisão. A realidade virtual é definida por oposição à
realidade “real”.

Comecemos pelo que chamei de definições técnicas. Destas, a primeira que acho útil
mencionar é a do Dicionário de Informática que estamos tomando como fonte de
referência:

“Um termo demasiadamente usado para ambientes tridimensionais simulados por


computador nos quais o usuário pode interagir, freqüentemente através do uso de
equipamento como luvas e óculos especiais. Por analogia, ambientes de jogos
tipo role-playing... são às vezes considerados exemplos de realidade virtual.”

Passemos, agora, às definições técnicas dadas por nossos colaboradores.

“Recurso de simulação em que se estabelece uma realidade digital, em que o


participante interage como se a mesma fosse real.”,

Walter Costa (36 anos, analista de sistemas).

“... a sensação de que os estímulos experimentados no cyber espaço é


semelhante à dos estímulos experimentados no espaço real.”,

Elizabeth Ramos (40 anos, psicóloga).

Essas respostas, inclusive a do dicionário, são exemplos de definições em que estão


presentes as duas realidades -- a “real” e a “não real” -- de forma harmônica e não
contraditória. Os equipamentos e o know-how são criados na realidade “real” e
produzem uma realidade “não real” ou situações imaginárias que simulam os efeitos e
sensações da primeira. O recurso à tecnologia permite a referência a ambas as
“realidades” sem contradições. As definições são seguras.

O mesmo não acontece quando os usuários procuram definir a realidade virtual


comparando-a com a realidade cotidiana ou “real”. Aí as contradições são muitas e são
registradas pelos próprios usuários.

A resposta de Stella Freitas (23 anos, estudante de programação visual) dá uma


dimensão desse tipo de contradição e da consciência que dela tem a usuária:

“Realidade Virtual: na minha opinião algo contraditório, se é virtual não pode ser
real.”

55
É o mesmo “soar estranho” que Pedro Werneck (32 anos, engenheiro) registra em sua
definição:

“Realidade alternativa que busca reproduzir a realidade Real (que termo


esquisito), porém mantendo os maiores graus de liberdade do universo Virtual.”

Com ou sem registro da contradição ou “esquisitice”, são vários os que afirmam ser a
realidade virtual uma outra realidade, uma realidade “não real”:

“Realidade fictícia ou não real.”,

Eduardo Gouveia (38 anos, analista de sistemas).

“... realidade não real”,

Márcio Cruz (17 anos, estudante de desenho industrial).

Há os que, ainda tomando a realidade “real” como referência, falam de imagens.

“Imagens que passam pela realidade”,

Felipe Delgado (27 anos, engenheiro geotécnico).

Alguns associam livremente e, ao fazê-lo, revelam muito de sua concepção de realidade


virtual.

Julio e Henrique, por exemplo, parecem entender que realidade virtual é o mesmo que
simulação:

“Realidade Virtual = CAPACETE”,

Julio Tavares (38 anos, perito judicial).

“Realidade Virtual - 3D interativo”,

Henrique Salles (56 anos, médico).

Já Ricardo Neves (19 anos, estudante de comunicação) modernamente associa


realidade virtual a um tipo de sexo até segunda ordem bastante seguro:

“Realidade Virtual = sexo virtual”.

E Valéria Alexandrino (43 anos, técnica de contabilidade) resume tudo com


simplicidade:

“Realidade Virtual - Realidade de hoje”.

Finalmente, para alguns usuários, como Isabel Torres, Paulo César Coelho e Jerônimo
Falcão, a realidade virtual se mescla à realidade fantasiosa dos sonhos:

56
“Realidade Virtual - ambiente para sonhos serem concretizados”,

Paulo César Coelho (22 anos, estudante de informática).

“Realidade Virtual = imaginação - sonhos - fantasia”,

Jerônimo Falcão (que optou por não fornecer dados identificatórios).

“Realidade Virtual - sonho materializado”,

Isabel Torres, 40 anos, engenheira.

Parece que Rogério Dantas (39 anos, metalúrgico) lê a resposta de Isabel e resolve
materializar seu próprio sonho:

“Realidade Virtual - Visualização de um mundo no qual vc [você] toma o controle


da situação.”

Realidade “não real”, realidade alternativa, imagens que passam pela realidade,
simulação, sonho. Todos esses tipos de resposta apontam no mesmo sentido. Acho que
agora podemos fechar o círculo: da realidade “não real” ao sonho, estamos falando de
alternativas à realidade “real” que são regidas por suas próprias leis.

Retomando a comparação, feita anteriormente, com a realidade paralela do espaço


cósmico, que é regida por leis tão diferentes das nossas que não há gravidade, vemos
que a década de 1990 gerou um quadro oposto àquele, vivido na década de 1960, em
que uma realidade muito real para os cosmonautas era sentida como virtual -- no
sentido de apenas potencialmente alcançável -- pela maioria esmagadora dos seres
humanos que com ela nunca travaram contato.

Nos dias de hoje, milhões de seres humanos têm contato diário e íntimo com o novo
espaço cibernético e nele navegam com grande grau de liberdade sem, no entanto,
jamais deixarem o conforto de sua cadeira. Ninguém que com ele trave contato duvida
da sua existência e, no entanto, ele literalmente não tem existência a não ser na
imaginação de todos e cada um dos milhões de seres humanos -- os internautas -- que
por ele trafegam!

É chamado de um espaço virtual, pois só existe em software, mas sua realidade e


concretude parecem ser tão palpáveis para os seus usuários que, ao defini-lo, é raro
que alguém mencione a imaginação ou o imaginário e muito menos ainda a ilusão.
Talvez seja porque é difícil acreditar que possa haver um imaginário coletivo
transcultural e de proporções mundiais!

Como resultado dessa concretude, milhões de seres humanos passaram a ter a


sensação de que estão vivendo e se relacionando com os outros em duas realidades
diferentes que muitas vezes não se interpenetram: a realidade “real” e a realidade
virtual.16

16
Leia mais sobre os usos e abusos da experiência com essas duas realidades em NOVOS
RELACIONAMENTOS.
57
Quão concretas e “reais” são essas sensações?

Retomo as associações com o sonho, feitas por alguns usuários, e respondo com uma
analogia sob a forma de outra pergunta. Quão concretas e “reais” são as nossas
sensações enquanto estamos sonhando? Quem tiver dúvidas a respeito da concretude
dessas sensações, do status de “outra” realidade do sonho, ou de suas diferentes leis,
provavelmente nunca sonhou e, principalmente, nunca teve um pesadelo!

Mas deixemos a realidade do sonho de lado, pois as duas realidades com as quais os
usuários da Rede têm contato enquanto estão bem acordados já podem gerar bastante
dor-de-cabeça!

58
Home pages e hipertextos

Home pages, sites, hipertextos e links. Palavras novas, incorporadas ao português a


partir da língua-mãe da Rede, o inglês.17 Palavras difíceis de definir, principalmente
porque jamais somos solicitados a fazê-lo. Podemos perfeitamente acessar uma home
page ou um site, usar um link de hipertexto com desenvoltura ao clicar numa palavra
grifada, que sabemos nos levará a alguma outra home page ou site, e não saber definir
nenhuma dessas palavras ou conceitos.

Mesmo assim, meus colaboradores-usuários se desincumbiram bastante bem da árdua


tarefa que lhes foi solicitada e forneceram informações preciosas sobre os significados
que a experiência nos faz sobrepor às definições técnicas.

Por exemplo, um site é tecnicamente definido no já mencionado Dicionário da Internet


como:

“Um host [computador em uma rede que permite que muitos usuários o acessem ao
mesmo tempo] da Internet que permite algum tipo de acesso remoto...”

Já uma home page é na Rede, segundo a mesma fonte:

“uma página inicial/principal com vínculos (links) para outras páginas


relacionadas. Muitas pessoas possuem home pages personalizadas com
informações biográficas e uma lista de hosts (hostlist) de seus destinos favoritos
na Web.”

Mas, para os usuários consultados o quadro não é bem esse.

Suas definições tornam claro que, para alguns deles, site e home page são
praticamente, quando não definitivamente, a mesma coisa. Houve definições circulares
do tipo:

“Sites: home pagess”


“Homepages: sites”

dadas por usuários, como, por exemplo, Renato Bastos (29 anos, assessor de
imprensa).

Houve, também, quem definisse sites como conjuntos de home pages:

“Sites: conjunto de homepages”


“Homepages: parte de um site”.

Este foi o caso de Julio Tavares (28 anos, perito judicial), entre outros.

17
Leia mais sobre diferentes tipos de incorporação de palavras inglesas ao português em NOVOS USOS
DE LINGUAGEM.
59
Alguns novamente associaram livremente e, para nós, informativamente. Vejamos o que
disseram.

“Sites - Bibliotecas virtuais, estão sempre disponíveis para o que for, a hora que
for.
Homepages - Particularmente será um meio de vida”,

Essa foi a associação feita por Gustavo Freire, 22 anos, que gentilmente ofereceu seus
préstimos -- ele constrói home pages -- à equipe dessa pesquisa.

“Sites - Locais onde encontramos inúmeras informações.


Homepages - Telas personalizadas.”,

Com essa definição de home pages, Rogério Dantas (39 anos, metalúrgico) parece até
estar fazendo arte ciberespacial.

A grande maioria das respostas se refere a sites como locais, lugares, sítios, etc., o que
não surpreende, tendo em vista a concretude da sensação que o ciberespaço gera em
seus usuários e, também, levando-se em conta que a palavra site em inglês significa
local.

Um outro tipo de resposta merece ser comentado com maior cuidado: vários usuários
se referiram a home pages como páginas de marketing, painéis publicitários, páginas de
empresas, ou simplesmente como páginas colocadas na Rede com a preocupação de
“vender” uma imagem a respeito de quem quer que a tenha colocado. Examinemos
algumas dessas respostas.

“Homepages - páginas de marketing e informações sobre tudo o que se tem na


rede.”,

diz Judith Freire (33 anos, psicóloga).

“Homepages - Painel publicitário de um domínio ou de um usuário”,

reitera Henrique Salles (56 anos, médico).

“Homepages - páginas com informações fornecidas pelos respectivos donos,


colocadas na Rede para auto-apresentação, com uma preocupação de "vender"
uma imagem”,

conclui Sonia Campos (psicóloga, 43 anos).

Como podemos avaliar essas definições? São elas definições erradas? Por que passam
uma visão de home pages tão diferente daquela que consta do dicionário?

Essa visão de home pages como uma forma de marketing, que tanto se distancia da
sua definição técnica de dicionário, é certamente o fruto da própria difusão das home
pages como meio de divulgação dos produtos mais variados, geralmente com
finalidades comerciais.

60
Não é uma visão nem certa nem errada. É simplesmente uma visão de usuários, ou
seja, daqueles que usam o ciberespaço e visitam home pages sem jamais terem se
preocupado com os avanços tecnológicos, ou as técnicas de construção, que estão por
trás de toda e qualquer home page, ou com as definições conceituais dadas a tudo isso.
A home page é vista e apreciada pelo que é e pelo que transmite e, na opinião de
alguns desses mesmos usuários, ela é um painel publicitário e o que transmite é uma
imagem que se quer “vender”.

A julgar por esses depoimentos, parece que a Internet no Brasil assumiu um jeitão
comercial em muito pouco tempo de existência. Pensando bem e caindo na real (aquela
cotidiana na qual somos submetidos aos mais variados tipos de comercial, mesmo nos
canais de TV por assinatura) isso não deveria surpreender.

Mas continuemos nosso passeio. Além das definições circulares, das compactas e das
mercadológicas, houve, como não poderia deixar de ser, definições técnicas, embora
em número relativamente pequeno.

“Sites - locais com urls onde estão home pages de hipertextos ou textos
na Web.
Homepages - páginas de hipertextos ou textos da Web.”,

Wanda Soeiro (45 anos, economista), que deu respostas técnicas a praticamente todos
os itens do questionário.

“Sites (Localidade onde uma unidade ou computador está


situado como entidade e conseqüentemente provendo
informações à rede)
Homepages (Meio de divulgação de informação, composta de
hipertexto)”,

Eduardo Gouveia (38 anos, analista de sistemas).

E são essas definições que nos trazem aos dois próximos conceitos a serem discutidos:
os conceitos técnicos de hipertexto e links, que são, diria eu, a alma da Rede.

Com esses dois conceitos, nossos colaboradores tiveram muita dificuldade. E isso
talvez explique porque houve poucas definições técnicas em resposta ao item das home
pages. Ao que tudo indica, nossos colaboradores, usuários que são da Rede,
certamente sabem acessar e visitar uma home page, sabem ir de uma home page para
outra fazendo uso dos links de hipertexto, porém jamais ouviram falar quer seja de
hipertexto quer seja de links.

E é muito difícil dar uma definição técnica de home page sem fazer menção a pelo
menos um dos dois. Tanto no dicionário quanto nas definições técnicas dadas pelos
nossos usuários-colaboradores há pelo menos uma menção a um dos dois.

Quais são as definições que o Dicionário da Internet dá para hipertexto e links?

Hipertexto:

61
“Texto que contém vínculos (links) para outros documentos, permitindo ao leitor
que se desloque de um para outro e leia os documentos em ordem diversa.”

Links:

“Nas páginas da Web [Rede], um vínculo (link) de hipertexto, um botão ou trecho


destacado do texto que, ao ser selecionado, remete o leitor para uma outra
página.”

E o que dizem nossos colaboradores?

É grande o número dos que admitem não saber o significado nem de um nem de outro.
É, também, grande o número daqueles que tentam advinhar seu significado e acabam
demonstrando desconhecê-lo:

“Hipertexto = não sei


links = endereço de alguém ou algum lugar”,

Julio Tavares (perito judicial, 38 anos).

“Hipertexto um texto bem grande :)


[a carinha :) quer dizer que Jerônimo não está levando a sério sua resposta!]18
Links não tenho idéia”,

Jerônimo Falcão (sem dados identificatórios).

Boa saída encontrou o já nosso amigo aposentado de 50 anos, Arnaldo França:

“Hipertexto: estas coisas do http


Links: aperta e vai lá.”

A sua fórmula “aperta e vai lá” revela o que quase todos que sabem o que é um link
dizem: um link é algo que faz o movimento de ligar, relacionar, vincular ou simplesmente
“navegar”, e um hipertexto é um tipo de texto que oferece recursos que permitem que
esse movimento seja feito. E mais, essa feliz fórmula revela o que muito provavelmente
está por trás de tantos “não-sei”: mesmo quem não sabe o que é um link, quando está
na Rede “aperta e vai lá” sem nenhum problema!

O “não-sei” é apenas observável. Portanto, dele não posso dar exemplos textuais. Já a
sensação de movimento, de que as coisas podem se conectar no ciberespaço, é
passível de ser exemplificada de várias maneiras dentre as descritas pelos usuários.

“Hipertexto = Texto que ao ser clicado lança o usuário para outro


lugar seja dentro da página ou fora dela.
Links = Ligação entre uma página e outra.”,

Maria do Carmo Veiga (32 anos, advogada).

“Hipertexto
18
Leia mais sobre as carinhas, emoticons, ou smileys, em NOVOS USOS DE LINGUAGEM.
62
Recurso de se atrelar assuntos em textos, permitindo uma viagem
entrelaçada de assuntos, em várias direções, variando de acordo com os
desejos e objetivos do interessado.
Links
Relação possibilitada entre um endereço e outros presentes no mesmo
diretório ou mesmo em outros diretórios ou servidores.”,

Walter Costa (36 anos, analista de sistemas).

“Hipertexto
html ;)
[A carinha está piscando um olho, em tom de brincadeira.]
Links
pra facilitar a navegação.”,

Márcio Cruz (17 anos, desenho industrial).

Dito tudo isso, uma pergunta pode se colocar: será que alguém assinalou o potencial
inovador do hipertexto e seus links?

E a resposta é sim. Eles não foram muitos, mas houve quem assinalasse a que é, a
meu ver, a principal característica do hipertexto: a característica verdadeiramente nova
e revolucionária de ser um texto muito mais próximo da nossa forma natural de pensar
do que o texto bidimensional e linear ao qual estamos acostumados e que o leitor tem
diante de seus olhos.

Nosso pensamento não é bidimensional nem tampouco seqüencial. Temos que fazer
força e usar diversos recursos lingüísticos e literários para colocá-lo na
bidimensionalidade do papel de forma compreensível. Tudo bem, uns melhor do que
outros, muitos fazemos isso relativamente a contento. Para isso contamos, entre várias
outras coisas, com a ajuda da leitura de grandes escritores, com a ajuda de leitores
experientes, e com séculos de conhecimento e técnicas acumulados.

Mas os recursos do hipertexto -- como, por exemplo, a possibilidade de idas e vindas,


extremamente rápidas, em várias direções; ou a possibilidade de tudo se conectar a
tudo dependendo dos objetivos, interesses do escritor e do leitor -- abrem novas e
fascinantes possibilidades. Ainda não sabemos como usar o que esse fantástico recurso
tem a nos oferecer (há várias experiências em curso), mas certamente já podemos
avaliar o quanto ele pode revolucionar a relação que temos com a palavra escrita e com
o papel!

E isso é registrado em pelo menos algumas das respostas que recebemos.

“Hipertexto
Combinação de textos, imagens, som e vídeo numa coisa
definida como HTML, que ao meu ver é uma revolução no
mundo dos homens.
Links
Ligações para outras páginas ou Sites.”,

63
Carlos Eduardo Cavalcante (23 anos, analista de suporte Internet).

“Hipertexto -- evolução natural do texto, ou seja, depois do


textu-erectus chegou a vez do textu-sapiens -- um texto esperto que
ajuda a desenvolver a cultura através de links e procuras diretas on
touch.
Links - placas de indicação virtuais, seria como vc estacionar com
seu carro sobre uma placa indicando Itaquaquecetuba e **Plim** ir para lá
num passe de mágica.”,

Pedro Werneck (32 anos, engenheiro).

“Hipertexto ====> texto que permite a interação com o leitor, permitindo


que este interrompa a leitura para obter mais informação disponível sobre
um conceito realçado no texto. Sua leitura se torna mais semelhante a uma
conversa com quem escreve o texto.
Links ====> Redirecionamento para outro serviço.”,

José Carlos Nogueira (dados pessoais não disponíveis).

Como passaremos a usar o diálogo e a mágica desse novo recurso só o futuro nos
pode dizer.

Enquanto isso, tentemos fazer um exercício: façamos uso da velha imaginação e


tentemos retornar no tempo o suficiente para podermos apreciar as transformações que
a invenção e a difusão da escrita introduziram no cotidiano, nas comunicações, nas
formas de transmissão do conhecimento, nas formas de ver o mundo e pensar sobre
ele, etc. de seus contemporâneos. Talvez esse exercício possa nos dar uma idéia do
que pode vir a acontecer a partir dos novos recursos tecnológicos que hoje estão à
nossa disposição.19

19
Leia mais sobre o hipertexto em NOVOS USOS DE LINGUAGEM.
64
Tempo real e chats

Antes do advento da Rede, já se usava o conceito de tempo real, sou informada.


“Onde?”, “Quando?”, “Como?”, pergunto, revelando o meu espanto leigo.

Mas, ao ler a definição do Dicionário da Internet, aquele que venho usando como
referência ao longo deste bloco, sou obrigada a concordar que o tempo real já é antigo.
Diz o dicionário que tempo real é:

“... o tempo usado para comunicação síncrona, na qual ambos os participantes


devem estar disponíveis -- como em uma conversa telefônica. Também no sentido
de algo que está ocorrendo no momento atual, ao vivo, não tendo sido gravado ou
sofrido qualquer atraso.”

A comunicação síncrona já existe há muito tempo (embora eu nunca tenha ouvido


ninguém se referir a uma conversa telefônica como uma “comunicação síncrona”!). De
“algo que está ocorrendo no momento atual, ao vivo, não tendo sido gravado ou sofrido
qualquer atraso” também imediatamente me ocorrem vários exemplos, que há muito
fazem parte do nosso cotidiano, como programas de TV e rádio (embora eu nunca
tenha ouvido alguém dizer que o jogo da Copa do Mundo estava sendo transmitido “em
tempo real” para o mundo inteiro!).

Juliana Assunção, jornalista de 33 anos de idade, concorda comigo e diz que tempo real
é uma:

“nova expressão para ‘ao vivo’."

E se refere imediatamente a uma nova realidade: a da troca “ao vivo” de mensagens


escritas.

“... a mensagem é recebida no mesmo momento que está sendo mandada.”

Tal como para Juliana, a expressão “tempo real” é, para a maior parte dos usuários, tão
recente quanto a Rede que possibilita a comunicação síncrona por escrito, pois foi em
conexão com esta que eles travaram contato com aquela!

Por isso mesmo tive uma surpresa ao examinar as definições dadas a tempo real pelos
nossos usuários-colaboradores. Surpreendeu-me o fato de nenhum desses usuários --
em sua maioria cidadãos comuns que geralmente se referem a transmissões de TV que
ocorrem ao mesmo tempo em que eles as estão assistindo como transmissões “ao vivo”
-- ter esboçado qualquer reação à, para eles nova, qualificação do velho tempo como
real. Lembremo-nos de que esses mesmos usuários haviam reagido, com algum
espanto, a uma qualificação análoga, feita por eles mesmos, da realidade em que todos
vivemos como “real”, para distingui-la da “virtual”. O tempo real que, certamente, para
muitos desses usuários é tão recente quanto a Rede, ao que tudo indica, já está tão
naturalizado que parece ter existido sempre.

65
Mas o leitor não tem que aceitar a minha palavra sobre isso. Ele pode examinar as
definições dadas com seus próprios olhos e concordar ou discordar de meus
comentários e conclusões.

Muitos usuários dão definições técnicas.

“É o tempo em que um determinado evento está ocorrendo na realidade e via


computador.”,

define Esther Mendes (49 anos, química).

“O processo se desenvolve na máquina em tempo igual ao da vida real”,

concorda Henrique Salles (56 anos, médico).

“... fazer com que a comunicação ocorra em conjunção com o


tempo físico do sistema terrestre (conforme Greenwich e etc.).”,

afirma Pedro Werneck, (32 anos, engenheiro).

Os dois eventos que ocorrem ao mesmo tempo são explícitos nessas definições: um é
um evento relacionado à máquina e o outro é um evento que ocorre na vida real.

Vários outros usuários, no entanto, nada dizem além de que tempo real é aquilo que
acontece ao mesmo tempo. Não revelam o quê acontece ao mesmo tempo que o quê.
Isso sugere que esse “o quê” já deveria ser evidente! Vejamos alguns exemplos.

“Tempo Real: ao mesmo tempo”,

Arnaldo França (50 anos, aposentado).

“Tempo Real:
Algo que acontece simultaneamente.”,

Gustavo Freire (22 anos e sem outros dados identificatórios).

“Tempo Real
simultaneamente, ao mesmo tempo”,

Paulo César Coelho (22, estudante de informática).

E qual a razão dessa suposição de que todos-sabem-o-quê-ocorre-ao-mesmo-tempo-


que-o-quê?

A razão está ligada a uma segunda surpresa que deixarei para relatar um pouco depois
(afinal, algum suspense nunca faz mal a ninguém). Agora, vou apenas mencionar que
não são todos os nossos colaboradores que omitem um ou ambos os eventos que são
simultâneos. Alguns os declaram abertamente, ou tornam-nos evidentes mesmo quando
somente implícitos. São aqueles que definem tempo real fazendo menção àquilo que,
na Rede, é sobejamente conhecido por acontecer em tempo real, ou seja, os chats, e,

66
com isso, nos ajudam a encontrar um motivo plausível para a suposição de que todos-
sabem-o-quê-ocorre-ao-mesmo-tempo-que-o-quê.

“Tempo Real
a forma de conversa em programas como o irc, ou o chat pela Web, as
conversas se dão em tempo real, ou seja, você fala e a pessoa recebe o
digitado ao mesmo tempo.”,

explica Roberta Dantas (19 anos, estudante de psicologia).

“Tempo Real = chat”,

coloca, de forma compacta mas aberta [porque um chat -- isto é, uma conversa -- já
envolve pelo menos duas pessoas], Ricardo Neves (19 anos, comunicação).

Alguns fazem a mesma associação um pouco mais tarde, de forma mais ou menos
explícita, quando definem os chats, em resposta a outro item do questionário.

“Canais de chat - canais de conversa em tempo real.”,

Wanda Soeiro (45 anos, economista).

“Tempo Real: ao mesmo tempo.


Canais de chat: as pessoas falam ao mesmo tempo.”,

Arnaldo França, (aposentado, 50 anos).

Apesar de todas as diferenças de conhecimento de informática, percepção, estilos e


ênfase, é a definição de Carlos Eduardo Cavalcante (23 anos, analista de suporte de
Internet) que escancara o pressuposto que está na base de todas essas definições: o
de que o tempo real pertence não à realidade “real” mas sim à realidade da Rede:

“Tempo Real
Pressupõe-se acesso on-line e rápido - :)”.
[A carinha sorridente - :) mais uma vez indica o sarcasmo da brincadeira.]

E isso nos traz àquilo que, na Rede, sempre pressupõe acesso online e rápido: os
chats. Agora posso revelar ao meu leitor a minha segunda surpresa. Embora chat seja
uma palavra inglesa, todos os nossos colaboradores sabiam o seu significado e isso se
estendia mesmo aos usuários mais velhos que, supostamente, têm preconceitos em
relação às conversas online, tão populares entre os mais jovens.

Além disso, ninguém nos deu nenhuma resposta pomposa no estilo dicionário, embora
muitos houvessem feito isso em relação a outros itens. As respostas parecem ter
preservado a informalidade de um bate-papo.

Comparemos a relativa formalidade da definição do Dicionário da Internet com a


informalidade das respostas dadas por vários de nossos usuários-colaboradores. No
dicionário, onde não encontramos uma entrada para canal de chat, a palavra chat
recebe a seguinte definição:

67
“Comunicação linha a linha com um outro usuário pela rede de forma síncrona em
tempo real, tal qual em uma conversa telefônica e diferente de um intercâmbio de
mensagens de correio eletrônico.

Já os nossos colaboradores respondem bastante descontraidamente. Um deles chega


inclusive a convidar a equipe da pesquisa para visitar um determinado canal temático.

“Canais de chat - Bate papo, onde vc [você] encontra pessoas e faz amizades”,

Valéria Alexandrino (43 anos, técnica de contabilidade).

“Canais de chat
Salas de bate papo - apareça no # [seguem-se o nome de um canal, e uma
carinha sorridente] - :)” ,

Carlos Eduardo Cavalcante (23 anos, analista de suporte de Internet).

Todas essas são respostas informais que condizem bastante com a informalidade de
uma conversa digitada em tempo real.

A formalidade ficou restrita a algumas respostas que procuraram ser mais técnicas.

“Canais de chat
Endereço com recursos tais que permitem a múltipla interação de
informações entre vários internautas.”,

Walter Costa (36 anos, analista de sistemas).

“Canais de chat
São sites utilizados para conversação entre pessoas com uma finalidade
específica. Estão sendo muito usados para cursos à distância.”,

Esther Mendes (49 anos, química).

E o preconceito? Emergiu em relativamente poucas respostas.

“Canais de chat = LOCAL [ ? ] DE QUEM TEM MUITO DINHEIRO E NADA PARA


FAZER”,

diz, de forma um tanto incompreensível, Julio Tavares (38 anos, perito judicial).

“Canais de chat - acho um saco !!”,

coloca, com obviedade, Henrique Salles (56 anos, médico).

“Canais de chat - lugares para conversas sobre tudo e com todos. O


nome é uma abreviação de canais de chatos, porque é o que mais tem
nesses lugares - ** mentirinha **. Mas mesmo assim vale a pena pois depois
de muito papo furado vc [você] sempre tem a chance de desenvolver amizades

68
muito legais.”,

critica e relativiza Pedro Werneck (32 anos, engenheiro).

“Canais de chat
Um passatempo perigoso”,

aguça a curiosidade de todos Gustavo Freire (22 anos, outros dados desconhecidos).

Alguns parecem gostar muito, outros detestam, vários pensam nas amizades que
podem resultar desse tipo de contato, alguns pensam em como utilizar essa forma de
comunicação com propósitos educacionais... Diferentes idades, diferentes gostos,
diferentes objetivos, mas algo definitivamente em comum: todos sabem o que é um
canal de chat! Quantos desses e de outros usuários saberiam o significado dessa
palavra inglesa há pouco mais de dois anos?20 E quantos saberiam, então, que um chat
pressupõe tempo real?

20
Leia muito mais sobre os chats em NOVOS RELACIONAMENTOS.
69
“Sabemos aonde podemos chegar?” ou a moral da história

“Você sabe aonde pode chegar?” é um conhecido lema da Microsoft, a gigantesca


indústria de software que tornou Bill Gates milionário e conhecido no mundo inteiro.

Após toda a discussão dos novos conceitos que acabamos de fazer, coloco uma
pergunta análoga: “Sabemos aonde podemos chegar?”

Não, não sabemos aonde podemos chegar. Não sabemos aonde queremos chegar e,
muito menos ainda, como -- ou melhor, com que tipo de organização mental e
psicológica -- chegaremos lá.

Alguns de nossos contemporâneos sequer se perguntam o que está ocorrendo. Outros


sabem que está ocorrendo uma grande revolução tecnológica, mas acham que a
tecnologia está muito distante deles. Outros, próximos que estão dessa tecnologia
revolucionária, pensam nela somente como uma tecnologia que revoluciona outras
tecnologias. Poucos pensam nas transformações de cunho social e psicológico que
essa tecnologia já está gerando e ainda irá gerar. A estes cabe a tarefa, árdua mas
gratificante, de tentar demonstrar o que já mudou e o quanto ainda poderá mudar.

Creio que, ao final da discussão que acabamos de travar sobre alguns conceitos
básicos da Rede, seria útil termos, como numa fábula, um fecho do tipo moral da
estória, que, no nosso caso, teria que ser uma moral parcial da história

Passemos logo a ela para satisfazer a curiosidade do leitor e tentemos ser breves para
que possamos almejar alguma eficácia.

O que os depoimentos dos nossos usuários-colaboradores deixam claro é que a


cultura, que vem se instalando -- a chamada cibercultura -- e se sobrepondo às culturas
locais, é uma cultura da prática e não necessariamente da reflexão. A surpresa de
alguns colaboradores com aquilo que eles próprios haviam acabado de escrever --
como, por exemplo, a expressão realidade “real” ou “não real” --; a ignorância que
muitos demonstraram ter em relação ao significado de aspectos fundamentais da Rede,
como o hipertexto e seus links, cujo uso certamente conhecem; a difusão do uso de
uma expressão como tempo real (até pouco tempo ignorada por grande parte dos
mortais leigos) que está intimamente vinculada aos populares programas de chats;
todas essas são manifestações de um mesmo fenômeno, o da soberania da prática.

Mesmo assim, nosso despretensioso e curto passeio pela história contemporânea,


tornou visíveis várias alterações nas formas de conceber o espaço, o tempo e a
realidade, alterações essas que são indubitavelmente fruto da experiência ciberespacial.

A concepção de espaço, por exemplo, passa a comportar a possibilidade, mais ou


menos difícil de perceber e/ou aceitar, de sua não existência física. O mesmo se aplica
às noções correlatas de lugar, localidade, etc.

70
O tempo real penetra setores que nunca tinham ouvido falar de tal qualificação para o
velho tempo e ganha popularidade, com uma velocidade digna da Rede. Por conta de
sua vinculação com as conversas online, passa a ser o tempo real da comunicação
virtual.

Já a realidade, cuja definição nunca foi fácil, agora se encontra cindida em realidade
“real” -- aquela da vida cotidiana -- e realidade “virtual” -- aquela da Rede.21 E ambas
são vividas como bem concretas pelos usuários.

Outros pontos valem a pena ser comentados à guisa de moral da história: a nova
concepção -- bastante ampliada -- de interatividade, a nova concepção de construção
de textos não lineares e a nova concepção de escrita online. Vejamos.

No tempo, espaço e realidade da Rede tudo pode interagir com tudo e todos podem, ao
menos potencialmente, interagir com todos. Não importa onde estejamos, podemos
bater papo digital em tempo real tanto com o vizinho que mora ao lado quanto com
alguém que está do outro lado do globo terrestre. Não importam quais os nossos
objetivos, podemos pesquisar e interagir com aquilo que estamos pesquisando ao
interargirmos com as home pages que nos interessam. Podemos interagir com a mídia,
podemos interagir com nossos representantes políticos, etc. etc. etc. Aonde isso nos
levará não podemos saber, esperemos o futuro chegar para que com ele possamos
interagir.

A construção de textos não lineares através dos links de hipertexto é outro aspecto que
certamente, assim que forem resolvidos certos problemas como os de direitos autorais,
vai revolucionar aquilo que hoje conhecemos por escrita. Em quais direções é
impossível dizer, as possibilidades são muitas e em sua maior parte ainda não foram
exploradas.22

Por último, ainda a respeito da escrita, um comentário sobre as respostas que


recebemos. Os questionários, como já foi dito, foram enviados aos nossos usuários-
colaboradores através do correio eletrônico e, seguindo as regras da “netiqueta” (a
etiqueta da Rede), não usamos acentuação nem cedilhas. A maior parte dos nossos
colaboradores respondeu de acordo com os mesmos padrões, como esperávamos
(acentos e cedilhas foram colocados em suas respostas posteriormente porque o leitor
leigo poderia não entender o que estava acontecendo!).23 Ocorreu, no entanto, algo
surpreendente. Nossos colaboradores, além de não acentuar nem usar cedilhas,
usaram várias outras características da linguagem online: texto econômico, erros não
corrigidos, abreviações e emoticons (ícones que retratam emoções de forma sintética).24
Das duas uma, ou praticamente todos os nossos colaboradores responderam online --
ou seja, enquanto estavam conectados à Rede -- a despeito dos gastos com contas
telefônicas e provedores de acesso (mesmo podendo não fazê-lo), ou o estilo online já
invadiu a escrita digital offline.

21
E as conseqüências dessa cisão não são de pouca monta, como é discutido no bloco sobre os NOVOS
RELACIONAMENTOS.
22
Leia mais sobre o hipertexto e sobre a escrita online em NOVOS USOS DE LINGUAGEM.
23
A “netiqueta” bem como a colocação de acentos e cedilhas nas respostas recebidas por e-mail são
discutidas em detalhes em NOVOS USOS DE LINGUAGEM.
24
Os emoticons são as carinhas do tipo ;-) que fazem parte da escrita online e são discutidas no mesmo
bloco sobre linguagem.
71
Pergunto-me se o leitor cético ainda duvida das influências que a Rede está tendo sobre
nós. Se o faz, peço-lhe que por favor não deixe de ler os próximos blocos.

72
NOVA LÓGICA

Algum dia você imaginou que o tempo poderia, além de longo, se tornar largo? Pois
bem, na realidade construída pelos sistemas e aplicativos contemporâneos, a largura do
tempo está a caminho de se tornar uma pedra fundamental do raciocínio humano!

Sua mãe não lhe ensinou que não dava para assobiar e chupar cana ao mesmo tempo?
Ora, isso é coisa do passado! Bill Gates, o papa da Microsoft, assegura que é possível
assobiar, chupar cana e fazer outras coisas simultaneamente!

Você é daquele tipo de leitor que sempre odiou ler notas de pé de página -- para não
falar daquelas, mais terríveis ainda, cujas páginas tem-se que deixar marcadas no final
do capítulo ou do livro -- e, com isso, sempre deixou de ler informações importantes?
Regozije-se porque esses dias estão contados. Com o hipertexto e seus links você não
precisa marcar nem a página de ida nem a de volta, basta clicar nos lugares certos. E
mais, no texto ciberespacial, o link não é mais para somente uma nota ou uma
referência a uma publicação que fica a seu encargo encontrar na biblioteca. Muitas
vezes, já remete para o artigo cuja referência daríamos no texto convencional!

Tenho certeza de que, há alguns anos, cabos submarinos, fibras óticas, linhas
telefônicas digitais não entravam no rol de suas preocupações, estou certa? E agora?
Você já entende ou procura entender o que são essas coisas? Então você já faz parte
do crescente número de pessoas que se preocupam com aquilo que torna o
ciberespaço possível.

