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RESUMO:
1. INTRODUÇÃO:
É indiscutível que uma das mais fascinantes qualidades da espécie humana é sua
capacidade de formular pensamentos sobre a realidade que o cerca e de transmiti-las aos
demais. Para isso, estabeleceu uma série de códigos orais que lhes facilitou a comunicação - a
fala - e posteriormente, um meio de perpetuar essas percepções de mundo às gerações futuras,
com a invenção da escrita. Esta, ao longo dos séculos, foi evoluindo até chegar nos dias de
hoje. Desprezar todo esse acúmulo de conhecimento seria um crime. Porém, existe algo muito
mais importante na comunicação do que a exigência de uma aplicação perfeita de regras ou
estilo em sua forma escrita.
Muito mais produtivo seria se todos os educadores tivessem como objeto central de
sua atuação a preocupação com a construção do pensamento, do senso crítico e da expressão
criativa. Ao contrário do que se possa parecer, o ensino da boa escrita não seria de forma
alguma secundarizado neste processo. Na verdade, a partir do momento em que as pessoas
tivessem a noção de que possuem um potencial inesgotável para comunicar-se, procurariam,
automaticamente, formas cada vez mais sofisticadas de fazê-la. Aí sim, o conhecimento da
gramática seria uma ferramenta indispensável em todo o processo, tornando-o mais eficaz.
3. A LINGÜÍSTICA TEXTUAL
Fica redundante continuar falando que para obter-se êxito nas produções orais ou
escritas não se depende das regras gramaticais, mas sim de gramática implícita em toda a
pessoa humana. Aprende-se que língua materna é aquela que se traz desde o nascimento,
sendo uma capacidade inata. Quando se ingressa na vida escolar, o primeiro objetivo que se
tem é o de aprender a ler e escrever. Porém, o domínio do português – oralmente – já se
encontra presente na vida de qualquer criança, plenamente capaz de formular frases
complexas desde a mais tenra idade e, assim, comunicar-se adequadamente com qualquer
falante da mesma língua.
Faz parte da concepção dominante do que seja aprendizado uma cobrança imposta aos
estudantes. Todos esperam que, ao final do 1° ano, eles devam saber ler e escrever
corretamente, ou seja, que já tenham adquirindo habilidades plenas de leitura e escrita em tão
curto espaço de tempo. O que se verifica, na prática, é que muito dos alunos que chegam à
universidade ainda encontram-se desprovidos desta competência.
A visão predominante no ensino brasileiro está deslocada da realidade, é ultrapassada,
anacrônica. O uso da gramática normativa ainda é a pedra basilar do ensino do português e da
correção de seu uso por parte dos estudantes. Cobram-se aos alunos infindáveis listas de
pronomes, advérbios, enfim classes gramaticais, sem levar-se em consideração de que de nada
adianta a eles saberem reconhecê-las se não forem capazes de utilizá-las na produção de seus
próprios textos.
4. LITERATURA E LINGUA
Por meio da narrativa de uma cena ou de algum acontecimento que envolva os seus
personagens, a literatura transmite uma vasta gama de idéias, emoções e sensações, todas elas
capazes de despertar aspectos ocultos no mais recôndito subconsciente do leitor. Por meio
deste expediente, a literatura ultrapassa o mero aspecto ficcional e atinge um caráter didático
capaz de conduzir este leitor a um raciocínio lógico sobre sua própria realidade, bem como
àquela que o cerca. Quando bem construída, desperta uma consciência de mundo, a qual nada
mais é do que a força propulsora essencial de toda a transformação radical que nossa
sociedade necessita urgentemente passar. Como construidora de consciência, a literatura tende
a constituir-se numa ferramenta fundamental no ensino da língua materna, proporcionando a
ele uma qualidade que nem toda a soma das regras e nomenclaturas - tão abundantes nos
livros didáticos tradicionais - seria capaz de propiciar. É justamente neste sentido que ruma a
proposta contida em Lições do Rio Grande.
Através das idéias contidas no livro objeto de análise deste artigo, o Governo do
Estado do Rio Grande do Sul apresenta suas boas intenções. Em suas páginas, estão elencados
princípios modernizadores da prática ensino-aprendizagem dentro da sala de aula. Propõe,
reiteradamente, a centralidade do uso do texto como a melhor forma de aprendizado que se
pode disponibilizar à juventude no ensino do português. Esta contextualização propiciaria o
surgimento de seres críticos, capazes de interagir com o meio a sua volta deixando, em
conseqüência disto, o papel de mero espectador diante dos fatos sociais e políticos que
determinam suas existências. Aponta, também, a necessidade de oportunizar-se aos alunos a
ampliação das competências no uso da língua, propiciando a elevação o letramento a um
ponto tal que suas ações extrapolem o limite das conversas cotidianas. Ressalta, enfim, a
necessidade de garantir-se de que os estudantes sejam capazes de terem uma atitude
responsiva diante do texto, respondendo-o com novas ações, sejam elas de caráter literário ou
não.
