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LÍNGUA É LIBERDADE*

Lizania Xavier da Silveira Marques**

RESUMO:

Este artigo objetiva analisar crítica e estruturalmente a proposta contida no livro


didático Lições do Rio Grande. O livro em questão, editado pelo Governo do Estado do Rio
Grande do Sul e destinado aos alunos de 5ª e 6ª séries, aponta para uma nova perspectiva de
ensino da língua materna, unindo o ensino do português com a literatura. Além disto, ele
questiona o modo como os aspectos morfológicos são apresentados no cotidiano do processo
de ensino.

PALAVRAS-CHAVE: Morfologia. Livro didático. Literatura. Português. Lições do Rio


Grande.

1. INTRODUÇÃO:

Comumente, observarmos em livros didáticos algumas deficiências quanto à


elaboração dos conteúdos gramaticais. Embasando-se apenas na gramática normativa e
utilizando-se de palavras descontextualizadas em seus exercícios, fazem com que, muitas
vezes, o professor tenha de seguir uma metodologia de ensino que não promove uma real
aprendizagem por parte do aluno. O presente texto busca analisar esta questão, tendo como
base o livro Lições do Rio Grande - especificamente no capitulo reservado à língua
portuguesa de 5ª e 6ª séries do ensino fundamental - com o objetivo de verificar se o material
proposto contribui, efetivamente, para a referida aprendizagem, destacando, ainda, se o
método de ensino é baseado na didática tradicional ou na Lingüística Textual.

* Texto elaborado a partir de uma análise crítica de Lições do Rio Grande.


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** Graduanda do Curso de Letras (Português) da Universidade Federal do Rio Grande (FURG).

2. UMA NOVA PROPOSTA NO ENSINO DA LÍNGUA MATERNA

O livro didático, em geral, é a principal fonte de referência para os professores de


Língua Portuguesa. Apesar de estar-se em plena era digital, ainda hoje ele e único
instrumento de trabalho em sala de aula. No que diz respeito à gramática, a maioria dos
materiais didáticos se fundamentam na Gramática Tradicional, a qual é objeto de várias
críticas em razão de sua classificação com relação aos vocábulos.
A Gramática Tradicional expõe as classes de palavras de forma independente, como se
elas não dependessem uma das outras. Lições do Rio Grande está voltado para o uso da língua
em suas participações efetivas, na qual todos os alunos têm a possibilidade de atuar e interagir
como sujeitos de suas próprias existências. Este livro traz inúmeras inovações se comparado
aos livros didáticos tradicionais. As propostas contidas nele oportunizam ao professor fazer
um trabalho diferenciado, combinando o ato de ler com o de escrever, sanando problemas
com o propósito de conseguir-se o verdadeiro ensino da Língua Portuguesa.
Para que o exercício da cidadania seja pleno, faz-se necessário dar-se acesso às
diferentes práticas de leitura e de escrita, as quais fundamentam a vida do individuo, tanto no
aspecto público quanto privado. O português é muito mais que um conjunto de regras. É, sim,
um agente transformador de realidade, já que permite instrumentalizar os alunos para que
sejam capazes de terem uma atitude crítica diante da vida. Dito de outra forma, quanto melhor
soubermos utilizarmos a língua, mais bem sucedido seremos em nossos propósitos.
Antes de partir para a análise livro didático de língua portuguesa, faz-se necessário
conhecer as concepções de linguagem que podem estar presentes nele. Segundo os Parâmetros
Curriculares Nacionais - PCN (BRASIL, 1998, p. 20),
(...) é possível entender a linguagem como uma ação entre indivíduos
orientada para uma finalidade, um processo de interlocução que acontece nas
práticas sociais que se diferenciam historicamente e dependem das condições
da situação comunicativa. Entretanto, durante muitos anos, a linguagem não
foi vista como produto da interação, mas sim, como expressão do
pensamento e como instrumento de comunicação.