Você sempre desejou exercer os seus direitos de cidadão e consumidor? Quando esses
direitos são violados, você sempre pensa em mandar cartas para jornais, emissoras de
TV, deputados, serviços de proteção ao consumidor, etc., mas nunca tem paciência de
escrever, procurar o endereço, comprar envelope e ir ao correio? Alegre-se, você agora
pode fazer tudo isso sem papel nem envelope. Basta digitar a mensagem e enviá-la por
e-mail.

Você é mãe, pai, ou de alguma forma tem a responsabilidade de educar os muito


jovens? Então, por favor, pare de se preocupar com as questões da pornografia e da
violência na Rede. A pornografia e a violência existem principalmente fora da Rede,
onde também estão sempre bastante acessíveis e visíveis. Lembre-se de que você vai
saber lidar com elas, ou com a sua ansiedade a respeito delas, tanto melhor quanto
mais contato tiver com a nova realidade na qual seus filhos estão imersos.

Essa nova realidade, aquela do tempo largo, da multitarefa simultânea, do hipertexto,


das fibras óticas e congêneres, da interatividade, etc. -- é bom e urgente que todos
saibamos -- está mudando muito mais aspectos das nossas vidas do que podemos
supor à primeira vista: entre outras coisas, está mudando as nossas formas de pensar.25

Dito de outro modo, os recursos que a Rede torna disponíveis e os discursos sobre ela
estão exercendo uma influência muitas vezes insuspeita sobre os usuários do

25
Leia mais sobre alterações nas nossas formas de sentir em NOVAS RELAÇÕES HOMEM-MÁQUINA e
NOVOS RELACIONAMENTOS.
73
ciberespaço. Eles -- esses recursos e discursos -- instauram uma nova lógica: a lógica
do excesso, da integração, da interação, do raciocínio ágil, da velocidade, do
autodidatismo, da ajuda mútua à distância, da colaboração, da informação sem
propriedade, do acesso fácil a qualquer tipo de informação, da ausência de censura, da
ausência de controle central, da democracia, da ruptura de barreiras e fronteiras, etc.
Esta lógica pode ser muito útil, mas também pode gerar vários tipos de problema.
Proponho que examinemos alguns de seus prós e contras.

74
Excessos

Porque tudo, ao menos potencialmente, se conecta a tudo e todos podem


eventualmente se conectar a todos com uma velocidade inédita, a Internet se tornou
uma fonte inesgotável de exploração de novos horizontes e conhecimentos. A Rede põe
à disposição de seu usuário mais informações do que qualquer ser humano pode
absorver durante uma vida. E quem, como os jovens, é curioso por natureza, é
arrebatado por tantas possibilidades passando a cometer excessos.

O leitor quer um exemplo? Bem, 43 usuários da Rede deram, por e-mail, seus
depoimentos sobre suas primeiras impressões da Rede, os impactos que a Internet teve
sobre eles, as mudanças que ela gerou, como vêem o futuro da Internet, etc.26 Entre
eles, Rodrigo Alvarenga, estudante de 22 anos que acessa a Rede uma média de 10 a
20 horas por semana (o que não é pouco!), dá um depoimento bastante eloqüente a
respeito de sua primeira impressão da Rede. Ele foi levado a um tal estado de excitação
e êxtase por tudo o que fez e viu, que diz:

“...acho que posso resumir [a primeira experiência] como um orgasmo cibernético.”

O excesso parece ser a palavra de ordem na rede. A tal ponto que a revista Guia da
Internet.Br (ver o número 8, de janeiro de 1997) resolveu pesquisar o assunto e, para
tanto, solicitou a ajuda da Lista Informativa MeuPovo, que é
organizada/liderada/mediada por Dario Mor. Segue-se uma seleção feita por mim dos
depoimentos de vários usuários. A mensagem do editor da revista, Fernando Villela,
segue na íntegra por também ser informativa. Os trechos mais interessantes para essa
discussão foram por mim colocados em itálico. Como essas mensagens já foram
tornadas duplamente públicas -- na Rede e na Revista -- foram preservadas todas as
características dos textos recebidos, inclusive os endereços eletrônicos.

dariomor@actech.com.br

------- Forwarded Message Follows -------


From: Fernando Villela <fervil@pobox.com>

Fala Meu Povo!

Recebi uma avalanche de mensagens sobre o tema "Excesso de Informação",


após uma colocação divulgada nesta lista. Gostaria me desculpar por não ter
respondido uma a uma pessoalmente -- como sempre costumo e faço questão de
fazer. Não houve jeito, fora o grande volume de e-mails do dia-a-dia, quase me
afogo no excesso de informação sobre o excesso de informação. =:-o
-
O alto nível do conteúdo e das idéias, entretanto, levou-nos a ter uma idéia:
montar uma enquete sobre o assunto. Uma edição dos e-mails recebidos,
portanto, será publicada na revista Internet.br # 8, que sairá em meados de
Janeiro. A *íntegra* das mensagens, então, ficará disponível no site da revista,
para os interessados.
26
Leia mais a respeito de nossos procedimentos de coleta de dados em O IMPACTO DO NOVO.
75
-
Agradeço muito ao Dario pelo incentivo, e à colaboração de todos. Caso tenha
esquecido de alguém, por favor compreendam, não sou uma máquina.
-
Um grande abraço!
Fernando Villela - fervil@pobox.com
Supervisor Editorial - Internet.br

A seguir, uma edição do material recebido:


-
----------
From: "Davi Souza"
<dsouza@hotmail.com>

Tirei alguns daqueles intermináveis minutos que perdemos dentro da condução


diária para meditar um pouco nas causas e efeitos deste problema, talvez
trazendo uma pequena fagulha de luz para sua solução. Primeiro, seria
interessante nos lembrarmos de que o motivo pelo qual há tanta informação
disponível hoje é exatamente a busca do homem por uma vida mais fácil neste fim
de século, onde virtualmente tudo o que precisamos está ao nosso alcance, com
o clicar de um mouse ou o apertar de botões de um controle remoto.
Paradoxalmente, tanta informação muitas vezes dificulta nossa vida. A resposta é
saber filtrar informações. Não se pode querer saber tudo, nem se pode ficar alheio
às novidades. Portanto, o que nos resta é deixar tudo aquilo que não é
imediatamente necessário e/ou essencial para aquele dia em que ganharmos a
promoção da "Tampinha do gol" e formos coçar em Aruba. Agora, isso é fácil na
teoria. Já na prática ...

----------
From: Felipe Pullen Parente
<felipe@eln.gov.br>

A rapidez das informações continuará e será cada vez maior. A necessidade de


reciclagem contínua também perdurará se quisermos nos manter "empregáveis".
Vejo, então, que teremos que saber utilizar técnicas para diminuirmos nossa
ansiedade (meditação e outros processos de relaxamento, exercícios físicos,
horas sagradas para o lazer, etc.) ou então optarmos por uma solução radical,
mudar de vida e ir criar galinha... Jamais poderia haver um progresso da
humanidade, sem que ela sofresse algo em troca. É como a nossa vida.
Começamos criança e vamos crescendo e aprendendo, enquanto crescemos
temos que sofrer o sacrifício de viver sem preocupações. Com o tempo, nossas
brincadeiras se vão e com isso nos tornamos outra pessoa com
responsabilidades, nosso corpo muda etc. Então no cotidiano mundial não é
diferente.

---------
From: Samuel J. MacDowell
<smd@biograph.com.br>

76
Não acho que seja o excesso de informação que importa, mas a onipotência em
querer absorver tudo. Os órgãos dos sentidos são bombardeados diariamente por
milhares de estímulos que sequer atinge a "córtex", pois são filtrados pela
formação reticular (situada no bulbo). Portanto temos nossas defesas naturais. O
problema, me parece, é mais de cobrança, da sociedade ou nossa mesmo.

----------
From: Luiz Augusto
<larocha@cce.ufpr.br>

A informação é o fator econômico mais importante nos dias de hoje, devendo


subir de prestígio, ainda mais, nos próximos anos. Devemos abandonar o
excesso de informações disponibilizadas? Escolher aquelas que nos são mais
simpáticas? Parar de nos informar quando acreditarmos que as informações
coletadas já são suficientes? Colocar uma viseira para recolher somente
informações dentro de determinado prisma próprio? Creio que a resposta destas
questões será o próximo desafio da Sociedade Moderna. Na ausência de uma
orientação melhor, creio que devemos desenvolver filtros para eliminar tudo o
que não for de interesse para o nosso processo decisório (Como montar tal filtro?
Este é o problema. )

----------
From: Luciano Pletsch Leite
<lpletsch@nutecnet.com.br>

Acho que o maior problema de hoje é que as informações nos chegam de todos
os lados, de forma indiscriminada, a maioria é um lixo, mas temos que ler 1000
notícias para ler 1 que presta. A sensação e perda de tempo é angustiante.
Poderíamos perder este tempo passeando em um bosque com a nossa amada.
Mas a angústia que nos pesa na consciência de saber que enquanto estamos
passeando o mundo está a 1000 por hora! Quantas informações novas foram
geradas na última hora? Agora com a Internet, é frustrante acessá-la. Sabemos
que estamos dentro de um oceano de informações e nos chega uma gota deste
mar! Não dá mais! Não agüento mais! Socorro!
----------

From: Henrique José Castelo


<castelo@bis.com.br>

Estamos realmente com uma doença moderna chamada Ansiedade de Informação


que atinge principalmente as pessoas que não estão aqui na terra a passeio e
sabem que o único caminho a se seguir é o do crescimento pessoal e da busca da
qualidade de vida. Numa trilha como esta, a obtenção e processamento de
informação é um recurso básico importantíssimo e, devido à grande variedade e
quantidade de ofertas da mesma, somos acometidos de calafrios ao vermos
montanhas de jornais, revistas e etc. se acumulando a nossa frente em velocidade
muito superior ao nosso poder e tempo de absorção. Essa ansiedade pode nos
enlouquecer se não estivermos atentos e conscientes de que precisamos rever o
uso de nosso tempo e dar uma peneirada no que pretendemos e precisamos. Tal
medida não é fácil a seleção menos ainda. Mas o que fazer ? Precisamos neste

77
mundo moderno estar em plena carga e com os conhecimentos bem atualizados.
Acho que temos de trabalhar nosso stress e ir levando, pois não adianta nada sair
dos trilhos por querer andar acima de nossos limites. Já que não podemos
ampliar nossa RAM, vamos então escolher o essencial e investir na qualidade do
que ingerimos e não na quantidade. É mais importante ser saudável e se
constituir em uma pessoa IN FORMAÇÃO, do que sofrer e pirar por causa da
INFORMAÇÃO.

----------
From: "Mauricio Ruy Prates"
<prates@joinnet.com.br>

Tenho observado que, sistematicamente, me ocorre um branco a respeito de pelo


menos 40% das matérias lidas na Internet. Tem sido muito freqüente a dúvida
sobre: "li ou não li determinada publicação?". É muito comum, também, a
dificuldade em reproduzir as matérias lidas, eu simplesmente esqueço parte
delas. Acredito que estou atingindo meu limite. A quantidade de downloads "para
ler depois" e de livros encostados já é bem considerável.

--------
From: Giovanni R. Martins
<gmartins@nitnet.com.br>

Há outro livro relacionado ao tema: "Ansiedade - Um Obstáculo Entre o Homem e


a Felicidade", do americano Cecil A. Poole, publicado pela AMORC do Brasil.
Penso que, para muitas pessoas, seria interessante fazer um curso sobre Leitura
Dinâmica, você não acha?

*****************************************************************************************************
***********
A Lista Informativa MeuPovo e'distribuida por A&C Tecnologia
Web: http://www.actech.com.br * E-mail: info@actech.com.br
*****************************************************************************************************
***********

Tentemos resumir o que foi dito e, novamente, tirar uma moral da história. Fernando
Villela recebe um número excessivo de e-mails quando demanda informações sobre o
excesso de informação. Neles, Felipe Parente atribui o consumo excessivo de
informação à necessidade de nos mantermos “empregáveis”: a seu ver, ou usamos
técnicas para diminuir a ansiedade (como meditação, relaxamento, etc.) ou mudamos
de vida e vamos criar galinhas! Luiz Augusto parece concordar com Felipe, no que diz
respeito ao mercado de trabalho, quando afirma que a informação é o fator econômico
mais importante nos dias de hoje e sugere que criemos filtros para eliminar o que não é
de interesse. Davi Souza também acha que tanta informação pode dificultar a nossa
vida e que a solução é saber filtrar as informações. Já Samuel MacDowell é de opinião
que não é o excesso de informação que importa mas sim a nossa onipotência em
querer absorver tudo. Luciano Leite e Henrique Castelo fazem outro diagnóstico: ambos
apontam o quanto é angustiante parar de se informar quando se sabe que o mundo
está, nas palavras de Luciano, “a 1000 por hora”. Henrique acha que o que está
acontecendo assume as proporções de uma nova doença que pode nos enlouquecer --

78
a da “ansiedade da informação” -- e também sugere que se dê uma “peneirada” nas
informações.27 Tanto ele quanto Mauríco Prates assinalam a nossa incapacidade de
absorver e digerir tudo o que vemos, lemos e ouvimos. (Não é à toa que se teve que
pensar em mecanismos de busca e, mais recentemente, na tecnologia push, ou seja,
numa tecnologia em que as grandes agências de notícias “empurram”, para dentro do
computador do usuário, as novidades sobre os assuntos por ele previamente
selecionados!)

Qual a moral da história? Devemos usar filtros, fazer ioga, criar galinhas, ou aprender
leitura dinâmica?

Fica evidente que não sabemos. O fato é que estamos nos primeiros estágios de uma
revolução e não podemos mesmo saber como lidar com esse novo avassalador. Ainda
estamos num estágio de ensaio-e-erro no qual as cobaias somos nós mesmos, já que
ninguém domina todo o potencial desse meio de comunicação veloz e voraz. Talvez o
melhor procedimento, portanto, seja tentar tomar alguma distância da Rede e de nós
mesmos e fazer exatamente o que estamos fazendo: pensar e discutir o problema.
Eventualmente encontraremos soluções e erigiremos defesas externas e internas para
lidar com esse novo tipo de ansiedade. Outros homens já fizeram coisas análogas em
outras revoluções!

Enquanto isso, uma das soluções para ao menos aliviar a ansiedade e o stress é o
velho humor, e dele a Rede está cheia. Passemos a alguns exemplos.

Sejam quais forem os seus determinantes, a curiosidade insaciável pode levar a uma
nova forma de vício, o vício na Rede ou netvício, que, na língua-mãe desta, é chamado
de netaholism por analogia a um outro vício já antigo: o alcoholism (alcoolismo).

Também por analogia aos AA (Alcoólicos Anônimos), foi criada uma home page dos
Netaholics Anonymous (http://www.earthplaza.com/netaholics) que exibe ditos jocosos
enviados por usuários de várias partes do mundo, traduzidos por outros tantos para
outras tantas línguas e amplamente circulados na Rede. Vou traduzir, entre colchetes,
os originais em inglês, com autoria declarada, que selecionei.

“Your phone bill comes to your doorstep in a box.”


[Sua conta de telefone chega à sua casa numa caixa.]
Gabriel K., Singapore
“When people ask about the Presidential Election you ask ‘Which country?’"
[Quando perguntam sobre as eleições presidenciais você pergunta “Em que país?”]
Jason H., Newark, Delaware

Estas e outras piadinhas registram de forma jocosa o que está acontecendo e, com sua
linguagem jovem, bem-humorada, atraem leitores de todos os tipos e idades levando-os
a refletirem sobre o seu próprio comportamento. Os dois ditos que selecionei, por
exemplo, deixam claro que as pessoas estão ficando horas a fio conectadas à Rede, via
telefone, absorvendo tudo quanto é tipo de informação sem maiores seleções.

27
Sobre o medo de enlouquecer, ler mais em NOVOS RELACIONAMENTOS, principalmente na seção
sobre Os prós e contras dos relacionamentos virtuais.
79
Prosseguindo com nosso raciocínio que procura juntar fragmentos de informação
colhidos em diversas fontes, para que as pessoas possam ficar conectadas à Rede
horas a fio, absorvendo informações relevantes ou não, elas precisam de tempo. E para
que possam ter tempo têm que fazer várias coisas simultaneamente. E para que
possam fazer várias coisas simultaneamente têm que usar programas adequados, ou
seja, programas que permitam assobiar e chupar cana ao mesmo tempo!

Tais programas não somente existem como fazem da multitarefa simultânea um dos
carros-chefe do seu marketing. Em 1995, quando do lançamento pela Microsoft do
Windows 95, por exemplo, não se falava em outra coisa:

“Assobiando e chupando cana”


“Com Windows 95 a multitarefa no seu PC ficou muito mais fácil.
Agora você pode imprimir
enquanto você escreve um texto,
enquanto você roda um velho programa em DOS,
enquanto você navega pela Internet,
enquanto você faz o que quiser.”
(Anúncio do Windows 95 em diversos jornais e revistas)

Essa é a lógica do tempo largo além de longo, a lógica dos excessos, do fazer tudo ao
mesmo tempo. É essa lógica que leva Ricardo Neves (19 anos, estudante de
comunicação) a associar:

“Multitarefa simultânea= meus trabalhos da faculdade! e tb [também] várias


janelas abertas ao mesmo tempo, eu perdido e estressado!”.

E leva, também, Jerônimo Falcão (aquele cujos dados desconhecemos) a dizer:

“Multitarefa simultânea - fazer um monte de coisa ao mesmo tempo =


piração”

Mas, se o tempo largo no computador desconectado da Rede exige um determinado


tipo de programa, o tempo largo das tarefas simultâneas na Rede exige mais ainda.
Exige ampla capacidade de transmissão de informação, ou largura de banda alta. Os
usuários fanáticos sabem disso e os Netaholics mais uma vez registram a novidade com
humor:

“You consider bandwidth to be more important than carats.”


[Você considera largura de banda mais importante do que quilates.]
Gregory F., Portersville, PA
“Your virtual girlfriend finds a new net sweetheart with a larger bandwidth.”
[Sua namorada virtual arranja um novo namorado com maior largura de banda.]
Aaron, Nathan and the paranoid Kangaroo.

Não é por acaso que o jovem Ricardo Neves associa multitarefa simultânea a estresse,
e Jerônimo Falcão a piração. Todos os depoimentos que o leitor acaba de ler apontam
numa mesma direção: estamos, como não poderia deixar de ser nesse início de vida
digital, testando nossos limites sem saber no que isso vai dar. Estamos tentando alargar

80
o tempo para podermos fazer mais coisas ao longo mais tempo! Como não estamos
conseguindo, muitos de nós já estamos, como o Luciano Pletsch Leite, em sua resposta
à pesquisa sobre excessos, pedindo SOCORRO!, NÃO AGÜENTAMOS MAIS! Acho
que ainda estamos agüentando, pois o dia em que realmente não agüentarmos
certamente encontraremos modos de nos proteger e evitar os excessos.28

28
Sobre as defesas que temos que aprender a erigir para lidar com as dificuldades de várias ordens
geradas pela experiência com a Rede, leia um pouco mais nos dois últimos blocos
81
Agilidade, integração e relativização

O tudo-potencialmente-se-conecta-a-tudo da Rede tem outras conseqüências além dos


excessos. Uma delas é a de instaurar um novo tipo de raciocínio: um raciocínio ágil,
integrado e relativizado.

A agilidade é uma decorrência de tanto o que conhecer em tão pouco tempo e dos
recursos que tornam todo esse conhecimento disponível. Pula-se de um site para outro,
de um assunto para outro, de uma informação para outra, de um contexto cultural para
outro, e, com isso, absorve-se a lógica ágil dos links de hipertexto.

A influência dessa agilidade sobre as formas de raciocinar dos usuários é percebida e


registrada por alguns deles.

Em entrevista concedida ao Guia da Internet.Br (ano I, número 9), o jornalista Claudio


Manoel Duarte, produtor da revista virtual Transmídia, que encontrou abrigo no servidor
da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estados de Alagoas (Fapeal), faz interessantes
comentários a seu próprio respeito:

“[Timothy] Leary, o papa do LSD, em suas últimas defesas da Internet, argumentou


que a rede teria uma função parecida com a droga, no sentido da expansão da
mente.29 O computador está na minha vida em cerca de 8 a 10 horas diárias, por
questões profissionais e por questões de prazer. Entrar na Internet e localizar
novos mundos ocupa a mente com novas idéias, acelera a lógica e nos desloca
para outros mundos.”

Dentre os usuários que enviaram suas respostas aos nossos questionários, Sonia
Campos, psicóloga de 43 anos que usa a Rede em média seis horas por semana há
cerca de um ano, parece concordar com Cláudio Duarte no que diz respeito à
aceleração da lógica. Quando indagada sobre os efeitos da Internet, ela registra, entre
outros, o raciocínio ágil:

“Maior interação, por incrível que pareça. Você chega perto das pessoas, o e-mail
é uma carta, hábito que perdemos ou nunca tivemos. Desenvolvimento de um
outro tipo de raciocínio, ágil. Possibilidade de Conhecimento (saber) e de
Informação.”

Já a integração está nas próprias origens da Rede, é através dela possibilitada e é,


através de seu uso, incorporada por jovens e adultos. O fato é que a Internet -- ou a
ARPANET, que foi sua precursora --, embora tendo sido criada pelo governo americano
para fins militares na época da Guerra Fria, acabou por se tornar um meio de suprir a
necessidade científica de troca de informações e acesso a arquivos de pesquisadores
de todo o mundo por pesquisadores também de todo o mundo. Integrar, com cada vez
maior eficácia e velocidade, as colaborações de cientistas que trabalhavam em lugares
distantes, passou a ser um dos principais objetivos dessa grande rede de
computadores, uma vez que seu uso foi expandido para as universidades. Mas a coisa
cresceu e, num centro de pesquisa europeu que congrega pesquisadores de várias
29
Drogas podem viciar e o vício na Rede é discutido em NOVOS RELACIONAMENTOS.
82
nacionalidades -- o CERN (Conseil Européan pour la Recherche Nucleaire) -- surgiu a
World Wide Web, a popular WWW que tudo integra a tudo.

O objetivo foi alcançado com sucesso e um outro tipo de integração, fruto da primeira, é
observado por Isabel Torres, engenheira civil de 40 anos de idade que acessa a
Internet há um ano e meio pelo menos duas horas por semana. Ao relatar a primeira
impressão que teve da Rede, Isabel, experiente, declara:

“... tive a impressão que os assuntos e disciplinas passam a se


interrelacionar de forma natural, holística, estabelecendo as pontes entre áreas de
conhecimento antes bastante fragmentadas em suas especificidades.”

E a relativização? Esta é uma conseqüência imediata do contato com tantas


informações de diferentes teores e origens, das trocas de experiências entre pessoas
dos mais variados e remotos cantos e recantos do planeta através dos chats e grupos
de discussão em tempo real, e do e-mail, a nova e revolucionária forma de
correspondência.

A também experiente Vera Solano, pedagoga de 42 anos que acessa a Internet de oito
a dez horas semanais há um ano, quando indagada sobre sua primeira impressão da
Rede, dá um testemunho sintético e de conseqüências devastadoras:

“Fiquei impressionada como o mundo ficou pequeno.”

Se o mundo ficou pequeno, o diferente certamente se tornou pensável e o pensamento


relativizável. De fato, na Rede o diferente é mais do que pensado, ele é conhecido e até
vivido como realidade virtual. Queremos algo mais diferente do nosso modo habitual de
pensar -- até, pelo menos, pouco tempo atrás -- do que uma “realidade não real” ou um
“tempo largo”?

Esther Mendes, química e professora universitária de 49 anos e usuária da Rede


apenas cerca de uma hora por semana há 1 ano, nos fornece uma interessante lista de
efeitos relativos à melhor utilização da inteligência humana e, nela, encontramos um
item dedicado à relativização:

“1 - Possibilitar um horário mais flexível de trabalho.


2 - Economia de tempo e dinheiro para a realização de procedimentos
profissionais e particulares, tais como operações bancárias, reuniões à
distância etc.
3 - Utilização mais inteligente do tempo, deixando para o homem as
tarefas mais nobres (pensar, criar, organizar etc.)
4 - Velocidade maior de criação pela possibilidade maior de acesso à
informação.
5 - Minimizar preconceitos por facilitar a comunicação entre pessoas de
culturas diferentes.
6 - Devido ao grande poder de troca da mais valiosa capacidade do Homem
(pensamento), favorecer a construção de um mundo melhor.”

83
Como vemos, Esther argumenta que a Rede pode minimizar preconceitos ao facilitar a
comunicação entre pessoas de diferentes culturas. E isso não é de pouca monta! A
minimização de preconceitos é mais do que relativização, é flexibilização mesmo.

Não disponho dos dados pessoais de Cláudio, mas sei que Sonia, Isabel, Vera e Esther
são todas mulheres experientes cujo ofício é pensar e educar. No momento em que
deram suas respostas, Sonia e Isabel se dedicavam a uma aprimoração profissional
bastante árdua: Sonia estava fazendo seu curso de mestrado e Isabel o seu de
doutorado. Vera é pedagoga e Esther professora universitária. Estão todas, portanto,
sempre bastante atentas a diferentes formas de raciocinar e integrar saberes.

E os jovens, o quanto percebem dessas mudanças?

Passemos em revista alguns dos depoimentos de vários usuários jovens cuja


capacidade de reflexão é diferente da dessas profissionais experientes. E é diferente
simplesmente porque são jovens demais para terem termos de comparação ou porque
sua empolgação com o novo é justificadamente maior.

O contato com o diferente é ressaltado por Tatiana Góes, estudante de 23 anos que usa
a Rede quatro ou cinco horas por semana há quinze meses. Ela diz ter se tornado uma
usuária da Internet:

“... em primeiro lugar pela facilidade de encontrar com pessoas de pensamentos


diferentes, p/ [para] troca de idéias, segundo p/ [para] utilização da net como
informativo geral.”

Mas quem se pronuncia detalhadamente sobre o assunto é Bernardo Viveiros,


estudante de engenharia de 21 anos, que, falando a respeito de mudanças, numa
entrevista olho-no-olho, diz:

“... tudo que precisa de troca de informação, de comunicação ou de colaboração,


essa coisa vai mudar e isso envolve praticamente tudo, envolve comércio, e isso
envolve também uma mudança na forma de pensar das pessoas. Por exemplo,
isso é até um pensamento daquele pessoal que fundou o CISV (Children
International Summer Village), por isso ele criou esse negócio de intercâmbio,
porque ele dizia que se as crianças do mundo inteiro se conhecessem tenderia, ia
diminuir ou não ia haver mais guerra porque se você conhece todo mundo na
Argentina você não ia querer fazer guerra com a Argentina. Se você parar prá
pensar, se está todo mundo conectado a facilidade de você conversar com
pessoas que não estão próximas a você fisicamente é muito maior, então, por
exemplo, hoje em dia, eu conto metade das piadas de gaúcho que eu contava a
um tempo atrás; conto mais prá eles, é sei lá, você conhece muito o pessoal de
Pernambuco de ouvir dizer ou então nas poucas vezes que você vai lá, quando
você começa a se relacionar mais com as pessoas de lá, primeiro a possibilidade
de diminuição de preconceito muito grande porque preconceito vem geralmente
por falta de informação, falta de conhecimento. Acho que essas são as
verdadeiras possibilidades. Um pessoal aqui do Brasil ficar conversando muito
com o pessoal da Holanda, alguns holandeses vão ter uma visão diferente do que
é que é brasileiro, não vão achar que é subdesenvolvido povinho assim, esse tipo
de coisa. Acho que essa é uma das possibilidades da rede, só que isso só vem

84
com uma porcentagem muito maior de pessoas conectadas, que a gente não tem
ainda.”

Já o jovem Ricardo Neves, estudante de comunicação de 19 anos que acessa a Rede


há seis meses, de quatro horas a quatro horas e meia por semana, percebe mudanças
no que diz respeito à colaboração à distância. Escreve ele em resposta ao nosso
questionário:

“... outro lance legal foi quando escrevi para um museu na Flórida pedindo uma
ajuda na interpretação de um quadro de Salvador Dali, para um trabalho. Tive uma
resposta que enriqueceu muito o trabalho do meu grupo. Outro trabalho foi
escrito metade em minha casa e a outra na casa de uma amiga, mandei para ela
via mail e ela juntou as partes para ficar com o mesmo layout, tudo na véspera da
entrega!
Quanta ajuda!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!”

(Quem sabe algum dia Ricardo Neves não trabalhará num escritório virtual, ou seja, em
sua própria casa, interagindo com os outros através da Rede?)

Rodrigo Alvarenga, estudante de 22 anos com o qual já travamos contato (usuário há


dois anos, acessa a Rede de dez a vinte horas por semana), também enfatiza a
colaboração entre desconhecidos ao brincar com a minha equipe de pesquisa que lhe
enviou o questionário. Em resposta a uma pergunta sobre as mudanças que a Internet
trouxe para o seu dia-a-dia, ele diz:

“Daria para escrever um livro, mas vou tentar resumir em algumas palavras, ou
até melhor....vc [você] acha que estariam respondendo a esse questionário caso
ele tivesse vindo pelo correio??? Ou teria conseguido parar alguém na rua para
ficar meia hora fazendo perguntas...por mais que seja interessante o assunto,
acho que só conseguiria uma meia dúzia, que com certeza não será o que irá
acontecer via e-mail.”

Fábio Salles, estudante de 16 anos, acessa a Internet cinco horas por semana há seis
meses. Desde que começou a acessá-la, passou a se informar mais. Como o que lê na
Rede sempre esteve à sua disposição fora dela, pode-se concluir que o que fez a
diferença foi o meio através do qual tem acesso à informação.

“A Internet mudou meu cotidiano... leio diariamente o


jornal Folha de São Paulo (o que não fazia antes), leio revistas, envio mails.”
[Para quem não sabe, a Folha de São Paulo tem um dos sites mais visitados por
usuários brasileiros]

Juca Mineiro (singelo pseudônimo escolhido pelo próprio usuário) é jornalista e tem 23
anos. Acessa a Internet há dois anos e meio e sua média de acesso é de cinco a sete
horas semanais. Juca tem uma visão bastante própria da Rede, visão esta que enfatiza
a existência de um novo paradigma científico, o raciocínio da Teia da Vida, ou seja, da
integração de literalmente tudo. Eis uma de suas respostas ao questionário:

“...O que mais me fascina: a visão da Internet dentro do novo paradigma científico
que surge na Biologia, da Teoria de Gaia, estudando a Terra como um imenso ser
vivo do qual os seres humanos são células componentes. Fritjof Capra acabou de
85
lancar um livro (96.2) fenomenal, reunindo as principais vertentes deste novo
paradigma que vai nascendo em Universidades diversas espalhadas pelo Globo,
"Web of Life". Apesar do nome, ele não fala em Internet NEM UMA VEZ, mas eu lia
o livro como se ele estivesse falando da Internet DURANTE TODO O TEMPO.
É um desdobramento da Alquimia, que estuda a Vida para, imagino, compreender
e avaliar uma forma de Vida superior e mais complexa (a Terra) do que a nossa (o
Homem), e seu funcionamento enquanto sistema integrado. A espécie humana
está se unindo em um mesmo conjunto cooperativo, vamos nos aproximando do
que o teólogo Teilhard de Chardin chamou de NOOSFERA.
No Brasil, quem mais entende do assunto (é uma sumidade com bagagem e
conhecimento prá discorrer sobre) é Leonardo Boff (www.boff.com), um gênio
encarnado que só não é mais famoso porque brasileiro, pobre, (ex-)padre e
barbudo. Ele sabe (*muito*) mais do que imaginam... ;-)”
[A carinha ;-) de Juca Mineiro pisca o olho para mostrar o tom de brincadeira.]

Claúdio Barreiros é bem jovem, tem apenas 17 anos e é estudante do segundo grau.
Ele acessa há três anos a bagatela de 300 horas por mês! Com sua pouca idade mas
toda a experiência acumulada em tantas horas de ciberespaço, ele é o único a afirmar
que a Internet é uma excelente professora, para o bem ou para o mal:

“Acho que futuramente irá surgir uma superpopulação HIGH TECH por aí... Esses
que hoje são meras crianças que parecem estar se divertindo na home page da
XUXA, um dia estarão deixando muita gente de cabelo em pé por aí com suas
contas hackeadas, com informações de empresas sendo divulgadas a todos... e
muito mais. Porém, dentro desse pessoal, irão surgir os que sabem desses
problemas e irão irabalhar contra criando sistemas seguros, simplificando é um
mundo de duas faces, a face doce e a face amarga.... hehehe [risos]. Quem é
usuário como eu, com certeza conhece ambas as faces e sabe os Prós e os
Contras de cada uma.”

A agilidade parece passar sem registro explícito no discurso jovem sobre a Rede. Mas
isso não é surpreendente, dado que o raciocínio jovem sempre tende a ser ágil. É com o
passar do tempo que, em muitos adultos maduros, uma certa lentidão se instala às
vezes por pura preguiça de pensar e outras por excessos de barreiras e preconceitos.
De qualquer modo, basta observar o raciocínio dos jovens que são usuários da Rede --
e garanto ao leitor que já observei muitos -- para perceber o quão ágil é seu raciocínio!
Os usuários mais velhos e experientes, como a nossa colaboradora Sonia e eu,
observam-nos e percebem a diferença entre o antes e o depois da entrada na Rede.

Já o contato com o diferente, pedra fundamental da relativização e da flexibilização do


raciocínio que leva à minimização dos preconceitos apontada por Esther,30 não somente
é registrado pelos usuários jovens, a exemplo de Tatiana Góes, como considerado um
dos grandes pontos de interesse da Rede.

A cooperação e a integração são outro grande atrativo: a cooperação à distância na


confecção de um trabalho de faculdade, que deixa o jovem Ricardo Neves tão
empolgado; a participação de Rodrigo Alvarenga na pesquisa que gerou os
depoimentos que estamos discutindo; e o depoimento de Juca Mineiro sobre a Teia da

30
Ver outras importantes conseqüências do contato com o diferente em NOVOS RELACIONAMENTOS.
86
Vida são testemunhos de como os jovens são sensíveis a essas características da
Rede.

Mas são dois usuários muito jovens -- Fábio Salles, de 16 anos, e Cláudio Barreiros, de
17-- que apontam as influências da Rede no processo de aprendizagem. Desde que
entrou na Internet, Fábio passou a fazer coisas que estavam à sua disposição antes de
a ela se conectar, como, por exemplo, ler jornais e revistas. Parece que o que acontece
nesse novo meio de comunicação teve o poder de contagiá-lo e despertar sua
curiosidade. E Cláudio Barreiros pontua, com muita clareza e visão, que os visitantes da
home page da Xuxa hoje poderão ser os hackers -- amantes de computadores que
testam os limites destes e da Rede -- de amanhã. Por quê? Porque, independentemente
do conteúdo de uma home page ou de várias, o mero xeretar na Rede ensina, e muito,
quais são os seus mecanismos. É exatamente assim, autodidaticamente, que os
hackers se tornam hackers. Isso, como a ginga do samba, não se aprende no colégio!

87
Liberdade de publicação, liberdade de acesso à informação e o copiar/colar

O excesso de informação que caracteriza a Rede se deve à facilidade e à liberdade que


nela se tem de divulgar e acessar idéias, no mais das vezes de forma a propiciar a
interatividade e a discussão. Essa divulgação pode ser feita de várias formas como, por
exemplo, as seguintes: através do simples correio eletrônico, por qualquer cidadão
comum que tenha acesso a um certo conjunto de endereços eletrônicos, através das
listas informativas que também fazem uso do correio eletrônico, através dos grupos de
discussão temáticos, e, principalmente, através das home pages.

No início da era ciberespacial no Brasil, em 24 de julho de 1995, a jornalista Cora Rónai


já escrevia sobre o poder editorial das home pages no jornal O Globo, num artigo
intitulado Liberdade de Imprensa:

“Houve um tempo em que a posse de mimeógrafos (alguém ainda se


lembra do que era isso?) era atividade subversiva na URSS (alguém ainda se
lembra do que era isso?): um mimeógrafo possibilitava a reprodução de um texto
em dezenas, quiçá centenas, de exemplares, configurando um claro caso de
liberdade de imprensa. Depois vieram copiadoras, micros e impressoras... e deu
no que deu.
Agora, a Internet: basta que um micro, um modem e uma linha telefônica se
encontrem para que, teoricamente, o usuário possa divulgar suas idéias urbi et
orbi. Todo mundo virou ‘imprensa’, porque postar uma página na Web equivale, de
novo teoricamente, a tornar-se um editor. (...)”

