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CICLO DE PALESTRAS FILOSÓFICAS

FILOSOFIA E LINGUAGEM

MORTE DO DESEJO DE FILOSOFAR E INSTRUMENTALIZAÇÃO DA LINGUAGEM NA


ERA DA TÉCNICA.
Wanderley J. Ferreira Jr
Filosofia – FE-UFG.
Sumário:
MORTE DO DESEJO DE FILOSOFAR E INSTRUMENTALIZAÇÃO DA
LINGUAGEM NA ERA DA TÉCNICA.......................................................................1
Introdução - Caracterização prévia da existência humana enquanto abertura no e
para o mundo...................................................................................................................1
1. O surgimento do Sujeito moderno na metafísica cartesiana...................................4
2. A despotenciação do Espírito na modernidade.........................................................6
3. Condições e morte do desejo de filosofar ..................................................................7
4. O que significa dizer que a Filosofia chegou ao seu fim?.......................................11
5. Instrumentalização da linguagem na era cibernética............................................12
6. Pensar e poetar em tempos de penúria e indigência...............................................15
CONCLUSÃO................................................................................................................16
Bibliografia.....................................................................................................................19

Introdução - Caracterização prévia da existência humana enquanto abertura no e para o mundo.

sobre a morte do desejo de filosofar e a instrumentalização da linguagem na Era da


Refletir
Técnica é, em última análise, colocar em questão um ente específico, que nós mesmos somos a cada
momento – o homem, enquanto ser-aí jogado no mundo, sem justificativas, sem para quê ou porquê,
um ser simplesmente aí, obrigado a escolher. Um ente que, na maioria das vezes, em sua existência
cotidiana se perde em cada uma de suas escolhas, cristalizando-se num modo de ser inautêntico sob a
ditadura do Impessoal[Das Man], que o impede de manter uma relação mais essencial com a
linguagem, as próprias coisas e consigo mesmo.
Em duas célebres passagens, o filósofo alemão Martin Heidegger (1989-1976) procura mostrar-
nos o que constitui o verdadeiro ser do homem. A primeira é uma citação de Antígone de Sófocles
presente na Introdução à metafísica [1935] ( Cf. HEIDEGGER, 1969). A outra passagem é uma fábula
extraída das Fábulas de Higino, foi citada no § 42 de Ser e Tempo, e expressaria uma compreensão
pré-ontológica do homem como cuidado, cura1 – estrutura unificante que reúne todos os modos de ser

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Cuidado(Besorgen, Sorge): O Dasein sempre se dá num exercício. Os dois planos que,
predominantemente, se desenvolve o exercício do Dasein promovem relações com dois modos de ser
da existência: relações com o modo de ser dos entes simplesmente dados e relações com os entes
dotados do modo de ser do Dasein. O Dasein ocupa-se com aquilo que simplesmente é, e preocupa-se
com aquilo que existe. A estrutura unificante desses modos de ser podemos denominar a
2

do homem com as coisas e os outros, e que marca sua finitude como ser-para-morte. [Cf.
HEIDEGGER,1964, §42].
Na Antigona de Sóflocles, o coro canta:
“Muitas são as coisas estranhas, nada, porém, há de mais estranho do que o
homem. Parte sobre as espumas da preamar no meio da tempestade do inverno
sulino e cruza as montanhas de vagas, que abrem abismos de raiva.
Extenua a infatigabilidade indestrutível da mais sublime das deusas, a terra,
revolvendo-a ano após ano, arrastando com cavalos para lá e para cá os arados.
Sempre astuto, o homem enreda o bando dos pássaros em revoada caça os animais
da selva e os agitados moradores do mar.
Com astúcia domina o animal, que pernoita e anda pelos montes. Subjuga o dorso
de ásperas crinas do corcel e põe o jugo das cangas de madeira ao touro não
domesticado.
A si mesmo encontrou tanto no soar da palavra na compreensão, que, com a
rapidez do vento, tudo abarca, como no denodo, com que domina as cidades.
Igualmente pensou como escapar aos dardos do clima bem como às inclemências
do frio. Pondo-se a caminho em toda parte, desprovido de experiência e em aporia,
chega ele ao Nada.
A morte é a única agressão, de que não se pode defende por nenhuma fuga, embora
consiga esquivar-se hábil mente às penas da enfermidade. Garboso muito embora,
porque domina, mais do que o esperado, a habilidade inventiva, cai muitas vezes
até na perversidade, outras he saem bem nobres empresas.
Por entre as leis da terra e a con-juntura ex-conjurada pelos deuses anda ele. Ao
sobrepujar o lugar, o perde, a audácia o faz favorecer o não-ser contra o ser.
Aquele que põe isso em obras, não se torne familiar de minha lareira nem tão pouco
o meu saber compartilhe comigo o seu desvairar-se” (SÓFLOCES, Antígona. Apud
(HEIDEGGER M., Introdução à metafísica, 1969)
Por sua vez, a fábula de Higino nos diz:

Certa vez, atr avess ando um rio, "cura " viu um pedaço de terra argi losa: cogitand o,
tomou um pe daço e começou a lhe da r for ma. Enquanto ref letia sobre o que cr iara,
interveio Júpiter. A cura ped iu-lhe que desse espírito à form a de argila , o que ele fez
de bom grado. C omo a cura quis então dar seu nom e ao que tinha da do form a,
Júpiter a proib iu e exigiu qu e fosse dado o nome. Enquan to "Cura " e Júpiter
dispu tavam sobre o nome, surgiu tamb ém a terra (humus) querendo dar o seu nome ,
uma vez que havia forne cido um pedaço d e seu corpo. Os disputantes tomaram
Saturno como árbitro. Satur no pronunciou a s eguinte decisã o, ap arentem ente
eqüitativa: "Tu, Júpiter, p or teres dado o espí rito, deves receber na morte o espírito e
tu, terra, p or teres dado o corpo, deves receber o corpo. Como, porém, foi a 'cura'
quem primeiro o form ou, ele deve perte ncer à 'cura' enquanto vi- ver . Como, n o
entanto, sobre o nome há disputa , ele deve se cha mar 'homo', pois foi f eito de humus
(terra)". (Cf. HEIDEGGER, 1964, §42) 2

Cura(Sorge). Assim, o Dasein ocupa-se com os entes simplesmente dado e preocupa-se com os outros
Dasein, que como ele possuem o caráter da existência.
2
Heidegger esclarece que se deparou com essa fábula em K.. Burdach, Faus t und d ie sorçe. Deutsche
Vierte l.iahressc hri ft für Li teratu rwissenschaf t und Geistes gesc hich te I (1923 ), p. 15. Burdac h mo stra que
Goethe extrai u de Herde r a fábula q ue consta com o a 2 20, das Fábulas de H igino, ten do-a traba lhado para a
seg und a pa rte de se u Fau sto..
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Em que s e deve ver o ser "originário" des sa formação/estrutura chamada homem? É


isso que Satur no, o " tempo" , decide. A de terminação pré-ontológíca da essência do homem
expressa na fábul a visual izou, desde o início , o modo de ser em qu e predomina seu percurso
tempo ral no mundo – o homem é um ser finito, de cuidado, um ser-para-morte. E somente a
partir de sua finitude, sustenta Heidegger, ele pode re-colocar a questão do ser ou se perder
numa existência inautêntica.