Por sua vez, Travaglia (1996, p. 21) afirma,

(...) na concepção de linguagem como expressão do pensamento, o texto ou


exercício é visto como um produto – lógico do pensamento (representação
mental) do autor, cabendo ao leitor /ouvinte captar a representação mental. A
aprendizagem da teoria gramatical é tida como garantia para se chegar ao
domínio da linguagem oral e escrita, isto é, acredita-se que a prática de
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exercícios gramaticais leva à incorporação do conteúdo e que a gramática


normativa deva ser o núcleo de ensino. Na linguagem como instrumento de
comunicação, a língua é vista como um código, ou seja, signos que se
combinam segundo regras e que obedecem a uma convenção, possibilitando
a “transmissão de informações”

É indiscutível que uma das mais fascinantes qualidades da espécie humana é sua
capacidade de formular pensamentos sobre a realidade que o cerca e de transmiti-las aos
demais. Para isso, estabeleceu uma série de códigos orais que lhes facilitou a comunicação - a
fala - e posteriormente, um meio de perpetuar essas percepções de mundo às gerações futuras,
com a invenção da escrita. Esta, ao longo dos séculos, foi evoluindo até chegar nos dias de
hoje. Desprezar todo esse acúmulo de conhecimento seria um crime. Porém, existe algo muito
mais importante na comunicação do que a exigência de uma aplicação perfeita de regras ou
estilo em sua forma escrita.

Muito mais produtivo seria se todos os educadores tivessem como objeto central de
sua atuação a preocupação com a construção do pensamento, do senso crítico e da expressão
criativa. Ao contrário do que se possa parecer, o ensino da boa escrita não seria de forma
alguma secundarizado neste processo. Na verdade, a partir do momento em que as pessoas
tivessem a noção de que possuem um potencial inesgotável para comunicar-se, procurariam,
automaticamente, formas cada vez mais sofisticadas de fazê-la. Aí sim, o conhecimento da
gramática seria uma ferramenta indispensável em todo o processo, tornando-o mais eficaz.

3. A LINGÜÍSTICA TEXTUAL

O ensino e a aprendizagem de língua portuguesa nas escolas são realizados, em grande


parte, através do livro didático. Porém, em razão desse tipo de material trabalhar apenas com
a visão da Gramática Tradicional, o que se pode observar são exercícios de estruturas e frases
isoladas, cujo único intuito é apenas verificar a colocação ou posição do pronome, por
exemplo. Entretanto, com o passar dos anos, essa visão estrutural da língua está sendo
transformada em algo que realmente conduz ao aprendizado da língua portuguesa, pois os
professores estão substituindo as estruturas isoladas por textos. Segundo Possenti (1996, p.
53)
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(...) o domínio efetivo e ativo de uma língua dispensa o domínio de uma


metalinguagem técnica. Em outras palavras, se ficar claro que conhecer uma
língua é uma coisa e conhecer sua gramática é outra. Que saber uma língua e
uma coisa e saber analisá-la e outra. Que saber usar suas regras é uma coisa
e saber explicitamente quais são suas regras é outra. Que se pode falar e
escrever numa língua sem nada “sobre” ela, por um lado, e que, por outro
lado, é perfeitamente possível saber muito “sobre” uma língua sem saber
dizer uma frase nessa língua em situações reais.

Fica redundante continuar falando que para obter-se êxito nas produções orais ou
escritas não se depende das regras gramaticais, mas sim de gramática implícita em toda a
pessoa humana. Aprende-se que língua materna é aquela que se traz desde o nascimento,
sendo uma capacidade inata. Quando se ingressa na vida escolar, o primeiro objetivo que se
tem é o de aprender a ler e escrever. Porém, o domínio do português – oralmente – já se
encontra presente na vida de qualquer criança, plenamente capaz de formular frases
complexas desde a mais tenra idade e, assim, comunicar-se adequadamente com qualquer
falante da mesma língua.
Faz parte da concepção dominante do que seja aprendizado uma cobrança imposta aos
estudantes. Todos esperam que, ao final do 1° ano, eles devam saber ler e escrever
corretamente, ou seja, que já tenham adquirindo habilidades plenas de leitura e escrita em tão
curto espaço de tempo. O que se verifica, na prática, é que muito dos alunos que chegam à
universidade ainda encontram-se desprovidos desta competência.
A visão predominante no ensino brasileiro está deslocada da realidade, é ultrapassada,
anacrônica. O uso da gramática normativa ainda é a pedra basilar do ensino do português e da
correção de seu uso por parte dos estudantes. Cobram-se aos alunos infindáveis listas de
pronomes, advérbios, enfim classes gramaticais, sem levar-se em consideração de que de nada
adianta a eles saberem reconhecê-las se não forem capazes de utilizá-las na produção de seus
próprios textos.