Mas, nessa época, Cora ainda achava que os usuários poderiam se tornar editores
teoricamente. Com o passar do tempo, muitos usuários perceberam esse potencial,
deixaram a teoria de lado e se tornaram seus próprios editores na prática. Suas home
pages divulgam suas idéias, suas opiniões, seus gostos, seus artigos, suas poesias e
até mesmo seus livros que, em alguns casos, vão sendo colocados no ar capítulo por
capítulo.

Há também intermediários que estimulam a publicação de material na Internet, para isso


oferecendo espaço gratuito. Seriam uma espécie de editora ciberespacial? Vejamos um
trecho de um e-mail que recebi:

“Gostaríamos do seu apoio para a mais nova home-page da Internet.


Na "Livro Livre" você divulga e distribui gratuitamente seus textos, poesias,
livros, etc inéditos.
E os leitores podem pegar qualquer texto de graça, apenas com um click (via ftp).

Visite e comprove agora mesmo:


http://www.nlink.com.br/~galves/livrolivre”

Aceitei o convite e visitei o site. Segue-se uma reprodução parcial de seu conteúdo:

88
“LIVRO LIVRE

Se você possui um livro, poesia, apostila ou jornal inédito (que não conseguiu
publicar na mídia tradicional), preencha o formulário de Cadastramento, e tenha
seu texto divulgado e distribuído gratuitamente nesta home-page.

COMO FAZER

Digite seu trabalho no Word.


Solicite um espaço em disco ao seu Provedor (geralmente o usuário já possui
uma área).
Peça orientação ao Provedor sobre como copiar seu arquivo para o computador
dele, via FTP (transferência de arquivos à distância).
Faça FTP do seu arquivo para o Provedor pela Internet.
Consiga um programa de FTP (procure em www.tucows.com.br).
Execute o programa com os parâmetros que o provedor lhe deu (endereço do
host, seu login e sua senha).
Copie seu arquivo do seu micro (local) para o do provedor (host).
Confirme com o Provedor qual endereço (URL) de FTP completo que você deverá
nos informar.
Ex: ftp://www.nlink.com.br/~galves/auto-ajuda/ajuda.doc
Preencha e envie o Formulário de Cadastramento abaixo.

CADASTRAMENTO

O formulário abaixo servirá como documento de AUTORIZAÇÃO PARA


DISTRIBUIÇÃO GRATUITA do seu trabalho nesta Página. Para cancelar seu
cadastramento, envie-nos um e-mail.
Publique quantas obras desejar, preenchendo vários formulários (com os dados e
URL de cada uma).
Em caso de periódicos ou revisões, atualize o arquivo quando necessário
(conservando o mesmo nome).

Nome:
E-mail:
Título.:
Gênero (policial, esotérico, etc):
Resumo (até 5 linhas):
*Damo-nos a liberdade de revisar o resumo acima, sem alterar o conteúdo
URL Completo:
Click aqui para enviar o formulário: [botão clicável]”

Para quem não tem uma home page, acha que a divulgação de seu trabalho numa
home page individual não o tornará suficientemente conhecido e acha que a
concentração dos trabalhos de várias pessoas facilitará a sua divulgação, o “livro livre”
parece ser uma opção.31 Ao que tudo indica, para serem publicados, os trabalhos -- que
precisam ser inéditos -- não passarão por qualquer crivo a não ser uma revisão do

31
Leia mais sobre as novas estratégias de publicidade em A expertise jovem e o novo mercado de
trabalho, neste bloco.
89
resumo. É ainda colocado como uma vantagem o fato de que sua distribuição será
gratuita a partir de um simples clique do mouse do leitor interessado!

Na coluna As Últimas, do caderno Informática, etc., do jornal O Globo de 13 de janeiro


de 1997, encontramos uma chamada para outra oferta no gênero para autores de
contos e poesias.

“POETAS INTERNAUTAS, UNI-VOS -- O Toplink <http://www.toplink.com.br"> está


oferecendo espaço gratuito para a publicação de contos e poesias na Internet.”

Segue-se, imediatamente, na mesma coluna, uma oferta exclusivamente para leitores:

“4000 VERBETES ...traduzindo o informatiquês estão aguardando consulta na


PontoNet, <http://www.spacenet.com.br/dicionario>.”

Livros que podem ser consultados publicamente não são nenhuma novidade. Livros de
produção caseira que não excedem um pequeno número de exemplares distribuídos
gratuitamente, também não. Mas a divulgação de textos inéditos, potencialmente para o
mundo inteiro, de forma gratuita, seja ela intermediada ou não, é certamente uma
novidade com a qual temos que aprender a lidar.

“E por quê?”, pode se perguntar o leitor. Por uma razão muito simples. Textos inéditos
são considerados propriedade intelectual daqueles que o produziram e protegidos pelas
leis de direitos autorais. Idéias são mercadorias que podem ser compradas e vendidas.
Raramente são distribuídas gratuitamente.

E aqui chegamos a um dos pontos nevrálgicos da Internet, a questão dos direitos


autorais, ou melhor, de como protegê-los de pirataria e plágio.

Ricardo Rangel já dava sua opinião no jornal O Globo de 16 de outubro de 1995, num
artigo intitulado Muda tudo com a Internet, que parece não ter mudado o rumo das
publicações na Rede:

“Uma das questões profissionais mais diretamente atingidas pela disseminação


da Internet é a da propriedade intelectual -- que é relativamente recente na história
humana, remunerada até agora através de direitos autorais e royalties.
(...) Não há nada mais fácil do que distribuir a cópia eletrônica de um livro sem
que o autor receba um tostão por isso. É uma hipótese aterradora que eliminaria
os escritores...”

Acho que a questão é ainda mais complicada porque, não somente o escritor não vai
receber um tostão, como as chances são altas de que, eventualmente, sua autoria seja
deletada (quando não substituída por outra) e assim circule amplamente na Rede. Se
for bom, poderá inclusive ser traduzido para várias línguas!

A falta de demarcações claras entre o que é público e o que é privado somada ao ideal
de que toda informação deve ser de domínio público e, muitas vezes, à ingenuidade ou
à má fé de alguns, fazem com que vira-e-mexe se receba na Rede textos que em algum
lugar, algum dia e alguma língua foram escritos por alguém.

90
Seguem-se dois exemplos de vários possíveis.

No dia 1 de fevereiro de 1996, recebi de um amigo a seguinte mensagem que ele, por
sua vez, havia recebido de alguém num efeito “corrente” bastante comum na Rede.

---------------------------------------------------------------------------------
IN THE BEGINNING [author unknown]
----------------------------------------------------------------------------------

In the beginning there was the computer. And God said


%Let there be light!

#Enter user id.


%God

#Enter password.
%Omniscient

#Password incorrect. Try again.


%Omnipotent
(...)

Qual não foi minha surpresa ao me deparar, mais de um ano depois, no dia 25 de
fevereiro de 1997, com o seguinte texto na coluna de Arnaldo Jabor no jornal O Globo:

“Pintou magicamente na tela do meu E-mail este texto que


eu adapto, livre, leve e solto. Será um aviso?

No princípio era o computador. E Deus disse:


- Faça-se a luz!

* Entre com a identificação do usuário.


- Deus.

* Entre com a senha.


- Omnisciente.

* Senha incorreta. Tente de novo.


- Onipotente.
(...)”

Este é somente o início de um mesmo texto longo que pintou na tela do computador do
Jabor bem depois de ter pintado na minha! Quem é o autor? Provavelmente nunca
saberemos... mesmo que ele nunca tenha optado pelo anonimato.

O segundo exemplo é análogo ao primeiro. Recebi, recentemente, a seguinte


mensagem por e-mail:

91
“Recebo o boletim de notícias RECORTES de uma agência em Portugal (explica-
se com isso alguns termos empregados na mensagem), que, entre outras coisas
interessantes trouxe o check-list abaixo:

Muito Riso, muito siso! 10 Sinais de como alguém está viciado na Internet:

1) Acorda às 3 da manha para ir à casa de banho mas vê primeiro se tem email à


espera
2) Faz uma tatuagem que diz: "Este corpo está optimizado para Netscape 3.0".
3) Os nomes dos seus filhos são Eudora e Francisco Teobaldo Pereira (abrev.
FTP).
4) Quando desliga o seu modem tem um ataque de angústia e ansiedade.
5) Passa a viagem de avião com o seu portátil no colo e as crianças no
compartimento das bagagens.
6) Decide chumbar repetidamente na Universidade para aproveitar o acesso
Internet gratuito.
7) Faz um riso amarelo sempre que lhe dizem que possuem um modem de
14400bps.
8) Começa a usar emoticons na sua correspondência :)
9) A sua última rapariga tinha o formato JPEG
10) O seu computador crasha. Começa com ataque de cócegas. Começa a soar.
Finalmente decide ligar por voz para o seu ISP e assobia para simular um
modem... e consegue ligação!

Não foi difícil traçar a origem de pelo menos algumas dessas brincadeiras. Várias
podem ser encontradas -- em inglês, com autoria semideclarada, pois só as iniciais dos
sobrenomes são fornecidas, além de um pedido para que se cite a fonte -- na home
page dos Netaholics Anonymous. Quem quiser saciar sua curiosidade, pode conferir em
<http://www.earthplaza.com/netaholics>.

Não é à toa que o respeito aos direitos autorais é incentivado por mensagens sobre as
regras de etiqueta na Rede -- as diferentes versões da “netiqueta” -- distribuídas por
listas informativas como a lista MeuPovo, organizada e distribuída por Dario Mor e A&C
Tecnologia. Esta, em 9 de setembro de 1996, já divulgava alertas sobre o problema.
Entre outras coisas, dizia (a mensagem não é acentuada por conta da “netiqueta”)32:

“Respeite direitos autorais (copyright)

- Quando voce envia alguma coisa pela rede, ela provavelmente e'de
dominio publico, a nao ser que voce tenha os direitos autorais e
especifique isto na mensagem. Cuidado ao enviar artigos, letras de
musicas, resenhas de livros ou qualquer outra coisa que seja sujeita
a copyright. Evite, dentro do possivel, incluir esses tipos de
documentos em sua correspondencia.
- Se voce esta'usando argumentos para ajuda-lo em sua teoria, diga
de onde eles provem. Nao utilize ideias alheias como sendo suas.”

O fato é que se tornou muito fácil copiar uma mensagem, adulterá-la sem deixar
qualquer rastro, colá-la em outra, etc. etc. Os exemplos que escolhi são apenas uma
32
Leia mais a respeito da “netiqueta” em NOVOS USOS DE LINGUAGEM.
92
amostra do que pode acontecer na Rede. Também são tantas as fontes de informação
que fica mais difícil detectar a pirataria ou plágio.

A proteção dos direitos autorais no ciberespaço é tema de constante discussão na mídia


e entre especialistas sem que se tenha caminhado muito no sentido de encontrar uma
solução. Como legislar no ciberespaço? A única coisa que é certa é que as leis dos
direitos autorais são remanescentes de uma civilização tipográfica e, portanto, obsoletas
no que diz respeito à nova tecnologia. Resta saber como serão protegidos os direitos
dos autores na nova civilização digital! E, o dia que esse problema for resolvido, talvez
surjam outros, agora para as editoras cuja sobrevivência poderá vir a ser ameaçada
pela facilidade de autopublicação através de uma simples home page!

Enquanto não se encontra a solução para proteger a autoria de textos ciberespaciais e


não se cria um problema para as editoras, gostaria de desviar a atenção do leitor para
um outro problema decorrente do que chamei de lógica do copiar/colar.

Antes de mais nada, gostaria de apontar que essa lógica é reforçada pela do download,
ou seja, da transferência de arquivos via Rede de um computador remoto para o nosso.
Várias home pages oferecem a seus visitantes a possibilidade de fazer download de
vários programas gratuitamente e a mídia especializada alerta seu público para como e
onde conseguir determinados programas.

O leitor já deve estar se perguntando onde quero chegar com isso, e tem razão
principalmente porque agucei sua curiosidade ao fazer menção a um novo problema.
Peço-lhe somente um pouco mais de paciência para que possa introduzi-lo a contento.

Coloquemo-nos, imaginária ou virtualmente, no lugar de um adolescente, ou jovem, que


absorve a lógica da Rede sem poder relativizá-la por conta de sua pouca experiência de
vida, pouca experiência essa que pode facilmente estar associada a um idealismo
juvenil do tipo que interpreta democracia e liberdade como ausência de regras e limites.
Ele percebe que textos são passados de mão em mão -- ou melhor, de tela em tela --
sem que sua autoria seja explícita, eventualmente descobre a fonte da qual foram
retirados esses textos e percebe também que ninguém critica esse tipo de uso de
material alheio. Ele faz downloads gratuitos a partir de diferentes sites com freqüência, e
isso lhe parece ser mais ou menos a mesma coisa (o que certamente não é verdade,
pois os programas estão nos sites com a finalidade explícita de serem copiados). Ele
usa a estratégia de copiar/colar da Rede para seus trabalhos escolares -- como nós,
mais antigos, fazíamos copiando a lápis ou caneta -- e pouca atenção presta ao
fornecimento das fontes de onde o material usado foi retirado. Tudo isso lhe parece
natural e ninguém diz nada em contrário.

Um belo dia, ele lê alguma coisa fora da Rede e gosta do que leu. Solicitado a escrever
sobre o mesmo assunto, ele faz uso do mesmo procedimento que usa na Rede, copia,
cola e esquece de dar os créditos devidos. Infringe uma regra básica da vida cotidiana --
a da propriedade intelectual -- e fica extremamente surpreso quando gera uma reação
negativa em seu leitor, que zela pela proteção dos direitos do autor. Ele desconhece a
existência desses direitos! Ou, o que é muito pior, conhece-os, mas, sob a influência da
lógica do copiar/colar associada a uma outra lógica bem cotidiana e nossa conhecida --
a da esperteza e do tirar vantagem -- finge desconhecê-los. Não teme represálias? Não,

93
porque, caso sua má fé seja descoberta, acredita que poderá se defender alegando
simples ingenuidade juvenil.

Que não sejamos, nós, ingênuos! É preciso que nos lembremos de que, na Rede, não
se absorve somente conteúdos mas, principalmente, formas de se lidar com a
informação! Cabe a todos que nos vemos como responsáveis, portanto, ficar atentos à
lógica que está sendo absorvida pelos jovens de modo a evitar a ocorrência desse tipo
de aprendizado equivocado que pode ser mais prejudicial do que qualquer visita a um
site pornográfico!

94
A expertise jovem e o novo mercado de trabalho

Há poucos anos, quando ouvíamos falar de expertise, atribuíamos imediatamente ao


expert uma determinada faixa etária, dependendo da atividade na qual ele se
sobressaía. Se a expertise fosse ligada a algum esporte que exige muito preparo físico,
como o vôlei, o futebol ou o surfe, ocorria-nos à mente a imagem de uma pessoa jovem.
Quando, no entanto, a expertise era relativa a alguma atividade mental, tínhamos a
tendência de imaginar uma pessoa madura. Isso porque todos sabemos que, no que diz
respeito à maior parte das atividades mentais, a força física não é relevante e a
experiência acumulada é de valor inestimável.

A moderna tecnologia digital que resultou na criação da Internet operou uma inversão
nessas expectativas. Hoje, qual de nós pensa em alguém maduro quando se menciona
um expert -- ou, mais informalmente, uma “fera” -- em Rede?

Essa é uma inversão porque, embora algum preparo físico seja necessário para
enfrentar as longas horas sentado à frente de uma tela pilotando mouse e teclado, a
expertise na Rede requer basicamente atividades mentais. Por que, então, é mais fácil
para o jovem, no mais das vezes autodidata, ser uma “fera” do que um não-tão-jovem
com muito treinamento formal?

Quem dá uma resposta clara é um amigo, de 43 anos de idade, que trabalha com
informática desde a época dos computadores de grande porte. Seu depoimento é
eloqüente:

“(...) tenho medo ao me defrontar com uma tecnologia desconhecida. Levei tantos
anos para assimilar algumas coisas e de um momento para o outro vem uma
mudança de tecnologia em que você se vê novamente no princípio. Uma gurizada
que começou ontem está no mesmo nível. Eles não perderam tempo aprendendo
tecnologia hoje obsoleta.”

Só discordo do meu amigo em um ponto: não acho que uma nova tecnologia possa
igualar jovens e não-tão-jovens. Quando todos têm que começar do início, começam
com vantagem aqueles que não têm que fazer nenhum esforço para se despojar daquilo
que já absorveram, que se tornou inútil e que, agora, serve de obstáculo para a
absorção do novo. É por isso que, para os jovens, é tão mais fácil absorver a lógica da
Rede, dos programas usados para acessá-la, da vida ciberespacial, etc. Alguns deles
são tão jovens que não chegaram a conhecer, como adultos, uma realidade diferente
desta. Imaginem aqueles que estão nascendo agora que não conhecerão outra
realidade nem como crianças!

Mas o não-tão-jovem também tem alguns privilégios. Se para o jovem é mais fácil
absorver a lógica da Rede do que para ele, somente para o não-tão-jovem é possível
torná-la objeto de uma reflexão madura. Esta sempre necessita de termos de
comparação dos quais os jovens não dispõem por não terem vivido o suficiente ainda.

95
Essa nova divisão do trabalho intelectual instaurada pela Rede, tanto pode abrir novas
perspectivas para os já maduros, quanto pode fechar-lhes muitas portas. Tudo vai
depender da disponibilidade destes para entrar em contato com o novo e do grau de
intimidade que com ele manterão contato. Se, por exemplo, durante o processo de
informatização de uma determinada empresa, um empregado não se dispuser a
dominar a nova tecnologia, isso poderá resultar numa demissão. Em contrapartida, se,
mesmo antes de uma empresa ser informatizada, um empregado sair na frente e
adquirir os conhecimentos dessa nova tecnologia que poderão ser úteis à empresa, sua
atitude poderá resultar em sua promoção a algum posto de liderança. É preciso lembrar
que uma tecnologia é exatamente isso, uma tecnologia. Não é boa nem má. A Internet é
uma tecnologia que, como outras tecnologias antes dela, vai gerar muitas mudanças às
quais uns se adaptarão com mais facilidade do que outros.

Luís Cardoso, professor de inglês de 31 anos, por exemplo, resolveu apostar na nova
tecnologia e teve bons resultados. Por que se tornou um usuário?

“Dois motivos: 1. (...) sabia que seria um recurso inigualável para comunicação e
obtenção de dados que poderia me ajudar em vários aspectos (...), e 2. senti que a
Internet tomaria conta do ambiente doméstico e de trabalho, e portanto quis sair
na frente. Deu certo, hoje em dia coordeno um setor ligado justamente a
computadores e Internet dentro da escola onde trabalho.”

Ronaldo Bastos, analista de sistemas e usuário há dois anos com uma média de seis
horas semanais de acesso, também percebe as alterações no mercado de trabalho.
Que efeito terá, segundo Ronaldo, a Internet na vida das pessoas no futuro?

“Como já disse as fronteiras estão caindo, a possibilidade de acesso às


informações e a velocidade com que será possível resolver algumas questões,
deve mudar inclusive o mercado de trabalho, pois uma série de atividades meio
serão extintas. Outro ponto é o perigo cada vez maior do declínio nos contatos
pessoais, fato que modificará o ser humano na sua forma de sentir o mundo que
o cerca e suas relações humanas.”

Ronaldo Bastos tem razão. O mercado de trabalho está sofrendo várias transformações
na medida em surgem novas necessidades e ramos de atividade e outros tornam-se
obsoletos.

O ano de 1996, por exemplo, presenciou a discussão sobre o potencial da Internet


como veículo de informação comercial. Devem as empresas correr para marcar
presença na Internet? Sobreviverão as agências de publicidade? Essas foram questões
amplamente discutidas no Sexto Encontro Internacional de Mídia, realizado em São
Paulo em setembro daquele ano. Vale a pena tomar ciência de algumas das opiniões
emitidas então.

Mathew Jacobson, vice-presidente de Marketing e Novas Tecnologias da News


Corporation (grupo de comunicações do magnata australiano Rupert Murdoch), por
exemplo, acha que:

“ [há] empresas que estão na Internet sem motivo certo. Dificilmente elas vão
conseguir atingir o seu público.”

96
E continua:

“...o que as agências [de publicidade] terão de fazer é aprender a lidar com todas
as oportunidades, adequando corretamente o produto ao veículo. O paradigma do
comercial de 30 segundos não vale nada na Internet.”
(Fonte: O Globo, 19 de setembro de 1996)

Na semana anterior, segundo a edição de 8 de setembro de 1996 do mesmo jornal, os


clientes da brasileira agência de publicidade DM9 foram chamados para receber
explicações sobre as vantagens da Internet, o perfil do usuário e do consumidor e os
melhores sites para anunciar. E, segundo Paulo Jorge Pereira Neto (também chamado
de PJ), coordenador de mídia interativa da DM9, os melhores sites para tal finalidade
são aqueles que reúnem serviços diferentes com informações novas todos os dias,
como os de jornais e revistas, além de sites com grande número de usuários, como os
dos times de futebol e de artistas famosos. O critério para essa seleção é simples:
esses sites são os mais visitados pelos usuários. Já anunciar em home pages isoladas
pode ser ineficaz porque essas podem ser pouco visitadas.

De qualquer forma cai por terra o paradigma do comercial de 30 segundos. Este, como
disse Murdoch, não vale nada na Rede! Quantos outros paradigmas já foram ou serão
subvertidos no ciberespaço?

Aproveito o ensejo para retomar brevemente a discussão de pelo menos uma outra
subversão -- a da expertise jovem -- para desta dar um exemplo. Conheci Paulo Jorge,
o coordenador de mídia interativa da DM9, numa mesa redonda sobre as
transformações desencadeadas pela Internet no mesmo ano de 1996. O expert da DM9
não tinha mais do que uns vinte e pouquinhos anos de idade! E havia sido convidado
por outras “feras” jovens: Fernando Villela, jornalista de 23, e Jaqueline Pedreira,
engenheira de computação de pouco mais de 25! Fernando e Jaqueline são
supervisores editorias da revista Guia da Internet.Br.

O que mais pode ser dito a respeito desse emergente mercado de trabalho?

Primeiramente que, se algumas atividades estão se tornando obsoletas, outras, que têm
como base as tradicionais, mas incorporam novas necessidades e objetivos, ou que são
completamente novas, estão surgindo em função da nova tecnologia.

O Caderno Boa Chance do jornal O Globo de 8 de dezembro de 1996 lista algumas das
“profissões do fim do século”. Dentre elas as de:

Digitalizador:
cuja função é transformar documentos em informações digitais, com o auxílio de
um scanner (para profissionais de informática).
Psicomotricista:
cuja função é ficar responsável por tratamentos de reeducação motora,
estimulação psicomotora e sensorial, terapia corporal etc. (para
fisioterapeutas, educadores, psicólogos e profissionais de educação física).
Personal Trainer:

97
cuja função é assumir a responsabilidade pelo treinamento físico --
individualizado -- de pessoas (para professores de educação física).
Tecnólogo em educação:
cuja função é desenvolver software, vídeos, CD-Roms e outros produtos e
projetos que aliem educação e tecnologia (para pedagogos, psicopedagogos e
profissionais de informática).
Webmaster:
cuja função, nas empresas, é ficar responsável pela Intranet, ou rede interna
(para profissionais de informática com especialização em redes de
computadores).

Ao ler essa lista, o leitor poderá se perguntar por que incluí as profissões de
psicomotricista e personal trainer. Segue-se uma explicação baseada em experiência
própria. A nova tecnologia gera problemas de saúde, principalmente motores, para os
quais atenção especializada -- de reeducação motora e postural, por exemplo --, e
individualizada -- porque nem todos têm os mesmos pontos fracos -- são necessárias!

Mas essas estão longe de serem as únicas novas profissões possíveis. Basta pararmos
para pensar sobre os efeitos que a vida ciberespacial está tendo sobre nós mesmos que
encontraremos novas formas de canalizar os nossos conhecimentos da nova
tecnologia. Esse livro é um exemplo disso!

Pensemos, no entanto, em outras aplicações possíveis. Usando minha própria sugestão


e sendo psicóloga, espanta-me não encontrar nada relativo à administração de novos
sentimentos, problemas, desejos e necessidades na lista das profissões desse final de
milênio. Será que as pessoas estão achando que isso é supérfluo? Se estão, por favor
voltem um pouco atrás e releiam o depoimento de Ronaldo Bastos, leiam ou releiam
com cuidado o que foi dito sobre a lógica dos excessos e prestem muita atenção à
discussão dos novos relacionamentos e dos sentimentos que fluem de um canto para
outro do ciberespaço.33 A Internet está mexendo com as vísceras das pessoas e cada
vez mais serão necessários profissionais que saibam lidar -- efetivamente, ou seja, com
uma visão de dentro porque conhecem computadores e a Rede em primeira mão -- com
a vida afetiva de seus usuários. Já há alguns anunciando seus préstimos na Internet...
Alguns deles chegam a propor atendimento em consultórios virtuais. Gostaria de
conhecer suas propostas em maior detalhe...

E o leitor? Quais as aplicações que vê para os conhecimentos da nova tecnologia


digital?

Como, infelizmente, esse livro ainda não permite interação em tempo real, vou ter que
esperar para saber sua resposta. Nesse meio tempo, sugiro que inspecionemos o que
aqueles que mais conhecem essa tecnologia -- os jovens -- estão fazendo com ela.

Para começar, os jovens estão aprendendo as novas tecnologias cada vez mais cedo
através de cursinhos de informática, que convivem lado a lado com os célebres
cursinhos de inglês, ou sozinhos, autodidaticamente. E uma vez dominada a nova
tecnologia, eles começam a substituir ou complementar a mesada de diversas formas.
Montam pequenas gráficas onde imprimem cartões de visita, convites para festa, papel
de carta personalizado, tudo ao gosto do freguês. Se dispõem do equipamento
33
Essas discussões são travadas nos dois últimos blocos.
98
necessário, imprimem camisetas. Se já se aventuram um pouco mais, dedicam-se à
construção de home pages, às aulas particulares de diversos programas e de Rede --
estas geralmente para alunos mais velhos que têm menos paciência e/ou maior
dificuldade e/ou medo de lidar com máquinas. Caso já tenham mais experiência e
formação especializada, podem montar cursos de informática e Internet, se aventurar
por diferentes tipos de programação, participar do desenvolvimento de CD-ROM’s etc.
etc. Aí a criatividade é o limite, na medida em que o novo ainda não foi suficientemente
explorado. A renda varia de caso para caso, mas é invariavelmente maior do que a que
teriam caso não tivessem embarcado nessa aventura digital.

E enquanto fazem tudo isso, continuam fuçando um pouco de tudo, aprendendo e se


mantendo a par dos desenvolvimentos recentes. Ou seja, por curiosidade ou visão,
estão sempre treinando para aplicações futuras. Muitos se tornam hackers (não
confundir com crackers, que não apenas testam os limites de computadores e sistemas,
mas usam seus conhecimentos em crimes ciberespaciais como o roubo de informações
sigilosas). E o hacker de hoje muito provavelmente será um especialista cobiçado
amanhã.

Vejamos o que nos diz Cláudio Barreiros, com seus 17 anos e 300 horas de acesso por
mês ao longo de três anos!

Qual a impressão que você tem da Rede atualmente? Por quê?

“O atual estágio de evolução da Internet a torna difícil de ser avaliada... o


mundo da Internet cresce mais rápido do que parece... e com ele crescem os
problemas, é como uma cidade que cresce porém seus habitantes não se dão
conta disso.
A cada dia que passa, se torna mais fácil de acessar a Internet e a cada dia se
torna mais arriscado utilizar e-mail, pois sabe-se da total insegurança do mesmo,
hackers estão surgindo aos montes, eu inclusive troco experiências com cinco
hackers americamos e um finlandês e vejo que nós brasileiros não estamos nem a
meio caminho do estágio em que esse pessoal se encontra... lamentável, pois o
Brasil é dos países em que a Internet mais cresce e logo logo seremos alvos
fáceis, pois lá fora a segurança de sistemas acompanha o ritmo, mas aqui...”

É evidente que Cláudio e muitos outros estão se preparando para defender a segurança
dos usuários nacionais! Abençoados sejam!

Se o explorador autodidata associar à sua experiência uma formação universitária,


poderá acabar adquirindo o perfil de um “profissional polivalente e multimídia”, e se
tornar um dos seguintes profissionais: redator multimídia, programador visual para
multimídia, programador de multimídia, redator de home pages, responsável pelo
marketing on-line, webdesigner, ou programador para projetos de Internet (fonte:
Caderno Informática, etc. do jornal O Globo de 23 de julho de 1997).

A título de curiosidade, leiamos o que, segundo o mesmo artigo, é esperado de um


redator de home pages:

“Recém-formados em jornalismo ou publicidade, com ótimo texto e uma


alfabetização em informática, principalmente em HTML. É indispensável boa

99
desenvoltura em e-mail, FTP e WWW. Tem que saber escrever um material
multimídia -- isto é, bom texto associado a outros recursos como sons e
imagens.”

Parece que o piso salarial para um “profissional polivalente e multimídia” com lugar
garantido no mercado de trabalho era, na época, em torno de R$1.500,00 ou pouco
mais de US$1.500,00. Nada mau para um recém-formado, não?

100
Velho e novo lado a lado

Os primeiros estágios de uma revolução são invariavelmente momentos em que o velho


e o novo convivem lado a lado gerando muita confusão porque operam a partir de
lógicas diferentes, sendo, inicialmente, poucos aqueles que dominam ambas. Foi assim
em outras revoluções e está sendo assim agora.

No momento, parecemos estar diante de universos paralelos, o que está criando os


mais diferentes tipos de problema. A legislação sobre a propriedade intelectual, fruto da
civilização tipográfica, por exemplo, é tornada obsoleta pela realidade ciberespacial,
mas nada de novo surge de pronto em seu lugar. A publicidade de 30 segundos, à qual
estamos tão acostumados nos intervalos comerciais da TV, caduca, ao travarmos
contato com as home pages e sites comerciais, e isso coloca problemas para
anunciantes e agências de publicidade. Surge a figura do expert jovem, que passa a
conviver em bases igualitárias com o expert maduro, e isso também coloca todo tipo de
questão para a velha estrutura hierárquica de empresas e instituições. Surge a
necessidade prática da integração de conhecimentos e saberes que o século XX, com
sua necessidade de aprofundamento, manteve separados em especialidades distintas,
e, com isso, caem barreiras e fronteiras que há muito norteavam nossos horizontes...

Não vou aqui me propor a listar todas as mudanças que já ocorreram, estão ocorrendo
ou virão a ocorrer como conseqüência da nova tecnologia. Isso é tarefa impossível!
Bastam alguns exemplos e o registro de que a velocidade de mudança é espantosa. Os
efeitos da nova revolução tecnológica a que se deu o nome de Internet se alastram
rapidamente e penetram cada vez mais os aspectos mais miúdos das nossas formas de
perceber, organizar e viver o nosso cotidiano.

Precisamos pensar a esse respeito. Os excessos são provas evidentes do quanto de


reflexão será necessário para que possamos erigir sistemas de defesa externos (na
Rede e em nossos computadores) e internos (em nós mesmos) para lidar com tudo
isso. Muitas vezes não podemos dar crédito sequer ao velho bom senso que sempre
nos foi de tanta valia! Muda a lógica, muda o senso, que leva algum tempo para se
tornar bom de novo.

Nesse contexto confuso mas fascinante, há que ficarmos alertas para que possamos
separar o joio do trigo e não ter nossa atenção desviada por aspectos da nova realidade
que não são realmente importantes ou centrais. Isso torna-se particularmente relevante
se já não somos jovens. Neste caso, uma vez que tenhamos absorvido a lógica da
Rede e da nova realidade, estamos, tal como numa cultura de transmissão de
conhecimento exclusivamente oral, na onerosa mas fascinante posição de sermos os
únicos que já vivemos o suficiente para possuirmos termos de comparação vividos que
podem sugerir caminhos a serem trilhados nesses primeiros momentos. Outros, em
posição análoga, fizeram outro tanto em outras revoluções.

101
NOVOS USOS DE LINGUAGEM

Desde que a Internet se tornou acessível a partir de provedores de acesso comerciais,


muito passou a ser escrito sobre ela na mídia em geral e, principalmente, na
especializada. Nos grandes jornais, surgiram os cadernos de informática; em certas
revistas, surgiram seções especializadas. Surgiram, também, várias publicações e
formas de divulgação novas -- na Rede e fora dela, ou seja, online e offline -- dedicadas
à Internet e até mesmo programas de televisão especializados. Tudo isso nos leva a
uma pergunta: no que a linguagem jornalística usada para escrever sobre a Internet
difere da linguagem jornalística usada para falar de outros assuntos?

Difere muito porque a língua usada para falar da Rede não é o português tal como o
conhecemos fora da dela. É mais uma língua híbrida, cuja forma de expressão é
predominantemente escrita, que tem como base o português -- principalmente sua
gramática --, mas com alta incidência de vocábulos ingleses não traduzidos, como, por
exemplo, home page, e outros tantos neologismos, ou seja, expressões e palavras
novas que são adaptações de palavras inglesas, como, por exemplo, deletar. Há, ainda,
abreviações de expressões em inglês, ou acrônimos como btw (by the way ou a
propósito), e bbs, bulletin board system (software -- mais um exemplo de palavra inglesa
que foi incorporada ao vernáculo ciberespacial -- de comunicação cujo nome significa,
literalmente, sistema de quadro de avisos). Como já mencionei várias vezes, a língua-
mãe da Internet é o inglês e nós, brasileiros, não parecemos ter nenhum problema em
admitir isso.

Essa mesma língua híbrida é povoada por várias metáforas espaciais, em inglês ou
português -- home page (página-lar), site (sítio), domínio, janelas, ciberespaço, largura
de banda, endereço, mailbox (caixa de correio) -- bem como por metáforas de
movimentos ondulares -- como surfar e navegar -- que dão ao leitor a sensação de
continuidade entre o velho e o novo, entre o antes e o depois, entre a realidade
cotidiana e a do ciberespaço e tornam as transições mais suaves.34

Embora absorvidas por quase todos que têm contato com a Rede, essas não são, no
entanto, as características da linguagem usada na Rede pelos usuários comuns em
suas comunicações cotidianas. Quais são as características dessa última? Embora os
usos de linguagem na Rede variem de acordo com os programas usados e com os
objetivos do usuário, a linguagem nas comunicações ciberespaciais é quase sempre
escrita, leve, compacta, econômica e cheia de símbolos brincalhões que poupam
palavras e toques. Símbolos para expressar emoções, como em :-) ou em ;-) (se o leitor
não entendeu nada, por favor deite a cabeça sobre o ombro esquerdo, acione a
imaginação e olhe de novo; verá uma carinha sorridente e outra piscando o olho);
economizar alguns toques, como em [ ]’s (abraços); ou brincar com a criatividade, como
em @}----- (veremos uma flor se olharmos com a cabeça inclinada para a esquerda e a
imaginação jovem acionada).

Mas o leitor leigo pode estar se perguntando se não há nada em comum entre a
linguagem sobre a Rede e a linguagem das comunicações cotidianas via Rede, e o
34
Leia mais sobre a convivência entre o velho e o novo em NOVA LÓGICA.
102
leitor-usuário pode estar contestando essa divisão estanque. E tanto a pergunta quanto
a contestação procedem. É claro que há muito em comum entre esses dois tipos de
linguagem e esse muito em comum é o que chamaria de estilo online onde impera o
lema “seja breve, conciso e objetivo!”. Há sempre muito o que ver e fazer, o tempo é
sempre pouco e a capacidade de transmissão de informação (não importam os meios)
sempre limitada.