Mas como caracterizar o modo de ser específico do homem enquanto existente? Isso é
fundamental para elucidarmos em que medida experienciamos hoje a morte do desejo do filosofar, o
fim da filosofia e a instrumentalização da linguagem em pleno domínio planetário da técnica.

Antes de tudo, devemos entender que a existência humano é uma espécie de clareira que permite
ao mundo e as coisas desvelarem-se enquanto tais, mas que na maioria das vezes, na banalidade da
existência cotidiana, está submetida ao impessoal, ao falatório que nada diz e a inquietação fervilhante
pelo novo do mais novo – instaurando o reino da substituição incessante de tudo. Contudo, ao mesmo
tempo em que o homem é um ente finito, que mantém relação com outros entes finitos, coisas e
pessoas, ele é capaz de perceber/experienciar/pensar a unidade do ser que vigora para além da
diversidade do sendo. Nesse sentido, a existência humana, ainda que originariamente se encontre em
estado de queda [Verfallen] afundada na ditadura do impessoal, torna possível a compreensão do ser
em tudo que aparece. Anuncio inacabado, pois, o des-velar do Ser no ente, implica simultaneamente
seu velar, seu retrair-se diante de sua doação. Essa aparição paradoxal do Ser sob o binômio Luz-
sombra, velamento-desvelamento, presença-ausência tem lugar na clareira instaurada pela existência
humana. O ser se ausenta naquilo que se presentifica o ente. Mas ainda assim permanece como
condição de possibilidade de todo dar-se.

O que Heidegger nos mostra com sua analítica existencial [Cf. Ser e Tempo] é que somente a
partir das estruturas ontológicas da existência humana, podemos vislumbrar a dinâmica da estruturação
do próprio Ser. Na realidade, o homem será sempre um ainda-não que tende necessariamente a Ser.
Um ser de projeto que constantemente coloca seu próprio ser em questão. O que faz do homem uma
eterna incompletude diante de possibilidades finitas. Nesse sentido, podemos considerar que a
existência instaura um espaço onde o Ser questiona a si mesmo. Isso torna o homem uma espécie de
mensageiro do ser, que anuncia uma mensagem sem jamais finalizá-la ou compreendê-la plenamente.
Um mensageiro que muitas vezes permanece surdo ao apelo do Ser, que de seu silêncio convoca-nos
para novamente ser posto em questão.

A partir da tradição humanista e metafísica consolidou-se a definição grega de homem como


animal racional. A razão torna o homem racional, ou seja, capaz de discorrer sobre as coisas a partir de
uma medida. A realidade no seu todo, vista na medida da razão, é o que se convencionou chamar
mundo. Ora, mas mundo é um constitutivo ontológico do homem como ser-no-mundo. O mundo não é
o mero espaço físico e geográfico dentro do qual se encontraria o homem. Como estrutura constitutiva
do próprio ser do homem, o mundo emerge como fenômeno, como um complexo de significações
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constituído nas ocupações e preocupações cotidianas desse ser-no-mundo. Podemos inferir, portanto,
que não há mundo sem existência humana, nem existência humana sem mundo. Entretanto, esse
homem através da linguagem e do pensamento objetifica a realidade, impõe as normas e princípios da
linguagem e da lógica ao dado, tomando a si como sujeito diante de um objeto redutível à
representação. O querer reduzir tudo ao Sujeito (Subjetivismo) ou ao Objeto (Objetivismo) não
respeita o principal - o não sujeito e o não-objeto, o imponderável que permite ao homem falar e
conhecer no esquema Sujeito-Objeto. Enfim, o impensado e não dito por trás de todo pensado e dito.

A partir dessa caracterização prévia da essência humana, podemos colocar algumas, tais como:
Em que medida a teoria da informação e do controle [Cibernética] promove a instrumentalização da
linguagem mediante a radicalização do projeto matemático de natureza realizado pela ciência
moderna, propiciando assim a morte do desejo de filosofar e o fim da própria filosofia no mundo
objetivado do cálculo? Que relação essa instrumentalização da linguagem possui com a morte do
desejo de filosofar e o fim da filosofia mediante sua realização nas ciências tecnizadas? A filosofia, no
momento mesmo de seu fim, poderá demonstrar alguma eficácia para reverter ou superar o domínio
planetário da técnica e do pensamento calculador? Sim, responderia o filósofo Martin Heidegger, mas
não mais como filosofia, mas como um pensamento pós-metafísico que pensa a partir do enigma do
ser e do próprio homem para si mesmo. Um pensamento apto a assumir como tarefa pensar e dizer o
perigo que se aloja na essência da técnica.
Mas como poderia surgir uma nova forma de dizer e pensar a partir mesmo desse domínio
planetário da técnica e desse avassalador empobrecimento da linguagem operado pela ciência e
dispositivos técnico-informacionais? Tais questões exigem a elucidação do caráter da Razão e da
subjetividade que surge com Descartes e se consuma no domínio planetário da técnica, o lugar do fim
da filosofia e da instrumentalização da linguagem.

1. O surgimento do Sujeito moderno na metafísica cartesiana

Ao interpretar a gênese da Razão Moderna, seja no âmbito da filosofia ou nos limites da


racionalidade técnico-científica instaurada pela Revolução Científica do século XVII, não podemos
deixar de reconhecer a originalidade dessa nova forma de racionalidade que propicia ao homem um
novo modo de pensar e dizer o mundo. Essa hegemonia do sujeito pensante cartesiano começa com a
experiência da dúvida metódica diante da tradição, dos preconceitos, dos hábitos e da opinião pessoal.
Ao fixar como ponto de partida o fato de viver a dúvida universal e radical, Descartes estabelece-se na
consciência de si enquanto certeza de si mesma. Assim, o eu penso impõe-se como a afirmação certa
da consciência em ato, de sua atualidade viva enquanto puro fato de consciência. O que emerge da
radicalização da dúvida, de sua hiperbolização, é a evidência do Cogito, a certeza para o sujeito
pensante, que se afirma como sujeito consciente de seu objeto (conteúdo) de pensamento e consciente
de si mesmo.