4. LITERATURA E LINGUA

Não é mais possível separar-se o ensino da língua portuguesa do de literatura. Ela


utiliza-se da língua e de suas variações a todo o momento, dando voz aos seus personagens
para que assim ocorra a verossimilhança com a realidade da sociedade na qual ela está
inserida.
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Por meio da narrativa de uma cena ou de algum acontecimento que envolva os seus
personagens, a literatura transmite uma vasta gama de idéias, emoções e sensações, todas elas
capazes de despertar aspectos ocultos no mais recôndito subconsciente do leitor. Por meio
deste expediente, a literatura ultrapassa o mero aspecto ficcional e atinge um caráter didático
capaz de conduzir este leitor a um raciocínio lógico sobre sua própria realidade, bem como
àquela que o cerca. Quando bem construída, desperta uma consciência de mundo, a qual nada
mais é do que a força propulsora essencial de toda a transformação radical que nossa
sociedade necessita urgentemente passar. Como construidora de consciência, a literatura tende
a constituir-se numa ferramenta fundamental no ensino da língua materna, proporcionando a
ele uma qualidade que nem toda a soma das regras e nomenclaturas - tão abundantes nos
livros didáticos tradicionais - seria capaz de propiciar. É justamente neste sentido que ruma a
proposta contida em Lições do Rio Grande.
Através das idéias contidas no livro objeto de análise deste artigo, o Governo do
Estado do Rio Grande do Sul apresenta suas boas intenções. Em suas páginas, estão elencados
princípios modernizadores da prática ensino-aprendizagem dentro da sala de aula. Propõe,
reiteradamente, a centralidade do uso do texto como a melhor forma de aprendizado que se
pode disponibilizar à juventude no ensino do português. Esta contextualização propiciaria o
surgimento de seres críticos, capazes de interagir com o meio a sua volta deixando, em
conseqüência disto, o papel de mero espectador diante dos fatos sociais e políticos que
determinam suas existências. Aponta, também, a necessidade de oportunizar-se aos alunos a
ampliação das competências no uso da língua, propiciando a elevação o letramento a um
ponto tal que suas ações extrapolem o limite das conversas cotidianas. Ressalta, enfim, a
necessidade de garantir-se de que os estudantes sejam capazes de terem uma atitude
responsiva diante do texto, respondendo-o com novas ações, sejam elas de caráter literário ou
não.
O papel do professor também é reformulado nesta nova proposta de ensino. Segundo
ela, o professor deve inverter a ordem de aprendizagem utilizada pelo método tradicional de
ensino. Em Lições do Rio Grande pode ler-se:
Especialmente, o professor, em sua prática pedagógica, deve opor-se a
concepção de que é preciso primeiro explorar palavras e frases isoladas, para
então poder chegar textos complexos, ou ainda, de que trabalho sobre o texto
se faz sobre suas estruturas gramaticais, tomadas isoladamente, ou sobre seu
vocabulário, retirado do texto e discutido fora de contexto, especialmente
paro análise e classificação. (p. 52)
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Como se pode perceber, a ênfase na centralidade do uso do texto é indiscutível dentro


desta nova proposta pedagógica.