Sem qualquer pretensão de que possamos examinar os diversos usos de linguagem on


e offline em profundidade, e com o aviso prévio de que as discussões que se seguem
têm por finalidade registrar a mudança enquanto ela acontecia nos primórdios da vida
ciberespacial no Brasil, sugiro que entremos em contato com alguns dos usos de
linguagem mais freqüentes nesses primeiros estágios. Vamos, portanto, examinar os
usos de linguagem de algumas formas de comunicação muito populares, como o e-mail
e o IRC, além da linguagem das home pages e da linguagem dos jornais e revistas
convencionais mas especializados na Rede. Veremos também algumas das razões por
trás da proliferação de glossários, como o que aparece ao final deste livro, e dicionários
convencionais e virtuais.

103
Os desafios da conquista online e em tempo real

O exemplo paradigmático do texto online é o das sessões de bate-papo online e em


tempo real, ou chats, cujo exemplo mais difundido é o IRC (acrônimo de Internet Relay
Chat). Por isso começo por ele toda essa discussão sobre usos de linguagem.35

Dando uma breve explicação para os leitores leigos, um canal do IRC é um ponto de
encontro virtual, onde as pessoas se conhecem e conquistam amigos -- e até mesmo
parceiros amorosos -- a partir de toques de teclado que envolvem um uso de linguagem
bastante distanciado daqueles aos quais estamos acostumados. Em outras palavras,
sentado à frente de sua tela, você escolhe um canal, ou seja, o seu ponto de encontro
virtual, a partir de suas áreas de interesse: música, cinema, religião, gays, cientistas,
hackers, sexo, etc. Uma vez conectado, você escolhe um nickname (apelido) pelo qual
será identificado (a comunicação é anônima) e passa a ler as mensagens dos outros e
digitar as suas. Todas as mensagens aparecem imediatamente nas telas dos
computadores de todos aqueles que estão conectados àquele canal naquele exato
momento. No IRC toda a conversa é online -- ou seja, um digita e os outros lêem logo
depois -- e pública, a não ser quando são trocadas mensagens privadas em telas
separadas depois de travado o primeiro contato.

Muitos, principalmente os usuários mais velhos (não necessariamente os mais antigos!)


da Rede, odeiam o IRC. Alguns chamam-no de “monólogo coletivo eletrônico”! Outros,
principalmente os jovens, adoram esse bater papo via teclado. Muitos se dizem
inclusive viciados, mas deixemos isso de lado no momento...36 De qualquer forma, o
IRC e as outras formas de chat são muito populares e, por isso mesmo, podem exercer
muita influência direta ou indireta sobre os usuários da Rede.37 E é o exame dessas
influências que nos interessa aqui.

Antes de mais nada, é importante que os leitores que nunca usaram o IRC ou outro chat
saibam como essa conversa a muitas mãos aparece na tela de todos. É também
importante ter um exemplo que possa ser usado na discussão proposta. Segue-se,
portanto, um trecho de uma sessão de bate-papo jovem num canal brasileiro, o # rio (#
significa canal), também freqüentado por brasileiros que moram fora do país. O exemplo
é longo para que o leitor possa acompanhar os diálogos, entrecortados que esses são
por falas de outros participantes do canal. Sugiro, por exemplo, que o leitor tente
acompanhar os comentários e sugestões dirigidos à <Bia>, cujo computador está muito
lento, e as falas de <Rico> e as de <Araman>. A conversa, de uma maneira geral, está
versando sobre o tempo em Dallas (onde parece haver a previsão um furacão) e no Rio,
e os participantes fantasiam que estão numa praia de nudismo. Tudo isso aparece
numa tela que não pára de rolar.

<_Bia> caramba...como meu computador tá lerdoooooooo


oooooooooooo
<Patricia_> 09,08Está sol por aí?

35
As definições dadas aos chats pelos próprios usuários podem ser encontradas em NOVOS CONCEITOS.
36
Leia mais sobre o vício na seção final de NOVOS RELACIONAMENTOS.
37
Outras conseqüências dessa popularidade são examinadas em NOVOS RELACIONAMENTOS.
104
*** Marverick (denied@porta13.provale.com.br) has
joined #rio
*** Marverick (denied@porta13.provale.com.br) has
left #rio
<Natasha-RJ> ta nubladooooo
<^Rico^> Ramiro, ontem deu previsao ed twister aki
na minha cidade e em Dallas!
<^Rico^> Maneiro RAmiro!
<^Rico^> Bia, Aperta o Botaozinho chamado: Turbo!!
hahahahhahhahah
<Ramiro> ta lerdo so pra internet ou pra tudo Bia ?
<Natasha-RJ> uauuuu
<^Rico^> Legal Luca!!! Em Junho farei uma viagem
a NY, FL, Washington DC, etc!! maneirasso
* ARAMAN is back!!!
<Ramiro> poxa Rico ... tira umas fotos pra mim e me
manda ???
<_Bia> pra tudo ramiro...já apaguei tanto
arquivo...vamo vê se melhora agora...
<^Rico^> VAleu RAmiro!
<_Bia>
AAAARRRRRRAAAAAAMMMMMMMMMAAAAAAANNNNNNNNNN
<Ramiro> Rico, eu tenho uma foto de uma casa
pré-fabricada *voando* cara !!!!! muito
impressionante
*** Pedro-RJ (xxxxx@200.255.48.69) has joined #rio
<ARAMAN> _Bia -> @ }-'-,-- "Uma rosa para uma rosa"
:)
<^Rico^> hahahhahhahahaha Ramiro
*** _Deinha_ (mthomps@rjo06.homeshopping.com.br)
has joined #rio
<Patricia_> 09,04Nublado?Que chato..
<_Bia> hehehe brigadinha ARA!:*
<Ramiro> me amarro em fenômenos naturais :)
<ARAMAN> 4:)
<_Deinha_> Alou pessoal
<_Deinha_> voltei...
<ARAMAN> Assim eu fico sem jeito Bia!!! hehehehe
<luca> Rico, vc mora aí há quanto tempo
<^Rico^> luca, mora aki edsde agosto de 96!
<^Rico^> Vou voltar dia 9 de Julho!!!
<luca> Intercâmbio?
*** Pelson (NELSON.GOM@slip166-72-36-67.ri.br.ibm.ne
t) has joined #rio
*** LeoRJ (leoj@bbs.highway.com.br) has joined #rio
<Pelson> VOLTEI
<luca> vc volta 15 dias antes do meu bday!
*** ^Nata^ (user@200.239.243.230) has joined #rio
<Natasha-RJ> deinha: seu provedor é homeshopping...
é difícil se conectar?

105
<Pelson> oioioioioioioioi BIAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA
AAAAAAAAAAAA
<_Deinha_> nao...
<_Deinha_> conecto rapidinho
<_Bia> oioioioioioioioi pelson
*** pe-de-cabra (pjd@gd2_p6.telepac.pt) has joined
#rio
<Natasha-RJ> ahhh... é pq estou querendo passar pra
ele... valeu deinha
<Pelson> E ai Bia .. alguma coisa combinada ...
para hoje a noite
<pe-de-cabra> oi
<Natasha-RJ> o meu tá muito caro!
*** Andre-RS (~arocha@sli1.inter-rotas.com.br) has
left #rio
<pe-de-cabra> de que se fala
*** ^Rico^ has quit IRC (Dialdata.gru.sp.Brasnet.org
E-net.ssa.ba.Brasnet.org)
*** ^Ricao^ (usernamer@pm5-25.cyberramp.net) has
joined #rio
<_Bia> sei naum pelson
<Pelson> FALA GALERA!!!
<^Ricao^> aki ta melhor heheh
<^Ricao^> he lag
*** Patricia_ (~www@200.252.253.242) has left #rio
<^Ricao^> o ^Rico^ Ta com LAg hehehehhe
<Natasha-RJ> de provedor
<^Ricao^> Ih.. ele caiu heheheh
*** ^Ricao^ is now known as ^Rico^
*** ^Nata^ (user@200.239.243.230) has left #rio
<^Rico^> hehehe
<Natasha-RJ> ta paradim.....
<^Rico^> alo??
*** Mobrau_Maravilha (ronan@200.255.48.142) has
joined #rio
<^Rico^> allguem me vendo???
<Natasha-RJ> euuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu
<Ramiro> eu vejo Rico ! :)
* Mobrau_Maravilha *
<Natasha-RJ> to venduuuuuuu
<^Rico^> Natasha, entaum.. como e'q eu to??
hhahahahah
<Natasha-RJ> ou melhor... imaginando... hehheh
<^Rico^> Lewmbre-se.. estamos numa praia de
nudismo! hahahahahahaha
<Pelson> fala rico !!!!!!!!!!!!!!!
<^Rico^> Fala PElson!
<Natasha-RJ> RICO: ce ta de bermuda e sem camisa!!!!
<Natasha-RJ> hahahah
*** pe-de-cabra has quit IRC (Ping timeout)

106
<^Rico^> Pelson, e o Hockey ai no Rio?? tem?? ou e'
so'nos patins normais??
<^Rico^> hahahah Natasha!
*** Doroty (~aaaaa@200.240.25.37) has joined #rio
* Mobrau_Maravilha *
<NunServ> Phala galera do #Rio!!!!!
<LeooRJ> Rico > Eu quero ser q nem vc cara..
*** Doroty (~aaaaa@200.240.25.37) has left #rio
<Natasha-RJ> praia de nudismo Rico... mas minha
imaginação nao se atreve.....hehehhe
<luca> @--->---- Flores p/ todos!

Palavras acentuadas se misturam com uma total ausência de acentuação, o que


certamente acrescenta rapidez à digitação não especializada e faz com que “então” vire
“entaum” e “alô” vire “alou”. Por conta da rapidez usa-se apenas a inicial de algumas
palavras e a grafia de outras é alterada: “que” se transforma em “q”, “aqui” que se
transforma em “aki”, “você” se transforma em “ce” ou em “vc”. Recursos gráficos pouco
usados fora da Rede proliferam: !!!!!!!, ????, :), :* @--->----, usam-se maiúsculas para
chamar a atenção, asteriscos para dar ênfase (“tenho uma foto de uma
casa...*voando*...”), etc.

E aqui chegamos ao primeiro desafio que os freqüentadores dos canais de chat têm que
enfrentar: como chamar a atenção dos outros freqüentadores nessa Babel digital?

As palavras são poucas e muitas vezes em outras línguas (um bom treinamento para
línguas estrangeiras?), mas através delas, das constantes intervenções -- outros
participantes ficam calados assistindo -- e dos recursos gráficos, mesmo nesse pequeno
trecho de sessão, podemos detectar três estilos diferentes: os de Bia, Ramiro e Araman.

Bia, que parece ser conhecida no canal, chama a atenção dos outros freqüentadores
através de constantes reclamações a respeito de algo que é certamente do interesse de
todos: seu computador. Rico fala de sua experiência fora do país e da previsão de um
furacão na cidade onde mora, o que também abre possibilidades de contato. Araman
berra, usando as letras maiúsculas, ao entrar no canal e depois gentilmente manda uma
rosa para Bia; uma gentileza é sempre atraente...

Quem quer que deseje aprofundar um pouco o contato com qualquer um dos três pode,
aproveitando algum desses ganchos, com eles trocar mensagens privadas, também em
tempo real, mas com perguntas e respostas sem a interferência de outras falas e fora
do alcance dos olhares dos outros freqüentadores (numa tela separada). O estilo de
escrever continua o mesmo -- compacto, abreviado, econômico e a conquista pela
palavra continua a ser um desafio.

Esse desafio não passa despercebido pelos seus freqüentadores. Em artigo intitulado
Mas, afinal, por que o IRC vicia?, publicado no número 17 do volume 2 da revista
Internet World, Marcio “Big” Mattos, um dos Channel Managers (administradores de
canal) do canal #Brasil da UNDERNET, escreve:

“O uso da linguagem adequada no IRC assume um papel de extrema importância,


pois ali não podemos fazer uso da voz ou dos gestos e isso pode trazer falhas na

107
comunicação e fazer com que uma mensagem seja entendida de forma muito
diferente do objetivo de quem a emitiu. Neste instante, a economia de digitação é
perigosa e o uso dos emoticons [símbolos gráficos que expressam emoções], por
exemplo, pode fazer a diferença entre um carinho e um cascudo (Veja lista de
emoticons em http://www.cyberbrasil.net).
Quantas e quantas vezes, uma frase reduzida fez com que gastássemos uma série
de outras para explicar que isso não é aquilo... Outras tantas vezes, uma
mensagem mal compreendida gera uma explicação menos entendida ainda, que
puxa outra e outra, transformando aquele chat em uma conversa de bêbados... E
quantas não foram as amizades interrompidas ou não desenvolvidas por esse
motivo?”

A mesma preocupação com o uso compacto de linguagem quando o objetivo é dar-se a


conhecer (mesmo que somente o que se quer que seja conhecido), única e
exclusivamente através da linguagem, e a preocupação ainda maior com as
possibilidades de mal-entendidos aparecem num outro tipo de texto distribuído na
própria Rede ou divulgado em jornais e revistas especializados: o da “netiqueta” ou das
regras de etiqueta na Internet. Algumas dessas regras dizem respeito exclusivamente
aos chats, e por isso mesmo, as reproduzo a seguir, na versão distribuída em 9 de
setembro de 1996 pela lista informativa MeuPovo, organizada por Dario Mor. A lista
havia sido retirada por Fernando dos Santos Silva do gopher -- mecanismo de busca --
da Rede Nacional de Pesquisa.

Alguns Conselhos Uteis para Comunicar-se na Internet

- Sem a inflexao da voz e a linguagem corporal existentes nas


comunicacoes face-a-face, comentarios bem humorados do autor podem
ser mal interpretados nas comunicacoes eletronicas. Para compensar
esta falta de visualizacao, a rede desenvolveu simbolos denominados
emoticons ou smilies. Um deles e' :-) e significa que a intencao do
autor e'bem humorada. Use-os com moderacao.

- ESCREVER USANDO SOMENTE LETRAS MAIUSCULAS FAZ SUPOR QUE O


AUTOR
ESTA'FALANDO EM VOZ ALTA OU GRITANDO. Portanto, evite!”

Talvez porque, como o uso do gopher sugere, esses conselhos tenham sido digitados
no sistema UNIX, que não aceita acentuação, não se colocou a necessidade de incluir o
conselho para não acentuar, e assim evitar os problemas gerados pela
incompatibilidade entre máquinas e programas, regra essa que aparece em outras
versões da “netiqueta”. Mas, de qualquer modo, já aparecem duas regras importantes
para a escrita online: a regra do uso dos emoticons ou smileys (as carinhas, que já
apareceram algumas vezes nos depoimentos via e-mail reproduzidos anteriormente),
que corrobora a visão de Marcio “Big” Mattos sobre a economia de digitação e a do
significado das letras maiúsculas.

Visitei a home page sugerida por Marcio e lá me deparei com um verdadeiro dicionário
de emoticons, ou seja, ícones de emoção! Nela encontrei o seguinte texto e uma longa
lista de carinhas.

108
“Esta é uma versão não oficial ‘Dicionário de Carinhas’ (smileys). Aqui você
encontrará muitas carinhas que geralmente são utilizadas em mails, em
comunicações eletrônicas e no IRC.

Você conhece aquelas combinações estranhas de parênteses, colunas e coisas


do tipo que vira e mexe encontra em e-mail's e newsgroup's? Elas se chamam
‘Smileys’. E na Internet são uma linguagem à parte.

Cada variação nos dois-pontos-para-os-olhos, hífen-para-nariz e parênteses-para-


boca, tem um significado todo próprio. Talvez você nunca tivesse imaginado, mas
as possibilidades combinatórias destes simples sinais gráficos, juntos com
alguns outros, é quase infinita. E o que é mais legal: tudo depende da sua
criatividade.

Os smileys são pequenos conjuntos de caracateres ASCII que pretendem


transmitir uma emoção ou estado de espírito. Devem ser visualizados de lado,
portanto vire sua cabeça 90 graus para a esquerda e use sua imaginação...”

Seguem-se alguns exemplos retirados do “dicionário”:

:-) Seu Smiley básico. Usado para sugerir uma observação sarcástica ou
brincalhona
;-) Smiley piscador. O usuário faz apenas um flerte e/ou uma observação
sarcástica. Use-o e você estará dizendo “Não me critique pelo que eu acabei de
dizer”.
:-( Smiley carrancudo. O usuário não gostou da última afirmação, está chateado
ou deprimido com alguma coisa.
:-| Smiley indiferente. Melhor do que um smiley carrancudo, mas não tão bom
quanto um smiley feliz. Difícil imaginar quando você o usaria.
:-> O usuário acabou de fazer um comentário terrivelmente sarcástico. Pior do
que :-)

Há ainda os smileys anões, ou seja, sem narizes, como:

:) Feliz
:] Gleep (um smiley anão que ficaria feliz em ser seu amigo)
:( Triste
:D Risada
[ ]’s abraços
:*’s Beijos,

E os smileys de humor e emoção, como:

%-\ De ressaca
I -) Caindo de sono

Isso tudo sem contar com uma lista de abreviações de palavras inglesas utilizadas na
comunicação ciberespacial, como LOL (“laughing out loud”) = rindo alto; ou AFK (“away
from keyboard”) = longe do teclado!

109
Quanta coisa a aprender!

Mas os jovens aprendem e, se voltarmos agora ao trecho de conversa reproduzido


anteriormente, poderemos observar o quanto dessas regras já havia sido incorporado.

Uma vez aprendidos, esses novos usos online de linguagem tendem a ser transferidos
para outros tipos de comunicação online, como o e-mail, e também para a escrita
offline... Os Netaholics Anonymous (http://www.earthplaza.com/netaholics) sabem disso
e registram essa transferência com seu habitual bom humor. Segundo eles, você sabe
que está se tornando netviciado se:

“Você começa a usar smileys na sua snail-mail [correspondência-lesma, ou seja, a


correpondência convencional]”
“You start using smileys in your snail mail”
Rien P., Amersfoot, Holanda

Já há os que usam smileys também em outros tipos de texto, como provas...! E a mídia
especializada está cheia deles. No entanto, antes de mergulharmos na difusão do estilo
de comunicação online e em tempo real, bem como em suas conseqüências, sugiro que
paremos para pensar no passo que geralmente é dado depois das primeiras trocas de
mensagens com alguém interessante nos chats: o e-mail.38 Mas o e-mail não é somente
a etapa seguinte -- aquela do aprofundamento -- do bate-papo que começou num chat...
O e-mail é, sem sombra de dúvida, o recurso mais popular da Internet.

38
Leia mais a respeito dessa seqüência em NOVOS RELACIONAMENTOS.
110
O e-mail e o estilo online

Tal como nos chats, através do e-mail as pessoas trocam mensagens mas,
diferentemente do que acontece naqueles, no e-mail as mensagens não são trocadas
em tempo real. Mesmo assim, como veremos, o estilo de escrita online prevalece no e-
mail, que faz uso de vários dos recursos utilizados no IRC e em outros programas de
chat.

Os chats geram paixões e aversões. Já em relação ao e-mail há consenso, todos os


usuários da Rede -- não conheço a exceção -- usam o e-mail regularmente e apreciam
poder usá-lo. E, para que o leitor leigo em Rede possa apreciar o porquê dessa
popularidade, dou algumas breves explicações nas quais o usuário de e-mails não deve
se deter.

O e-mail é a correspondência eletrônica. De forma bastante simplificada resume-se ao


seguinte. Quero escrever para uma amiga que vive nos E.U.A. e cujo endereço
eletrônico conheço. Ligo o computador, me conecto à Rede, entro no programa de e-
mail, redijo uma mensagem com um “subject” -- espécie de título para auxiliar na
localização das mensagens na caixa de correio virtual -- do tipo “saudades!”, e a envio
para o endereço eletrônico dela -- <dar@xyznet.com>. Como a envio? Simplesmente
clicando com o mouse numa tecla! Quando ela recebe? Loguinho, quase
imediatamente. Como posso ter certeza de que ela o recebeu? Caso eu própria não o
receba de volta, terei certeza de que a mensagem chegou ao destino. Já se foi lida ou
não, isso não posso saber!

Para complicar e sofisticar um pouquinho mais, imaginemos que D.A.R. -- a minha


amiga cujo nome tem essas iniciais -- está fazendo uma viagem pela Europa. Neste
caso, sua correspondência convencional só poderá ser lida quando ela voltar para New
Haven (a cidade onde mora), mas não a sua correspondência eletrônica. Na realidade,
a minha amiga está acessando seu e-mail com freqüência ao longo de sua viagem, pois
vários de seus amigos europeus estão ligados à Rede e ela se conecta ao seu provedor
de acesso a partir das conexões deles. Uma vez conectada, é facílimo acessar sua
própria conta -- todos os usuários têm uma conta em algum provedor -- não importa em
que parte do mundo esteja! Quando me respondeu, a minha amiga estava num
cybercafé em Amsterdam! O que é um cybercafé? É um lugar, tipo um café
convencional, cheio de computadores conectados à Internet.

Acho que dá para entender, ao menos em parte, por que o e-mail é tão revolucionário,
não? E esse novo tipo de comunicação, tal como o chat, certamente dá o que pensar
porque, é claro, não pode deixar de ter conseqüências!

A primeira conseqüência do e-mail era previsível e é, hoje, bastante visível. Com todas
essas facilidades -- nenhuma taxa a pagar, acesso remoto, nada de envelopes, colas,
selos, idas ao correio, etc. -- as pessoas reativaram ou adquiriram um hábito que
supúnhamos pertencer ao passado: o de manter correspondência com várias pessoas
mundo afora. Hoje, mantemos correspondência até com pessoas que vemos com
freqüência, pois há sempre um recado, uma mensagem, uma consulta que queremos

111
fazer. Podemos fazer tudo isso com a certeza adicional de que não estamos sendo
inoportunos -- o que pode acontecer com freqüência quando usamos o telefone -- pois o
usuário só recebe nossas mensagens quando disponível para tanto, ou seja, quando
acessa sua mailbox virtual.

A coluna As Últimas do Caderno Informática, etc. (O Globo de 26 de dezembro de 1996)


já noticiava que 500 milhões de mensagens de correio eletrônico circulavam
diariamente pela Internet! Um número assombroso que certamente, com a difusão e a
popularização da Internet em todo o mundo, aumentou desde então. Nunca tantos se
corresponderam com tantos antes!

Talvez seja por isso que o dito popular da era ciberespacial reza que “o homem é o
produto do e-mail”! Produto de suas comunicações, de suas convenções e de seus usos
de linguagem. Como no caso dos chats, já foram criadas convenções para esse tipo de
comunicação que se torna cada vez mais difundido. E é sobre isso que vamos nos
deter.

Reproduzo, a seguir, alguns itens de uma mensagem que recebi no dia 27 de março de
1997. O assunto tratado, ou subject, era novamente a “netiqueta”, em uma nova versão
especificamente dedicada ao correio eletrônico. Mais uma vez, recebi essa mensagem
através da lista informativa MeuPovo. Segundo os créditos, esse mesmo texto foi
publicado na “Revista * Exame * outubro 1996 - Art. Correio Elegante”, por Ubiratan
Pimentel <ubiratan@terra.npd.ufpb.br>. Selecionei da mensagem como um todo
somente os itens que têm mais diretamente a ver com os novos usos de linguagem.

“Concisao -
Escreva pouco e, se puder, menos ainda. Como regra, para cinco palavras na
mensagem que recebeu, escreva uma na resposta. Objetividade e precisao sao
essenciais nesse meio de comunicacao.

Compatibilidade -
Ha mais de cinco tipos diferentes de correio eletronico. Se eles conseguem
conversar e trocar mensagens ente si, gracas a Internet, isso nao quer dizer que
todos os problemas de compatibilidade estejam resolvidos. Em primeiro lugar,
evite usar acentos, cedilha e til, mesmo que o seu computador permita.

Briga -
Nunca escreva um e-mail quando estiver com raiva. Uma agressao por escrito e
muito mais forte e duradoura que uma agressao verbal.

Formalidade -
O correio eletronico e um meio informal, mas em mensagens de negocios sempre
e necessario certo grau de formalidade.

Continuidade -
Nunca comece uma nova mensagem para responder a que voce acaba de receber.
Um dos recursos mais uteis do e-mail e a resposta automatica. Voce aperta um
botao e surge uma mensagem nova a ser preenchida, em que o remetente vira
destinatario.

112
Convencoes -
O e-mail tem uma serie de convencoes proprias a sua linguagem. Para enfatizar
uma palavra coloque-a entre asteriscos ( *assim* ). Uma palavra em letras
maiusculas e interpretada como grito ( ASSIM ). Por isso nunca mande
mensagens escritas so com maiusculas. Sao consideradas ofensivas. O uso de
abreviacoes e comum em mensagens informais.”

Vou, agora, retomar cada uma dessas regras e tentar mostrar ao meu leitor,
independentemente do fato deste ser ou não um usuário, o quanto o estilo online de
escrever está presente mesmo num texto que pode ser escrito offline (há muitos
programas de e-mail que permitem que a mensagem seja escrita offline, ficando
somente a transmissão da mesma dependente da conexão à Rede) e que nunca se dá
em tempo real como no caso dos chats.

Como provavelmente o leitor já observou, algumas dessas regras de uso de linguagem


no e-mail se assemelham àquelas das conversas online e em tempo real. Algumas
delas e alguns dos novos usos de linguagem por elas definidos são temporários porque
ainda decorrem de limitações geradas pela incompatibilidade de diferentes programas.
Outros são aparentemente definitivos. Mas todas essas regras e todos esses usos
podem vir a ter conseqüências para todos nós, para nossa cultura e para nossa língua.

Tentemos detectar algumas dessas conseqüências.

“Escreva pouco e, se puder, menos ainda.”

Essa é a regra básica da comunicação via Internet e nada faz supor que venha a sofrer
transformações. Vale para os chats e vale para o e-mail. Tudo deve ser rápido, objetivo
e econômico. Não há tempo a perder porque não há tempo para fazer tudo o que se
quer porque se quer sempre mais do que se pode. Objetividade e precisão são portanto
necessárias. No caso do usuário brasileiro, acostumado que está a longas digressões e
rocócós estilísticos, isso também significa dizer “altere o estilo de escrever, e pensar,
tipicamente nacional”. Certamente as novas gerações, com o treinamento que estão
recebendo na Rede, terão estilos muito mais econômicos e objetivos. Na nossa
reflexão, não cabe julgar se isso é bom ou mau, cabe apenas registrar uma tendência
de mudança.

“Ha mais de cinco tipos diferentes de correio eletronico. Se eles conseguem


conversar e trocar mensagens ente si, gracas a Internet, isso nao quer dizer que
todos os problemas de compatibilidade estejam resolvidos.”

O pressuposto é correto e o problema concreto, mas não me parece definitivo. Quem


quer que use o correio eletrônico com freqüência sabe perfeitamente o que é essa tal
incompatibilidade entre máquinas. Outro dia, por exemplo, recebi uma mensagem cujo
subject era:

=?iso-8859-1?Q?mudan=E7a_convencional?=

Leiga que sou, só consegui perceber que o cedilha de “mudança” se transformou em


=E7. Não entendi mais nada além da palavra “convencional”! Imagine o leitor uma
mensagem inteira com esse tipo de “ruído”! Torna-se certamente ilegível.

113
Mas a tendência é a de que isso mude, como mudou no caso dos programas de
computadores não relativos à Internet. Agora, é bom que isso mude rápido porque as
conseqüências dessa regra, que é observada por grande parte dos usuários brasileiros,
podem ser bastante sérias.

Explico o que quero dizer. A regra de não acentuação, que também é adotada nos chats
por razões análogas além da óbvia economia na digitação, diferentemente da regra da
concisão, não colide com traços da cultura nacional, muito embora os acentos façam
muita falta na língua portuguesa. Diria mesmo, embora correndo o perigo de exagero,
que a regra de não acentuação reforça uma certa preguiça em aprender a acentuação
correta e um certo descaso pela mesma, muito comum entre os jovens desde tempos
pré-ciberespaciais. O não dever acentuar, se válido por um longo tempo, pode, portanto,
ter uma ou ambas de duas consequências bastante sérias: fazer com que levas de
jovens não aprendam a acentuação da língua portuguesa e/ou se tornar uma alavanca
de mudança da mesma!

“Nunca escreva um e-mail quando estiver com raiva. Uma agressao por escrito e
muito mais forte e duradoura que uma agressao verbal.”

Foi com surpresa que reagi a esse item, que também é útil para os chats, quando o li
pela primeira vez. Esta sempre me pareceu uma regra básica de qualquer
correspondência! E é. Só que, depois me dei conta disso, as pessoas há muito haviam
deixado de se corresponder. Os jovens, principalmente, antes do aparecimento das
primeiras versões da “netiqueta”, tendiam a mostrar um total desconhecimento dessa
regra e escreviam suas mensagens sem pensar no que estavam dizendo. Que bom que
sempre há quem assume a responsabilidade de divulgar regras básicas e difundir o
bom senso gerado pela experiência de vida! O que é bom sempre pode ser ouvido ou
lido, mas o que é ruim deve ser dito e, principalmente escrito, pensadamente. Talvez
seja por isso que é geralmente tão gostoso receber e-mails. Eles tendem a ser leves
justamente porque, em sua maior parte, sua linguagem está livre de arroubos negativos!
A conseqüência dessa regra e desses procedimentos é geralmente, portanto, um texto
leve e livre de sentimentos negativos em estado bruto. Uma ótima conseqüência para
uma época de tanto stress, não?

“O correio eletronico e um meio informal, mas em mensagens de negocios


sempre e necessario certo grau de formalidade.”

O mero aviso de que, às vezes, alguma formalidade pode ser necessária, mesmo no
correio eletrônico, nos dá a dimensão do quanto as coisas já mudaram e do quanto
ainda poderão mudar. Não faz muito tempo, tratávamos qualquer pessoa mais velha
como senhor/senhora, e colocávamos roupas especiais -- formais e finas -- para tratar
de negócios no centro da cidade. Quando imaginaríamos que alguma troca de
mensagens de negócios pudesse receber um tratamento informal? Mais uma vez reagi
com surpresa e mais uma vez me dei conta de que a Rede subverteu tanto as coisas
que os muito jovens podem nunca ter aprendido que, na realidade cotidiana, há outras
regras de tratamento, polidez, refinamento, respeito, hierarquia, etc.

“Continuidade - Nunca comece uma nova mensagem para responder a que voce
acaba de receber. Um dos recursos mais uteis do e-mail e a resposta automatica.

114
Voce aperta um botao e surge uma mensagem nova a ser preenchida, em que o
remetente vira destinatario.”

Sim, com um simples clicar do mouse sobre um botão, o remetente vira destinatário.
Mas isso não é o mais importante. O importante é que toda a mensagem do remetente
aparece sob a forma de citação. Assim, não há a necessidade de resumir ou
parafrasear o que o remetente disse ou perguntou para que possamos responder. Basta
colocar a resposta logo após a pergunta dele no mesmo texto. Dou um exemplo.

Recebo a seguinte mensagem:

Oi Ana!
Tudo bem? :)
Bom to te mandando esse mail porque descobri aqui nas minhas andancas pela
Internet varios sobre Psicologia, mas achei um em especial que eu acho que
vai te interessar muito!
Em www.behavior.net tem varias coisas que voce pode conseguir e um dos
links sao discussoes sobre varios assuntos e um deles e sobre Psychology of
cyberspace! Achei a sua cara!

Bom, eu nao xeretei la nao, mas acho q deve ter coisas interessantes!
Um beijo grande!
Fernanda

Se quero responder, basta clicar em reply (responder) e tudo vira uma citação (o
símbolo > indica isso).

>Oi Ana!
>Tudo bem? :)
>Bom to te mandando esse mail porque descobri aqui nas minhas andanças pela
>Internet varios sobre Psicologia, mas achei um em especial que eu acho que
>vai te interessar muito!
>Em www.behavior.net tem varias coisas que voce pode conseguir e um dos
>links sao discussoes sobre varios assuntos e um deles e sobre Psychology of
>cyberspace! Achei a sua cara!
>
>Bom, eu nao xeretei la nao, mas acho q deve ter coisas interessantes!
>Um beijo grande!
>Fernanda

Agora, posso usar como quiser o texto que recebi. Posso deletar o que não me
interessa, inserir meu próprio texto logo após aquilo que quero responder, etc. Numa
correspondência convencional, dado o lapso de tempo entre o envio de uma carta e o
recebimento da resposta à mesma, ninguém mais se lembra exatamente do que
escreveu a não ser que guarde uma cópia. Desse modo, quem responde é forçado a
resumir as perguntas e comentários do remetente que deseja responder. Nada disso é
necessário na correspondência eletrônica. Vejamos, por exemplo, qual foi minha
resposta à mensagem de Fernanda e o que aproveitei do seu texto.

Oi, Fernanda!

115
>Tudo bem? :)
Tudo otimo! :)

>Em www.behavior.net tem varias coisas que voce pode conseguir e um dos
>links sao discussoes sobre varios assuntos e um deles e sobre Psychology of
>cyberspace! Achei a sua cara!
Obrigada pela lembranca.

>Bom, eu nao xeretei la nao, mas acho q deve ter coisas interessantes!
Vou xeretar e depois te conto.

>Um beijo grande!


Outro,
Ana

O texto da correspondência não é mais estático. Tornou-se dinâmico e com ele


podemos interagir. Não há mais a necessidade de resumir ou parafrasear. A
correspondência deixou de ser um diálogo um tanto ou quanto com cara de monólogo
para tornar-se efetivamente um diálogo. E um diálogo econômico!

Quais os efeitos que isso pode ter? Muitos, entre os quais o de mudar o estilo de
escrever de milhões de usuários mundo afora e no Brasil, além do de eliminar os riscos
de imprecisão de um resumo feito de memória ou de uma paráfrase. A reprodução pode
e deve ser precisa e essa precisão de fácil acesso já está sendo muito utilizada.
Entrevistas via e-mail já estão sendo muito usadas em revistas e jornais... Boa parte das
pesquisas feitas para a confecção deste livro também usou o e-mail!

“Convencoes - O e-mail tem uma serie de convencoes proprias a sua linguagem.


Para enfatizar uma palavra coloque-a entre asteriscos ( *assim* ). Uma palavra
em letras maiusculas e interpretada como grito ( ASSIM ). Por isso nunca mande
mensagens escritas so com maiusculas. Sao consideradas ofensivas. O uso de
abreviacoes e comum em mensagens informais.”

Maiúsculas significam gritos e não ênfase, já vimos essa regra anteriormente em


relação aos chats. Astericos devem ser usados para enfatizar. Não lemos a regra mas
vimos um exemplo desse uso na sessão de IRC que reproduzi. As regras sobre o uso
de recursos gráficos, inclusive os smileys, são as mesmas. “Por quê?”, pode perguntar
o leitor que não conhece nada disso. Por que não podemos usar os recursos habituais,
aqueles que usamos em qualquer texto escrito, como, por exemplo, enfatizar usando
negrito ou itálico, ou revelar nossa emoção através de palavras? Não podemos usar
negrito, itálico, etc. porque os programas não aceitam esses recursos. E, caso algum
venha a aceitá-los, tal como a acentuação, levará algum tempo para que possamos
utilizá-los com a certeza de que não estaremos gerando problemas de incompatibilidade
e ruído. Mas isso também deve ser temporário... Quanto a revelar nossa emoção
através de palavras, a questão que se coloca é outra, aquela básica na comunicação
online: a rapidez e a concisão. Não acredito que isso venha a mudar...

O que é decididamente definitivo é que o e-mail chegou para ficar e, juntamente com os
programas de chat, está gerando um modelo de escrita novo e internacional. Chega,
muitas vezes, a ser difícil retornar ao velho estilo mais rebuscado e pensado, uma vez

116
incorporadas todas essas facilidades e regras. O estilo de texto que venho descrevendo
-- o da escrita online -- é poderoso e já pode, inclusive, ser detectado em textos escritos
e divulgados fora da Rede, mas que a ela dizem respeito, como os jornalísticos.

Uma observação sobre as respostas aos nossos questionários que recebemos


por e-mail.

O leitor atento poderá ter observado que todos os depoimentos obtidos através dos
questionários enviados por e-mail que foram citados neste livro estavam acentuados.
Será que os usuários que os responderam ignoravam a regra de não acentuação da
“netiqueta”?

Esse certamente não foi o caso. Na realidade, em sua esmagadora maioria, nas
mensagens que recebemos não havia acentos, til, cedilhas, etc. Todas elas usavam
uma linguagem bastante informal e os erros de digitação também não eram
infreqüentes. Essas mensagens são um excelente exemplo de um estilo online de texto.