Doravante, a Ciência e a Filosofia Moderna sabem que a autoridade não repousa mais em um
princípio transcendente [Deus], mas no próprio sujeito capaz de usar metodicamente a Razão rumo às
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certezas sempre parciais. É fato que a partir da revolução copernicana [heliocentrismo], que desaloja a
terra do centro de um Cosmos finito e fechado, impõe-se novas condições para o agir e pensar do
homem. Ele tem de buscar um novo ponto fixo para sua conduta moral, política e científica, já que a
Tradição e a autoridade [Aristóteles] não satisfazem mais as novas exigências do tempo. O homem,
dirá Heidegger (1972), converte-se naquele ente no qual se fundamenta todo ente no que concerne ao
modo de ser e sua verdade. O homem converte-se em centro de referência do ente enquanto tal. Mas
isso só é possível se é transformada a concepção da totalidade do ente. (Heidegger, 1972, p. 87/81).

Com Descartes muda a experiência da essência da verdade e o modo da razão conceber a


totalidade do ente. O termo subjectum perde sua referência ao υ π ο κ ε ι µ ε ν ο ν grego (o
que é presente efetivamente a cada momento, em si e por si mesmo), passando a identificar-se com o
ego de um suposto sujeito pensante. Esse ego seria o ente mais verdadeiro e evidente, cuja certeza é a
mais acessível. Ele é o ente em relação ao qual e a partir do qual se pensa o Ser e a Substância, enfim,
a totalidade do ente esgota-se no poder ser objeto de representação desse ego (Descartes). Doravante, o
Ser transforma-se em objeto do representar de um sujeito que pensa. Dizer que esse sujeito pensa, é
dizer que ele representa, ou seja, mantém determinada relação com um representado. Representar
significa aqui, a partir de si mesmo, colocar algo diante de si e garantir aquilo que é posto como tal
numa linguagem rigorosa e sem ambiguidades.

O que domina não é mais uma escuta e um ver que deixam as coisas serem o que são, mas um
desafio que submete a totalidade do ente e a própria linguagem ao cálculo e à planificação. Portanto, o
verdadeiro sentido da categoria de Sujeito mostra-se a partir desse processo de objetivação total do
mundo que o reduz a uma imagem - esse processo chama-se reino da Técnica (Heidegger, 1972, pp.
87-88). Esse domínio exercido sobre o mundo natural e a própria linguagem, mediante o projeto
matemático de natureza da Ciência moderna, foi consumado pela física newtoniana e sua concepção
mecanicista e determinista da natureza e do universo. Não é por acaso, portanto, que a pergunta
fundamental da ciência é como antecipar a natureza reconstruindo suas relações conforme a ordem e a
medida, de forma a poder determinar as relações necessárias entre seus fenômenos. (HEIDEGGER,
1971, p. 21). A modernidade proporia, assim, uma “Metafísica do sujeito”. O ente ao qual é endereçada a
“questão do Ser” é o Sujeito, a Consciência, enfim, um “subjectum” que decide o que é o próprio Ser. A
“experiência do Ser não é mais uma experiência que o Ser faz de si no dizer e no pensar do homem.

Contudo, esse paradigma newtoniano-cartesiano da ordem a partir da ordem será colocado em


xeque por novas formas de racionalidades e experiências pré-reflexivas do real sugeridas por
pensadores como Nietzsche e Heidegger, e pelos novos paradigmas emergentes no âmbito das ciências
contemporâneas. Essa crise da razão moderna e seus conceitos operatórios (Ser, Verdade, Necessidade,
Universalidade, ordem, causalidade, etc) determina hoje uma nova configuração do conhecimento em
sua produção, armazenamento e circulação, que certamente repercute no crescente processo de morte
do filosofar e instrumentalização da linguagem.
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O fato é que com a metafísica cartesiana do sujeito pensante e a Revolução Científica do século
XVII, o homem consolida sua posição de senhor e controlador de uma natureza que se revela um
autônomo submetido a leis matemáticas. Hoje, a ciência busca reintegrar o homem no mundo que ele
descreve, procurando talvez re-encantar a natureza e devolver o mistério que cerca cada coisa em sua
simples presença. Essa nova postura certamente exige novas formas de produzir, assimilar, armazenar
e distribuir o conhecimento adquirido, não apenas através da Ciência e sua insistência sobre o
demonstrável, mas mediante uma relação realmente significativa e originária com o mundo, o que
exigiria uma nova experiência do ser, do pensar e da linguagem.

2. A despotenciação do Espírito na modernidade

Não foi por acaso que filósofos como Heidegger, por um breve período [Reitorado em 1933 – Freiburg]
acreditaram numa certa capacidade do nazismo de criar um novo tipo de mobilização (uma terceira via entre o
comunismo e o americanismo), que harmonizasse melhor o homem às exigências da técnica moderna. Tal tarefa
impunha ao povo alemão o dever de tornar-se digno de um novo começo, que estaria na grandeza originária da
filosofia grega, além de suportar todas as consequências do veredictum de Nietzsche – “Deus está morto”. (Cf.
Heidegger, 1997;1969). Contudo, logo o filósofo percebe que também esse começo grego da filosofia estava sob
o domínio da Vontade de potência [Nietzsche] que impera na era da técnica, e que também o nazismo seria o
rosto trágico desse domínio incondicional sobre a totalidade do ente que começa com a metafísica cartesiana e
sua descoberta do sujeito.

Heidegger reconhece que é imprescindível um pensar apto a organizar e planificar a práxis


humana por todo planeta, entretanto, não podemos esquecer que esse pensar não esgota toda dimensão
da clareira (Lichtung), aonde as coisas nos vêm ao encontro. O pensamento que calcula possibilidades
continuamente novas, com perspectivas cada vez mais ricas e mais econômicas, não tem tempo para
meditar. O homem de hoje pode até ser considerado um pensador em relação ao pensamento
calculador, mas é um indigente em relação ao pensamento meditativo.(Heidegger, 1976, p. 517- 518).

Enquanto o pensamento calculador comemora seu triunfo em todas as esferas, a técnica e a


crescente ordenação que ela impõe ao mundo dos entes desdobra o seu ser como perigo. Contudo,
alerta-nos Heidegger, não são os produtos da técnica (computador, inteligência artificial) nem sua
utilização que são perigosos. O perigo estaria na própria essência da técnica, que impõe um
comportamento provocante e que rege a relação do homem com os outros e a totalidade das coisas.
Realmente, não há nada de demoníaco na técnica. Mas existe sim o mistério de sua essência, que não é
nada de técnico. O fato é que esse domínio avassalador dos dispositivos técnicos, cibernéticos, coloca
o homem em perigo, pois ameaça sua essência pensante, velando o verdadeiro sentido de seu próprio
ser. O mais pernicioso e nefasto é que o perigo inerente a essência da técnica não é sentido como tal,
pois pertence à essência do perigo dissimular se a si mesmo, apresentando-se com os sinais do
progresso e pseudo bem estar social. É preciso então elaborar uma outra forma de linguagem,
pensamento e modo de ser e estar no mundo para que o perigo se desvele como tal, e possamos
vislumbrar o que salva.
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Em meados da década de trinta, Heidegger expõe em sua obra Introdução à Metafísica [1935] as
consequências do caráter avassalador e demoníaco da Técnica na modernidade. O domínio planetário
da Técnica promoveria em nossa época o obscurecimento do mundo, processo marcado pela fuga dos
deuses (dessacralização de nossas relações com as coisas, pela destruição da terra [desertificada pelo
calculo] , a massificação do homem [Transformado em besta do trabalho] e a primazia do medíocre.
(HEIDEGGER, M. 1972). Desde o início do Século XX, observa Heidegger, a existência começou a
desligar para um mundo sem profundidade. Todas as coisas escorregam para um mesmo nível, para
uma superfície. A dimensão dominante tornou-se a da extensão e do número. Doravante, capacidade
quer dizer o exercício de uma rotina, suscetível de ser aprendida por todos, conforme certo esforço.
Essa planificação atinge sua intensificação na Rússia e Estados Unidos, onde vigora o equivalente, que
destrói toda hierarquia e todo mundo espiritual. Essa avalanche uniformizadora da técnica manifesta-se
na forma de um desvirtuamento do espírito. (HEIDEGGER M. 1969, pp. 71-72)