5. ESTUDOS DOS PRONOMES: UM ASPECTO MORFOLÓGICO

Um recurso altamente recomendável, por exemplo, é fazer uso de histórias em


quadrinhos. Este gênero está presente na vida de alunos dentro desta faixa etária, sendo de
fácil aceso, já que estão disponíveis em qualquer banca de jornal.
No exemplo apresentado nas páginas 9, 10 e 11 de Lições do Rio Grande - Caderno
do Aluno, a temática abordada é da diferença existente entre meninos e meninas. O modo
como interagem, a forma como se relacionam com os amigos, sempre se utilizando do humor,
propicia uma leitura prazerosa. Em relação ao aspecto morfológico, verifica-se o trabalho com
adjetivos, solicitando aos alunos que elenquem listas do que eles conhecem sobre cada
personagem, tais como as características de cada um deles, preparando-os, desta forma, para a
confecção de uma futura produção textual, de uma resenha. Faz uso dos pronomes como
forma de coesão textual, sem transformar seu estudo num mero ato de memorização
classificatória O estudo proposto também chama a atenção para frases as quais a gramática
denomina de sujeito oculto ou elipse de sujeito e, além de sua função de substitição na
posição de sujeito, um elemento nominal conhecido.
Utilizando como base um trecho de uma história em quadrinho pertencente ao gibi da
Mônica, é interessante observar como os personagens fazem uso dos pronomes. Percebe-se
que a Mônica já adolescente refere-se ao Cascão da seguinte maneira: “Ah, pai! Poderia ser
pior... Seu filho poderia ser o Cascão. Se bem que agora ele toma banho.” (Lições do Rio
Grande – Caderno do Aluno, 2010, p. 23) (grifos nossos). No exato instante em que ela fala
com seu pai sobre o Cascão, este não está presente. Por este motivo, Mônica primeiro
menciona o amigo e, em seguida, utiliza-se do pronome ele para dar prosseguimento a sua
fala.
Antunes(2003, p. 130) afirma:
Vale a pena também percebê-los como recurso das retomadas coesivas (das
voltas que se faz a segmentos anteriores do texto, por exemplo, as chamadas
anáforas), considerando-se, ainda as condições textuais que tais retomadas
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requerem, a fim de que as referências feitas no texto não fiquem ambíguas


ou imprecisas.

Para Antunes(2005, p.118):


(...) a elipse é definida como resultado da omissão ou ocultamento de um
termo que pode ser facilmente identificado pelo contexto. Sua importância
está, portanto no fato de assinalar que alguma coisa é reiterada na
continuidade do texto, embora esse sinal seja dado exatamente pela falta de
um elemento que é esperado, inclusive sintaticamente. Essa falta é, assim
compensada pela presença de outros elementos do contexto que favorecem a
recuperação do que é omitido.

Koch (2004, p. 60-64) afirma que:


(...) o estudante no momento da escrita realiza várias escolhas, como as
escolhas de palavras, de estruturas, de regras etc. Há, ainda, a idéia de que se
o aluno interage com o exercício ou com seus colegas antes de produzir o
exercício, ele consegue adquirir outras informações e idéias que servirão
para a sua produção. Quando se trabalha com a função referencial dos
pronomes, o estudante produz seu texto utilizando elementos que remetem a
outros itens coesivos necessários à compreensão do material. Logo, o
estudante ao produzir sua escrita faz referência a outras idéias e estruturas,
de modo a desenvolver sua capacidade de escolhas e de produção de algo
com sentido. Quando o aluno tem somente uma aprendizagem de conteúdo
através de exercícios estruturais, esse lado das escolhas e decisões não é
despertado.

Koch (1991, p. 20) segue afirmando:


a referência pode ser exofórica, quando há o estabelecimento de referências
entre os dados da realidade externa (situação comunicativa); e pode ser
endofórica, que é o estabelecimento de referências entre elementos do
próprio texto, que se divide em anáfora e catáfora. Na referência endofórica
por anáfora, o elemento pressuposto está verbalmente explicitado e pode ser
encontrado em alguma sentença anterior.