O que, então, aconteceu entre o recebimento dessas mensagens e seu uso no livro?

Respondo e assumo a responsabilidade. O que aconteceu foi que tive que tomar uma
decisão. Ao retirá-las de seu ambiente natural -- ou seja, da tela do computador --, e
colocá-las no ambiente offline de um texto impresso, decidi que as respostas deveriam
respeitar as regras do último para que a harmonia do texto não fosse interrompida,
principalmente para aqueles que não têm familiaridade com o texto online. Esse tipo de
procedimento certamente será irrelevante dentro de pouco tempo quer seja porque cada
vez mais pessoas estarão familiarizadas com o texto online, quer seja porque haverá
maior compatibilidade entre programas, o que permitirá o uso irrestrito de acentuação
online. No atual estágio, no entanto, esse expediente me pareceu necessário para evitar
confusões e mal-entendidos ou sua contrapartida, o excesso de explicações fora de
hora. A partir desta discussão, no entanto, os leitores encontrarão algumas mensagens
em que foram mantidas as características da escrita online.

117
A influência do hipertexto

No segundo número de seu primeiro ano de vida, o ano de 1996, o Guia da Internet.Br
dava sua primeira lição de HTML -- acrônimo de HyperText Markup Language ou
Linguagem de hipertexto baseada em marcas -- e indicava os endereços na Rede onde
os usuários poderiam obter as principais ferramentas necessárias para a aventura de
construir a sua primeira home page. O professor era André Luna, analista de sistemas.

Apesar desse tipo de divulgação e das lições explícitas dadas pela revista em questão,
e por outros veículos da mídia especializada, ainda não são muitos os usuários que
sabem utilizar os recursos tornados disponíveis pela HTML. Na realidade, diria que são
a grande maioria.

Assim sendo, pode pensar o meu leitor, o poder de difusão desse tipo de linguagem é
pequeno. E terá razão, ao menos parcialmente.

Vejamos um exemplo de HTML. E é um exemplo que já usamos na forma de texto


legível antes! O do Dicionário Smiley, ou o dicionário dos emoticons.

<P>Esta &eacute; uma vers&atilde;o n&atilde;o oficial &quot;Dicion&aacute;rio


de Carinhas&quot; (smileys). Aqui voc&ecirc; encontrar&aacute; muitas carinhas
que geralmente s&atilde;o utilizadas em mails, em comunica&ccedil;&otilde;es
eletr&ocirc;nicas e no IRC.</P>

<P> Voc&ecirc; conhece aquelas combina&ccedil;&otilde;es estranhas de


par&ecirc;nteses,
colunas e coisas do tipo que vira e mexe encontra em e-mail's e newsgroup's
? Elas se chamam &quot;Smileys&quot;. E na Internet s&atilde;o uma linguagem
&agrave; parte.</P>

Com todas essas marcas e especificações não dá para entender nada, certo? Só que
essas especificações e marcas se tornam invisíveis quando lidas numa home page no
ciberespaço. Lá o que aparece é o seguinte:

“Esta é uma versão não oficial ‘Dicionário de Carinhas’ (smileys). Aqui você
encontrará muitas carinhas que geralmente são utilizadas em mails, em
comunicações eletrônicas e no IRC.

Você conhece aquelas combinações estranhas de parênteses, colunas e coisas


do tipo que vira e mexe encontra em e-mail's e newsgroups? Elas se chamam
‘Smileys’. E na Internet são uma linguagem à parte.”

A maior parte dos usuários sequer se dá conta da linguagem e dos comandos invisíveis
que estão sempre por trás de uma home page. No entanto, todos os usuários da World
Wide Web (ou WWW) são indiretamente influenciados pela HTML, ou melhor, por uma

118
de suas marcas: a marca de link de hipertexto. Citando o mesmo artigo-lição da revista
Guia da Internet.Br:

“A marca de link faz exatamente o que todas as outras fazem [dá comandos
explícitos que serão invisíveis no texto final]. A diferença é que ela contém um
endereço para uma outra página. O tipo mais simples é quando a página apontada
está armazenada no mesmo diretório que a corrente. (...)
Com a mesma facilidade com que você constrói um link para uma página na sua
própria máquina, você pode fazer o mesmo para uma página em qualquer outro
lugar do mundo. Este é o sentido do World Wide Web.”

Vejamos como se dá essa influência indireta da HTML sobre os estilos de escrever


offline. Começo com um exemplo offline bastante conhecido de escritores de todos os
tipos. É matéria de conhecimento geral que, para aprendermos a escrever com estilo
próprio, temos que ler muito e muitos estilos diferentes para que o nosso estilo possa
germinar a partir de tal fecundação. Ou seja, não é somente o ato de escrever que cria
um estilo de escrita (embora esse certamente o concretize); o ato de ler é de
fundamental importância nessa criação.

Tentemos agora estabelecer um link (que não é de hipertexto) entre a leitura/escrita


online e a leitura/escrita offline. Se o ato de ler um texto convencional -- que por mais
inconvencional que seja o estilo de um autor, ainda é um texto bidimensional e
seqüencial -- pode exercer importante influência sobre a nossa forma de escrever e
pensar um texto on ou offline, o ato de ler um texto online, que usa recursos tão novos
que permitem uma leitura multidimensional e em várias direções, pode ter uma
influência ainda maior.

A diferença é que, no texto offline, o que nos influencia são as técnicas de construção e
redação do argumento, da narrativa, etc. Já, nos textos online, o que nos influencia não
são exatamente os recursos estilísticos usados pelo autor, mas sim os recursos
tecnológicos tornados disponíveis pelo hipertexto.

Sei, por experiência própria e por observação, o quanto o tipo de leitura possibilitado
pelos links de hipertexto deixa suas marcas sobre aqueles que escrevem qualquer tipo
de texto. Ao escrever um texto, de repente sentimos a necessidade de aprofundar um
determinado assunto que não tem diretamente a ver com o argumento ou raciocínio que
estamos desenvolvendo, mas que achamos que poderá interessar o leitor. Se o que
estamos escrevendo vai ser impresso, temos apenas duas saídas: a primeira é a de
usar notas de rodapé, de final de capítulo ou de final de livro; a segunda, a de desistir
de mencionar o assunto. E, mesmo quando usamos notas, temos que fazê-lo com muita
parcimônia. Ainda que sejam breves, elas interrompem o fluxo do texto principal, pois
têm que ser lidas na hora já que não são fáceis de encontrar num mero passar de
segundos olhos.

Já se o que estamos escrevendo vai ser transformado em hipertexto, podemos


simplesmente sublinhar uma palavra ou expressão que, quando clicada com o mouse,
remeterá para o que quer que quisermos sem interromper o fluxo do texto principal. É
sempre possível voltar ao texto já lido e encontrar facilmente um link. Este geralmente
está em cor diferente para dar destaque.

119
Não é à toa que em www.pacificspirit.com/Courses/WWWCo, encontrei, num
documento sobre os pontos de partida conceituais das redes de informação, uma seção
intitulada Gutenberg all over again! [O retorno de Gutenberg! ou Gutenberg está de
volta!]. Vou traduzir livremente alguns trechos do texto em inglês:

“Quando Johann Gutenberg criou a imprensa por volta do ano de 1450 ele mudou
praticamente todos os aspectos da sociedade européia. Depois de Gutenberg
tornou-se possível reproduzir documentos mecanicamente de tal forma que um
grande número de pessoas pudesse lê-los e divulgá-los.

Comparado à laboriosa transcrição de documentos à mão executada pelo clero, o


novo método era rápido e confiável. Essa simples mudança significava que as
Bíblias passavam a estar tanto nas igrejas quanto nas mãos da congregação.
Significava que as notícias passavam a ser escritas ao invés de faladas. Essa
mudança deu início a uma cultura baseada no conhecimento divulgado pelo livro
impresso, pelos jornais e pelos romances.

Agora a palavra, além de ser produzida mecanicamente, passa a ser produzida


eletronicamente. O novo papel é a tela do computador (...) A World Wide Web (...)
é um novo meio de publicação que promete ter um efeito tão profundo na
transferência de idéias quanto a invenção de Gutenberg (...)

A World Wide Web consiste de um grande número de documentos e programas


que vivem na Internet. Esses documentos são “conectados” (“linked”) de tal
forma que o usuário possa clicar uma palavra ou imagem num documento e
chamar um documento completamente diferente. Isso é conhecido como “link de
hipertexto” e é um grande passo além daquilo que é possível fazer na mídia que
tem o papel como base (...)”

Tudo isso pode parecer exagerado ao meu leitor, mas, para mim, bem como para outros
usuários, os aspectos revolucionários do hipertexto são palpáveis. O leitor já sabe qual
é a minha opinião. Vejamos, agora, o que dizem alguns desses usuários quando
solicitados a definir livremente “hipertexto” e “links”.39

Carlos Eduardo Cavalcante (23 anos, analista de suporte Internet):

“Hipertexto
Combinação de textos, imagens, som e video numa coisa
definida como HTML, que ao meu ver é uma revolução no
mundo dos homens.
Links
Ligações para outras páginas ou Sites.”

Pedro Werneck (32 anos, engenheiro):

“Hipertexto -- evolução natural do texto, ou seja depois do


textu-erectus chegou a vez do textu-sapiens -- um texto esperto que

39
Esses e outros depoimentos de usuários sobre o hipertexto podem ser encontrados em NOVOS
CONCEITOS. Leia mais a respeito dos nossos procedimentos de coleta de dados em O IMPACTO DO
NOVO.
120
ajuda a desenvolver a cultura através de links e procuras diretas on
touch.
Links - placas de indicação virtuais, seria como vc estacionar com
seu carro sobre uma placa indicando Itaquaquecetuba e **Plim** ir para lá
num passe de mágica.”

José Carlos Nogueira (dados pessoais não disponíveis):

“Hipertexto ====> texto que permite a interação com o leitor, permitindo


que este interrompa a leitura para obter mais informação disponível sobre
um conceito realçado no texto. Sua leitura se torna mais semelhante a uma
conversa com quem escreve o texto.
Links ====> Redirecionamento para outro serviço.”

Adelina Nogueira (24 anos, jornalista):

“Hipertexto - texto que contém links (portas de acesso) a outros


textos, revelando, a meu ver, de forma mais explícita que o texto impresso a
intertextualidade, ou seja, relação entre entre textos.

Sandra Vieira (24 anos, estudante de comunicação)

“Hipertexto é um texto não-linear. Ao invés de todos os leitores lerem todas as


páginas na mesma ordem pré-estabelecida, cada leitor decide quais partes ler e
em qual ordem, dentre as possibilitadas pelo(s) criador(es) do hipertexto.”

Sandra está certa: à liberdade para o escritor, à qual me referi acima, corresponde a
liberdade para o leitor, que pode escolher não somente o que ler, mas também como ler
o que escolhe. E aqui o meu leitor tradicionalista dirá: “Ora, também fazemos isso num
livro impresso!” E ele terá razão.

A diferença é a de que fazemos isso quando conseguimos ter com o livro impresso uma
relação de independência, o que nem todos conseguem. Quantos são os leitores que
não conseguem abandonar um livro pela metade, ler simplesmente o início e o final de
um livro, fazer uma leitura na “transversal”, etc? Ainda são muitos. E por que reagem ao
livro desta forma? Porque foram treinados para ler qualquer tipo de texto da primeira à
última palavra e nunca conseguiram se libertar dessa prisão. Qualquer outro tipo de
leitura pode ser, por eles, sentido como uma transgressão!

Já o texto ciberespacial não é feito necessariamente para ser lido do início ao fim de
uma só feita. O texto ciberespacial incita e promove o aprofundamento de detalhes, de
questões tangenciais, etc. Ou seja, como diz José Carlos, sua leitura se torna
semelhante a uma conversa com quem o escreveu. Como o texto ciberespacial é ainda
muito novo para leitores e escritores, poucos dominam as suas técnicas de redação e
argumentação, e o resultado é que raramente lemos um desses textos do início ao fim.

Mesmo assim pode ser detectada offline a influência do que chamaria de texto WWW. E
essa é tão grande que já podemos encontrar tentativas de colocar links no papel. Dou
dois exemplos fáceis de serem consultados: a seção Hipertexto da revista Veja, e a
publicação Help! Língua Portuguesa, cujo copyright pertence ao jornal O Estado de São

121
Paulo e à Klick Editora e que foi, no Rio de Janeiro, distribuída pelo jornal O Globo. Ou
seja, as tentativas de colocar links no papel, sem muito sucesso é fato, estão sendo
feitas por gigantes da imprensa brasileira!

No entanto, é bom deixar claro que, pelo menos até agora, não podemos falar de um
estilo WWW. E isso porque o hipertexto é um recurso inédito ainda mal explorado. É
mais do que freqüente encontrarmos textos ciberespaciais de má qualidade porém
recheados de links. Seu valor está nos links que oferecem e não no texto em si. Quando
isso acontece, o leitor embarca no primeiro link que encontra e jamais retorna à página
de origem... Mas, isso é desculpável porque tudo isso é muito recente e aprender a
escrever bem leva muito tempo. Chegará o dia em que surgirão bons escritores de
hipertexto que saberão usar os links de forma integrada com o texto principal que, por
sua vez, terá atrativos próprios... Na realidade, acho que chegará o dia em que todos
aprenderemos a redigir e compor textos ciberespaciais. Uns serão melhores do que
outros e desenvolverão recursos estilísticos inerentes ao próprio cibertexto...

122
Os novos usos de linguagem da mídia

À mídia especializada -- como os cadernos de informática dos grandes jornais e as


revistas sobre a Internet -- cabe a tarefa de fornecer os elementos que possibilitam a
transição da vida offline para a vida online. E, como a mídia especializada vem
desempenhando esse papel desde os primeiros momentos da era ciberespacial no
Brasil, também a ela devem ser dedicados os louros do registro passo-a-passo de uma
transformação sem precedentes na história mundial.

Cadernos de informática dos grandes jornais e revistas especializadas na Rede foram


sendo criados a partir das necessidades, em constante expansão, de usuários-leitores.
Estes sempre precisam de informação sobre máquinas e programas em suas versões
que se renovam em alta velocidade, precisam de “aulas” sobre o uso disso ou daquilo,
têm curiosidade em saber como os outros usuários reagem a tal ou qual novidade, etc.
Precisam, também, de profissionais que lhes ofereçam alguma versão sobre o conjunto
de novas experiências que estão tendo, ou seja, que os ajudem a integrar sua
experiência com a vida online no conjunto de experiências da vida offline. E a mídia
especializada faz de tudo isso um pouco. E o faz com competência porque é feita para
usuários por usuários para quem tudo isso também é novo.

E usuários tendem a usar uma linguagem em comum, uma linguagem que tem, em sua
base, os princípios da comunicação online: uma linguagem leve, bem-humorada,
informal, cheia de jargões e gírias, além de econômica. Mas, em se tratando de mídia --
e aqui incluo as publicações offline e online -- que tem que dar conta de uma realidade
sempre nova, porque sempre recheada de últimas novidades que se sucedem com uma
rapidez espantosa, sua linguagem difere um pouco das comunicações interpessoais no
ciberespaço. Segue-se um exemplo desse tipo de linguagem, retirado da conhecida
coluna de Carlos Alberto Teixeira, o C@T, do Caderno Informática, etc. do jornal O
Globo, de 25 de agosto de 1997:

“Alguma vez a leitora se viu totalmente perdida diante do BIOS de sua máquina?
É quase certo que sim. Você abre o setup do seu PC e logo aparecem aqueles
parâmetros enigmáticos que ninguém é capaz de explicar, a menos que você
chame o hardwarista de plantão. Nosso amigo Carlindo Lago da Costa
<carlindo@pobox.com> andou fuxicando pela rede e encontrou uma web page
ideal para quem quer desvendar os mistérios do BIOS. A página usa frames e é
escrita em inglês, mas para grande parte dos internautas, isso não é problema.”
(Os itálicos das palavras inglesas ou originadas do inglês são meus.)

A característica desse discurso jornalístico sobre a Rede que mais chama a atenção é o
uso de uma língua que tem no português sua base gramatical, mas cujos vocábulos são
em grande parte provenientes do inglês, com ou sem adaptações à nossa língua pátria.
Fôssemos nós vítimas de algum tipo de xenofobia e teríamos que ter tradutores
especializados de plantão 24 horas por dia. Só assim daríamos conta de traduzir cada
termo adequadamente porque para se traduzir um termo que é novo, ou adquiriu um
uso novo mesmo em sua língua original, é necessário saber o que ele significa e, para

123
saber o que algo novo significa, temos que ter contato com o conceito ao qual está
vinculado. Confuso? Não, essa é uma simples questão de lingüística!

Mas, felizmente para todos, nós sempre convivemos muito bem com línguas
estrangeiras e sempre tivemos uma queda especial pelo inglês. Assim sendo, o trabalho
de incorporação de um novo vocabulário, que diz respeito a uma nova realidade, é
muito facilitado. Bastam algumas operações bastante simples e a incorporação é feita
de forma rápida e relativamente indolor.

Quais são algumas dessas operações?

A primeira, e a mais simples, é a incorporação do vocábulo ou expressão em inglês sem


qualquer alteração, como setup [configuração], web page [página da World Wide Web] e
frames [molduras], no trecho da coluna do C@T reproduzido acima. Esse é, também, o
caso outras palavras bastante comuns como home page, link, chat, software, hardware,
mouse, e-mail, etc. Quando isso acontece, os vocábulos recebem o mesmo tratamento
dedicado às palavras da língua portuguesa, como, por exemplo, o plural em s mesmo
no caso de palavras como hardware e software, que não comportam plural em inglês, e
mouse, cujo plural em inglês é mice.

A segunda operação é a incorporação da palavra inglesa, desta feita adaptada à língua


portuguesa. C@T também usa esse recurso ao transformar hardware em radical da
palavra hardwarista, ou seja, aquele que lida com hardware. Outros exemplos são
deletar, clicar, scannear, etc.

Uma outra incorporação interessante é a dos nomes de programas como ICQ e


CuSeeMe. Esses são pensados para, em sua língua original, descreverem, quando
lidas as iniciais, as principais características dos programas em questão. ICQ, por
exemplo, é lido como I seek you [Eu procuro você] e é um pager, ou seja, um programa
que localiza usuários da Rede e lhes envia mensagens onde quer que estejam no
mundo. É lido em português tal como em inglês -- nunca como as letras i, c e q no
nosso alfabeto! --, o que difere é simplesmente a pronúncia. Ao outro programa -- o
CuSeeMe -- já ouvi várias referências do tipo “Aquele programa de nome feio...”. Mas,
em inglês -- e também no inglês brasileiro -- a leitura que se deve fazer é See you see
me [Vejo você, você me vê] e indica que o programa desenvolvido na Universidade de
Cornell -- Cornell University ou CU -- envolve o recurso de vídeo. É importante lembrar
que essa incorporação traz em seu bojo a absorção de uma lógica (ágil e que permite
usos bastante criativos como o de transformar substantivos em verbos) até pouco
tempo estranha à língua portuguesa e à cultura brasileira.

E é a essa mesma lógica -- a da língua inglesa, principalmente em sua versão norte-


americana, e da cultura da terra de Tio Sam -- que pertencem os nossos já conhecidos
emoticons (palavra formada a partir de emotion icons, ou ícones de emoção) ou smileys
(palavra formada a partir de smile, ou sorriso), que geralmente acompanham o
tradicional “Have a nice day!” [“Tenha um bom dia”] sorridente dos americanos. E é
ainda a essa lógica, agora aplicada ao português e à cultura brasileira, que pertencem
palavras como vIRCiados [viciados em IRC], IRContros [encontros de pessoas que se
conheceram virtualmente num canal de IRC], Netiqueta [regras de etiqueta da Net], etc.

124
Com tantas novidades e tantas incorporações, seria de se esperar que os usuários
ficassem à deriva, não fosse pelo cuidado da mídia, de algumas editoras, de alguns
sites e até mesmo de provedores de acesso à Rede, de colocá-los a par de todos os
novos vocábulos e significados. Essa é a razão por trás da proliferação de glossários
além da publicação de dicionários on e offline.

O caderno Informática, etc. de O Globo, por exemplo, há já alguns anos, publica


semanalmente uma coluna intitulada Input, na qual são definidos os termos e
expressões mais usados na Rede. Nem todos esses termos e expressões são em
inglês, mas a esmagadora maioria é.

Já a revista Guia da Internet.Br deu um presente a seus leitores no número 10 de seu


primeiro ano de vida. A dica daquele mês foi uma lista de acrônimos, todos eles
baseados em palavras da língua inglesa! Diz o texto introdutório:

“Se você costuma freqüentar listas de discussão, grupos de news ou tem o hábito
de trocar mails em inglês, certamente já se deparou com vários acrônimos que
você não tem a menor idéia do que sejam. Essas siglas, cuidadosamente
estudadas, fazem parte da ‘linguagem da Internet’ e se você não quiser ficar
perdido, fique atento para algumas delas.”
(Os itálicos das palavras em inglês são novamente meus)

Segue-se uma longa lista de acrônimos, dos quais selecionei apenas alguns:

Acrônimo Significado Tradução (livre)

B4 Before Antes
BRB Be Right Back Estou de volta logo
CUL See you later Vejo você depois
FAQ Frequently Asked Questions Perguntas mais freqüentes
MORF Male or Female Homem ou Mulher?
RUOK Are you Ok? Você está ok?
TVM Thanks very much Muito obrigado

E até agora não falei dos dicionários. Há, no Brasil, pelo menos dois dicionários sobre o
vocabulário da Rede, um offline e outro online. Também eles têm como ponto de partida
exclusivamente palavras, expressões, acrônimos e siglas na língua inglesa. O
português só aparece na definição. São eles o Dicionário da Internet, de autoria de
Christian Crumlish e publicado em 1997 pela Editora Campus (com tradução de Carlos
Alberto Teixeira -- o mesmo C@T -- e Astrid Heilmann), e o dicionário online da
PontoNet <http://www.spacenet.com.br/dicionario>.

Enquanto, no primeiro, podemos ter acesso a mais de 2.400 definições de termos


usados na Internet, no segundo o número sobe para 4.000 verbetes, pois
aparentemente esse dicionário online vai além do Internetês, dedicando-se também ao
informatiquês. Mas sempre na língua-mãe de tudo isso, o inglês!

“O que vai acontecer com o português?”, pode estar se perguntando o leitor. Não há
como prever. Mas, certamente, o que quer que aconteça, não vai acontecer somente
com o português. Não é a troco de nada que o governo francês vem, há já alguns anos,

125
travando uma verdadeira batalha contra a incorporação de palavras inglesas à sua
sempre bem-cuidada língua pátria.

Ainda nos idos de 1994, mais exatamente no dia 6 de maio daquele ano, o jornal O
Globo publicou uma matéria sobre a defesa da língua francesa cujo título era Nova
batalha na guerra ao franglês. Dessa matéria retirei os seguintes trechos:

“PARIS -- A França avançou mais um passo em sua cruzada de purificação


da língua pátria. Depois de dois dias de debates, a Assembléia Nacional aprovou
ontem uma lei que proíbe o uso de palavras estrangeiras nos anúncios
publicitários. O objetivo é combater o uso excessivo e indiscriminado de
expressões inglesas como stand-by, on line ou software, que segundo os autores
do projeto estão transformando o francês em ‘franglês’.
(...) O projeto -- considerado por muitos manifestação de arrogância
cultural ou obsessão maníaca -- proíbe o uso de palavras estrangeiras em
contratos, anúncios públicos e propaganda no rádio e na televisão. Elas deverão
ser substituídas por termos aceitos pela Academia Francesa. Nas conferências e
seminários, os franceses não poderão ser obrigados a falar em outra língua. O
artigo preocupou os cientistas, que geralmente usam o inglês nas palestras
internacionais.
-- O projeto reflete a imagem de um francês de mentalidade estreita que se
coloca sempre na defensiva -- atacou o deputado socialista Didier Mathus.
As sanções não são descritas em detalhes, mas o projeto classifica as
faltas e contravenções, categoria que implica penas de até seis meses de prisão e
multas de até US$ 8,7 mil.
-- As penas são limitadas. É falso dizer que as prisões ficarão cheias de
jornalistas que falam incorretamente -- declarou o ministro da Cultura, Jacques
Toubon.”

É óbvio que, tal como os brasileiros, os franceses estão sentindo a necessidade de


incorporar as palavras e idéias novas que são produzidas em altíssima velocidade. Não
seria necessário chamar o corpo de bombeiros se não houvesse sequer uma fumaça. E,
no caso, havia e há mais do que fumaça. Há fogo mesmo, e fogo que se alastra por
todos os países em que o inglês não é a língua oficial. Talvez seja melhor aceitar essa
realidade porque línguas sempre foram dinâmicas e ninguém pode proibir o cidadão
comum de usar a terminologia que quiser na língua que bem lhe aprouver, ou pode?

A história parece provar que não. Talvez um dia, tal como latim, algumas línguas
deixem de ser faladas... No entanto, ninguém precisa perder o sono, porque isso não
vai acontecer num futuro próximo.

126
Inglês: a moderna versão do esperanto?

No final do século passado, Ludwig Lazar Zamenhof, um médico judeu-polonês,


elaborou uma língua auxiliar de comunicação internacional que começou a divulgar no
ano de 1887. Essa língua era o esperanto.

Mais de um século depois, não é preciso dizer que o esperanto nunca cumpriu o seu
objetivo de possibilitar a comunicação entre povos de origens lingüísticas diversas
simplesmente porque as pessoas jamais aprenderam a usá-lo. Línguas faladas são
línguas naturais, e línguas naturais não são intencionalmente criadas por alguém.
Línguas naturais são eminentemente convenções sociais internalizadas por todos
aqueles que fazem parte da cultura na qual são faladas. Línguas naturais, portanto, se
desenvolvem, têm seus rumos alterados e, algumas vezes, chegam mesmo a morrer,
em função do que acontece com aqueles que as usam.

O inglês é uma língua natural falada em diversos cantos do mundo por diversas
culturas. É, também, como já vimos, a língua-mãe da Internet pois foi, desde os
primórdios desta, a língua usada por seus criadores. E, por ser a língua-mãe da
Internet, tornou-se também a língua-mãe da cultura gerada por essa rede de
computadores, ou seja, a cibercultura.

Isso não é de pouca monta nos dias de hoje, em que o processo de globalização torna-
se cada vez mais acelerado. Globalização significa integração, cibercultura também
significa integração, e para que haja integração necessita-se de denominadores
comuns, entre os quais uma língua que possibilite a criação e o estreitamento de
afinidades entre povos de origens, línguas e culturas diversas.

Nesse quadro, não há como duvidar que a língua inglesa é a melhor candidata a se
tornar a língua auxiliar de comunicação internacional que o esperanto jamais conseguiu
ser. O que vai acontecer com as outras línguas é difícil prever. Vai depender muito do
quanto os povos que as têm como línguas maternas desejarem manter vivas suas
raízes culturais e lingüísticas, bem como do regime de convivência que estabelecerem
com a nova cultura e a nova língua do ciberespaço. Se, para que possam manter sua
língua e sua cultura intactas, esses povos -- ou seus dirigentes -- resolverem abolir a
língua e a cultura ciberespaciais, temo que desapareçam as primeiras, pois a língua e a
cultura ciberespaciais estão se tornando cada vez mais inescapáveis. Registrar isso do
modo que nós, brasileiros, estamos fazendo, talvez seja uma demonstração de
sabedoria e da ginga e jogo de cintura, que são as marcas registradas da nossa cultura.
Afinal, ginga e jogo de cintura sempre foram armas de integração!

127
NOVOS RELACIONAMENTOS

A Internet introduz, na já complicada área dos relacionamentos humanos, uma cisão


que corresponde à cisão por ela instaurada entre a realidade virtual e a realidade
cotidiana, que muitos chamam de “real”.40

Na realidade “real” ficam os relacionamentos “reais”, ou seja, aqueles em que se crê


poder atingir o âmago do outro através de seus olhos, mas que, mesmo assim, geram
muitas desilusões porque têm suas bases nas aparências, nas convenções e nas
restrições sociais. Com as dificuldades geradas por esse tipo de relacionamento,
estamos relativamente acostumados a lidar na realidade cotidiana, e, por isso mesmo,
sabemos que nem sempre seremos bem-sucedidos.

Na realidade “não real” estão os novos tipos de relacionamento, os chamados


relacionamentos virtuais, em que as pessoas se conhecem em canais de bate-papo
sem saber que aparência têm, ficam amigas sem jamais terem se visto ou ouvido,
namoram e amam sem jamais terem se tocado ou trocado um beijo... O que conta é o
que essas pessoas escrevem, pois são relacionamentos via teclado. E, pelo menos no
início, elas escrevem sob a proteção do anonimato, dado que, nos canais de chat, as
pessoas não usam seus nomes, mas sim apelidos que podem ser trocados segundo a
vontade e conveniência do usuário. Alguns acham que isso é loucura, outros que isso é
uma fuga, outros, ainda, que é uma forma de isolamento. Esses são os adeptos dos
relacionamentos convencionais que, ou jamais se conectaram à Rede, ou usam e
abusam da mesma, mas odeiam os relacionamentos virtuais. No entanto, a julgar pela
popularidade incontestável dos canais de IRC (Internet Relay Chat), ou semelhantes,
mundo afora, há algo de especial nesses novos relacionamentos. Não são poucos
aqueles que se dizem viciados nesse bate-papo digitado.41

Esta talvez seja a área na qual o impacto da Internet sobre seus usuários ganhe maior
visibilidade e, por isso mesmo, ocupe o centro das atenções (principalmente na mídia
especializada) quando se fala sobre as influências do ciberespaço. As interpretações
são muitas, mas não dão conta da complexidade introduzida por um fator que
geralmente recebe pouca atenção: a difícil conciliação dessas duas realidades
paralelas, que só pode ser feita pelo usuário.

Quem, geralmente familiares e amigos, acusa o usuário de estar tendo uma atitude anti-
social e de estar se isolando, quando este passa horas a fio papeando através do
computador, tem razão em dizer isso. Do ponto de vista das relações sociais
convencionais, esta é uma forma de isolamento.

Já quem, geralmente o usuário, revida, apaixonadamente, alegando como defesa o fato


de que o bate-papo ciberespacial é uma nova forma de sociabilidade, também está
coberto de razão. Um dos maiores atrativos da Internet é justamente a facilidade de se

40
Vários usuários já dão provas da dificuldade que têm que lidar com esses conceitos ao defini-los
informalmente, ver NOVOS CONCEITOS.
41
Ver, por exemplo, o depoimento de Márcio “Big” Mattos, em O fenômeno chat e o autoconhecimento,
e também o de Sonia em Os prós e contras dos relacionamentos virtuais, ambos neste bloco.
128
comunicar de forma rápida e barata com quem quer que se queira em qualquer parte do
mundo.

Não tendo qualquer pretensão de esgotar o assunto, que merece por si só um outro
livro, quero somente fazer um breve registro de alguns aspectos que não têm merecido
muita atenção por não serem tão visíveis quanto outros.

Assim sendo, quero mostrar que as maiores dificuldades, tanto para o usuário quanto
para aqueles que o cercam, emergem não necessariamente do uso do computador por
horas com a finalidade de bater-papo ou trocar e-mails. Isso é relativamente bem
absorvido se o interlocutor do papo ou correspondência digital é um parente, amigo ou
conhecido do mundo “real”. Os problemas de ordem interna, familiar e social para o
usuário surgem quando o computador é usado para estabelecer e manter os novos e
revolucionários relacionamentos virtuais. É nesse momento que emerge, para o usuário,
o conflito interno entre as realidades paralelas. É também nesse momento que
começam as acusações de isolamento e comportamento anti-social vindas de amigos e
familiares.

Mas é importante que todos saibam que nem tudo o que acontece na realidade virtual
está confinado à mesma. Muitos são os usuários que já aprenderam a construir pontes
entre as duas realidades e a transferir o conhecimento e a experiência ganhos
virtualmente para o seu cotidiano “real”.

129
Novas possibilidades para relacionamentos antigos

O que Solange Gomes, nutricionista de 32 anos, esperava da Internet antes de acessá-


la pela primeira vez?42

“Um telefone escrito...”

E Jorge Ferreira, engenheiro de 34 anos? Jorge esperava ter:

“Acesso ao correio eletrônico para me corresponder com amigos e conhecidos


fora do Brasil.”

A despeito da diferença de idade, a correspondência com amigos distantes também


fascinou Andréa Bastos, estudante secundária de 16 anos, que diz ter se tornado uma
usuária da Internet, entre outras coisas, por conta do programa de bate-papo:

“... que achei bem interessante, pois tive a oportunidade de falar com muitos
conhecidos, que moram longe, sem precisar pagar a ligação mais cara!”

Já Bianca Viveiros, estudante de psicologia de 22 anos, começou a acessar a Rede por


uma razão análoga e muito simples:

“...para me comunicar diariamente com meu namorado.”


[Ele é estrangeiro e não mora no Brasil]

É visível que um dos aspectos da Rede que mais fascina essas pessoas é a facilidade
de comunicação com pessoas queridas mas geograficamente distantes.

O que há de novo nesse tipo de comunicação? A primeira resposta óbvia é a


velocidade. Enquanto uma carta leva dias para chegar ao seu destino e a resposta
outros tantos dias para atingir o primeiro remetente, a Rede torna disponíveis dois
recursos muito velozes: o correio eletrônico e os programas de bate-papo em tempo
real. O primeiro é veloz e pouco intrusivo, porque o usuário só o acessa quando quer, e
permite uma correspondência muito intensa, comportando a troca de várias mensagens
diárias se os usuários assim o desejarem. Já os segundos, os programas de bate-papo,
correspondem ao “telefone escrito” que Solange Gomes desejava; a troca de
mensagens é imediata caracterizando uma conversa por escrito.

Outras novidades óbvias nesse tipo de comunicação são: a sua facilidade, a sua
garantia de recebimento e seu baixo custo. Em relação ao correio habitual, a
comunicação eletrônica facilita a vida de todos, pois prescinde de envelopes, selos,
postagem, ida aos correios ou a caixas de coleta, etc. Também é desnecessário que se
acuse o recebimento de uma mensagem, pois ela retorna imediatamente ao remetente

42
Solange Gomes e os demais usuários citados neste bloco fazem parte do conjunto de 43 usuários que
enviaram depoimentos sobre suas primeiras impressões da Rede, em resposta ao questionário que lhes
enviamos por e-mail. Leia mais a respeito de nossos questionários e entrevistas em O IMPACTO DO
NOVO.
130
no caso de qualquer problema. Em relação às conversas telefônicas, perde-se muito
com a ausência do contato de voz e toda a energia humana que esse transmite nos
tons de voz, nas inflexões, nas pausas, nas hesitações, etc. Mas, por outro lado, ganha-
se muito no número de contatos passíveis de serem feitos sem restrições de tempo e ao
custo de uma chamada telefônica local.

Nos idos de 25 de outubro de 1995, a jornalista Cora Rónai escrevia didaticamente em


sua coluna Aviso aos n@vegantes do jornal O Globo:

“Quando se diz que a Internet vai mudar radicalmente as formas pelas quais as
pessoas se comunicam, isso não é uma figura de retórica. É um fato. Que
começa, é claro, pela moleza que é usar o correio eletrônico: eu escrevo aqui num
PC, e o meu filho usando um Mac em Ann Arbor, Michigan, recebe a minha
mensagem quase instantaneamente. [Naquela época PC’s e Mac’s eram
incompatíveis para quase tudo.] Por ser tão simples de enviar, esta mensagem é
muito mais coloquial do que uma carta. Mesmo porque o próprio ato de escrever
uma carta é um gesto deliberado, quase sempre revestido de alguma formalidade:
‘Rio de Janeiro, 25 de outubro de 1995...’
Ora, nada disso existe com o correio eletrônico, onde prevalece a versão
pingue-pongue-zás-trás das relações humanas...”

Cora, pioneira que é, pode ter sido uma das primeiras mães brasileiras a fazer uso
desse recurso para se manter a par do cotidiano de seu filho, mas, certamente, muitas
outras mães também já o fizeram, ainda fazem e continuarão fazendo. Mães e pais,
filhos e filhas, irmãos, sobrinhos, primos e avós que vivem distantes, ao fazer uso desse
tipo de comunicação têm uma sensação de continuidade da vida familiar que é
verdadeira pelos padrões de hoje, mas que subverte completamente o que acontecia há
pouco tempo e é agora pouco lembrado. O mesmo acontece entre amigos.