Decisiva é a transformação do Espírito em Inteligência instrumental: a Inteligência instrumental


é uma mera habilidade ou perícia no exame, no cálculo e na avaliação das coisas, com o objetivo de
transformá-las, reproduzi-las e distribuí-las em massa. O Espírito, falsificado em inteligência,
degrada-se para o papel de um mero instrumento a serviço de outro, cujo manejo pode ser ensinado e
aprendido. (Cf. HEIDEGGER M. 1969)

Quando consuma-se a desfiguração do Espírito numa Inteligência instrumental, assistimos à


disposição das potências do Espírito em regiões (a Arte, a Poesia, o Estado, a Religião, etc.). O mundo
do Espírito degrada-se em cultura, onde cada região torna-se um campo específico de saber. A Ciência
emerge dessa degradação do mundo do Espírito em Inteligência instrumental, fragmentando-se numa
multiplicidade de disciplinas que estão a serviço das profissões. (HEIDEGGER M., 1969, p. 46). O
fato é que, talvez o grande perigo de nossa época não seja o apocalipse nuclear, a violência urbana, a
fome, a poluição da natureza, etc. O grande perigo se aloja na configuração epocal do Ser como
Técnica.

3. Condições e morte do desejo de filosofar

Partindo do pressuposto de que o fim da filosofia mediante sua dissolução nas ciências
tecnizadas se dá também como conseqüência da morte do desejo de filosofar, vamos inicialmente
tornar mais claro para nós mesmos o caráter e os elementos constitutivos do desejo de filosofar. Em
que medida esse desejo de filosofar encontra-se em perigo em nossa época. Uma época indigente, que
não pensa, mas apenas planifica e calcula. Vivenciamos, assim, o mal-estar de uma época que dificulta
uma relação mais essencial, originária e interativa com as coisas, o mundo e os outros, uma vez que
tudo se mostra em sua mera disponibilidade ao cálculo. Até mesmo o homem é visto, muitas vezes,
como uma espécie de ruído, que deve ser eliminado para uma maior otimização do sistema. Em uma
sociedade na qual as imagens hiper-realizam o real, mediante um processo de des-referenciação do
objeto e des-substancialização do sujeito, como recuperar ou salvar o desejo de filosofar?
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O pensador francês Alain Badiou em uma de suas conferências brasileiras intitulada A situação
da filosofia na contemporaneidade parte das seguintes questões: “Por que há filósofos? Como se
caracteriza o desejo de filosofia?” (Cf. BADIOU, 1994, p. 35). Na tentativa de caracterizar o desejo de
filosofar, Badiou aponta quatro condições constitutivas do mesmo: a revolta, a lógica, a universalidade
e a aposta/o risco. Como entender que o desejo de filosofar comporta e exige algo aparentemente
paradoxal, ou seja, uma certa “revolta lógica”? Revolta sim, porque a filosofia enquanto discurso
radical, rigoroso, crítico e universal sempre coloca em questão o conhecimento, os valores e ideais
instituídos. Para o filósofo muitas vezes “é melhor ser Sócrates descontente do que ser um porco
satisfeito." (Cf. BADIOU, 1994, p. 36). O fato é que a filosofia é descontente com o mundo tal como
ele é. É descontente até consigo mesma, pois tem o hábito de pensar contra si mesma. Mas essa
revolta, rebeldia da filosofia, não é uma rebeldia sem causa, uma revolta que apenas desconstrói e nega
o instituído. A revolta constitutiva do desejo de filosofar exige, por paradoxal que possa parecer, uma
lógica. É uma revolta fundada na discussão normatizada pela razão. A revolta da filosofia busca a
construção de argumentos racionais para justificar sua crítica radical. É uma revolta que erige uma lei
para si mesma balizando-se pelo bom senso e pelos princípios da racionalidade, que certamente
extrapola os limites da razão instrumental científica.
Mas o desejo de filosofar também se alimenta de uma certa tensão entre a
universalidade/necessidade pretendida pelo discurso filosófico e a idéia de acaso, de aposta, de
imponderável. Nesse sentido podemos considerar que há na filosofia um grande desejo de
universalidade, na medida em que ela se dirige a todo pensamento e a todo homem, sem exceção. “Ela
(a filosofia) não é nacional, mas internacional. Ela quer ultrapassar toda cultura particular, toda
tradição. Seu verdadeiro destino não é a sala de conferência, mas a rua, a praça pública, o mundo
inteiro...A filosofia se dá para todo pensamento; ela se dá para o príncipe e para o escravo.”
(BADIOU, 1994, p. 38)

Entretanto, ao mesmo tempo em que o desejo de filosofia é desejo de universal é, também,


sentimento do risco e do acaso. Ou seja, a filosofia só pode aspirar à universalidade, se apostar no
acaso, no engajamento, no risco, na imprevisibilidade do encontro. O desejo de filosofar é, portanto,
perpassado por uma revolta, recusa a ficar instalado e satisfeito. Uma recusa que exige uma lei, uma
norma, uma lógica que expressa o desejo de uma razão coerente. Mas o desejo de filosofar também se
nutre do universal e necessário, da recusa ao particular e imediato, contudo essa universalidade é
buscada mediante a aposta no risco, no engajamento, no acaso e na experiência irrepetível do
encontro.

Após essa breve caracterização dos elementos constituintes do desejo de filosofar, uma
constatação se impõe: o mundo contemporâneo, o nosso mundo afundado num pragmatismo
imediatista, é oposto ao desejo de filosofar. Ele nega e se opõe veementemente aos quatro
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componentes do desejo de filosofia. Nosso sociedade, dirá Badiou, não gosta da revolta nem da crítica.
“É um mundo que crê na gestão e na ordem natural das coisas... Ele pede a cada um para adaptar-se.
É um mundo do simples cálculo individual”. (BADIOU, 1994, p. 48). Nosso mundo é avesso à
coerência racional, está submetido à lógica de imagens e signos que simulam o real. Esse mundo das
imagens, mundo da mídia, é instantâneo e incoerente. É um mundo muito rápido e sem memória,
efêmero e fugaz. Onde a única permanência é a impermanência. Em tal mundo das imagens, é muito
difícil sustentar uma lógica do pensamento.