Deve-se observar que o ensino de classes gramaticais através do texto propicia não
apenas o contato do aluno com os aspectos da colocação pronominal ou da referência, mas,
também, desenvolve a capacidade de coerência e de demonstração das idéias do estudante no
momento em que terá que produzir seu texto. A interação é alcançada, já que o professor
realiza o ensino dos pronomes com base na Lingüística Textual, a qual vê o texto como um
objeto de ensino e interação. O aluno, ao interagir com o texto, pode aprender tanto regras
gramaticais quanto observar os elementos que formam e fazem este texto ser coerente.
Existem muitos professores que pensam não ser possível ensinar gramática a partir de
uma estrutura textual, desenvolvendo também a interação entre os alunos. Porém, tal atividade
é possível, pois, ao mesmo tempo em que o aluno aprende a estrutura formal da língua, ele
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pode desenvolver outros aspectos, tais como a aprendizagem da escrita de seus próprios
textos. Embora os pronomes de tratamento não sejam tão comuns no uso cotidiano do aluno,
é importante que eles os saibam, uma vez que podem utilizá-los no momento da escrita de um
texto ou carta oficial para alguma autoridade. As atividades baseadas apenas em estruturas
frasais não levam o aluno a compreender e a aprender o uso dos pronomes de tratamento. É
preciso, portanto, contextualizá-los, seja por intermédio de textos escritos ou orais como, por
exemplo, uma apresentação teatral em sala, onde o uso dos pronomes ensinados pelo
professor possa ser feita.
Outro aspecto interessante que cabe salientar no conteúdo de Lições do Rio Grande é
que não se restringe o conceito de texto simplesmente a sua forma escrita. A proposta de
preparação do aluno para uma leitura “responsiva e crítica” estende-se as mais variadas
formas de comunicação, incluindo a modalidade oral ou as disponibilizadas pela tecnologia de
nossos tempos:
Os exemplos listados confirmam que leitura e texto aqui não se referem
apenas à forma escrita. Também está suposta a leitura, responsiva e crítica,
de textos orais e outros, que utilizam diferentes modalidades não verbais de
linguagem. Alguns exemplos são o anúncio publicitário, que pode ser falado
ou escrito e para o qual o uso de imagens é fundamental, ou documentários
em vídeo, sobre temas da cultura brasileira, das ciências naturais, etc. (p. 57)

Como pode perceber-se, a preocupação em construir uma concepção de ensino


libertadora e intimamente ligada à modernidade está presente em diversos pontos do texto.
Resta agora transpor para a prática toda esta série de concepções e esperar que sua aplicação
apresente o resultado desejado.

6. A REALIDADE SOCIAL

Boas intenções estão quase sempre presentes nas políticas governamentais


apresentadas à sociedade brasileira. O que se vê, na realidade, é uma vasta lacuna – por vezes
abismal – entre as intenções firmadas e as políticas realmente implementadas e, como
conseqüência de todo este processo, os resultados desastrosos que acabam por aprofundar
ainda mais as mazelas sociais.
O povo brasileiro sempre foi historicamente tratado como massa de manobra. Por
meio de práticas populistas ou demagógicas, os governos procuram ludibriar a inteligência
popular, fazendo-lhe pequenas concessões por meio de migalhas, cujo intuito é o de
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meramente acalmar o ânimo reivindicatório das massas. Rouba-lhe os mais legítimos direitos
e garante, por meio deste expediente, que uma considerável parcela da riqueza nacional fique
disponível para manter os privilégios da classe dominante, sua verdadeira aliada e base de
sustentação.
Ferramentas não lhe faltam para alicerçar e manter este estado de alienação. Nos
primórdios do século passado, governos populistas, como o de Getúlio Vargas e seu Estado
Novo, não tinham o menor constrangimento em explorar a boa fé e a religiosidade do povo.
Já da metade do século XX para cá, as técnicas tiveram de aprimorar-se, pois o país já não
possuía mais o perfil agrícola de outrora: o ingênuo matuto, detentor de concepções simples
de mundo havia cedido lugar ao operário, potencialmente mais consciente e contestador.
Não é por acaso que nas décadas de sessenta e setenta tenha acontecido o boom na
utilização da mídia de massa por meio da consolidação das grandes redes de televisão. As
novelas e os programas de auditório, que preenchiam as grades de programação das
emissoras, aplicavam, na prática, a ideologia dominante formulada por Brasília sob o controle
dos militares. Isto fica muito claro no livro O texto na sala de aula, organizado por João
Wanderley Geraldi (2006, p. 15), onde ele e um grupo de escritores analisam o papel da TV
na sociedade brasileira:
Pobres falantes! Seu trabalho não tem palavras, apenas ferramentas e
isolamento. É um trabalho mecânico, infeliz, repetido, ao lado dos
companheiros, mas longe deles. Sua conversa é com a máquina, a enxada.
Em pequenos intervalos, permitem-lhes abrir a boca para comer a ração
diária que mal lhes repõe as energias para durar aqueles trinta ou trinta e
cinco anos que lhes deu a graça de ter nascido do lado errado do rio.
Chegando em casa, esse falante, esgotado, mal ouve as palavras domésticas
ditadas pela TV ou gritadas pelos filhos, o rebanho doméstico, peças de
futuras reposições. Se tem sorte, chega cedo, pode ouvir a vida nas novelas,
no mundo dos auditórios. Ele, ela, pobretões, podem ouvir. De posse do
instrumento língua, eles não podem usá-lo integralmente.