Passo agora às razões não-tão-óbvias pelas quais o correio eletrônico e os canais de


bate-papo instauram novas relações entre pessoas conhecidas mas geograficamente
distantes. Mas, para isso, preciso de alguns termos de comparação.

A menos de uma década atrás, a partida de um ser querido, parente ou amigo,


significava um afastamento brusco que tinha a duração da permanência do ser querido
no lugar distante para o qual partira. Se longo, esse afastamento, no início, geralmente
se caracterizava por uma troca regular de cartas, nas quais o recém-chegado contava
suas novidades, que por serem de recém-chegado ainda faziam sentido para seus
conterrâneos distantes. Com o passar do tempo, no entanto, a freqüência das cartas
começava a diminuir. O recém-chegado começava a viver um cotidiano muito diferente
do cotidiano vivido por seus amigos e familiares e a troca de cartas não era suficiente
para o relato detalhado de todas as novidades vividas. Amigos e familiares não podiam
acompanhar o que estava acontecendo e, por isso mesmo, acabavam deixando de
receber notícias com freqüência. Esses mesmos amigos e familiares, por seu turno,
achavam que não tinham muito a contar sem se repetir e também passavam a escrever
mais espaçadamente, quando não paravam de todo. Ou seja, de um lado, as cartas
eram insuficientes para tantas novidades, e, do outro, não havia muito de novo para
contar. Isso porque somente o grandioso e o fora-do-comum mereciam destaque
suficiente para que uma carta fosse escrita. O mundo já se tornara veloz demais e as
cartas ainda eram muito lentas e davam muito trabalho para remeter.

131
E as notícias da terrinha distante? Estas eram escassas. Uma revista ou jornal recentes
eram coisas cobiçadas entre os que estavam longe. Alguns faziam assinaturas de
revistas, mas elas levavam um bom tempo para chegar... Muitos recebiam uma ou outra
revista ou jornal, sempre com bastante atraso, mas geralmente acompanhados de uma
lata de goiabada cascão ou de doce de leite, além de uma garrafa da legítima pinga!
Tanto a goiabada cascão quanto as notícias do torrão natal eram raras e preciosas.
Convidava-se os amigos para uma grande degustação...

E agora? Bem, para quem vive fora do país, a goiabada cascão pode ainda ser uma
mercadoria rara. Afinal, uma lata de goiabada é composta por átomos! Já as revistas e
jornais não. Esses, ao menos em sua versão online, são compostos por bits e bits
podem ser acessados de qualquer lugar do planeta, tão logo sejam tornados disponíveis
na Rede.

O mesmo vale para os bits da comunicação com familiares e amigos. Esses podem ser
trocados com a freqüência que se desejar e sem o problema de as pessoas estarem
vivendo em contextos completamente diferentes, ou seja, sem ter nada em comum que
não o passado. Os jornais e revistas online mantêm quem está fora atualizado em
relação ao que acontece em sua terra natal, não importa onde esteja e a importância
que, nesse lugar remoto, se dê às suas origens. Hoje todos temos, minimamente, dupla
nacionalidade: somos cidadãos de um determinado país e somos, também, cidadãos do
mundo. Basta ligar a televisão e, nela, acessar uma outra rede -- a Net -- para termos
uma de várias provas contundentes disso. A CNN não nos deixa dúvidas.

Mantido o elo do conhecimento partilhado, e com a facilidade e rapidez dos novos


recursos de trocas de mensagens, famílias e amigos podem compartilhar o cotidiano.
Ninguém escreve uma carta para contar como foi o seu dia, com quem saiu, quem
encontrou na rua ou no supermercado, o filme que viu na televisão, o jantar que
preparou e outras trivialidades no gênero. Essas trivialidades, no entanto, são tão
importantes para a manutenção de um sentimento de intimidade e proximidade que
fazem parte do telefonema, muitas vezes diário, dado por namorados, pais e filhos,
amigos muito íntimos, etc. que vivem numa mesma cidade. Aquilo que Solange Gomes
chama de “telefone escrito”, ou seja, a Internet, torna isso possível mesmo à distância.
Já recebi um e-mail de um parente, em resposta a uma pergunta que lhe havia feito,
que se resumia a duas letras: “ok”!

Dito de outro modo, através dos novos recursos tornados disponíveis pela Internet,
principalmente do e-mail e dos programas de bate-papo, familiares e amigos podem
continuar tendo a sensação de proximidade e intimidade, apesar da distância que os
separa. Essas relações, até pouco tempo atrás, tendiam a se deteriorar ou a se tornar
distantes com o passar do tempo. Agora, no entanto, podem ser constantemente
atualizadas e mantidas no mesmo nível de proximidade e intimidade de antes da
separação. Quem vive fora de seu contexto original pode, nos dias de hoje, facilmente
ter a sensação de uma proximidade virtual com seus familiares e amigos. Pode,
também, ter de um sentimento de estar virtualmente em casa quando em contato com
eles, via e-mail ou chat, ou com seu contexto de origem, via Web.

Mas, talvez surpreendentemente para alguns mas certamente não para mim, os
recursos da Rede até mesmo aprofundam relacionamentos, apesar da distância.

132
Bernardo Viveiros, estudante de engenharia de 21 anos, por exemplo, diz, em resposta
a uma pergunta sobre as mudanças que a Rede vai introduzir na vida de todos, feita
numa entrevista olho-no-olho.

“Acho que, no futuro, uma das possibilidades da rede vai ser o de mudar o jeito
que a gente trabalha, mudar o jeito que a gente aprende, mudar o jeito que a gente
estuda, até mudar a forma que a gente se relaciona porque apesar de se falar ‘ah,
relacionamento por internet é uma coisa mais fria, afasta as pessoas, você
trabalha com o computador’, eu acho isso uma grande baboseira porque, como
exemplo, meus amigos que são de Pernambuco, e eu nunca ia ficar horas, a não
ser que eu ficasse horas no telefone, coisa que eu não ia fazer, eu nunca ia ter um
relacionamento melhor com eles, que agora troco mail todo dia com o pessoal de
Pernambuco, de Minas, do Espírito Santo ou do Rio Grande do Sul do que se eu
tivesse usando telefone ou carta, o que aí ia ser até ridículo. Nosso
relacionamento é muito melhor assim.”

E Bernardo não somente troca mails com os amigos. Embora odiando o chat anônimo
(o usual, ou seja, aquele no qual as pessoas entram para se conhecer e bater papo), ele
usa os recursos desse bate-papo online e em tempo real para aprofundar suas
amizades. Bernardo e vários de seus amigos se encontram em canais de IRC:

“Até uso IRC se eu for fazer uma reunião com o pessoal de Minas, Pernambuco e
São Paulo, aí tudo bem, aí junta o pessoal e vamos fazer uma reunião pelo IRC...”

Flávia Penna, estudante secundária de 17 anos, entre outros usuários, faz o mesmo tipo
de uso talvez com maior intensidade por conta de sua tenra idade. Perguntada, através
de questionário via e-mail, a respeito dos programas de Rede que mais usa, ela
responde que usa todos os possíveis e para tudo, inclusive bater papo:

“p/ vcs [para vocês] terem uma idéia, tenho um grupo de amigos - 23 pessoas - que
conversam todos os dias pela Net...”

Esta é certamente uma nova forma de aprofundar e manter amizades. Mas é uma forma
que integra a realidade virtual, responsável pela sensação de proximidade apesar da
distância, àquilo que é por nós vivido como a realidade “real”, ou seja, aquela em que
sempre vivemos e na qual já nos relacionávamos e ainda provavelmente voltaremos a
nos relacionar, com nossos amigos “reais” e/ou familiares que agora estão distantes.

133
O fenômeno chat e o autoconhecimento

Enquanto muitos dos usuários que responderam nossos questionários ou nos cederam
seu tempo em entrevistas pessoais tinham como prioridade usar a Rede para a
manutenção e aprofundamento de relações já existentes, outros queriam principalmente
usar os recursos da Internet para conhecer novas pessoas. Seguem-se alguns
exemplos.

Luciano Cunha, estudante de informática de 19 anos, diz, quando indagado sobre o que
esperava da Internet antes de acessá-la pela primeira vez:

“Todos diziam que era legal... Para falar a verdade eu tinha uma expectativa muito
grande de conhecer novas pessoas e conseguir informações antes impossíveis.”

As expectativas de Juca Mineiro, estudante de comunicação de 23 anos, não eram


muito diferentes”.

“[esperava encontrar] um meio eficaz, veloz e anônimo para troca de informações.


Poderia me descortinar novos universos e abrir a frente para contatos com
pessoas diferentes de vários lugares do planeta”

Já Tatiana Góes, estudante universitária de 23 anos, revela ter se tornado usuária da


Rede:

“Em primeiro lugar pela facilidade de encontrar com pessoas de pensamentos


diferentes, p/ [para] troca de idéias...

E Maria Clara Mourão?

“me Virciei :), fiz novas amizades”

Ou seja, Maria Clara gostou tanto de bater papo com pessoas que não conhece, nem
ao vivo nem a cores, nos canais de IRC que diz ter se vIRCiado, ou seja, se tornado
viciada em IRC!

O que se faz para se conhecer gente na Rede? Como se escolhe com quem se quer
bater papo e como se dão os primeiros contatos? Isso acontece somente nos canais de
chat?

Os lugares destinados para esse tipo de contato em tempo real são, de fato, os canais
de chat, que funcionam como pontos de encontro e azaração virtuais. Logo
retornaremos a eles, mas, antes, é necessário dizer que, tal como na vida cotidiana,
muitas vezes os primeiros contatos virtuais são fortuitos.

Escrevo um artigo para uma revista, que, além do meu nome, publica o meu endereço
eletrônico. Entre as várias mensagens que recebo, uma me chama a atenção. Alguém
quer discutir o artigo comigo e desenvolve pontos interessantes a respeito do mesmo.

134
Respondo e, logo depois, recebo outro e-mail. O contato já foi feito... Daí pode
eventualmente surgir uma boa amizade...

A Rede é um meio de comunicação que, com muita facilidade, torna público aquilo que
queremos que seja público. Numa viagem ciberespacial, topo com uma home page
sobre técnicas fotográficas digitais que me interessa. Nela há um link para
correspondência. Mando alguns comentários e faço algumas perguntas. O responsável
pela home page responde com interesse e me coloca outras tantas questões...
Respondo. Temos interesses comuns que podem dar origem a outra amizade...

As possibilidades são várias. A única coisa necessária é que tornemos públicos nossos
interesses, nossas idéias e nossos endereços eletrônicos. Mas, quando fazemos isso,
podemos ser identificados como as pessoas que somos na realidade “real” ou, como
gosto de dizer, na realidade cotidiana, e muitos não querem isso.

Para muita gente, principalmente para os jovens, o grande barato não é fazer amizades
desse jeito. Muitos gostam mesmo é de conhecer outras pessoas mundo afora através
dos canais de bate-papo. Por quê?

Marcio “Big” Mattos, Channel Manager do canal #Brasil da UNDERNET, no artigo Mas,
afinal por que o IRC vicia?, publicado na revista Internet World, volume 2, número 17,
explicita algumas das razões pelas quais o IRC, uma das formas de bate-papo
ciberespacial, se tornou tão popular.

“... no IRC podemos encontrar milhares de pessoas para satisfazer nossas


necessidades pessoais. E tudo isso na proteção de nossa própria casa,
incógnitos, se assim desejarmos, e invioláveis, se assim decidirmos.
O IRC nos traz a possibilidade de convidar diversas pessoas para um bate-papo
doméstico, sem o consumo de salgadinhos e refrigerantes. Podemos acabar a
festinha no momento que desejarmos, porém podemos prolongá-la
indefinidamente around the clock, se aquele soninho não bater ou se uma crise de
solidão aguda estiver presente. Tem sempre alguém interessante do outro lado da
tela, pronto para discorrer sobre o assunto que você desejar.

É muito bom saber que no cantinho do seu escritório caseiro existe uma
verdadeira janela para o mundo. Bateu uma vontade? Pintou uma necessidade? É
só correr pra lá e... pimba... tá lá nosso planetinha inteiro à sua disposição. Basta
um /join #qualquer_canal [comando para entrar num canal] que a sopa de letrinhas
começa a correr na sua tela e o sangue a borbulhar nas suas veias. Esse é o
segredo da disponibilidade mútua que habita o IRC... como todos ou, no mínimo,
a imensa maioria está ali para isso -- conversar, trocar idéias, contar alguma
coisa reveladora, mas que não revele o contador da estória -- a atmosfera da rede
é sempre de altíssimo astral.

Essa sensação de segurança total também é a causadora dos extremos do IRC.


Nele se desenvolvem grandes paixões e ódios. Como todos sabem que um
escorregão, um furo dos grandes ou um ‘mico’ sempre pode ser corrigido na
próxima conexão pela simples mudança do nickname [apelido escolhido pelo
usuário para entrar no canal] ou do nome de acesso, o superego atua menos sobre
o nosso grupo de vIRCiados, deixando que o ID tenha uma força muito acentuada

135
e expondo o verdadeiro interior daquele mascarado interlocutor. Como o ser
humano é de uma riqueza interior extrema, a simples e saudável inexistência ou
redução dos parâmetros moderadores e de censura sociais deixa que se revele
esta criação de Deus e faz com que aquilo que possa parecer algo frio, somente
letrável e sem sentimento, se revista de uma capa de emoção logo após os
primeiros estágios de reconhecimento.”

O depoimento de Marcio é eloqüente. Um canal de IRC é um lugar virtual onde você e


eu podemos entrar com a total segurança dada pelo conforto doméstico e pela proteção
do anonimato. Nesse lugar virtual podemos combater a solidão. Nele, temos sempre,
não importa a hora, interlocutores disponíveis para aquilo que queremos dizer.
Podemos fazer revelações íntimas, podemos vender de nós mesmos as imagens que
quisermos, podemos contar lorotas, podemos, em suma, fazer o que quisermos, pois
nesse lugar virtual a nossa autocensura, bem como a censura alheia estão sempre de
férias, já que estamos protegidos pelo anonimato e pela relativa ausência de restrições
sociais. Esta é certamente uma visão interessante de quem conhece bem o assunto.

“Mas é uma visão correta?”, pode estar se perguntando o leitor, preocupado que está
porque a filha é uma amante fervorosa dese tipo de bate-papo.

Não responderia nem afirmativa nem negativamente. E isso não é por querer ser
diplomática! Diria que é apenas uma visão dentre várias possíveis.

No artigo Encontros Virtuais, publicado no número 12, do volume 1, do Guia da


Internet.Br, Fernando Villela, outro perito no assunto, dá a sua visão dos canais de chat:

“Duvida? Conecte-se AGORA e veja quantas pessoas estão plugadas, em tantos e


tantos canais, salas ou mundos virtuais, procurando encontros humanos. Desejos
íntimos, sexo, amor, inocente amizade, passatempo ou remédio para a solidão,
com seriedade, ou sem compromisso. A todo instante, 24 horas por dia, 365 dias
ao ano, a comunicação interpessoal é muito intensa na Rede-Mãe...

O indivíduo contemporâneo convive em cidades, passa o dia rodeado e


esbarrando em dezenas, centenas de pessoas: parentes, amigos, conhecidos,
estranhos. Mas seus contatos e suas relações sociais, por mais múltiplos e
constantes que sejam, em sua grande maioria são altamente superficiais. Não
conhecemos o íntimo dos outros, mas suas aparências externas, suas roupagens
sociais. Quando muito, em raros casos, nos abrimos ou aprofundamos um pouco
na personalidade de alguém. E não é fácil!

A Internet aparece e, com sua magia hiperdimensional, nos mostra um valioso


atalho para o inexplorado interior de outras almas. Para abordá-las, não mais
precisamos nos arrumar, fazer pose, arriscar possíveis incômodos ou gafes, ou
fingir ser aquilo que não somos realmente -- embora possamos, querendo,
‘falsificar’ nossa identidade. Basta então ligar o micro, conectar-se, escolher,
conversar com um, com outro, com todos, com mais um, e...

(...) No ciberespaço, conhecemos o outro não pela sua aparência física, pelo que
parece ser externamente, mas, ao contrário, pelo que assume ser em sua
essência. A personalidade interior da pessoa, seu jeito de ser, visão de mundo e

136
particularidades, nesta inversão tecnomoderna, são mais evidenciadas do que o
corpo físico. Ao contrário, portanto, de como estamos habituados culturalmente,
no mundo real, onde as aparências são tão valorizadas.

(...) A Internet apresenta uma nova (e poderosa!) capacidade de explorar


facilmente o interior do próximo, sem grandes riscos. E conhecendo melhor a
essência dos outros, estaremos também conhecendo um pouco mais de nós
mesmos.”

Em outras palavras, Fernando parece estar dizendo que as relações que travamos no
ciberespaço podem ser bem mais íntimas e profundas do que muitas daquelas que
temos ao nosso redor no espaço cotidiano e externo à Rede que habitamos. Nelas,
segundo ele, podemos entrar em contato com a essência do outro, mesmo quando o
que esse apresenta não é verdadeiro, ou seja, quando ele finge ser o que não é. E
Fernando, tal como Marcio, também menciona aspectos como o combate à solidão e a
possibilidade de satisfação dos nossos desejos, pelo menos de alguns deles, sem
maiores riscos.

O que chama a atenção é que tanto Marcio quanto Fernando, mesmo não sendo
psicólogos, têm visões bastante psicologizadas dos bate-papos ciberespaciais, o que
não deixa dúvidas quanto à intensidade das emoções que fluem de um canto para outro
do mundo, a qualquer hora do dia e da noite, nesses canais.

Mas o que Fernando e Marcio dizem dá conta de tudo o que acontece e de por que
tantos gostam tanto desses bate-papos? É claro que não. Na realidade, nenhuma
tentativa de interpretação do fenômeno chat pode ser completa, ao menos no momento.
As diferentes interpretações podem no máximo se interpenetrar e complementar. Assim
sendo vou, agora, adicionar a minha visão às de Marcio e Fernando.

E começo marcando uma diferença. Marcio e Fernando não são psicólogos, eu sou. E
justamente pelo fato de sê-lo, associado ao fato de ser pesquisadora, adquiri o hábito
de separar pontos de vista, hábito esse que pode ser muito útil.

Marco, agora, uma outra diferença. Vou adotar um ponto de vista que Marcio e
Fernando registram, mas não adotam sistematicamente, por privilegiarem o ponto de
vista que lhe é complementar. Explicando um pouco melhor, Marcio e Fernando adotam
principalmente um ponto de vista que torna o outro o objeto do conhecimento íntimo
tornado possível pelos chats. Quero adotar um ponto de vista diferente: aquele que nos
torna, nós próprios, o objeto desse conhecimento íntimo. Dito isso, passo à minha
interpretação.

Todos aqueles que se conectam a um canal de chat pela primeira vez certamente o
fazem por um motivo bastante simples: curiosidade. É a exploração desse novo tipo de
comunicação bem como aquilo que a mídia divulga a seu respeito que indicam os usos
potenciais que o novato dele pode fazer, dado o anonimato que a todos protege. Marcio
e Fernando mencionam o fato de que, através do bate-papo por escrito dos canais de
chat, pode-se conhecer o outro muito mais intimamente porque esse, sob a proteção do
anonimato e sem qualquer compromisso de qualquer ordem, se revela muito mais. Isso
certamente é verdadeiro, pois até mesmo as pequenas ou grandes mentiras são
reveladoras.

137
Mas o fato é que não é somente o outro que se dá a conhecer de uma forma menos
contida por conta do anonimato, nós também o fazemos. E isso tem pelo menos duas
conseqüências muito importantes. Ao nos revelarmos para o outro, estamos, também,
nos revelando para nós mesmos. E, ao observarmos, nesse outro, as reações àquilo
que revelamos ser, somos informados do quanto vale aquilo que somos.

Se somos jovens e inseguros em relação ao nosso valor pessoal, como é o caso de boa
parte dos freqüentadores dos canais de chat, isso pode nos dar uma segurança interna
de fundamental importância para as nossas vidas.

Quem é assediado porque é muito bonito, numa sociedade que cultua a beleza, pode
aprender que os outros apreciam suas opiniões, seu humor, sua inteligência, etc. Quem
é rico e, na Rede, não vai poder atrair os outros simplesmente porque sua casa tem
piscina, seu carro é importado, ou qualquer outra razão análoga, vai ter a oportunidade
de testar o quanto atraem os seus hobbies, os seus interesses por esportes ou a sua
sensibilidade. Até mesmo quem cria um personagem (o que acontece com freqüência)
vai ter algum tipo de retorno sobre si mesmo: minimamente saberá se seu personagem
é consistente e se tem alguma chance de escrever ficção com sucesso algum dia! De
qualquer modo e acima de tudo, todos aprenderão muito, coisas boas e coisas más
também, a seu próprio respeito num espaço em que todos estão fazendo algo análogo e
onde, por isso mesmo, os erros, as gafes, os micos e os tropeços geralmente não têm
conseqüências sérias, encobertos que são pelo anonimato e, muitas vezes, pela
distância geográfica.

Uma das usuárias que enviaram respostas ao nosso questionário, que admite ter sido
viciada no IRC e estar morando com algém que conheceu virtualmente, fez um
comentário que me chamou a atenção. É Solange Costa, médica de 29 anos de idade.

Quando perguntada sobre o efeito que a Internet poderia ter sobre as pessoas no
futuro, ela diz confusamente:

“Preocupo-me que no futuro os tímidos e o comportamento das pessoas possam


ser pelo computador.”

Mesmo truncada como está, provavelmente por conta do depoimento online, essa frase
aponta para uma preocupação muito relevante. Será que os tímidos, entre outros, vão,
no futuro, ficar restritos às conversas na telinha, onde sabem vencer a sua timidez?

Quando li essa preocupação, me lembrei imediatamente de um aluno -- Francisco


Neves -- que conheci muito tímido. Pois bem, esse rapaz, tímido talvez por ser bonito
demais, é hoje um ex-tímido. E por quê? Como ele próprio fez questão de me revelar,
porque adquiriu segurança nos chats da vida!

Um outro exemplo do mesmo tipo de mudança é relatado em um e-mail enviado por


Sérgio Batista, dentista de 37 anos, a uma amiga:

>> Qual seria minha segunda impressão da Web?


>> Agora que a euforia do descobrimento já passou...

138
>>Passou nada! A energia continua a mil! Olha só: a angústia do
desnível
>>entre as duas realidades, a real e a virtual, está sendo aos poucos
>>superada... O aprendizado obtido nos relacionamentos virtuais não

>>pode como deve ser aplicado àqueles da vida real. Estou mais solto,
mais
>>direto, mais instigante e provocante nos meus relacionamentos da
vida
>>real. Meus amigos não entendem as transformações... que espécie
de
>>mágica é essa que possibilita vc se exercitar de uma forma mais
livre,
>>mais aberta e despreocupada?
>> Vc [você] lembra, J., dos tempos da faculdade? Era um mundo
>>novo, não? Quanta coisa a explorar... E a primeira viagem ao
exterior...
>>Essa agente nunca esquece...Pode ter sido até para Disney, não
>>importa... abriu muito a cabeça não foi? Vc compreendeu a idéia de
que o
>>mundo não se resumia só ao teu país, à tua cidade, ao teu bairro ou
à
>>tua comunidade... Era muito mais que isso...
>> A Internet joga essa realidade direto na cara de quem entra, sem
>>prefácios ou pré-ambulos. Vc cai na rede e pronto! Tá no mundo.
Num
>>outro mundo, cheio de agradáveis armadilhas e artimanhas.
>> Quanta descoberta! Quantas trilhas pra explorar...

A mesma percepção arguta desse processo de mudança interna é relatada em maiores


minúcias por Kátia Assunção, psicóloga de 24 anos de idade, em uma longa entrevista
olho-no-olho.

“Eu acho que eu mudei muito. Chegou um momento que eu comecei a conhecer
as pessoas lá dentro, comecei a exercitar me descobrir. Eu como pessoa que
seduzo, como pessoa que sou interessante, que não sou interessante, que tenho
que me controlar em certos momentos…, então eu acho que foi meio que uma
escola, tem sido uma escola pra mim. E eu acho que eu exercito muito isso aqui,
isso aqui… É ridículo falar do lado de fora, parece que tem dupla personalidade,
né? Os dois mundos diferentes. Mas.. eu acho que mudou, eu acho que eu tenho
um senso crítico muito maior hoje em dia, podendo ter uma amplitude maior, de
conhecer as pessoas mais lá daquele lado, eu consigo ser mais crítica e tenho
uma necessidade muito grande de observar as coisas aqui. Então eu me vejo
muito observadora. Os meus amigos até brincam comigo ‘Ah você só podia ser
psicóloga’, porque eu tô na mesa me divertindo, mas depois a gente tá voltando
de carro pra casa e eu falo ‘Ai, mas fulano é assim, é..’ ai todo mundo ‘Nossa mas
que feeling [que sensibilidade], você é psicóloga mesmo!’. E eu acredito que isso
eu não aprendi lendo Freud, eu aprendi fuçando a Internet... É tudo bem, com
base em Freud, com base em Lacan, mas com a minha observação. Eu tenho uma

139
necessidade muito grande de observar as pessoas, de entender, de entender
porque que ela está fazendo dessa forma e enfim de observar, eu gosto de
observar muito. E eu acho que isso veio muito da Internet, eu entrava lá e as
pessoas iam caindo em cima de mim, um tinha tara por pé, e o cara me agradeceu
assim..., uns dez minutos ficou me agradecendo que nunca ninguém tinha parado
pra ouvir as coisas dele. Não é que aquilo me agradava, mas ao mesmo tempo eu
me via... eu vi que ele precisava ser ouvido, nem que eu deixasse o chat lá
paradinho, ele falando, e eu só ‘humham, humham..’ mas ele precisava falar.
Então eu comecei a ter uma escuta melhor, a ter uma maneira de verbalizar
melhor, que a partir do momento que você escreve, você tá organizando, você
apura essa maneira de … Acho que foi isso, eu modifiquei sim um pouco a
maneira de enxergar aqui, a maneira de enxergar as pessoas.”

Quem dera que todos os psicólogos tivessem tanta flexibilidade mental e tanta
capacidade de observar aquilo que é novo!... Não pode haver dúvida de que Kátia não
somente tem consciência da existência dessas duas realidades paralelas, como
aprendeu a tirar o melhor proveito de ambas.

Sérgio, Francisco e Kátia, ao que parece, souberam, e muito bem, aproveitar o


aprendizado obtido nos relacionamentos virtuais em proveito de suas vidas “reais”.
Apesar das dificuldades enfrentadas, principalmente pela confusão e angústia geradas
pela experiência com realidades que a princípio não se conectam, eles souberam
construir pontes entre elas e tirar bom proveito de ambas. Seus depoimentos podem
servir de modelo e incentivo para outros usuários que ainda estão em busca de uma
solução.

140
O fenômeno chat, o sentimento de pertencer e a auto-ajuda

Recebi, via e-mail, um excelente depoimento sobre os impactos que a Rede está tendo
sobre seus usuários.43 Seu autor, Henrique Lima, é engenheiro eletrônico de 43 anos de
idade. Desse depoimento retirei os seguintes trechos, que mantenho como os recebi
(com todas as características da linguagem online):

“ Voce nao e'o(a) unico(a): por mais estranho que seja


> seu vicio, mania, hobby ou perversao, ha'sempre
> alguem na Internet como voce.
> Na verdade, o mais provavel e'encontrar varios
> newsgroups dedicados ao assunto, muitas HPs, FAQs,
> clubes, associacoes etc.
> Um mundo que voce nem sabia que existia, em torno de
> algo que voce achava que so'interessava a voce.”
(...)
> E'dificil prever o que sera'o mundo do futuro, quando
> todos tiverem acesso, mas uma coisa e'certa:
> com a Internet ele sera'muito diferente.”

Henrique é engenheiro, mas revela muita sensibilidade para problemas humanos. Sabe,
por exemplo, o quanto é importante termos a sensação de que pertencemos, a
sensação de termos encontrado a nossa turma. É claro que isso é possível no mundo
“real”, só que, muitas vezes, por conta das convenções e restrições sociais, por conta
de compromissos assumidos e também por conta do fato de que às vezes temos
características que não são facilmente aceitas pelo grupo social em que vivemos, para
que possamos encontrar a nossa praia temos que nos expor e isso pode ser muito
difícil.

Já no mundo “virtual”, onde podemos ser anônimos e nos locomover de um lado para
outro, com facilidade e rapidez, em busca daqueles com quem possamos entrar em
sintonia, isso se torna muito mais fácil. Muitos já descobriram isso e muitos já se
utilizam desse recurso. Basta dar uma olhada nas possibilidades de “salas” ou canais
de bate-papo que existem em português ou em outras línguas (a localização não
importa, pois é sempre virtual). São “salas” de todos os tipos e para todos os gostos, ou
seja, o bate-papo pode rolar sobre praticamente tudo: de música popular ou erudita e
cinema a receitas culinárias, da simples azaração ao sadomasoquismo, de como
manter o corpo em forma a body-piercing (ou a arte de perfurar e colocar brincos em
várias partes do corpo). Mas, como viver em realidades paralelas dá uma estranha
sensação de divisão do próprio eu em dois, muitos tentam construir pontes entre as
realidades virtual e “real”, o que pode ser mais ou menos difícil, dependendo do caso.

Vejamos agora dois desses casos que nos foram relatados em depoimentos enviados
pelo correio eletrônico. Como quero passar para o meu leitor a palavra dessas pessoas
tal e qual me chegou, pois o que importa aqui certamente não é a forma da
comunicação, mas sim o que está sendo comunicado, todas as características da
43
Leia mais a respeito desses depoimentos em O IMPACTO DO NOVO.
141
linguagem usada em ambos os depoimentos serão preservadas.44 Tendo em vista a
intimidade desses mesmos depoimentos, farei referência às suas autoras por letras, que
não são iniciais. Resolvi alterar o procedimento que venho usando ao longo do livro -- o
de atribuir nomes fictícios aos meus usuários-colaboradores -- para evitar eventuais
constrangimentos para possíveis homônimos.

O primeiro desses depoimentos nos foi enviado através de um remailer, ou seja, foi
repostado através de um mecanismo que garante total anonimato, o segundo nos
chegou através de um e-mail comum, contando simplesmente com a garantia de
anonimato que foi dada, pela equipe da pesquisa, a todos aqueles que dela
participaram.

A, funcionária pública de 44 anos, porque talvez tenha muito a perder no mundo “real”,
teme ser identificada. Por isso toma as precauções possíveis e nos envia um e-mail
anônimo. Com isso, ela dá um exemplo para o meu leitor do tipo de revelação que o
anonimato permite fazer nos canais de chat. Ela acessa a Rede todos os dias, “sendo
que aos finais de semana os acessos são mais demorados, por causa da redução da
tarifa telefônica.” Eis o seu depoimento:

> “Certamente que eu não escreveria nada disso que se segue, caso
estivesse sendo identificada, mas acho que faço parte de um grande grupo -- o
dos falsos moralistas -- que adota uma atitude na sociedade e outra,
diametralmente oposta, na rede...
> Utilizo, preferentemente o mIRC e acesso canais 'gays', como o #lesbians,
o #GLS e o #Georgia, na BrasIRC (servidor) e outros, como o #sexphotos e
#sexpics, na intenção de 'soltar'meus anseios homossexuais latentes. Converso
com pessoas que acreditam que eu realmente seja uma lésbica na vida real e que
se "relacionam" comigo, adotando -- até -- uma postura de 'netlove', tratando-me
como namorada delas. O mais estranho é que nunca me viram, nem por
fotografia...
> Sinto-me querida, apesar de tudo, sou mais ou menos popular e é
bastante festejada a minha chegada em qualquer desses locais. Isso fortalece
meu ego, naturalmente.
> Algumas vezes, mulheres que também acessam esses canais, me
forneceram o nº de seus telefones, pedindo-lhes que eu ligasse e pudéssemos
conversar 'na voz'. Via de regra, essas ligações assumem um clima mais do que
picante e ocorre uma excitação mútua, que culmina com masturbações e busca
de orgasmos, apenas utilizando-nos da imaginação, das palavras e da modulação
das nossas vozes.
> Além do mIRC, uso o NETSCAPE e -- uma vez lá -- gosto de acessar a
página da UOL, evidentemente me ligo ao bate-papo e escolho o grupo das
imagens, sub-grupo de Lésbicas e Afins e, em qualquer daquelas salas, fico
'papeando'com outros visitantes da sala e assistindo às fotografias que alguns
projetam lá... isso é mais excitante ainda, quanto mais se estivermos em
conversas privativas com alguém... buscamos o prazer solitário também!
> Tenho 2 filhos adolescentes que sabem os canais que freqüento, sabem
que coleciono imagens pornográficas e não sabem que me envolvo com as outras
mulheres que me atraem...

44
Uma discussão sobre a linguagem online e suas principais características pode ser encontrada em
NOVOS USOS DE LINGUAGEM.
142
> Também gosto de me corresponder com pessoas e utilizo o EUDORA como
meu preferido para troca de e-mails.
> Costumo ler jornais que tragam cadernos de Informática e mantenho-me
razoavelmente atualizada com as novidades da área.
> Também utilizo o ICQ e converso com pessoas as mais diversas pelo
veículo.
> Não falo outras línguas, mas leio com relativa facilidade o espanhol e o
francês, meu pequeno vocabulário em inglês cria um pouco de dificuldades... mas
isso não me importa nada!
> Acho que é o suficiente por ora... façam bom proveito do depoimento!”

B, estudante universitária de 22 anos, também nos escreveu um longo e íntimo e-mail,


do qual retirei apenas alguns trechos:

“Alunos e professores responsáveis por esta pesquisa,

Quero em primeiro lugar parabenizá-los por esta iniciativa, neste momento


em que a internet invade a vida do ser humano e traz uma verdadeira mudança
de paradigmas, seja no campo interpessoal, ou mesmo da simples comunicaçao.

(...) Num primeiro momento tudo me pareceu muito estranho, pois


era tudo novidade. Chegava a me assustar a velocidade com que as
informaçoes iam e vinham... logo descobri junto com o veículo de informaçao
uma nova forma de diversão, principalmente os bate-papos, onde encontrei
pessoas agradáveis para "jogar conversa fora", e até para solucionar
conflitos emocionais... Ouso abrir um parêntesis aqui, apesar de não haver
perguntas sobre este assunto. Sou lésbica, e até entrar na rede tinha tido
um único relacionamento homossexual, minha família e meus amigos não sabem
de nada, e eu sentia uma enorme necessidade de conversar com outras pessoas
sobre meus sentimentos. No bate-papo da folha de sao Paulo encontrei um
ambiente propício a esta abertura, falando com pessoas de todos os tipos, e
podendo "clarear minhas duvidas". Dessa forma tornei-me usuária assídua e,
por um tempo, até mesmo viciada na rede. Mas posso dizer que "resolvi"
minha sexualidade, e que meus conflitos nao sao mais um problema para mim.
Isso graças à oportunidade de conversar com pessoas com conflitos
parecidos, através da internet, onde a tela do computador funciona como uma
proteçao... podemos falar qqr [qualquer] coisa, pois quem está do outro lado
jamais
saberá quem somos, se nao quisermos. Disso tudo, resultou meu atual
relacionamento amoroso, com uma garota que conheci na rede, depois
pessoalmente, e com quem já estou há 7 meses.

(...) Hoje vejo a rede principalmente como um meio de comunicaçao eficiente. E


alternativamente como forma de diversao, qdo [quando] nao se tem mais nada a
fazer... ou simplesmente qdo se quer "rir" um pouquinho num bate-papo. A
principal mudança que a Internet introduziu em minha vida foi a necessidade
de aprender a conduzir uma relaçao amorosa à distância, que a própria net
ajuda, de certa forma, a suprir. Isso sem falar no acesso fácil a
informaçoes sobre assuntos diversos, e a comodidade e praticidade do
e-mail.