Outro elemento constitutivo do desejo de filosofar que perde espaço em nossa sociedade é a
universalidade, uma vez que a única universalidade que ele conhece é a do dinheiro, a universalidade
daquilo que Marx chamava de equivalente geral. Fora da universalidade do mercado e da moeda,
sustenta Badiou, cada um está encerrado em sua tribo. Cada um defende sua particularidade. Em nosso
mundo a falsa universalidade do capital é contraposta ao gueto das culturas, das classes, das raças, das
religiões. (Cf. BADIOU, 1994). Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que assistimos à globalização
das leis de mercado, emergem demandas de grupos e etnias reivindicando maior inserção social com
respeito as suas particularidades e diferenças. Ou seja, é cada vez maior a exigência de uma ética da
diversidade e singularidades que coloca em cheque a visão de homem, enquanto sujeito e razão
universal abstrata em relação a qual se pode referenciar certos imperativos,direitos e deveres, tidos
também como universais.

Por outro lado, a aposta, o acaso, o risco, o engajamento, também são negados e dissimulados
pelo mundo do cálculo, da previsão, da segurança e no qual vence o mais adaptado. Badiou considera
que vivemos em um mundo obcecado pela segurança...”... um mundo onde cada um deve, o mais cedo
possível, calcular e proteger o seu futuro. É um mundo da carreira e da repetição. Um mundo onde o
acaso é perigoso. Um mundo onde não devemos nos abandonar aos encontros.” (BADIOU, 1994, p.
39)

Podemos então considerar que nossa sociedade é oposta ao desejo de filosofia. Nela a filosofia
está ameaçada, não encontra direito de cidadania. A Filosofia encontra-se tão marginalizada que sua
principal questão na atualidade é saber como ela pode proteger e salvar o desejo de filosofar. Contudo,
ela não pode se esgotar num discurso que insiste em mostrar sua “utilidade” ou cair num vitimismo
fechando-se sobre si mesma. Na realidade, se a filosofia hoje tem que justificar sua existência e
necessidade, o problema não é da filosofia, mas de uma época na qual acontece a massificação e
bestialização do homem, a idolatria do Estado, a crença de que a felicidade está diretamente
relacionada à propriedade e, por fim, a morte do desejo de filosofar e de suas condições: a revolta, a
lógica, a universalidade e a aposta/o risco.
Em uma de suas Considerações Extemporâneas (Cf. NIETZSCHE 1978), Nietzsche nos alerta
de que “um tempo que sofre da assim chamada cultura geral, mas sem civilização e sem unidade de
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estilo em sua vida não saberia fazer nada de correto com a Filosofia, ainda que ela fosse proclamada
pelo gênio da verdade em pessoa nas ruas e nas feiras.” (NIETZSCHE, 1978, p. 53) De fato, não
temos uma civilização, nossas escolas e universidades formam profissionais, homens de segunda mão,
bestas do trabalho, “incompetentes sociais” (Chauí), mas não homens com estilo, com caráter e força
para fazer de sua existência um constante exercício de criação e afirmação da vida, mesmo na dor e no
sofrimento. Mas, o que vemos? Por todo lado o chamamento: adaptem-se, é a única coisa que nos resta
a fazer diante da ditadura do pensamento único neoliberal, que proclama a morte das utopias e da
consciência histórica, eternizando o presente. O fato é que em tal tempo, a filosofia apresenta-se, no
dizer de Nietzsche, como um:

“monólogo erudito de um passeador solitário, ... ou oculto segredo de gabinete reduzido a inofensiva
tagarelice entre anciãos acadêmicos. Ninguém ousa cumprir a lei da Filosofia em si mesma, ninguém vive
filosoficamente, ...Todo filosofar moderno e contemporâneo está política e policialmente limitado à
aparência erudita, por governos, igrejas, academias, costumes, moda... (Nietzsche, 1978, p. 53)
Não realidade, na sociedade do espetáculo, na qual as imagens hiper-realizam o real, a Filosofia,
a reflexão, não tem direitos. Contudo, se deixássemos a filosofia falar era poderia nos dizer:

“Povo miserável! É culpa minha se em vosso meio vagueio como uma cigana pelos campos e tenho de me
esconder e disfarçar, como se fosse eu a pecadora e vós meus juízes? Vede minha irmã - a arte. Ela está como
eu, caímos entre bárbaros e não sabemos nos salvar. Aqui nos falta, é verdade, justa causa, mas os juizes
diante dos quais encontraremos justiça tem também jurisdição sobre vós, e vos dirão: Tendes antes uma
civilização, e então ficareis sabendo o que a filosofia quer e pode.” (Nietzsche, 1978, p. 53)
Apesar das circunstâncias adversas ao desejo de filosofar, a filosofia deve preservar seu senso
crítico, sua revolta e hábito de pensar até mesmo contra si. A filosofia não pode abrir mão de seu papel
desmistificador diante das ideologias vigentes, que teimam em passar uma visão homogênea,
mascarando as contradições reais de nossa realidade.

O fato é que hoje são colocadas certas exigências à Filosofia. Há uma certa exigência de que a
filosofia seja “uma filosofia do evento, antes que da estrutura. Que a filosofia seja uma filosofia... da
singularidade universal. Quer dizer: daquilo que é, a cada vez, absolutamente singular, como um
poema, um teorema, uma paixão, uma revolução; e contudo, para o pensamento, absolutamente
universal.” (BADIOU, 1994, p. 43). A filosofia deve ainda utilizar uma língua flexível. “Uma língua
capaz tanto de citar e interpretar um poema como de citar e interpretar um axioma ou um teorema.
Uma língua que circule entre o equívoco [ambigüidade] poético e a transparência científica.”
(BADIOU, 1994, p. 44)

A filosofia deve, assim, articular uma linguagem que permita-lhe transitar pelas fórmulas
científicas e pela lógica, pelos equívocos do poema e da arte, pelo acaso do desejo e encontros e pela
política, enquanto criação de novas formas de convívio social e ruptura com a ordem estabelecida. Isso
pressupõe que a Filosofia tem que abrir mão de um conceito unívoco, universal e necessário de
verdade. A filosofia deve admitir diferentes tipos de verdades pronunciadas e legitimadas por
11

diferentes narrativas, para nada sacrificar do desejo de filosofia. Contudo, a verdade está ligada a um
evento que se dá no quadrilátero determinado pela ciência (mathema), pela arte(poema), pela
revolução e pelo desejo/amor. Ela não se esgota, pois, na mera adequação do pensamento a coisa, nem
na coerência interna das proposições científicas. Ela não é um mero exercício do pensamento, ela
depende do acaso de um evento.

