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Cadernos de Educação de Infância

Abr./Jun. 2004
Vamos Falar de…

Vamos Falar de...

Parentalidades: o ter(ser) dos discursos, as histórias e as narrativas


actuais.
Maria da Graça Torres Silva e Lília Brito
Psicólogas do Departamento de Psicologia Clínica da Maternidade Dr. Alfredo da
Costa

Um grande número de pessoas passa pela experiência de ter filhos e é


inquestionável que todos fomos gerados e ainda temos ou já tivemos pais.
Nas consultas de Psicologia da Maternidade Dr. Alfredo da Costa ouvimos com
frequência este desabafo por parte das mulheres: “Enganou-me, engravidei, e estou
a viver em casa dos meus próprios pais” ou “Estou sozinha a cuidar dos meus
filhos”.
Por seu lado, alguns homens lamentam-se: “A minha mulher não me deixa tratar do
meu filho. Só ela é que sabe. Só tenho direito a trocar fraldas”.
No caso de voltarem a constituir família, os casais com filhos de casamentos ou
ligações anteriores queixam-se do enorme cansaço provocado pela atenção a dar a
uma família tão numerosa.
Bornstein (1995) descreve diferentes tipos de pais ou parentalidades, a saber: pais
de famílias tradicionais, pais separados, pais solteiros, pais adolescentes, pais
adoptivos e pais homossexuais, tipos estes que implicam diferentes modos de cuidar
e de prestar cuidados.
Este mesmo autor descreve também quatro tipo de funções essenciais dos
educadores: a prestação de cuidados alimentares, materiais, sociais e didácticos1.
As tarefas principais dos pais não se resumem à sobrevivência e à garantia de
condições para que as crianças se desenvolvam dentro e fora do espaço familiar. É

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Prestar cuidados alimentares de modo a responder às necessidades físicas e psíquicas das
crianças; cuidados materiais que permitem construir e organizar o mundo físico da criança;
prestar cuidados sociais é promover uma variedade de comportamentos nas trocas interpessoais;
prestar cuidados didácticos consiste numa variedade de estratégias que se usam na estimulação
da criança para que o mundo seja alargado para além da díade pai-criança.

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também muito importante o estabelecer de uma primeira relação afectiva


significativa e de outras relações de qualidade que perdurem no tempo.
Numa perspectiva actual, há assim diferentes pais, estilos, práticas e papéis
parentais. Ou seja, há diferentes formas de exercer a parentalidade. No entanto, os
discursos (modelos e teorias) acerca dos papéis, funções e a sua importância para o
desenvolvimento da criança não são recentes.
Na história da psicanálise apercebemo-nos de uma série de mudanças na forma
como o relevo é dado a cada um dos parceiros das interacções familiares e deste
impacto em termos do desenvolvimento psicoafectivo da criança.
Abraham foi o primeiro analista a assinalar a importância da relação precoce entre a
criança e a mãe. Para este autor, no estádio de relação mais precoce a criança não
consegue diferenciar-se entre ela própria e o objecto exterior, mãe.
Freud, no início da sua obra em 1949, salienta o longo período de dependência
infantil do ser humano face aos progenitores, não apenas em termos de subsistência
física mas também psíquica. Nesta dependência prolongada dos objectos parentais,
os primeiros modelos de referência são a mãe e o pai.
Em 1950, Erickson refere que as experiências proporcionadas pelos pais têm
repercussões no desenvolvimento ao longo dos vários estádios que postula
(confiança versus desconfiança; autonomia versus dependência, etc).
Para Klein, a mãe é a cena, o alvo dos deslocamentos e impulsos. A mãe ocupa o
espaço central. O sujeito depende, para viver, do seio que satisfaz e que demonstra
a sua presença ou ausência. A mãe kleiniana é assim uma mãe fálica.
Winnicott introduz a influência do meio no desenvolvimento psíquico do ser humano.
O meio é representado no início da vida do bebé pela mãe ou um dos seus
substitutos. Mãe e bebé são um só. Num período de dependência absoluta do bebé
ao se adaptar às suas necessidades com uma atitude de “preocupação maternal
primária”, a mãe permite o livre desenvolvimento dos seus processos de maturação.
É a mãe com capacidades de “holding” e “handling”, a mãe dita “suficientemente
boa” que permite desenvolver o sentimento de continuidade de existência e que faz
a apresentação do mundo à criança.
Mãe que se ocupa e brinca com o seu bebé e este que reconhece o seu rosto, a sua
voz, as suas atitudes. Mas, desenvolvimento é também separação da mãe com a
ajuda do pai.