143
Acredito que, num futuro próximo, as pessoas terao se conscientizado da
importancia da internet para o processo de globalizao pelo qual estamos
passando. A revoluçao das comunicaçoes já está aí, só falta as pessoas se
adaptarem e aprenderem com ela, como em toda revoluçao.”

É uma senhora responsabilidade atender o pedido de A e fazer bom proveito de


depoimentos tão íntimos e valiosos quanto os de A e B. Mas não é por isso que vou
recuar. E, ao que me parece, o melhor proveito que pode ser feito desses dois
depoimentos é o de apontar o quanto o sentimento de pertencer, de não ser um
estranho, de encontrar pessoas que tenham o mesmo tipo de vida, o mesmo tipo de
interesse, ou o mesmo tipo de problema, pode ser importante. Importante para dar
segurança, importante como fonte de informação, importante como aprendizado,
importante como apoio. E isso não vale somente para A e B em suas tentativas de
conciliar os preconceitos familiares e sociais com aquilo que desejam para si mesmas.
Como registra Kátia Assunção, pode ser importante para todos nós nos momentos de
nossas vidas em que estamos em busca de um rumo:

“Eu acho que é muito mais fácil você se abrir e falar com uma pessoa que você
não sabe a cor, o tamanho, a idade... quer dizer depois até você descobre, mas
que tem uma tela separando vocês. Na verdade quando você está conversando
você nem lembra dessa tela, você não lembra da cor da pessoa nem nada então
você tem uma abertura muito maior pra poder falar de você pra ela. Até porque ela
tá naquele canal e ela tá lá com você no chat porque ela quer te ouvir, então tudo
o que você não pode dizer, tudo que é fora de um padrão de normalidade, tudo o
que é taxado como errado na sociedade lá você pode falar. Então se você tá num
canal falando sobre um problema visto como tabu, você vai falar sobre esse tipo
de problema, aqui você não pode criar, só se você cria um grupo de estudo na
faculdade, mas se você tem uma nóia [paranóia] de que você é assim ou assado, e
tem uma nóia, você não vai conseguir chegar para um amigo seu ou companheiro
de faculdade pra falar sobre isso, então você tem seus espaços lá demarcados
pra você poder falar sobre as suas questões, as suas questões que afligem, que
te interessam…”

Ao tipo de grupo a que Kátia se refere, ou seja, o grupo formado por pessoas que têm
um mesmo tipo de problema (qualquer que seja) com o qual é difícil lidar e para o qual é
difícil encontrar soluções, se dá, no mundo “real”, o nome de grupo de auto-ajuda. Os
exemplos institucionais clássicos são os Alcóolicos Anônimos, os Narcóticos Anônimos
e os Vigilantes do Peso. (Note-se a necessidade de frisar o anonimato!)

Voltemos agora aos casos de A e B. Elas encontraram grupos semelhantes, embora


informais, nos chats. B, por ser jovem e ter a vida pela frente, está podendo aproveitar
isso melhor do que A, que já tem dois filhos adolescentes e, portanto, mais
compromissos. B ainda não revelou nada à sua família, mas já tem uma relação
homossexual estável. A revelou a seus filhos os canais de chat que freqüenta mas, ao
que parece, sugeriu a esses que a sua homossexualidade era virtual, quando, embora
não tendo uma relação estável, ela tem relações homossexuais bem concretas no
mundo “real”. Para ambas, as pontes entre as duas realidades ainda estão em
construção, sendo que a de B parece estar praticamente pronta. Como vimos, ela
própria diz que:

144
“...posso dizer que "resolvi" minha sexualidade, e que meus conflitos nao sao
mais um problema para mim. Isso graças à oportunidade de conversar com
pessoas com conflitos parecidos, através da internet, onde a tela do computador
funciona como uma
proteçao... podemos falar qqr [qualquer] coisa, pois quem está do outro lado
jamais saberá quem somos, se nao quisermos.”

A principal lição a ser tirada de tudo isso é a de que, se a nova tecnologia de


telecomunicações pode gerar problemas novos, também pode gerar soluções novas
para problemas antigos. Tudo depende de como nós vamos usá-la. E isso, por sua vez,
depende do quanto de equilíbrio conseguimos manter e do quanto conseguimos domar
nossas primeiras reações à nova tecnologia, sejam elas de horror ou de enlevo.
Principalmente se já pertencemos ao grupo dos não-tão-jovens, sabemos, com toda a
certeza, que há sempre algo positivo no negativo como também algo negativo no
positivo.

145
Namoros virtuais e casamentos reais

A primeira vez que li alguma coisa sobre relacionamentos virtuais foi em 1994, ainda na
pré-história da Internet no Brasil. Era um artigo do videomaker Marcello Dantas, diretor
da produtora Magnetoscópio, escrito para o caderno Ela de O Globo de 17 de setembro
de 1994. O título do artigo era Um coito internacional via chips. Confesso que, então,
fiquei muito surpresa com o que Marcello dizia. Entre afirmações do tipo:

“Na rede, sexo é pura imaginação, mas distinto da masturbação, pode ser a dois:
com uma mídia no meio.”

“O que ocorre num ambiente virtual é para os sentimentos humanos tão real
quanto são as coisas do mundo material.”,

Marcello fazia menção ao encontro amoroso na rede. Mas afirmava que isso era muito
difícil.

“Achar sua cara metade na Internet é tão difícil quanto no mundo real. Até porque
não se vê a cara, só linguagem.”
E complementava:

“Leva-se tempo para achar um parceiro. É como se tivéssemos que sair com um
monte de gente que nunca vimos para saber quem são. Físico não interessa. Você
é quem conseguir expressar que é.”

Bem, isso foi em 1994. Em 1995, a Rede começou a se difundir no Brasil e, alguns anos
depois, todos já sabemos de alguns casos de pessoas que acharam sua cara metade
no palheiro da Internet, desconhecendo a cara mas conhecendo o coração.

Essas foram pessoas que conseguiram construir uma ponte inusitada, pelo menos até
pouco tempo atrás, entre a realidade virtual e a realidade “real”. Quem está me
acompanhando ao longo do livro já encontrou duas delas. Solange Costa, médica de 29
anos de idade, e B, estudante universitária de 22. E sei, por relato de terceiros, de
outros casos.

Mas não quero que o leitor tenha contato com esse novo tipo de encontro amoroso
através do relato de terceiros. Por isso mesmo, farei falar aqueles que viveram isso em
primeira mão. Seguem-se dois casos de namoros virtuais que se transformaram em
casamentos reais.

O primeiro é o caso de Vera Costa e Antonio Sá. Quem faz o relato é Vera, que tem 25
anos, é estudante de artes, acessa a rede desde janeiro de 1995, e acaba de se casar
com Antonio com quem agora reside na Inglaterra, onde este estuda. O relato que se
segue respeita a seqüência de perguntas e respostas da entrevista realizada face-a-
face, embora somente alguns trechos desta tenham sido selecionados.

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Como Vera conheceu seu marido na Rede?

“A gente… quando eu conheci ele, foi em janeiro de 96. Então eu já estava


acessando há um ano, eu já conhecia muita gente… Inclusive, muitas das
pessoas que eu tinha conhecido na Internet eu já tinha conhecido pessoalmente,
pessoal que morava aqui no Brasil, em São Paulo principalmente.”

Ela já havia freqüentado IRContros [encontros de usuários de IRC] e havia se


decepcionado com o que vira.

“Eu preferi não ir mais aos IRContros. Eu falo que a gente tem dois tipos de
pessoa lá na Internet. Uma é aquela pessoa que cria uma outra personalidade, que
é a personalidade que aparece lá. Ele tipo assim, criou um personagem. Aí tem
muito a ver, se você olhar, meio que pelo nome que ela escolheu para usar, já vai
mostrando um pouco dos traços. E outros que são a mesma coisa que eles são
na vida real. Eles estão ali e usam aquilo só como veículo, pra você conhecer
gente de lugares diferentes e tal. Mas a maioria do pessoal que eu conheci era
essa história do teatrinho. Faziam um teatrinho que não tinha nada a ver com eles,
na verdade. (...)
E ele… eu conheci foi por maior acaso. Ele estava usando pela primeira vez, ele
estava lá na Inglaterra e ele usava a Internet só para e-mail, procurar coisas, de
trabalho, essas coisas e ele não conhecia o chat. Aí ele estava entrando lá pela
primeira vez, sem entender muito bem como funcionava, vendo o que era, e o
nome que ele usava era de um cantor que eu adoro. E aí eu fui puxar papo com
ele, falei ah, legal, você gosta, eu também gosto, aí a gente começou a conversar.
Aí algumas vezes ele entrava e a gente ia conversando, conversando, aí depois
de, sei lá, uns 2 meses, a conversa já estava mais pra… sei lá, quase um namoro
assim, aquela coisa… Eu ficava ‘ah, será que ele vai aparecer hoje?’ ‘hoje será
que não vai’, aquela coisa, procurando, catando… Isso foi mais ou menos em
janeiro, aí a gente mandava e-mail, trocava e-mail toda hora e aí em agosto a
gente combinou de se encontrar. Ele tinha férias lá, eu estava de férias aqui, aí a
gente se encontrou em Londres. Aí a gente foi se conhecer pessoalmente.”

Mas nisso eles já estavam namorando? (Parece que é cada dia mais difícil saber
quando se está namorando!)

“Nisso a gente já estava conversando todo o dia, mil horas por dia assim desde
janeiro. Ele é brasileiro e estava estudando lá. Aí a gente se encontrou, e a gente
passou quinze dias lá de férias, foi maravilhoso, assim, aí eu voltei, ele continou
lá estudando e aí… Só que aí eu não agüentei mais. Depois que eu já tinha
conhecido, já tinha encontrado, tal, aí a gente fez os planos de eu esperar
terminar o meu semestre na faculdade aqui e ir para lá no fim do ano, quando as
férias chegassem, em dezembro, assim, e aí a gente ia resolver o que ia fazer. Só
que aí eu não agüentei de saudade aqui em outubro eu fui para lá e estou lá desde
então.”

No início eles não oficializavam o namoro, mas já deixavam de sair com outras pessoas.

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“A gente não falava, mas depois de um determinado tempo, a gente já estava lá
conversando, eu ... ‘eu não vou sair com mais ninguém aqui’, aquela coisa, eu
não, sei lá, não tinha vontade, eu estava apaixonada mesmo, babando, boba,
idiota. E a gente sabia, falava e tal, mas eu nunca falei para ninguém ‘é meu
namorado’, porque a gente não tinha nem se encontrado.”

Tinham trocado fotos?

“A gente trocou foto. Não foi logo no começo não; foi até depois de um bom
tempo, acho que talvez uns 2 meses, 3 meses que a gente trocou foto pela 1ª
vez.”

O que Vera achou de conhecer na Internet uma pessoa com quem acabou se casando?

“Olha... Eu acho... eu acho que eu dei sorte. Eu acho que eu dei sorte porque... até
pelo pessoal que eu já tinha conhecido mesmo, pessoalmente, era aquela coisa,
chegava lá ‘ah, que legal, pô, que cara legal, que garota legal, pessoal gente fina’,
e aí quando você conhece não é bem aquilo, a pessoa não tem muito a ver com
você e tal.
E eu fui, quando eu fui pra lá a gente foi assim... sem muito compromisso ‘olha,
vamos ver se, quando a gente se encontrar, a gente vai achar tudo isso que a
gente acha aqui agora, então vamos ver...’. A gente combinou de ser assim ‘olha,
se por acaso eu chegar lá e você olhar pra mim e não é nada disso’... a gente já
tinha tanta intimidade que ele ia poder chegar pra mim e falar ‘ah...’ e eu também
ia poder chegar pra ele e falar que ‘ó, não é isso, vamos continuar bons amigos...’.
Bem, mas não aconteceu. Eu cheguei lá e foi muito melhor, obviamente, do que
pela Internet... Então eu acho que eu dei muita sorte, muita sorte.”

Ela teve medo?

“Eu ficava pensando as coisas mais idiotas, assim tipo: tá, conversar eu já sei
mais ou menos o que ele pensa, já sei como é que é a cabeça dele, e ele é uma
pessoa super legal, mas não, e se um chegar lá e, por exemplo, tem bafo, tem
chulé, sei lá (...). Eu pensava isso de montão, mas eu tinha, eu tinha... era assim, a
gente apostou tudo, era uma coisa que a gente tinha que fazer, sabe? Eu não ia
conseguir simplesmente chegar um dia e falar: ‘ó, chega, não vou mais falar com
você, esqueci!’ fingir que não aconteceu, não dava mais, chegou num ponto que
não dava, não tinha como.’

E como lidou com a ausência de contato físico?

“Eu tinha assim, eu tinha uma pessoa muito legal para conversar e tal... eu tinha,
vamos dizer, quase todas as desvantagens de um namoro, o lado ruim, vamos
dizer até de brigar, aquela coisa assim, e eu não tinha nenhuma das vantagens,
porque eu não tinha alguém do meu lado, me dando carinho, me dando apoio... E
ao mesmo tempo eu também não queria sair mais com ninguém. Então esse lado
meio físico e tal foi muito complicado, foi muito difícil, eu ficava, né, querendo,
precisando, e não tinha como, não tinha como... E eu não tinha vontade de sair
com alguma outra pessoa só por causa disso, então é difícil, eu fiquei
praticamente, até a gente se encontrar, de janeiro até agosto, no seco!”

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O contato telefônico.

“Aí a gente trocou foto e tal e tipo assim ‘ah, que bom, né, não é...’ Mas aí teve
também antes que a gente começou a se falar por telefone, porque nem isso
tinha, né, ouvir a voz, saber como é que é. Aí a gente começou a falar por telefone
mesmo, uns 2 ou 3 meses antes de eu ir, não uns 2 meses antes de eu ir pra lá a
gente começou por telefone. E também foi, a primeira vez fui eu que liguei, eu
cheguei e liguei de supresa, a gente não combinou nada e eu falei ‘ah, vou ligar’.
Aí também foi o maior nervoso, sei lá, (...) depois de tanto tempo, sabendo tanto
da pessoa, você cria uma imagem daquela pessoa na sua cabeça. E... ele não era,
não vou dizer que era, exatamente do jeito que eu imaginei, ele não era não, mas
quando a gente se encontrou e quando a gente já estava junto isso também ja não
fazia mais a menor diferença. Eu estava apaixonada por aquela pessoa que estava
ali, pelo que ele era... E quanto à personalidade, tudo que eu vi até hoje era igual,
não foi nada diferente do que eu estava esperando. Só realmente fisicamente, até
porque foto, né... Primeiro porque quando você vai mandar vai escolher aquela,
né? Não ia mandar também qualquer foto pra ele e eu aposto que ele também
escolheu bem a que ele mandou pra mim. Mas o jeito dele, era igual, igual,
igualzinho ao que ele tinha me mostrado e igual ao que eu tinha imaginado
encontrar mesmo.”

E a família de Vera, como reagiu?

“(...) aqui em casa era legal porque todo mundo estava na Internet. Todo mundo
não, eu tenho 2 irmãs e 1 irmão e minhas duas irmãs acessam, meu irmão não. E
meu pai também acessava. Então tinha briga no computador, e meu pai falava,
‘não, hoje sou eu’, então até foi o que ajudou muito também. Como meu pai já
acessava, então eles não me achavam uma maluca, assim... Minha mãe achava
que eu era louca, sabe, ‘como você vai largar tudo aqui, atrás de um cara que
você nunca viu na vida, e se for um estuprador, um maluco, um tarado?’. Porque
também tem essa, tem muita gente que às vezes você está conversando e não
sabe nem se é homem, se é mulher... você pode ser o que você quiser, você pode
ser qualquer coisa lá. Então isso também ajudou bastante, eles já conhecerem, a
gente já estar um tempo enfronhado com isso assim, então eles não achavam tão
louco.”

E Vera tinha esse medo?

“Eu tinha. Não, com ele não. Porque, quer dizer, não vou te dizer que foi uma
coisa que nem passou pela minha cabeça, passou. Até porque quando a gente
combinou a viagem, já era tipo assim, eu te amo, eu te adoro, então a gente vai
ficar junto, no hotel, aquela coisa. Então se eu chegasse lá e... Mas eu pensava
assim, era muita... era muito difícil, era muito difícil, porque... a não ser que o cara
fosse assim o melhor ator que existe no mundo! Porque a gente conversava todo
dia, três, quatro, cinco, oito, dez horas, às vezes, direto! Então era complicado,
mas podia ser; eu acho que já tiveram vários casos, mas eu duvido que... até acho
que, pelo que eu li, na maioria dos casos não era uma coisa assim que as pessoas
já se correspondiam há tanto tempo. Eu acho difícil uma pessoa criar isso tudo
durante tanto tempo. Mas eu não acho impossível não. Eu acho que pode ter.

149
(...)
Ele achava uma maluquice, porque tinha acabado de conhecer aquilo e ele ficava
‘como pode?’ e tal, ‘não é possível, eu estou ficando doido’ ‘ah, não, é porque eu
estou aqui há tanto tempo, sozinho, sem ninguém’ e aí ficava fazendo aquelas
análises psicológicas todas, blá, blá, blá, e... mas eu acho que não era isso não.
Eu ainda fiquei mil vezes, ‘gente, será que é, não sei, meu namoro agora foi uma
tragédia, estou tão carente que eu preciso encontrar alguém, tapar o buraco’,
aquela coisa, mas eu acho que não era, hoje eu tenho certeza que não era porque
senão a gente não ia estar junto assim até hoje, feliz, contente...”

E Vera acha que o que aconteceu com eles é uma coisa comum, que vai acontecer
cada vez mais?

“Eu acho. Eu não conheço ainda, eu não conheci ninguém que casou. Mas eu
conheço várias pessoas que estão namorando, quer dizer, a maioria dos casos
também que eu conheço não é exatamente igual ao nosso não, mas tipo assim,
minha irmã namorou um cara, mas por acaso ela conheceu ele num IRContro.
Eles nem se conheciam na Internet, entendeu? Aí depois eles conversavam,
porque ele morava em São Paulo e ela morava aqui, então o jeito deles
conversarem era pela Internet. Eles fizeram assim o caminho contrário. Mas eu
conheço um outro cara que, ele era português e conheceu essa menina que é
brasileira e está morando nos EUA e eles também só se falavam pela Internet, blá,
blá, e resolveram se encontrar não me lembro onde e hoje ele está morando nos
EUA por causa dela; eles não estão morando juntos nem nada assim, mas eles
pretendem até casar e tal. Mas eu falava com meu marido assim: ‘imagina no dia
em que os nossos filhos perguntarem -- como é que vocês se conheceram?’ E ele
‘que isso! Até lá vai estar normal!’. E eu acho que vai mesmo. A única coisa que
eu acho é que não é... é que nem essa agência matrimonial, eu não acredito. Eu
acho que não é o veículo pra você ir procurando isso, mas eu acho que pode
acontecer facilmente. Porque é um jeito de você conhecer muito a pessoa. Não
tem barreira nenhuma, é muito fácil você se liberar e contar coisas que você não
contaria tão facilmente pra alguém. Então é..., se você estiver sendo sincero, se
você não estiver inventando alguma coisa que você não é, eu acho que é muito
fácil de você conhecer alguém. Muito próximo, você está muito próximo. E eu
acho mais legal porque, eu falo pra ele, eu me apaixonei pela pessoa que ele é,
não me importava se ele fosse azul, roxo, amarelo, ou gordo, baixo, magro, ou
verde, entendeu, eu já amava a pessoa que ele era, do jeito que ele é. Se aquilo
fosse sincero. Porque também tem aquelas coisas, a pessoa fica falando aquele
monte de coisa e não é nada daquilo. Então, eu amava aquilo ali. E foi exatamente
o que eu encontrei quando eu encontrei com ele pessoalmente.
(...)
Normalmente é o contrário, né, você olha e fala ‘pô, aquele cara é bonitinho e tal,
legal’, aí você se interessa e aí você vai conhecer, aí você vai conversar, aí você
vai ver se você realmente gosta. E foi exatamente o contrário. Então eu até, eu
acho que é... se você está procurando uma coisa de verdade, se você quer
conhecer a pessoa, eu acho que é muito fácil de você conhecer. E muito menos
doloroso do que você fazer isso pessoalmente. Porque às vezes pra você
conversar certo tipo de coisa é mais difícil, você não se abre tão facilmente e tal, e
lá você não tem essas barreiras. Então eu acho que vai ser uma coisa cada vez
mais freqüente.”

150
A entrevista é longa para que o meu leitor possa saber, em primeira mão, como dois
desconhecidos vieram a se amar e a querer ser parceiros de vida via Rede. Primeiro
houve o contato no chat, depois a troca de e-mails, mais tarde fotos e telefonemas. Um
belo dia, uma decisão radical: Vera resolve ir encontrar Antonio. Vai, receosa e
incrédula. Tanto Vera quanto Antonio chegam a duvidar da sua sanidade mental. Será
que tudo isso não se deve a uma grande carência afetiva? Mas, quando se encontram,
conseguem estabelecer a ponte entre as duas realidades. Tiveram sorte e sabem disso.
Ambos foram sinceros todo o tempo e tudo deu certo. Acharam sua cara metade.

Renata Borges, estudante de psicologia de 23 anos, e Jorge Magalhães, bioquímico de


30, são um outro exemplo de um romance que deu certo. Numa entrevista em que os
dois estavam presentes e que também é longa demais para ser transcrita na íntegra,
revelaram uma seqüência de etapas análoga à de Vera e Antônio. Encontraram-se num
chat quando Renata estava dando seus primeiros passos na Rede, com muito medo de
tudo e achando que os chats eram um meio de se esconder...

Como se deu o “processo”?

Renata: “Eu estava conversando com uma outra pessoa, sei lá, eu estava
conversando com todo mundo, aí depois eu acho que devo ter mandado uma
mensagem para ele e a gente começou a conversar só eu e ele. Aí você vai pro
reservado, ficar lá sozinho, aí a gente ficou falando sozinho, direto...”
Jorge: “Aí a gente trocou e-mail.”
Renata: “É, aí no final a gente trocou e-mail, desse dia, desse primeiro dia. Aí
combinamos para um outro dia, no outro dia a gente foi de novo… Aí foi indo, foi
indo, foi indo... A gente falava quase todo dia.”
Jorge: “Se bem que no nosso caso, a gente marcou, aí a gente não conseguiu se
encontrar de novo porque o provedor dela estava com problema e aí, por
alguma… mas eu já tinha dado o endereço do chat em que eu ficava, aí por algum
acaso ela estava lá e aí entrei até com outro nick. Aí numa confusão na sala eu
expliquei qual era o meu nick antigo, aí ela estava coincidentemente na sala e
falou: “Olha, sou eu, lembra de mim?”, aí a gente voltou a falar, porque a gente só
trocava e-mail, mas quando eu mandava e-mail para ela o provedor dela estava
com problema o e-mail não chegava. Aí a gente, digamos assim, se reencontrou
nesse chat da Folha de São Paulo e dali a gente foi embora porque aí a gente já
terminava a conversa do dia marcando para o dia seguinte ou para o outro dia, aí
sempre acessava, na mesma hora.”
Renata: “E-mail o dia inteiro também, né? O dia inteiro, a gente ficava o dia inteiro
mandando e-mail.”

Renata e Jorge em pouco tempo trocam telefones e a coisa fica um pouco mais real
aplacando um pouco o medo de ambos. Renata achava que a coisa era de “pirar” e
Jorge, experiente em chats, sabia da paranóia que ronda esses canais por conta do
quanto neles se mente.45

Renata: “Aí começa a ficar mais real, né? Depois que você fala no telefone. Você
vê a voz, tal… E carta também a gente mandava. [Vocês ficaram com receio de não

45
Ver a discussão sobre o medo de pirar em Os prós e contras dos relacionamentos virtuais, neste
bloco.
151
ser verdade ou de alguém estar brincando com vocês?] Ah, batia, mas muito rápido.
Deve ter batido uma vez só.”
Jorge: “Eu já tinha falado bastante em chat antes de falar com ela e essa ‘nóia’
sempre rola, mas com ela foi meio diferente a coisa. Não sei por que, mas essa
paranóia, de que a pessoa está mentindo e tudo sempre tem. E o que você mais
vê é mentira também, não dá para… Depois a gente fica sabendo… É engraçado
como o chat rola, aquela coisa assim de todo mundo conhece todo mundo, aí
você começa a trocar informação e você vê que a pessoa mentiu para você, então
é uma coisa assim impressionante.”

Renata continuava insegura e, a despeito dos telefonemas, ainda duvidava que ele
vivesse fora do país. Parece se esquecer, agora, que começaram a trocar e-mails no
primeiro dia.

Renata: “Aí quando mandou e-mail já é diferente, você já vê o endereço, aí, não
sei… Eu acho que essa mentira do jeito que foi ia ser difícil de ser levada até o
final, porque a gente ficou dezembro inteiro, janeiro inteiro, nesse negócio de falar
quase sempre, todo dia, no telefone falar também, mandar carta… Ia ser
impossível você levar aquilo ali, ia cair numa contradição algum dia, alguma
coisa.”

A partir de um ponto Renata, tal como Vera, começa a achar que fica difícil alguém
mentir por tanto tempo com tanta convicção e começa a relaxar. Chega a hora de trocar
fotos. Vera e Antonio também fizeram isso, o que, aliás é um procedimento comum nos
chats.

Jorge (a respeito das fotos): “Trocamos, várias. Porque tem aquela coisa, você tá ali
falando, a pessoa que tá do outro lado pode ser uma coisa, pode não ser nada
daquilo. E foi engraçado que quando a gente falou pela primeira vez, ela tinha
falado que tinha olho claro e tudo e aí eu falei assim para ela: ‘É, engraçado,
nesse chat todo mundo tem olho claro, nessa Internet’. Porque todo mundo fala.
Você conversa com todo mundo: ‘ah não, sou loura de olho azul’. Todo mundo na
Internet é louro de olho azul. Aí eu falei até isso para ela, brinquei, e aí logo depois
a gente trocou a foto, quer dizer, a gente trocou a foto e eu recebi a foto dela e ela
não recebia a minha, porque não chegava lá no provedor dela. Porque a gente
mandou por e-mail. Mas era tudo via Internet mesmo e telefone, mas
basicamente… Acho que era, acho não, era muito mais Internet do que telefone.”
[Renata e Jorge passavam uma média de 4 horas por dia se falando via Internet.]

Quando perceberam que estavam namorando? Vera e Antonio levaram algum tempo
mas Jorge percebeu rapidamente.

Jorge: “Ah, acho que na primeira semana… É, foi uma coisa assim meio natural.
Eu comecei a ver assim, por exemplo, eu, que andava muito pela Internet, eu
comecei a ir só quando eu marcava com ela… Então você começa a ver que
naturalmente, sem nenhuma cobrança, você começa a ter um compromisso no
sentido de que eu ia, eu quero ir só para falar com ela. Quando checava e-mail,
era para ver se tinha chegado dela, passava e-mail só para ela… Aí você começa a
ver que naturalmente você caiu naquele lance do namoro.”

152
Mesmo contando um pouco com o incerto, Renata e Jorge, tal qual Vera admite ter sido
o seu caso, foram deixando de sair com outras pessoas e ficando mais nos chats,
principalmente nos finais de semana, quando as tarifas telefônicas são mais baratas.

Não achavam isso loucura?

Jorge: “Eu mesmo, quando me colocava na posição dos outros, ouvindo a minha
história, eu falaria: ‘Esse cara é louco’. Porque é estranho. Agora, eu sei que se
você não está lá não dá para você opinar. E as coisas acontecem mesmo. Não só
o nosso caso, mas milhões de outros casos que eu soube, que as coisas
acontecem mesmo. Isso daí é o tempo inteiro.”

E a ausência de contato físico? Como foi sentida?

“... eu acho que é uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo que eu acho que é
super prático você estar acionando um computador e achar alguém, ali, na hora,
na tela ali, eu acho que quando a coisa começa a ficar constante, de você
encontrar essa pessoa todo o tempo, de você querer falar com essa pessoa,
começa a bater aquela ‘nóia’ que uma tela separa vocês dois, também, entendeu?
Eu acho que tem muito isso. Tinha, eu com ela, eu falava e chegou no final a
gente já estava tão estressado com aquela tela ali que a gente acabava ficando
desanimado(...) Era brabo, porque, é horrível. Um contato via computador é legal
assim você conhecer, mas eu acho que o ideal seria você conhecer e marcar um
encontro, alguma coisa do gênero. Mas quando você começa a se aprofundar em
um relacionamento via computador, eu acho que é horrível.”

Jorge vem ao Brasil e eles decidem marcar um encontro. Como foi esse encontro?
Sentiram medo?

Renata: “Medo não. Só ansiedade.”


Jorge: “É, medo não. Porque assim, eu marcava muito com ela, de falar, sexta e
sábado, tipo assim, uma coisa assim que não dava para ela aproveitar a noite
aqui…Porque eu pensava: ‘Se ela ficar é porque tem alguma coisa a ver’. Aí eu
pensava: ‘pô, uma pessoa que está abrindo mão de um final de semana para ficar
aqui… tem alguma coisa a ver’. Agora, no dia mesmo, foi, eu cheguei dia 5, de
fevereiro, liguei para ela do aeroporto, deixei tudo na casa do meu pai e a gente
saiu no dia 5 mesmo. Eu estava nervoso no sentido de que uma coisa que eu
estava esperando tanto, e que já sabia que tinha muito a ver, estava acontecendo
ali na hora. Era um nervoso, assim, de querer… uma ansiedade, mas não um
medo de: ‘pode ser diferente ou não pode?’.”

Como foi essa “quebra da virtualidade” ou a inauguração da ponte entre as duas


realidades?

Renata: “Engraçado que a gente conheceu tão bem por ali, pelo computador, pelo
telefone, mas mais pelo computador eu digo até, que… não sei, nesse negócio de
surpreender, não teve tanto, a gente… era mais ou menos o que a gente esperava,
né? Não era aquela coisa… A gente não ficou: ‘aaah…’ e se decepcionou, era o
que a gente esperava. Deu para passar… E também tem uma dificuldade que você
tem que se expressar muito bem escrevendo, né? Quando você está ali… Porque

153
a gente tinha vários momentos… Vários desentendimentos, é… de falar, mandar
uma mensagem que você não está vendo a expressão. Você não sabe se a pessoa
está te dizendo uma coisa fazendo uma ironia e rindo, ou não, falando sério, então
aconteciam algumas vezes assim. Ele não entendia… Aí…”

Antes mesmo de “quebrar a virtualidade”, eles já falavam em noivado e casamento. Os


outros achavam que estavam malucos.

Jorge: “Agora, a coisa foi tão assim que a gente, mesmo via computador e
telefone, a gente já falava de ficar noivo logo (...) eu falava [com os outros] de uma
maneira tão natural que o pessoal pensava que eu estava maluco. Eles não
entendiam muito… Na época eu tinha uma amiga que morava comigo e ela
entrava no quarto e falava: ‘Cara, você não sai daí!’ e eu estava o tempo inteiro no
chat com ela, o tempo inteiro. Aí eu falava: ‘Não, eu estou só ajeitando aqui meu
casamento’. Aí ela achava que eu era maluco. Várias vezes… Tanto que agora eu
mandei um e-mail para ela, agora, e ela falando que ela não está acreditando. Que
eu sempre falei com ela isso, né? É porque eu falava direto isso… De outubro a
fevereiro, quando eu cheguei. Porque a gente ficou noivo tinha dez dias depois de
eu chegar...”

Um apelido que chama a atenção, uma frase que agrada, chats, e-mails, telefonemas,
trocas de fotos, testes de veracidade para servir de um mínimo de proteção contra a
insinceridade alheia, muitas ou poucas dúvidas, muitos ou poucos medos, uma viagem
longa e um encontro físico com uma pessoa que já se conhece por dentro há muito.
Esse foi o, até pouco tempo inédito, caminho percorrido por Vera e Antonio bem como
por Renata e Jorge.

Quantos mais trilharão caminhos análogos? O futuro nos dirá. No século passado, ainda
em seus primeiros estágios, o processo de industrialização levou as pessoas a morarem
sozinhas em grandes cidades e alterou profundamente seus modos de viver. Toda essa
mudança teve, como uma de suas conseqüências, o surgimento do casamento por
amor para substituir a tradicional união contratual que tinha ganhos financeiros,
políticos, etc. como finalidade. Naquela época, muitos devem ter achado que aquilo era
irrelevante ou loucura. Mas o casamento por amor, hoje sabemos, sobreviveu.

Sobreviverão agora os relacionamentos que invertem a tradicional seqüência de etapas


que tem início nas aparências, na posição social, no círculo de amizades, etc.?
Esperemos. A resposta está no futuro, e esse futuro não tardará a chegar...

154
Desilusões reais e virtuais

O ciberespaço, tal como este do qual escrevo, não é nenhum mar de rosas. Por isso
mesmo, para não deixar você, meu leitor, com a falsa impressão de que tudo acaba em
happy end, seguem-se dois relatos de decepções bastante amargas.

Rosa Leite é professora de francês e tem 38 anos de idade. Foi casada e já passou pela
experiência de uma desilusão e separação bastante “reais”. Em depoimento enviado por
e-mail, Rosa nos relata agora uma desilusão virtual que ela associa à perda por ela
vivida quando desfez um relacionamento tão real que havia gerado um filho. Ela acessa
a Rede há somente 9 meses. (Novamente foram preservadas as características e os
erros da linguagem online nesse depoimento.)

“Sou separada, tenho um filho de 9 anos e não saio muito de casa.


(...)
Na internet, acontece uma coisa que poucos entendem. O meio é
virtual, mas
falamos com o coração.
Tive um romance uma vez. A situação ficou sem controle.
Trocamos fotos. Parecia real as coisas que sentíamos.
Sentiamos muito a falta um do outro. me senti muito confundida,
pq [porque] como poderia sentir tantos sentimentos, se nem ao menos
tinhamos dado um
beijo? Achava que era pq estava me sentindo carente. Terminamos e
senti um
enorme sentimento de perda. Somos amigos(?), mas sinto muito
ciumes dele.
Nunca nos encontramos pessoalmente. Mas, me sinto protegida qdo
[quando] ele está na
mesma sala que eu. Qdo recebo um mail dele, fico super contente.
Minhas
reações eram de uma adolescente, qdo estávamos juntos. Me
incomodava isso,
pq já passei por experiencias de separação, filho, etc.”

Nesse depoimento de Rosa, encontramos alguns dos mesmos ingredientes que já


vimos nos depoimentos de Vera, Renata e Jorge. Ela conheceu alguém via Rede, se
enamorou, trocou fotos com esse alguém, ficou confusa com o fato de seus sentimentos
parecerem “reais” e achou que isso era devido ao fato de que estava se sentindo
carente.

Há, no entanto, algumas diferenças entre esse curto relato escrito de uma desilusão
amorosa e os longos e detalhados depoimentos ao vivo de grandes encontros, com os
quais o leitor acaba de travar contato.

E, a principal dessas diferenças é que tudo acabou antes mesmo de Rosa e seu
namorado virtual se conhecerem. Mas ela continuou tendo sentimentos, ao que tudo

155
indica bastante “reais”, em relação a ele, embora ainda confinados ao espaço virtual.
Teve um “enorme sentimento de perda” logo que houve o rompimento, e, agora, sente
ciúmes, mas, ao mesmo tempo, se sente protegida quando ele está na mesma “sala”
(ou canal) que ela.

Ela não fornece mais detalhes a respeito de sua desilusão mas a sua afirmação de que

“Na internet, acontece uma coisa que poucos entendem. O meio é virtual, mas
falamos com o coração.”

faz crer que talvez ela tenha sido vítima da insinceridade que Vera, Antonio, Renata e
Jorge temiam.

Peço a Vera alguma ajuda para entender o que pode ter acontecido. Vera, prestativa,
analisa:

“Eu falo que a gente tem dois tipos de pessoa lá na Internet. Uma é aquela pessoa
que cria uma outra personalidade, que é a personalidade que aparece lá. Ele tipo
assim, criou um personagem. Aí tem muito a ver, se você olhar, meio que pelo
nome que ela escolheu para usar, já vai mostrando um pouco dos traços. E outros
que são a mesma coisa que eles são na vida real. Eles estão ali e usam aquilo só
como veículo, pra você conhecer gente de lugares diferentes e tal. Mas a maioria
do pessoal que eu conheci era essa história do teatrinho. Faziam um teatrinho
que não tinha nada a ver com eles, na verdade.”