4. O que significa dizer que a Filosofia chegou ao seu fim?

Na perspectiva heideggeriana, fim da Filosofia seria o lugar de sua decomposição(diluição) nas


ciências tecnizadas. Na época atual a filosofia transformou-se em ciência empírica do homem e de
tudo que pode tornar-se objeto disponível para sua técnica que, com a Cibernética, invadiria o último
reduto ainda imune ao pensamento calculador – a mente humana. Tudo isso, acrescenta Heidegger,
realiza-se em toda parte com base e segundo os padrões da exploração científica de cada esfera do ente
(Heidegger, 1987, p. 72). A Filosofia, portanto, teria encontrado o lugar de seu fim no caráter
científico, porque não dizer Cibernético, com que a humanidade se realiza na praxis social, na qual se
buscaria sempre uma otimização da performance do sistema em termos de processamento e controle
dos fluxos de informações(mensagens)3. O fim da filosofia revela-se, assim, como sendo o triunfo do
equipamento de um mundo tecno-científico e da ordem social que lhe corresponde. E quanto mais a
técnica estender seu domínio sobre o planeta, orientando os modos de ser do homem, menos o
pensamento terá vigor para realizar sua tarefa: pensar o ser que fala na essência da Técnica.
(Heidegger, 1983, GA 14, p. 72).

Em Sobre a questão da determinação da tarefa do pensar [Zur Frage nach der Bestimmung der
Sache des Denken]” (1965), Heidegger constata que o próprio pensar encontra-se em um estado de
indecisão a respeito do objeto e da tarefa que lhe concerne. Essa indecisão seria o sintoma de que o
pensar em sua forma de filosofia teria alcançado o seu fim. Esse fim decide algo a respeito do destino
da filosofia, mas não sobre o destino do próprio pensamento. É plenamente possível que no fim da
filosofia se oculte um outro inicio do pensar. (Heidegger, 1976, p.620-633).

Hoje, todas as coisas e esferas da ação humana[trabalho, cultura, política], mostram, ainda que
não seja pensada como tal, o caráter da disponibilidade de tudo sem exceção ao cálculo (Heidegger,
1976, p. 621-22). Assim, no fim da filosofia, a totalidade do ente é reduzida em fundos disponíveis

3
Em relação à especificidade da relação entre Cibernética e Filosofia, muitos teóricos da Cibernética a
consideram uma legítima sucessora da filosofia. Karl Steinbuch, por exemplo, em sua obra Autômato e homem
– sobre a inteligência humana e da máquina. (1961), despreza temas tradicionais da filosofia, opondo-se à
apresentação verbal de qualquer espécie. Para esse autor na compreensão de processos mentais não são
necessárias expressões misteriosas, mas que eles possam ser remetidos a conhecidos princípios físicos e
matemáticos.
12

(Bestände), em objetos que podem ser fabricados, distribuídos e reutilizados a todo o momento
conforme determinados fins. Esses objetos disponíveis não tem nenhuma consistência. A maneira
deles fazerem-se presentes é a disponibilidade. (Heidegger, 1976, GA 16, p. 622).

É importante aqui perceber como o fim da filosofia e a instrumentalização da linguagem, a perda


de sua dimensão conotativa, apofântica, poética, ocorreu em parte como conseqüência dessa
transformação das coisas em estoques disponíveis ao pensamento calculador.

5. Instrumentalização da linguagem na era cibernética

O termo linguagem é escasso em Ser e Tempo. Aparece no § 34 subordinado ao termo Rede


[Discurso - constitutivo da abertura originária do Dasein]. Já na Carta sobre o humanismo, após a
suposta Kehre4 [Viragem], Heidegger afirma: “Se a verdade do ser chegou a ser estimuladora do
pensamento para o pensar, a reflexão sobre a essência da linguagem deve alcançar um posição
diferente.” (HEIDEGGER M., Carta sobre o Humanismo, 1987) . Cresce a importância da linguagem
como via de acesso ao ser em detrimento do Dasein. O homem age como se fosse configurador e
senhor da linguagem, entretanto é a linguagem que de fato é o senhor do homem...o que fala é a
linguagem. O homem só começa a falar quando responde a linguagem escutando seu chamado.
(HEIDEGGER M., Carta sobre o Humanismo, 1987)

Todo o percurso do pensamento heideggeriano atesta o um interesse crescente pelo problema da


relação do ser com a linguagem – a história do ser é a história da palavra ser. Nesse sentido, é no
âmbito do fenômeno da linguagem enquanto dom doado pelo ser ao homem para dizê-lo, que acontece
a co-pertinência entre ser e homem. Entretanto, mediante o processo de instrumentalização da
linguagem, a essência da mesma se acha dissimulada em uma concepção que faz da palavra o simples
signo de um ente que pre-existe à palavra que o nomeia. Não se percebe que é nas palavras que as
coisas chegam a ser e são, elas não são meras cápsulas vazias nas quais estariam empacotadas as
coisas.

O encontro posterior de Heidegger com os poetas abre a possibilidade de se experimentar outro


campo da linguagem. Para se recuperar a força original da linguagem temos que apelar a um discurso
no qual a linguagem já não seja transparência ou representação do ente, mas instauração do ente –
como se nela o ente aparecesse como se pela primeira vez. Somente através desse diálogo da poesia e
do pensamento pode ser esclarecida a essência da linguagem. Não existe conceito ou fórmula para

4
Kehre - A questão do sentido e da verdade do Ser, numa primeira fase do pensamento heideggeriano,
seria elucidada a partir da temporalidade extática e finita do Dasein como ser no-mundo, cuja as
estruturas ontológicas originárias seriam elucidadas mediante a analítica existencial realizada em Sein
und Zeit (1927). A partir dos anos trinta, a hermenêutica da existência finita daria lugar a uma
hermenêutica da acontecência (historicidade) do ser em sua história. Ou seja, doravante, o ser não
seria mais compreendido a partir da compreensão finita do Dasein, mas a partir de sua historicidade
em seu acontecer histórico ao longo da metafísica ocidental.
13

apreender a essência da linguagem. A relação ser – homem se constitui mediante um sinal/apelo que o
ser envia ao homem ao qual o homem responde [mediante a linguagem]. A linguagem seria assim o
advento dessa correspondência entre ser e homem, o que faz do homem essencialmente um ser falante,
já que a palavra determina sua essência.