O papel do professor também é reformulado nesta nova proposta de ensino. Segundo
ela, o professor deve inverter a ordem de aprendizagem utilizada pelo método tradicional de
ensino. Em Lições do Rio Grande pode ler-se:
Especialmente, o professor, em sua prática pedagógica, deve opor-se a
concepção de que é preciso primeiro explorar palavras e frases isoladas, para
então poder chegar textos complexos, ou ainda, de que trabalho sobre o texto
se faz sobre suas estruturas gramaticais, tomadas isoladamente, ou sobre seu
vocabulário, retirado do texto e discutido fora de contexto, especialmente
paro análise e classificação. (p. 52)
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Deve-se observar que o ensino de classes gramaticais através do texto propicia não
apenas o contato do aluno com os aspectos da colocação pronominal ou da referência, mas,
também, desenvolve a capacidade de coerência e de demonstração das idéias do estudante no
momento em que terá que produzir seu texto. A interação é alcançada, já que o professor
realiza o ensino dos pronomes com base na Lingüística Textual, a qual vê o texto como um
objeto de ensino e interação. O aluno, ao interagir com o texto, pode aprender tanto regras
gramaticais quanto observar os elementos que formam e fazem este texto ser coerente.
Existem muitos professores que pensam não ser possível ensinar gramática a partir de
uma estrutura textual, desenvolvendo também a interação entre os alunos. Porém, tal atividade
é possível, pois, ao mesmo tempo em que o aluno aprende a estrutura formal da língua, ele
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pode desenvolver outros aspectos, tais como a aprendizagem da escrita de seus próprios
textos. Embora os pronomes de tratamento não sejam tão comuns no uso cotidiano do aluno,
é importante que eles os saibam, uma vez que podem utilizá-los no momento da escrita de um
texto ou carta oficial para alguma autoridade. As atividades baseadas apenas em estruturas
frasais não levam o aluno a compreender e a aprender o uso dos pronomes de tratamento. É
preciso, portanto, contextualizá-los, seja por intermédio de textos escritos ou orais como, por
exemplo, uma apresentação teatral em sala, onde o uso dos pronomes ensinados pelo
professor possa ser feita.
Outro aspecto interessante que cabe salientar no conteúdo de Lições do Rio Grande é
que não se restringe o conceito de texto simplesmente a sua forma escrita. A proposta de
preparação do aluno para uma leitura “responsiva e crítica” estende-se as mais variadas
formas de comunicação, incluindo a modalidade oral ou as disponibilizadas pela tecnologia de
nossos tempos:
Os exemplos listados confirmam que leitura e texto aqui não se referem
apenas à forma escrita. Também está suposta a leitura, responsiva e crítica,
de textos orais e outros, que utilizam diferentes modalidades não verbais de
linguagem. Alguns exemplos são o anúncio publicitário, que pode ser falado
ou escrito e para o qual o uso de imagens é fundamental, ou documentários
em vídeo, sobre temas da cultura brasileira, das ciências naturais, etc. (p. 57)
6. A REALIDADE SOCIAL
meramente acalmar o ânimo reivindicatório das massas. Rouba-lhe os mais legítimos direitos
e garante, por meio deste expediente, que uma considerável parcela da riqueza nacional fique
disponível para manter os privilégios da classe dominante, sua verdadeira aliada e base de
sustentação.
Ferramentas não lhe faltam para alicerçar e manter este estado de alienação. Nos
primórdios do século passado, governos populistas, como o de Getúlio Vargas e seu Estado
Novo, não tinham o menor constrangimento em explorar a boa fé e a religiosidade do povo.
Já da metade do século XX para cá, as técnicas tiveram de aprimorar-se, pois o país já não
possuía mais o perfil agrícola de outrora: o ingênuo matuto, detentor de concepções simples
de mundo havia cedido lugar ao operário, potencialmente mais consciente e contestador.
Não é por acaso que nas décadas de sessenta e setenta tenha acontecido o boom na
utilização da mídia de massa por meio da consolidação das grandes redes de televisão. As
novelas e os programas de auditório, que preenchiam as grades de programação das
emissoras, aplicavam, na prática, a ideologia dominante formulada por Brasília sob o controle
dos militares. Isto fica muito claro no livro O texto na sala de aula, organizado por João
Wanderley Geraldi (2006, p. 15), onde ele e um grupo de escritores analisam o papel da TV
na sociedade brasileira:
Pobres falantes! Seu trabalho não tem palavras, apenas ferramentas e
isolamento. É um trabalho mecânico, infeliz, repetido, ao lado dos
companheiros, mas longe deles. Sua conversa é com a máquina, a enxada.
Em pequenos intervalos, permitem-lhes abrir a boca para comer a ração
diária que mal lhes repõe as energias para durar aqueles trinta ou trinta e
cinco anos que lhes deu a graça de ter nascido do lado errado do rio.
Chegando em casa, esse falante, esgotado, mal ouve as palavras domésticas
ditadas pela TV ou gritadas pelos filhos, o rebanho doméstico, peças de
futuras reposições. Se tem sorte, chega cedo, pode ouvir a vida nas novelas,
no mundo dos auditórios. Ele, ela, pobretões, podem ouvir. De posse do
instrumento língua, eles não podem usá-lo integralmente.