Geraldi segue sua crítica à mídia de massa e estabelece uma analogia entre o papel
desta e o do professor tradicional, além do real objetivo dado pelo poder público ao sistema
escolar:
À maioria é permitido ouvir, não falar. O professor do ouvir é a TV,
monopólio e concessão do Estado e das empresas privadas. ATV é a
professora antiga, autoritária - só fala, fala, nunca ouve, O aluno, espectador,
é também aquele antigo, passivo, conformado, só ouve.
A TV é como uma escolinha: a cada horário corresponde uma série, de
acordo com o “desenvolvimento mental do aluno”. Quanto mais cedo o
horário, mais primária a programação, mas a quantidade dos
alunos/espectadores é imensa. Com o subir das séries, muda o nível do
programa, os espectadores também. E assim, nas últimas séries/programa a
evasão é enorme, há poucos alunos. Só que a situação é a inversa da escola,
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pois aqui se trata de prazer: sobram os que a sociedade já selecionou que


podem ouvir e ver qualquer coisa, pois não vão fazer nada, seus estômagos
estão tranqüilos, sua vida arrumada. (p. 15-16)

É evidente – e para comprovar basta estar no interior de uma sala de aula – que esta
relação arcaica ainda prevalece na prática de ensino-aprendizagem. Apesar das boas intenções
apresentadas em Lições do Rio Grande, o que se verifica é a pouca disposição dos educadores
em fugir deste quadro. Apesar do ímpeto inicial em romper com o modelo vigente de ensino
que muitos possuem no início de sua jornada como educadores, a comodidade do ensino
tradicional mostra-se por demais tentadora, e a esmagadora maioria acaba cedendo a ela. Um
“cale a boca que estou falando” torna-se mais confortável e menos trabalhoso nas tarefas
cotidianas do que um “vamos pensar em conjunto e debater?”; em vez de ensinar o manuseio
das ferramentas disponíveis para a formulação do pensamento e da consciência, preferem
lançar mão do velho expediente da memorização (modelo herdado da época do Império
Romano) para efetuarem a avaliação do grau de absorção por parte dos alunos dos
conhecimentos a eles transmitidos. Se for analisado em profundidade, este método propicia,
sim, a mensuração da capacidade dos estudantes em memorizar os conteúdos, mas jamais o
potencial de raciocínio do qual são possuidores e, muito menos, o nível de conhecimentos
acumulado. Lições do Rio Grande aponta para uma concepção oposta a esta realidade:
A escola é responsável por oferecer oportunidades para o aluno adquirir
competências de uso adequadas para enfrentar tais situações com confiança e
exercer sua cidadania por meio do uso da língua falada, gozando de direitos
e respondendo a deveres, simultaneamente. (p. 63)