Ora, mas na medida em que a nova ciência fundamental é a Cibernética – o domínio sobre o
saber é exercido pelas operações e modelos5 do pensamento representacional calculador.
Representações condutoras da cibernética como informação, controle, retroalimentação conduziram às
transformações cruciais em conceitos capitais das ciências, tais como: fundamento, conclusão, causa
e efeito.
“Não é necessário ser profeta para reconhecer que as modernas ciências que estão se
instalando serão, em breve, determinadas e dirigidas pela nova ciência básica que se chama
Cibernética. Esta ciência corresponde à determinação do homem como ser ligado a praxis
na sociedade. Pois ela é a teoria que permite o controle de todo planejamento possível e de
toda organização do trabalho humano. A Cibernética transforma a linguagem num meio de
troca de mensagens. (HEIDEGGER M., 1987, p. 72).
A idéia de modelo desempenha um papel fundamental nesse projeto cibernético de exercer um
pleno controle sobre o homem e as coisas. A modelização operada pela física sobre a natureza e pela
Cibernética sobre as estruturas e funções do cérebro humano têm como pressuposto a seguinte tese: só
podermos conhecer aquilo que fabricamos. A própria ciência da natureza seria orientada pela
convicção de que só podemos conhecer fazendo, ou refazendo e reconstruindo a natureza mediante
modelos lógico-matemáticos. O homem procura, assim, garantir o acesso as coisas que ele não fez
representando e simulando os processos que as levam a existência, já não mais como coisas, mas
como meros objetos.

Na conferência intitulada A coisa (Das Ding) (1950), Heidegger observa que a coisidade
(Dingheit) da coisa permanece oculta, anulada e destruída pela ciência e sua linguagem. O homem,
apesar de todo avanço técnico e da supressão de todas as distâncias, não se coloca próximo
suficientemente da coisa para interrogá-la em sua coisidade nem matem uma relação essencial com a
linguagem (Heidegger, 1954, GA 07, p. 162). No âmbito dessa supressão das grandes distâncias
operada pelos artefatos técnicos e Cibernéticos, tudo nos é igualmente próximo e igualmente distante.
Tudo é, por assim dizer, sem distância. A espacialização, a ciberespacialização, a uniformização e a
calculabilidade de todas as relações objetivadas em modelos abolem toda proximidade e toda distância.
(Cf. HEIDEGGER M., 1958, p. 162).

O mais grave é que esse processo de modelização lógico-matemática operado pela Cibernética,
ao mutilar alguns aspectos essenciais do fenômeno da linguagem, atinge a própria essência humana.
Mas como se processaria essa instrumentalização da linguagem operada pela Cibernética? Com a
Cibernética a linguagem transforma-se num mero sistema de códigos que vinculam determinada
5
O modelo científico seria uma certa idealidade formalizada e matematizada que sintetiza um sistema de relações entre
elementos cuja identidade e natureza são irrelevantes e que podem ser trocados, substituídos por outros elementos
análogos sem que o modelo seja alterado.
14

quantidade de informação em organismos e máquinas. Nada mais distante da concepção heideggeriana


da linguagem como Logos, como dádiva do Ser ao homem ou como lugar da co-respondência da
filosofia ao apelo do Ser a muito silenciado.

Num texto de 1962 intitulado Linguagem tradicional e Linguagem técnica (Überlieferte Sprache
und technische Sprache), Heidegger contrapõe sua concepção de Linguagem ao processo de
tecnização da linguagem operada pela Cibernética. O filósofo parte da concepção corrente da
Linguagem que diz que a Língua é uma visão de mundo e um simples instrumento de troca e de
comunicação. Essa concepção de que a Língua é um mero instrumento ou meio vê-se "reforçada" pela
dominação da Técnica moderna que justifica uma concepção Cibernética de linguagem, enquanto
fluxo de mensagens em organismos e máquinas. Isso implica, segundo Heidegger, que "a linguagem é
informação". E a informação é a linguagem (da) técnica. (Heidegger, 1989, GA 80, p.33).

Mas em que a "linguagem técnica" se distingue do que é próprio da Linguagem, que é o “falar do
homem"? Falar, observa Heidegger, é "dizer". Pode-se falar sem dizer nada, enquanto há silêncios que
dizem tudo. Dizer é um "mostrar". Mostrar é "...fazer ver e entender qualquer coisa, levar uma coisa
a aparecer" (Heidegger, 1989, p.34). E o homem não pode verdadeiramente dizer senão aquilo que de
si próprio aparece, se manifesta e a ele se dirige, fazendo com que na linguagem aconteça o
desvelamento e a revelação originaria do próprio Ser. Nesse sentido, a Linguagem não seria apenas a
expressão secundária desse desvelamento das coisas em signos verbais ou códigos. Ela é o desvelar
mesmo. Onde não existe linguagem, afirma Heidegger, como na pedra, na planta e no animal, ali não
existe a patência do ser, nem tampouco o não ser ou o nada. Somente onde acontece linguagem
predomina e impera um mundo (Heidegger, 1976, p. 318). As palavras e a linguagem, afirma
Heidegger, não constituem cápsulas, em que as coisas empacotam-se para o comércio de quem fala ou
escreve. É na palavra e na linguagem que as coisas chegam a ser e são (HEIDEGGER M. 1987, p. 42).

A Cibernética, por seu lado, reduz o mostrar do dizer a um oferecer sinais. "O sinal torna-se
então uma mensagem e uma instrução acerca de uma coisa que, em si mesma, não se mostra.”
(Heidegger, 1989, p. 35).Todo o sinal exige que, previamente, se convencione o que significa enquanto
sinal: Isso faz da linguagem algo abstrato no interior das máquinas Cibernéticas, sejam elas biológicas
ou mecânicas. Para Heidegger, o ponto decisivo dessa transformação reside no seguinte:
"...são as possibilidades técnicas da máquina que prescrevem como é que a linguagem
pode e deve ainda ser língua. (...) A natureza dos programas que podem servir de entradas
para o computador, entradas com as quais podemos, como se diz, alimentá-lo, regula-se
sobre o tipo de funcionamento da máquina. O modo da linguagem é determinado pela
técnica." (HEIDEGGER M. 1989, p. 36/37)
Essa transformação cibernética da linguagem em língua técnica, em linguagem de máquina, é a
agressão "mais violenta e mais perigosa" contra o que é próprio da língua, que reside no dizer. E na
medida em que a relação do homem com o ente, com o ser do ente e com ele próprio repousa no dizer,
essa agressão torna-se "uma ameaça contra a essência própria do homem e das coisas", transformadas
em pura informação.
15

Nobert Wiener, um dos pioneiros da Cibernética, sustenta que não somos substâncias pensantes
ou seres existentes no e para o mundo, simplesmente aí... mas padrões homeostáticos que se
perpetuam a si mesmos (Cf. Wiener, 1950). Até onde vai a palavra e o poder do homem, vai também
seu domínio e sua existência física. Entretanto, o que não se pensa é que esse domínio não é
propriamente humano, mas de uma vontade [vontade de vontade = vontade de potência] que subjuga o
homem e o reduz também à condição de matéria prima.

A Cibernética, portanto, enquanto ordenação e planificação planetária de toda praxis humana


seria o último ato pelo qual isto que chega ao fim (a filosofia) realiza-se na plena calculabilidade da
totalidade do ente. A verdade ainda oculta do Ser recusa-se a se revelar ao pensamento calculador. A
besta do labor é abandonada à vertigem de suas fabricações, afim de que ela se dilacere ela mesma,
que ela se destrua e caia na nulidade do nada.