Geraldi segue sua crítica à mídia de massa e estabelece uma analogia entre o papel
desta e o do professor tradicional, além do real objetivo dado pelo poder público ao sistema
escolar:
À maioria é permitido ouvir, não falar. O professor do ouvir é a TV,
monopólio e concessão do Estado e das empresas privadas. ATV é a
professora antiga, autoritária - só fala, fala, nunca ouve, O aluno, espectador,
é também aquele antigo, passivo, conformado, só ouve.
A TV é como uma escolinha: a cada horário corresponde uma série, de
acordo com o “desenvolvimento mental do aluno”. Quanto mais cedo o
horário, mais primária a programação, mas a quantidade dos
alunos/espectadores é imensa. Com o subir das séries, muda o nível do
programa, os espectadores também. E assim, nas últimas séries/programa a
evasão é enorme, há poucos alunos. Só que a situação é a inversa da escola,
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É evidente – e para comprovar basta estar no interior de uma sala de aula – que esta
relação arcaica ainda prevalece na prática de ensino-aprendizagem. Apesar das boas intenções
apresentadas em Lições do Rio Grande, o que se verifica é a pouca disposição dos educadores
em fugir deste quadro. Apesar do ímpeto inicial em romper com o modelo vigente de ensino
que muitos possuem no início de sua jornada como educadores, a comodidade do ensino
tradicional mostra-se por demais tentadora, e a esmagadora maioria acaba cedendo a ela. Um
“cale a boca que estou falando” torna-se mais confortável e menos trabalhoso nas tarefas
cotidianas do que um “vamos pensar em conjunto e debater?”; em vez de ensinar o manuseio
das ferramentas disponíveis para a formulação do pensamento e da consciência, preferem
lançar mão do velho expediente da memorização (modelo herdado da época do Império
Romano) para efetuarem a avaliação do grau de absorção por parte dos alunos dos
conhecimentos a eles transmitidos. Se for analisado em profundidade, este método propicia,
sim, a mensuração da capacidade dos estudantes em memorizar os conteúdos, mas jamais o
potencial de raciocínio do qual são possuidores e, muito menos, o nível de conhecimentos
acumulado. Lições do Rio Grande aponta para uma concepção oposta a esta realidade:
A escola é responsável por oferecer oportunidades para o aluno adquirir
competências de uso adequadas para enfrentar tais situações com confiança e
exercer sua cidadania por meio do uso da língua falada, gozando de direitos
e respondendo a deveres, simultaneamente. (p. 63)
Mas discurso e prática não rimam na realidade política brasileira. De boas intenções
governamentais a sociedade está cheia – e farta. Faz-se necessário por-se em prática tais
proposições e, para tanto, os efetivos investimentos têm de ser feitos. Não basta elencar uma
série infindável de intenções politicamente corretas e nada fazer para concretizá-las. Esta
dicotomia está presente na prática governamental de Yeda Crusius.
Ao mesmo tempo em que busca modernizar a educação por meio das propostas
apresentadas em Lições do Rio Grande, o Governo do Estado ataca os educadores e a própria
educação. A baixa valorização dos trabalhadores em educação é um problema crônico e sem
uma solução aparente. Greve após greve, os professores buscam a recuperação de perdas
passadas, as quais invariavelmente não são atendidas.
O governo estadual, apesar de defender em seus referenciais uma educação
conscientizadora e crítica, não sente o menor constrangimento de esconder-se covardemente
por detrás dos escudos de sua tropa de choque quando contestado em suas políticas de
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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
com a alfabetização vem tendo um papel mais acentuado nas últimas décadas. Porém,
alfabetização não significa letramento; saber ler um texto um não significa entendê-lo. Para
que isto ocorra tem-se que ter em mente que o processo ensino-aprendizagem não é apenas
uma questão didática, mas também política. Somente a mobilização constante de toda a
comunidade escolar possibilitará a criação de uma sociedade crítica, com plena capacidade de
pensar e expressar seus desejos e reivindicações, transformando os pactos espectadores em
sujeitos de sua própria história.
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANTUNES, Irandé. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola, 2005.
______ Aulas de português: encontros & interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003
FILIPOUSKI, Mariza Ribeiro; MARCHI, Diana Maria; SIMÕES, Luciene Juliano. Lições do
Rio Grande – Caderno do professor. Porto Alegre: Secretaria da Educação do Estado do
Rio Grande do Sul, 2010.
______ Lições do Rio Grande – Caderno do aluno. Porto Alegre: Secretaria da Educação
do Estado do Rio Grande do Sul, 2010.
GERALDI, João Wanderley (org.). O texto na sala de aula. 4ª ed. São Paulo: Editora Ática,
2006.
KOCH, Ingedore Villaça. A coesão textual. 3ª ed. São Paulo: Contexto, 1991.
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LUFT, Celso Pedro. Língua e liberdade: por uma nova concepção da língua materna e
seu ensino. Porto Alegre: LP&M, 1985.
POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de
Letras, 1996. (Coleção Leituras no Brasil)
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática
no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 1996.