Mas discurso e prática não rimam na realidade política brasileira. De boas intenções
governamentais a sociedade está cheia – e farta. Faz-se necessário por-se em prática tais
proposições e, para tanto, os efetivos investimentos têm de ser feitos. Não basta elencar uma
série infindável de intenções politicamente corretas e nada fazer para concretizá-las. Esta
dicotomia está presente na prática governamental de Yeda Crusius.
Ao mesmo tempo em que busca modernizar a educação por meio das propostas
apresentadas em Lições do Rio Grande, o Governo do Estado ataca os educadores e a própria
educação. A baixa valorização dos trabalhadores em educação é um problema crônico e sem
uma solução aparente. Greve após greve, os professores buscam a recuperação de perdas
passadas, as quais invariavelmente não são atendidas.
O governo estadual, apesar de defender em seus referenciais uma educação
conscientizadora e crítica, não sente o menor constrangimento de esconder-se covardemente
por detrás dos escudos de sua tropa de choque quando contestado em suas políticas de
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desmonte da educação pública. Prefere utilizar-se do diálogo do cassetete ao diálogo das


palavras e idéias. Não há necessidade de muito esforço para ter-se a certeza de que a opção
feita por Yeda e seu governo caminha na direção oposta à apontada por Lições do Rio
Grande.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise de Lições do Rio Grande, livro didático de ensino fundamental de língua


portuguesa, possibilitou verificar-se que os objetos deste modelo de ensino e estudo são
baseados na Lingüística Textual. Torna-se evidente que a criança que aprende e exercita única
e exclusivamente a estrutura da língua terá sérias dificuldades no futuro. Nos momentos em
que lhe for exigida uma produção textual, ela não estará apta a construir um texto dotado da
coerência necessária, já que em seu aprendizado teve contato unicamente com estruturas
isoladas.
No momento em que o professor ensinar os pronomes com exercícios e explicações
baseadas na Lingüística Textual, ele conseguirá desenvolver nos alunos outras qualidades, ao
contrário do ensino de caráter normativo. Caso haja um estudo dos pronomes pessoais retos a
partir de um texto, será possível ensinar aos alunos as regras gramaticais de forma
contextualizada, observando-se a coerência entre as frases, vendo-se os exemplos de
referência, fazendo com que o estudante aprenda o conteúdo realmente e não apenas o decore.
Toda a criança que estudar com os livros didáticos tradicionais provavelmente terá uma
aprendizagem instantânea, ou seja, irá memorizar os conteúdos vistos para a prova, mas não
aprenderá nada neste processo. Além disso, não desenvolverá sua capacidade de construção
de texto, visto que os exercícios valorizam apenas a estrutura da língua a partir de frases
isoladas, as quais não mantêm uma relação com sua função textual. A boa nova é que Lições
do Rio Grande aponta um outro caminho, caminho este que texto e gramática percorrem
unidos e inseparáveis.
Mas basta apenas preocupar-se com aspecto didático aplicado no ensino de português?
A resposta óbvia é não.
A questão educacional no Brasil extrapola – e muito – os limites da sala de aula. Ela
constitui-se, na verdade, em um projeto político bastante significativo, no qual a preocupação
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com a alfabetização vem tendo um papel mais acentuado nas últimas décadas. Porém,
alfabetização não significa letramento; saber ler um texto um não significa entendê-lo. Para
que isto ocorra tem-se que ter em mente que o processo ensino-aprendizagem não é apenas
uma questão didática, mas também política. Somente a mobilização constante de toda a
comunidade escolar possibilitará a criação de uma sociedade crítica, com plena capacidade de
pensar e expressar seus desejos e reivindicações, transformando os pactos espectadores em
sujeitos de sua própria história.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Brasília: SEF, 1998.

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Rio Grande do Sul, 2010.

______ Lições do Rio Grande – Caderno do aluno. Porto Alegre: Secretaria da Educação
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no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 1996.

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