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Para Dolto, ambos os pais são responsáveis pela coesão narcísica da criança. O
bebé inscreve-se num espaço afectivo triangular, fruto de três desejos: do pai, da
mãe e do seu. A mulher para Dolto não é mãe senão através do homem. Pai e mãe
exercem papéis e funções diferentes. No início, a mãe é a pessoa única e
necessária tendo uma relação privilegiada com o bebé. Depois é mediadora dos
outros. Há um outro para lá da díade. O pai que inscreve depois a criança no social.
Bion retoma o debate sobre as qualidades maternas: fala da capacidade de sonhar
(rêverie), da função continente e transformadora, e relembra a importância das
experiências emocionais.
Podemos sintetizar que mãe-função materna, pai-função paterna interiorizam-se
através dos diferentes estilos relacionais estabelecidos com a criança.
A mãe é o objecto de dependência e suporte e a sua retirada, se bem realizada,
permite organizar a capacidade de separação e conduz à abertura da criança para o
mundo exterior. Leva à curiosidade pelo diferente. A mãe possibilita o
desenvolvimento, mas com o pai por perto. Ser pai é assim ser o diferente, mas ser
reconhecido, primeiro, como duplo materno.
São estas as referências da Psicanálise.
Mas não podemos deixar de referir, também nos anos 50, a preocupação da
Psicologia em determinar quais as componentes e características do ambiente
precoce da criança que são determinantes para o seu desenvolvimento emocional e
social. Relembramos os trabalhos de John Bowlby, Mary Ainsworth, Boston e
Rosenbluth sobre os efeitos da separação precoce “mãe-bebé”.
Nos anos 60, surgem novamente os trabalhos de Bowlby e Ainsworth sobre a
vinculação.
Nos anos 70, o interesse volta-se para a descoberta dos comportamentos e das
interacções que possibilitam o estabelecer dessa vinculação. É o encontro dos
trabalhos de Berry Brazelton (1963), Stern (1971), Bertrand Cramer (1981) e Serge
Lebovici (1983).
E, a partir desta década reconhece-se o carácter comunicativo e competente do
bebé, as competências da mãe, do pai e as influências do meio. Estudam-se
igualmente os processos em que se estabelecem as díades, Shaffer, 1991.
A importância das tríades ou políades - mãe, pai, bebé - tem sido assinalada
recentemente por Carboz-Warnery, Fivoz-Depeusinge, Bettens e Favez, 1992, e
Figueiredo, 2001.
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E, assim, cada vez mais se constata e teoriza que o desenvolvimento e as


competências do bebé resultam dos efeitos directos e indirectos das funções
parentais e que estas também são reguladas pelo próprio bebé.
É o humor e a atenção da mãe, o toque, o embalar e o sorrir que predizem certos
comportamentos e competências do bebé.
Para Cowan & Cowan, 1992, a qualidade das interacções é influenciada pelos
seguintes factores: efeitos da comunicação, suporte marital e qualidade da relação
conjugal, crenças dos pais acerca de si como pais e das suas capacidades de criar e
educar.
Segundo as investigações de Bornstein, Maital e Tal, 1994, as mães passam mais
tempo em interacção com os seus bebés do que os pais, e estes, em contrapartida,
apresentam diferentes tipos de interacção com os seus filhos.
As mães beijam, falam, embalam, pegam e seguram mais os seus filhos do que os
pais. Estão mais associadas aos cuidados prestados aos bebés enquanto que os
pais são, sobretudo, identificados com as interacções para brincar. Os pais têm
envolvimentos mais físicos, enquanto que as mães são mais convencionais nas
actividades exercidas. Os pais exercem o papel de estimuladores embora saibam
menos sobre as necessidades dos seus filhos. Para além disso, aguardam que os
chamem para ajudar a cuidar da criança, requerendo orientações explícitas para
completar tarefas básicas.
Este envolvimento mais limitado por parte dos pais é contudo valorizado pelos vários
autores como uma competência importante.
Todos estes aspectos relacionados com a parentalidade acabam por se manifestar
no espaço institucional, hospitalar, de uma Maternidade.
As consultas na Maternidade Dr. Alfredo da Costa tornam-se assim num espaço
privilegiado de encontros por vezes reduzidos a quatro, cinco ou mais consultas
espaçadas no tempo com os pais e a criança.
São consultas que se iniciam geralmente no momento do internamento e de dar à
luz, e que se estendem ao espaço da consulta de pediatria.
As histórias e narrativas (dimensão subjectiva) emergem nesse espaço de consultas
terapêuticas as quais se constituem momentos de transformação e mudança nas
relações e inter-relações precoces construídas a partir das experiências emocionais
num tempo específico e único.

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É nestas consultas que os pais se apercebem das diferentes maneiras como se


sentem: ser pais, mães e casais. Todos estes evoluíres se traduzem nos diferentes
modos de exercer novas parentalidades.
As linhas, os fios e as teias que perduram nos imaginários, histórias e narrativas dos
pais são partilhados em diferentes contextos: nas enfermarias, na sala de cuidados
intensivos e intermédios e no espaço da consulta de pediatria.
As reconstruções do passado, as transformações do presente e as elaborações de
um futuro que são possíveis de acontecer surgem frequentemente em frases do tipo:
“Foi uma gravidez terrível, cheia de medos e espectativas”; “Tenho de perceber que
o meu bebé é diferente e está na sala de cuidados intensivos”, “É injusto que
aconteça connosco”, “Espero que tudo corra bem; quando sair e que o meu bebé
não me associe a tudo o que de mal lhe está a acontecer”.
O nosso trabalho na Maternidade Dr. Alfredo da Costa é orientado por um interesse
crescente pelas interacções mães-pais-bebés (políades), funções de cada um e
dimensões positivas de transformação, em contraponto com os aspectos
psicopatológicos das díades e interacções observáveis.
O nosso projecto psicoterapêutico consiste sobretudo em trabalhar com os pais a
sua capacidade de pensar, devolver-lhes a confiança e a competência enquanto
pais; transmitir-lhes esperança; fazê-los aceitar os aspectos positivos da incerteza,
do desconhecido, do desenvolvimento, da vida e, finalmente, fazer com que
reencontrem a capacidade de sonhar e acreditar.

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