Pode ser que Rosa tenha tido azar e dado crédito a um desses personagens de teatro
amador.

Algumas pessoas, como Kátia Assunção tiveram outras experiências frustrantes,


embora de menor grau de seriedade. Elas tentaram conhecer ao vivo as pessoas que
conheciam apenas virtualmente e se frustraram. Baseada na sua experiência, Kátia
chega a sugerir uma estratégia, que pode servir de forma de defesa ou proteção, por
mínima que seja, contra as decepções originadas pelos encontros onde há o que é
chamado de “quebra de virtualidade”.

“É muito doido, é uma loucura porque você só vai marcar um encontro com uma
pessoa se essa pessoa de alguma forma te apaixona. Quando eu digo te apaixona
é que te interessa, e você cria uma expectativa louca porque a palavra é tudo.
Você vê uma palavrinha na tela você se apaixona pela palavra e ai você... Quando
você vai marcar um encontro com alguém você tem que trabalhar exatamente
essa sua expectativa, que a pessoa não é só a palavra, que tem um monte de
coisa atrás disso e que você precisa colocar essa sua expectativa em stand by
[em estado de alerta] e ver o que é que é. A minha experiência foi super agradável,
porque além de ter sido muito engraçada, porque você marca num lugar mas você
não sabe exatamente como essa pessoa é [ao que parece, alguns encontros ocorrem
mesmo antes da troca de fotos], você fala: sou de cabelo curtinho, enroladinho.. a
pessoa fala: eu tenho cabelo curto liso. Mas você entra no lugar a espera da
pessoa, a pessoa entra você não sabe se é ela, ela não sabe se é você vocês as
vezes nem se falam porque ou não gostaram.. Então é uma coisa muito
complicada. Mas no meu caso não. Eu que fui falar com a pessoa porque eu

156
descobri que era e de alguma forma foi legal porque foi divertido, a gente
continuou a ter um certo vínculo, mas é um pouco frustrante, você na tela é muito
diferente de você ao vivo. Fico pensando em até que ponto as pessoas ao vivo
são frustrantes, entendeu ? (risos)”

Mas vejamos o caso, bem mais complexo, de Dina Álvares. Dina, tal como Vera/Antonio
e Renata/Jorge, também conheceu alguém num chat, também trocou fotos e
telefonemas, também teve medo e também teve coragem. Depois de algum tempo de
namoro virtual, conheceu Sebastião Dias pessoalmente e, como ambos gostaram do
que viram, logo após foram viver juntos. Para isso, Dina deixou sua cidade natal, dado
que Sebastião não poderia se mudar por conta de compromissos profissionais e
familiares.

No entanto, diferentemente de Vera/Antônio e Renata/Jorge, o relacionamento “real” de


Dina e Sebastião não durou muito.

No começo, segundo o relato de Dina, eles fizeram planos de filhos, de viagens, etc.
Mas, com a convivência diária ela foi descobrindo que Sebastião era egoísta, que só
queria as coisas do seu jeito, que a tratava com indiferença... E, pior, começou a ser
alvo de “suas explosões violentas e de seus comportamentos grosseiros”. Ela,
apegada que estava a esse relacionamento cujo começo havia sido inédito, atribuía
tudo às habituais fases de adaptação de qualquer casamento convencional.

Dina relata ter sofrido muito sem sequer poder pensar em voltar para a casa de seus
pais, com quem havia brigado para viver com Sebastião. Mas, um belo dia, ela não teve
mais opção. Ele a expulsou da casa que era dele e ela teve que voltar para a casa de
sua família.

Era desse tipo de coisa que Vera e Antonio bem como Renata e Jorge tinham medo.
Mas, no caso deles, isso não aconteceu. Eles deram sorte e sabem disso. Já Dina não
teve a mesma sorte... Talvez ela tenha se precipitado, talvez não tenha tomado certas
precauções, não tenho informações a esse respeito. De qualquer modo, é bom que não
nos esqueçamos de que isso também acontece -- e como! -- do lado de fora da Rede,
na vida que chamamos de real mas onde muitas vezes só conseguimos enxergar da
realidade aquilo que queremos ver!

157
Os prós e contras dos relacionamentos virtuais

“Eu adoro a Internet. Mas ultimamente tenho tido um pouco de sentimento de


frustração, pelo seguinte. A Internet nos põe em contato com pessoas de todo o
mundo. E a gente fica amiga delas, ou até mais que isso, e chega uma hora que
não tem ciberespaço, mundo virtual, que dê jeito. A gente quer mais é encontrar,
ficar junto, conversar de verdade. Tenho tido um sentimento tipo: a rede é uma
vitrine que me mostra um mundo maravilhoso, mas na hora que vou pegar dou de
cara no vidro. Agora eles têm que inventar o teletransporte.”

Quem escreve isso, num e-mail, é Adriana Rosas, jornalista de 26 anos. E Adriana tem
razão: a ilusão de proximidade, conhecimento e intimidade a despeito das, às vezes
enormes, distâncias geográficas é um dos contras da virtualidade.

Quais são alguns outros? Um dos mais sérios é a fuga da realidade “real”, quando essa
não é, ou não está, das melhores, o que, muito provavelmente, é parte do que está por
trás do tão alardeado vício na Rede, principalmente nos chats. Peço a Rosa Leite, a
professora de francês de 38 anos de idade que já sofreu uma grande desilusão na
Rede, que me ajude a tornar isso claro para o meu leitor. Rosa o faz dando o próprio
exemplo. Ele, que também chegou por e-mail, é longo e carregado de emoção.

“Quando estou triste entro na internet e esqueço de tudo. Me renovo. Quando tem
uma pessoa que me enche o saco eu simplesmente ignoro e não vejo o que a
pessoa escreve. Mas, isso nunca aconteceu. (...) Tenho muitos amigos
verdadeiros na internet. Poucos ou nenhum no real. Vivo em dois mundos. Não
tem pq [porque] meus amigos mentirem para mim, se além de estarmos longe,
não poderemos usar nada do que é dito confidencialmente, para prejudicar ou
falarmos para outras pessoas. Tudo fica em segredo mesmo. Não minto.
Acesso a internet, todos os dias. Saio pouco com o pessoal do meu trabalho.
Mesmo saindo pouco, deixei de sair com eles para ficar na internet.Todos me
criticam por eu não sair com eles. Minha programação é só em casas que tenham
internet ou um computador. Minha irmã reclama que eu não dou atenção à minha
familia. Faço o serviço da casa, dou a refeição , mas qdo entro na internet, pode o
mundo cair. O virtual é bem melhor do que o real. No real vc [você] tem que
conviver com pessoas más. Aqui é mais facil de lidar com elas. Atualmente, estou
me policiando. Estou reduzindo os dias. Cheguei a um ponto que estou viciada e
isso está me trazendo problemas de ordem social e pq não dizer financeiros. Qdo
começa a dar a hora de eu entrar, por volta as 21:00, fico ansiosa e como mais,
fico mais agressiva tb [também] pq estou evitando me conectar. Fico pensando em
quem poderia estar na sala, penso em ver o mail. Tudo motivo para eu me
conectar. Está difícil, qdo [quando] não é o dia de eu me conectar. Fico muito
ansiosa!! Em geral, me conecto todas as noites nos dias de semana até qdo me
dá sono , sábados e domingos a partir das 16:00. até a hora que acaba Sai de
Baixo. Nas férias, fiquei de manhã, tarde e noite, sem horários. Fazia uma coisa
em casa e o computador ficou ligado direto. Passava e-mail para todos. Entrava
no ICQ. Foi Ótimo. Não viajei, para ficar na internet. Qdo fico sozinha, fico a noite
inteira.

158
Fico nos lugares, só pensando na internet. Estou fazendo um curso de infomatica
pelo meu trabalho, leio só livros de informática. Vejo programas de informática.
Falo só de computador, mas estou passando por um treinamento e estou
diminuindo esse quadro. Espero ter ajudado em alguma coisa.”

Tenho certeza de que meu leitor não tem dúvida de que Rosa ajudou, e muito, ao nos
ofertar esse depoimento tão sincero, no qual ela revela o seu vício e descreve algo que,
fosse a Internet uma droga da qual a pessoa estivesse tentando se livrar,
provavelmente seria chamado de síndrome de abstinência. (Na realidade, o uso da
Internet foi, recentemente, comparado ao uso da cocaína pelo psicólogo britânico Mark
Griffiths, professor da Universidade de Trent. A comparação foi feita em virtude da
semelhança dos sintomas apresentados pelos viciados em ambas.)46

O depoimento de Rosa nos mostra um uso perigoso da Internet porque, Rosa


certamente sabe disso, não dá para resolver os problemas do mundo “real” desse jeito.
Simplesmente se desconectar da vida e do contato direto e olho-no-olho com os outros
não vai resolver os problemas nem de Rosa nem de ninguém. Muito pelo contrário, a
vivência cotidiana de duas realidades que não se interpenetram pode ser muito
angustiante e é vivida como “pirante” por muitos usuários. Além disso, viver
exclusivamente nessa realidade -- quer dizer, quase que exclusivamente porque
ninguém pode viver num espaço que não tem existência física -- certamente torna o
usuário presa fácil de mentiras e manipulações, o que, por sua vez, pode gerar grandes
decepções e sofrimentos e acabar transformando a vida virtual num inferno paralelo ao
inferno da vida “real”, do qual esses mesmos usuários estão tentando escapar.

Esse é um uso bastante diferente daqueles que foram discutidos ao longo das páginas
deste bloco e que podem ser vistos como fazendo parte dos prós da virtualidade. A
Internet, como já foi dito, pode funcionar muito bem como uma fonte de auto-
conhecimento; como um recurso para que encontremos pessoas com as quais
possamos nos identificar, sejam quais forem os nossos problemas, gostos, inclinações
sexuais, e com as quais podemos ter muito o que aprender; como um auxílio para a
ruptura de preconceitos; como uma fonte inesgotável de informações a respeito de
diferentes formas de viver, pensar e sentir, etc. Mas, para isso, o usuário tem que
aprender a construir algum tipo de ponte entre a realidade virtual e a “real”.

Esses são apenas alguns prós e contras dos ainda recentes relacionamentos virtuais
que, tenho certeza, ainda darão muito o que falar, tendo em vista as mudanças que
introduzem nas vidas de todos aqueles que mantêm algum tipo de relacionamento
ciberespacial.

Como tudo isso é muito novo e ninguém sabe ao certo como usar esse poderoso
instrumento de comunicação que é a própria Rede, é importante que tomemos distância
e analisemos cada aspecto de cada mudança que esse instrumento introduz nos
relacionamentos humanos. O que acabamos de fazer foi colocar no papel aquelas que
são meramente as primeiras considerações de muitas que serão necessárias para que
possamos dar conta da complexidade da troca rápida, quando não instantânea, de
sentimentos e emoções via computadores interligados.

46
Ver também a referência a Timothy Leary, o papa do LSD da década de 1960, na seção Agilidade,
integração e relativização do bloco NOVA LÓGICA
159
Como não podemos analisar tudo o que já existe e, muito menos ainda, aquilo que
ainda está por vir, talvez o mais importante, no momento, seja sabermos que temos que
aprender a construir, e ajudar a construir, defesas internas e externas para lidar com os
contras desse tipo de relacionamento, para que ele não gere sofrimento desnecessário
e para evitar que algumas pessoas literalmente pirem. Temos que saber dar crédito e
ouvidos aos medos de usuários e ainda-não-usuários. Estes são expressos, inclusive,
em filmes como A Rede, em que a personagem principal, ao perder sua identidade na
Internet, perde também sua identidade no mundo “real”, pois todos só a conhecem
virtualmente, e a mãe, sua única parente viva, não pode reconhecê-la porque também
vive num universo paralelo por conta de problemas mentais. Temos, também, que
prestar atenção à preocupação com a própria sanidade mental, que é bastante
difundida entre os usuários, embora geralmente sob a forma de brincadeira.47

Por outro lado, devemos investir em outro aprendizado. Temos que aprender a explorar
o potencial de todo e qualquer dos vários prós dos relacionamentos virtuais, prós esses
que geralmente são deixados de lado face ao arrebatamento e a atenção gerados pelo
medo e também pelo fascínio dos contras.

47
Leia mais a respeito do medo de pirar na discussão sobre a lógica dos excessos em NOVA LÓGICA.
160
CONSOLIDANDO IMPRESSÕES E CONFIRMANDO INTUIÇÕES

No dia 19 de julho de 1997, recebi, mais uma vez através da lista informativa MeuPovo,
organizada por Dario Mor, uma interessante compilação de “profecias da informática”,
feita por Daniel Marques <dmarques@rio.nutecnet.com.br>. As profecias eram as
seguintes:

"No futuro os computadores não deverão pesar mais do que 1.5 toneladas." --
Popular Mechanics, prevendo o implacável progresso da ciência, em 1949.

"Acredito que exista um mercado mundial em torno de cinco computadores." --


Thomas Watson, presidente da IBM, em 1943.

"Mas... para que serve isto?" -- Engenheiro da Divisão de Sistemas de


Computadores da IBM, em 1968, sobre o microchip.

"Não existe nenhuma razão para que alguém queira um computador em casa." --
Ken Olson, presidente e fundador da Digital Equipment Corp., em 1977.

"640K [640 kilobytes] deverão ser suficientes para qualquer um." -- Bill Gates, em
1981. [Um único disquete de 3 ½ polegadas passou a ter 1,4 megabytes não muito
tempo depois, e esses 1,4MB são insuficientes para armazenar vários de nossos
arquivos!]

"Então fomos à Atari e dissemos: 'Bem, nós temos este produto maravilhoso,
montado com algumas de suas partes, o que vocês acham de nos ajudar
financeiramente? Ou então até damos este produto para vocês. Queremos apenas
fazê-lo. Paguem nossos salários e viremos trabalhar para vocês'. E eles disseram
'Não'. Então fomos para a Hewlett-Packard com a mesma oferta e eles disseram
'Bem, não precisamos de vocês. Vocês ainda nem passaram pela faculdade...' ." --
Steve Jobs, fundador da Apple Computer Inc., quando tentou que a Atari e a H-P
se interessassem pelo seu projeto e de Steve Wozniak de um computador
pessoal.

Por que dou início às minhas últimas considerações neste livro citando essas profecias
que se mostraram completamente equivocadas? Porque, apesar de não ter feito
nenhuma profecia, dei início à viagem, que agora se aproxima do seu ponto final,
guiada por impressões e intuições, correndo o risco de também estar enganada.

Como relatei no início deste livro, na primeiríssima vez em que me conectei à Rede tive
a impressão de que estava diante de uma nova Revolução, de porte minimamente
análogo ao da Revolução Industrial.

Ainda nessa primeiríssima vez, minha intuição (guiada, é fato, pela experiência
profissional) me disse que os impactos da nova tecnologia não seriam pequenos. Mais
explicitamente, minha intuição me disse que homens, mulheres e crianças teriam suas
formas de conceber o mundo e a realidade, suas formas de se relacionar com os outros

161
e consigo mesmos, bem como seus modos de pensar e de sentir, profundamente
alterados. Disse-me, também, que essas alterações trariam, em seu bojo, benefícios e
problemas. Mas, naquela época, era impossível prever quais seriam os benefícios e
quais seriam os problemas.

Mesmo hoje, é ainda difícil separar o positivo do negativo, tão rápidas e profundas
foram as mudanças e tão pouco o tempo que tivemos para pensar sobre elas. É, por
exemplo, positivo ou negativo amar uma máquina, como muitos usuários revelam amar
seus computadores? É positivo ou negativo termos uma realidade “não real” para a qual
podemos fugir a qualquer hora do dia e da noite, quando quer que tenhamos
necessidade de partilhar nossos sonhos, desejos e problemas, ou que desejemos
companhia para combater a nossa solidão? É boa ou má a nova lógica instaurada pela
experiência com a Rede (os excessos podem parecer negativos, mas a integração
parece bastante positiva, e ambos fazem parte do mesmo pacote)? São boas ou más as
influências que a linguagem online e o hipertexto estão exercendo sobre a nossa língua
pátria? A nós mesmos caberá a tarefa de encontrar as respostas para essas perguntas.
Em cada uma dessas novas formas de pensar, falar e sentir há provavelmente muito de
positivo e outro tanto de negativo. Porém, para que saibamos separar o joio do trigo,
temos que dar tempo ao tempo e, acima de tudo, a nós mesmos.

Mas, dado que a Internet, ao menos em princípio, não passa de uma fria rede de
computadores, é na insuspeita área dos sentimentos e dos relacionamentos humanos
que a confusão se instaura dentro de nós, nos deixa perplexos e faz com que percamos
a capacidade de julgar. Nessa área, a separação do que é bom -- e, portanto, deve ser
mantido --, daquilo que é nocivo -- e de que devemos tentar nos defender ou nos livrar,
se possível -- é ainda mais difícil de ser feita. O que somos capazes de sentir à frente
da telinha é tão intenso que, para surpresa geral, muitas vezes chegamos a duvidar de
nossas próprias percepções.

Há poucos anos, mas ainda no tempo em que os computadores eram vistos com
respeito e distância pela maior parte dos comuns mortais, seria no mínimo improvável
(se não impossível) prever que o ciberespaço se transformaria num novo palco, paralelo
mas bem “real”, para o desenrolar de dramas, conflitos e alegrias humanos. No entanto,
foi exatamente isso que aconteceu e é exatamente isso que está deixando tantos
confusos, angustiados, etc.

Curiosidade, fascínio, medo, ansiedade, angústia, excessos, dependência, vício,


ciúmes, amor, ódio, mentira, verdade, fantasia, sonho, esperança, dúvidas, conflitos,
perplexidade, sofrimento, ilusão, desilusão, bom-humor, mau-humor, impotência,
onipotência, sedução, revolução, competição, crimes, policiamento, expertise,
sociabilidade, companheirismo, ajuda, integração, interatividade, loucura, perversões,
etc. etc. etc. lá estão presentes com uma intensidade inimaginável até muito pouco
tempo atrás. A intensidade é tanta que pode gerar, no usuário, sentimentos,
desconhecidos e incômodos, como a incredulidade nas próprias percepções e
emoções, ou a incapacidade de lidar com as mesmas. Tanto a incredulidade quanto a
incapacidade de administração dos próprios afetos, aliadas ao inédito contato cotidiano
com a nova realidade virtual e aos excessos gerados pela velocidade ciberespacial,
certamente estão por trás do medo, bastante difundido, de enlouquecer ou de “ser
sugado pelo virtual” (como coloca o nosso colaborador Juca Mineiro).

162
O que fazer de tudo isso?

No momento atual, registrar e pensar. Mas, registrar e pensar de uma forma que deixe
de lado o preconceito, o medo e a paranóia gerados, entre outras coisas, por livros
(como os clássicos Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, e 1984, de George
Orwell) e filmes (como os recentes A Rede e Denise está chamando), nos quais o
computador -- um computador central no caso dos livros, já antigos, e uma Rede de
computadores nos filmes, contemporâneos -- invade de tal modo a vida do ser humano
que este se torna menos humano, passa a ser controlado pela máquina (na versão
mais antiga da paranóia), ou deixa de ter contato físico com seus semelhantes (em sua
versão mais moderna).

Medo, preconceito e paranóia não vão nos levar a lugar nenhum e certamente vão
dificultar a compreensão tanto dos aspectos negativos quanto dos aspectos positivos da
vida ciberespacial. Isso porque tanto o positivo quanto o negativo são novos e devem
ser entendidos a partir de um novo referencial.

Somente as observações a partir de um novo referencial poderão nos fornecer as pistas


e os insights para que possamos aprender a lidar com os problemas, bem como a fruir
os prazeres, gerados pela existência de uma nova realidade, paralela àquela à qual
estamos acostumados, mas sentida como muito concreta, de acordo com os vários
depoimentos que vimos ao longo deste livro. Creio que a arte de viver em contato com
essas duas realidades certamente envolverá a nossa capacidade de integrá-las de um
modo ou de outro. Teremos que aprender como.

E isso nos leva a um outro ponto importante a respeito do qual gostaria de dizer uma
última palavra. Para registrar e pensar tudo isso, que, de tão novo que é, nos deixa
confusos e incrédulos, temos que adotar uma estratégia análoga à que outros
pensadores adotaram em outras épocas: tentar enxergar o novo a partir de categorias
novas, suportando a ansiedade de não saber, não compreender, não ter parâmetros...
Se, para que possamos nos sentir seguros, tentarmos encaixar esse novo, que adentra
o nosso cotidiano de diversos modos, em antigas formas de ver e perceber o mundo e o
ser humano, dele perderemos a essência e torná-lo-emos velho (e isso não nos será de
nenhuma utilidade). Mas, que ninguém se engane, ele só permanecerá velho na ilusão
daquele que não quer enxergar o que acontece ao seu redor.

Talvez por ter conseguido manter olhos e ouvidos sempre abertos e ter sido capaz de
suportar a ansiedade de não saber, creio, agora, ser possível afirmar que, ao longo dos
poucos anos que se seguiram aos primeiros momentos da difusão da Internet no Brasil,
pude consolidar minha primeira impressão e vê-la ganhar o peso de uma verdade
constatável por observação e consenso. Pude também confirmar a minha intuição e vê-
la assumir os contornos cada vez mais nítidos das vantagens e desvantagens, dos
benefícios e malefícios, dos recursos e obstáculos, dos problemas e soluções
oferecidos pela nova realidade do ciberespaço. Foi-me ainda possível perceber que a
nova tecnologia, que interconectou computadores no mundo inteiro, chegou para ficar e
que, querendo ou não, a ela teremos que nos adaptar.

Certamente tenho, neste momento, duas sensações que se complementam: a de


satisfação, por não ter me equivocado, e a de dever cumprido, por ter mergulhado no
novo e sobre ele, espero, ter conseguido lançar alguma luz.

163
Mas, a sensação de dever cumprido, estou consciente disso, pode ser passageira. Esse
novo continua a se tornar novo a cada dia que passa e... Bem, deixemos isso para uma
próxima vez!

164
GLOSSÁRIO48

# Na Internet, símbolo usado no IRC para indicar os seus canais.* 49

@ arroba, at Separa o nome do usuário do domínio em endereços de correio


eletrônico (e-mail) da Internet.

aplicativo programa; aplicação Um programa de computador que desempenha uma


tarefa específica para o usuário, contrastando, por um lado com um documento, que é
um arquivo gerado por um aplicativo e, por outro, com um ambiente ou um sistema
operacional, que gerenciam a comunicação entre o usuário e o próprio computador.

ASCII American Standard Code for Information Interchange. ASCII é um conjunto


padrão de caracteres que tem sido adotado pela maioria dos sistemas de computadores
no mundo, usualmente estendido para alfabetos estrangeiros e sinais diacríticos.

bit Um dígito binário (binary), a menor unidade de informação de computador,


transmitida (transmited) como impulso único significando ligado ou desligado,
simbolizado por 1 ou 0.

byte Uma “palavra” binária (binary) -- unidade de significado -- geralmente constituída


de oito bits.

channel manager channel op, operador de canal Um usuário privilegiado de um canal


IRC com poderes para, dentre outras coisas, excluir participantes anti-sociais.

chat bate-papo (s.) 1. Comunicação linha a linha com um outro usuário pela rede de
forma síncrona em tempo real, tal qual em uma conversa telefônica e diferente de um
intercâmbio de mensagens de correio eletrônico; 2. O programa de chat propriamente
dito, agora amplamente substituído pelo programa IRC.

ciberespaço Um termo popularizado por William Gibson para designar a realidade


imaginária compartilhada das redes de computadores. Algumas pessoas usam o termo
ciberespaço como sinônimo de Internet. Outros se atêm à realidade mais completa,
consensual e similar ao mundo físico, tal como a retratada nos romances de Gibson.

computador pessoal personal computer, PC Um computador projetado para ser


usado por uma pessoa de cada vez. Os computadores pessoais não precisam
compartilhar os recursos de processamento, discos e impressoras de outro computador
(embora isso seja possível, dependendo da intenção do usuário.** 50

deletar Versão “aportuguesada” do inglês delete, que significa excluir, apagar um


caracter, arquivo ou diretório.*

48
Salvo quando assinaladas com um ou dois astericos, todas as definições que constam deste glossário
foram retiradas de O Dicionário da Internet, de autoria de Christiam Crumlish, publicado pela Editora
Campus, em 1997.
49
Todas as definições assinaladas com um asterisco são de autoria de Daniela Romão e Cristina Durski,
com a colaboração de Paulo Roberto Marinho.
50
As definições marcadas com dois asteriscos foram retiradas do Dicionário de Informática da Microsoft
Press, publicado pela Editora Campus, em 1992.
165
diretório directory Uma estrutura para organização de arquivos. Na maioria dos
sistemas operacionais (operation systems), os próprios diretórios podem ser
organizados de forma hierárquica dentro de uma árvore de diretórios principais e
diretórios secundários.

disquete diskette Um disco flexível e removível (floppy disk) para armazenamento de


dados, normalmente de tamanhos 5 ¼ ou 3 ½ polegadas.

DOS Disk Operating System, o sistema operacional desenvolvido pela IBM para PCs.

download fazer download, transferir por download, receber, “baixar” Transferir um


arquivo via modem de um computador remoto para o seu computador de mesa.
(Tecnicamente, transferir um arquivo de um computador maior para um computador
menor).

e-mail eletronic mail, correio eletrônico Consiste em mensagens carregadas


eletronicamente de computador para computador.

emoticon Um smiley ou outras carinhas deitadas formadas por caracteres de


pontuação, como as seguintes:
:-) :-( :-P %^) ;-) B-) :D
Emoticons podem contribuir para dar uma idéia do estado emocional do autor.

FAQ 1. Frequently Asked Question (perguntas feitas freqüentemente); 2. Um arquivo


contendo perguntas feitas com frequência e suas respostas, às vezes chamado de
FAQL (lista de perguntas feitas frequentemente).

FTP File Transfer Protocol, é o protocolo de transferência de arquivos da Internet. O


protocolo TCP/IP padrão para transferência de arquivos na Internet, entre quaisquer
plataformas.

gigabyte Aproximadamente um bilhão de bytes (precisamente 1.073.741.824 bytes),


uma grande quantidade de espaço de armazenamento.

gopher Um aplicativo cliente/servidor que permite examinar grandes quantidades de


informações através de transferências FTP, logins remotos, pesquisas archie e assim
por diante, apresentando tudo para o usuário final sob forma de menus. Seu uso poupa
o usuário da obrigatoriedade de saber (ou digitar) os endereços dos recursos da Internet
utilizados.

HD hard disk, disco rígido Um meio fixo de armazenamento de dados em


computadores.

hardware Equipamentos de computador -- propriamente as peças de metal e plástico,


em contraposição aos programas que são executados em computadores (software).

help ajuda O comando que trará informações de ajuda em alguns programas e


sistemas operacionais. Quando você estiver atrapalhado, nunca lhe fará mal digitar help
ou h ou ? e depois apertar a tecla Enter para ver o que acontece.

166
hipertexto hypertext Texto que contém vínculos (links) para outros documentos,
permitindo ao leitor que se desloque de um para outro e leia os documentos em ordem
diversa.

home page HP Na Web, uma página inicial/principal com vínculos (links) para outras
páginas relacionadas.

host Um computador em uma rede que permite que muitos usuários o acessem ao
mesmo tempo.

HP ver home page.

HTML Hypertext Markup Language, a linguagem hipertexto usada em páginas da Web.


Ela consiste em texto comum e tags que informam ao navegador (browser) o que fazer
quando um vínculo (link) é ativado.

IRC Internet Relay Chat, um protocolo para programas cliente/servidor que lhe permite
entrar, de forma síncrona, em um bate-papo (chat) em tempo real com pessoas
abrangendo toda a Internet através de canais (channels) dedicados a diferentes
assuntos.

K Abreviatura de kilobyte.

kilobyte (abreviado K, KB ou Kbyte). Aproximadamente um mil (precisamente 1.024)


bytes, normalmente medida de memória (memory) ou capacidade de armazenamento.

lag Uma demora excessiva no IRC causando o acúmulo de mensagens.

largura de banda Literalmente, a velocidade na qual dados podem ser transmitidos


através de um meio. Também usado na Internet de forma coloquial para se referir à
velocidade ou capacidade de uma conexão de rede -- que pode ser descrita como low
bandwith (largura de banda baixa) ou high bandwith (largura de banda alta) -- ou de
recursos de rede em geral.

link vínculo, conexão Nas páginas da Web, um vínculo (link) de hipertexto, um botão
ou trecho destacado do texto que, ao ser selecionado, remete o leitor a uma outra
página.

Mac Abreviatura de Macintosh. Um computador pessoal fabricado pela empresa Apple


com uma interface gráfica com o usuário (graphical user interface) interna. Os usuários
do Macintosh constituem uma subculura de tipos e geralemtne são ferrenhamente leais
à sua marca, alguns fazendo-se valer de toda e qualquer oportunidade pra procurar
converter “infiéis”.

mecanismo de busca Termo que designa programas, interfaces ou ferramentas que


facilitam o processo de busca de informações específicas em um banco de dados,
documento ou outra fonte, geralmente através da especificação de palavras-chave a
serem nelas encontradas.

167
megabyte Aproximadamente um milhão (precisamente 1.048.576) bytes, geralemnte
uma medida de memória RAM ou de espaço para armazenamento de disco rígido.

menu Uma lista de opções disponíveis a um usuário. As opções podem geralmente ser
escolhidas com a ajuda de um mouse ou outro dispositivo de indicação ou mesmo
através da digitação do número do item desejado do menu, seguido do pressionamento
da tecla Enter.

microchip Pastilha de silício que contém transistores responsáveis pela execução de


tarefas.*

mouse Um dispositivo usado para acionar os botões, barras de rolagem, etc. nas telas
do sistema Windows.*

netiqueta netiquette, etiqueta da Internet Comportamento aceito como apropriado na


Net, especialmente no que se refere a correio eletrônico (e-mail) e à Usenet. Viole a
etiqueta da Internet por sua própria conta e risco. Apesar de a Internet e Usenet serem
efetivamente anarquistas, elas possuem fortes culturas sociais e a maioria das regras e
regulamentos da Internet é imposta por pressão informal de seus próprios habitantes.

newsgroups Grupos de discussão que, diferentemente dos chats, fazem uso de


recursos de comunicação assíncrona.*

nick cognome, pseudônimo, apelido Um apelido usado no IRC, não necessariamente


o mesmo que seu nome de usuário.

nickname pseudônimo, apelido Um pseudônimo, ou nome alternativo, ou ainda uma


entrada na caderneta de endereços em alguns programas de correio eletrônico, como o
Eudora.

offline 1. Não conectado à Internet em um dado momento; 2. Não respondendo a


solicitações da rede; 3. Termo que desina uma pessoa que não mais está envolvida em
um bate-papo (chat).

online conectado, ligado 1. Conectado à Net em um dado momento; 2. Disponível


para solicitações de rede; 3. Termo que designa uma pessoa que está participando de
um bate-papo (chat).

PC Abreviatura de computador pessoal.

programa ver aplicativo e software.

provedor de acesso Uma instituição que provê acesso à Internet, tal como um
provedor comercial de serviços, universidades ou empregadores.

push Tecnologia que permite receber diretamente em seu computador e de forma


automática, informações sobre assuntos previamente selecionados pelo usuário.*

recursos multimídia Texto e imagens gráficas, layout de página, filmes, animações,


sons etc, usados combinadamente.

168
Rede Web O nome mais comumente usado para denominar a World Wide Web, um
conjunto interligado de documentos em hipertexto, denominados páginas da Web, que
residem em servidores da Web e outros documentos, menus e bancos de dados. Esse
conjunto se acha disponível via URLs. Os documentos da Web são marcados para
formatação e ativação de vínculos (links) através da HTML (linguagem para marcação
de hipertexto). Os servidores Web usam HTTP para exibir páginas da Web. A Web foi
inventada por físicos do, CERN (European Particle Physics Laboratory),na Suíça, como
um recurso de documentação online.

router roteador Um dispositivo (device) que conecta fisicamente duas redes ou uma
Rede à Internet, convertendo endereços e passando adiante somente as mensagens
que precisam passar para a outra rede.

salvar gravar, save Literalemte, copiar um arquivo ou alguns dados da memória


(memory) -- RAM -- em um disco ou outro meio de armazenamento. De forma mais
ampla, preservar o trabalho que você está realizando através do seu armazenamento
em disco.

scanner Um dispositivo de entrada que usa sensores de luz para ler o papel ou algum
outro meio, traduzindo em parões de claro e escuro (ou cores) em sinais digitais que
podem ser processados por softwares de reconnhecimento de caracteres óticos ou
softwares gráficos.**

servidor server Um aplicativo de rede ou computador que fornece informações ou


outros recursos a aplicativos clientes que se conectam a ele. Em redes convencionais, o
termo servidor geralmente se refere a um computador; no caso de aplicativos
cliente/servidor da Internet, normalmente refere-se a um programa. Muitos recursos da
Internet são fornecidos por servidores: servidores de arquivos (file servers), de correio
(mail), WAIS, Web, FTP, archie, de nome (name servers), finger e assim por diante.

sistema operacional O software comanda toda a utilização de um sistema


computacional, bem como toda a comunicação com os recursos desse sistema, ou seja:
a memória (RAM), espaço em disco, processador central (CPU) e dispositivos
periféricos em geral, como teclado, monitor, mouse, impressora, modem e outros. Ele
também atua como intermediário entre as aplicações e os recursos do sistema. O
sistema operacional começa a ser executado antes de qualquer outro software e
permanece na memória o tempo todo em que o computador está ligado. Dentre os
sistemas operacionais mais populares, incluem-se o DOS, Macintosh, OS/2, UNIX e
VMS.

site Um host da Internet que permite algum tipo de acesso remoto, tal como FTP,
telnet, gopher etc.

software 1. Um programa -- seja um aplicativo (application) ou sistema operacional


(operating system) -- que um computador pode executar (execute), em oposição a
hardware, o computador propriamente dito. 2. Um conjunto (suite) de programas
relacionados.

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teclas de função Conjunto de teclas que quando pressiondas executam uma função
específica. Exemplo: a tecla F1 executa a função de ajuda em determinados
programas.*

terminal de rede Um dispositivo teclado-monitor que envia toques de teclado para um


computador e exibe a saída na tela. Se você discar para um ambiente UNIX, então seu
PC estará sujeitoendo usado como um terminal de rede.

UNIX Um sistema operacional de 32 bits, multiusuário e multitarefa, comum a estações


de trabalho e (cada vez menos) dominante na Internet. Ele foi originalmente
desenvolvido na Bell Labs em 1969 por Ken Thomson e é de propriedade da Novell,
apesar de ter gerado muitos clones e versões.

URL Uniform Resource Locator, ou seja, “localizador uniforme de recursos”. Um


endereço da Web. Ele consiste em um protocolo, um nome de host e -- opcionalmente -
de uma porta, um diretório e um nome de arquivo. No URL
http://enterzone.berkeley.berkeley.edu/enterzone.html, o protocolo é HTTP, o nome do
host é enterzone.berkeley.edu e o nome de arquivo é enterzone.html. URLs podem ser
usados para endereçar outros recursos da Internet além de páginas da Web, como, por
exemplo, sites FTP, servidores gopher, endereços telnet etc.

virtual virtual Dito de algo que somente existe em software, não fisicamente.

Web ver Rede.

Windows (abrv.) Microsoft Windows Um ambiente operacional multitarefa executado


em MS-DOS e fornece PCs da IBM e seus compatíveis de uma interface gráfica com o
usuário semelhante à do Macintosh, incluindo ícones, caixas de diálogo, menus e cursor
do mouse.

World Wide Web Também conhecida como WWW, w3 ou W 3, um conjunto interligado


de documentos em hipertexto, denominados páginas da Web, que residem em
servidores da Web e outros documentos, menus e bancos de dados. Esse conjunto se
acha disponível via URLs. Os documentos da Web são marcados para formatação e
ativação de vínculos (links) através da HTML (linguagem para marcação de hipertexto).
Os servidores Web usam HTTP para exibir páginas da Web. A Web foi inventada por
físicos do CERN (European Particle Physics Laboratory), na Suíça, como um recurso de
documentação online.

WWW Abreviatura de World Wide Web.

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