6. Pensar e poetar em tempos de penúria e indigência

Um pensamento apto a ultrapassar o domínio planetário da técnica deve perguntar: quais seriam
o solo e o fundamento para um arraigo vindouro do homem na terra inóspita do cálculo? Assim, o que
tal pensar busca é o mais próximo. Entretanto, para nós, homens de uma época que aboliu todas as
distâncias, o caminho ao mais próximo é sempre o mais árduo. Difícil para nós saber que o
pensamento fundamental é aquele cujos pensamentos não apenas calculam, mas são determinados
pelo outro do ente, ou seja, o próprio Ser.

No pensar originário, o Ser tem acesso à sua morada – a Linguagem, a casa do Ser onde mora o
homem. Pensadores e Poetas são os guardiões desta habitação. Nessa guarda eles consumam a
manifestação do Ser, na medida em que pensam e dizem o que o Ser lhes enviou. (HEIDEGGER M.,
Carta sobre o Humanismo, 1987, p. 149). Entretanto, uma autêntica experiência da essência desse
pensar originário, que implicaria em sua própria realização, exigiria nossa libertação da interpretação
técnica do pensar e da linguagem que remete a Platão e Aristóteles. Neles, segundo Heidegger, não é
mais o Ser que determina o dizer e o pensar, ao contrário, doravante, são as leis do pensar (Principio de
identidade, Não-contradição e da Razão Suficiente) e as regras da gramática que determinam o que é o
Ser, concebido como causa e fundamento do ente. O próprio pensar é tido, ali, como uma tékhne, o
processo da reflexão é posto a serviço do fazer e do operar (HEIDEGGER M. , Carta sobre o
Humanismo, 1987, p. 149 ).

Antes de falar o homem deve aprender a escutar o apelo do Ser, escutando o pensamento pensa e
percebe que pouco lhe resta a dizer. Somente assim, afirma Heidegger, será devolvido à palavra o
valor de sua essência e o homem será gratificado com a devolução da habitação para residir na verdade
do Ser.

Na conferência Wissenschaften und Besinnung , Heidegger retoma a questão da possibilidade de


um pensamento originário capaz de ultrapassar a metafísica e a concepção cibernética do real e da
Linguagem. Tal pensamento certamente não nos conduzirá para nenhum outro lugar, senão àquele no
16

qual desde sempre já moramos (HEIDEGGER M. , Essais et Conférences, 1958, p. 48). O


pensamento originário seria, portanto, fundamentalmente a experiência de uma dimensão ante
predicativa, uma espécie de Clareira (Lichtung), iluminação, que é condição de possibilidade de todo
dar-se. Somente esta clareira, dirá Heidegger, nos garante a nós os homens um passo ao existente
que nós não somos e o acesso ao existente que somos. Graças a essa clareira, o existente desvela-se
em certa medida”. (HEIDEGGER M. Holzweg, 1972, p. 11).

Esse pensar originário aproxima-se das coisas não através do olhar objetivante que abole
qualquer distância ou proximidade no espaço puro da geometria. Esse pensar sabe que tudo que é
presente traz em si uma certa reserva, uma vez que a Clareira (Lichtung) em que está o existente é em
si mesma também ocultação, que se oculta e dissimula a si mesma. É justamente ao tentar experienciar
esse jogo de retraimento do Ser, que se dissimula e oculta seu próprio retraimento naquilo que se
presentifica (o ente), que o pensar originário consuma a relação do Ser com a essência do homem. E
somente mostrando isso que se retira e se subtrai, nós conseguiremos ser nós mesmos. Nesse
movimento em direção àquilo que se retira, o homem é aquele que mostra, que aponta em direção
daquilo que se retira, sem contudo anunciar isso que se retira, mas apenas o retraimento em si mesmo.
(HEIDEGGER M. Holzweg, , 1972, p.132).

O fato é que uma época indigente como a nossa, que se compraz em sua própria indigência,
precisa de mais pensamento e menos filosofia. Um pensamento que não seja mais Filosofia e que
pense mais originariamente, recolhendo a linguagem para junto do simples dizer. Nesse sentido, dirá
Heidegger: “A única tarefa do pensar é trazer à linguagem, sempre novamente, este advento do Ser
que permanece e em seu permanecer espera pelo homem. Por isso, os pensadores essenciais dizem
sempre o mesmo.” (HEIDEGGER M., Carta sobre o Humanismo, 1987, p. 174).

Em último caso, cabe a nós decidir se da noite desse tempo de penúria e indigência surgirá uma
nova aurora do pensamento do Ser. Enquanto isso, o “deserto cresce...”

CONCLUSÃO

Não é por acaso que na modernidade assistimos a um colossal e gigantesco processo de


planificação e burocratização, de uniformização de estilos de vida, de instrumentalização da linguagem
e de esfacelamento do sagrado. A linguagem, ora informatizada, ora simplesmente nivelada pelas
mídias, reduz-se a um veículo de mensagens pré-estabelecidas. Transformada num simples
instrumento de comunicação, a linguagem se insurge contra a palavra, excluindo dela mesma toda
capacidade original de mostração das coisas. Será que a necessidade de uma linguagem poética se faz
ela ainda sentir nesse funcionário da técnica muito bem adaptado a sua tarefa de regulador dos
circuitos de produção e de consumo?

Devemos reconhecer que no mundo de hoje não podemos mais renunciar à técnica e à ciência
moderna. Num certo sentido, o projeto baconiano do conhecimento como um poder exercido sobre a
17

natureza é ainda indispensável. Por outro lado, esse projeto representa um perigo para a essência do
homem que não poderá ser combatido por meios meramente humanos.

Entretanto, agora sabemos que o mítico demônio laplaciano onisciente, que se dizia ser capaz de
calcular o passado e futuro a partir de uma descrição pura, está morto. Encontramo-nos num mundo
essencialmente aleatório, onde a reversibilidade e o determinismo são exceções e a irreversibilidade e
a indeterminação microscópica é a regra. Não temos mais o direito de afirmar que o único objetivo da
ciência seja a descoberta do mundo a partir do ponto de vista exterior de uma inteligência pura.

Hoje a ciência reconhece que deve se preocupar mais com o mundo da vida do qual se afastou
buscando uma objetividade pura. Não estamos mais no tempo em que o Universo era concebido como
uma máquina na qual o homem se descobria como estranho, apesar da ilusão de possuí-lo. Enfim, a
natureza que a ciência procura manter um certo diálogo não é mais aquela descrita a partir de uma
idéia de tempo homogêneo, contínuo, reversível e repetitivo. Doravante, exploramos uma natureza re-
encantada, de estruturas complexas e em desequilíbrio que nos fazem pensar na coexistência de
tempos irredutivelmente diferentes e articulados, onde se articulam a necessidade e o acaso.
(PRIGOGINE, 2002)

Os homens, pensadores e poetas do crepúsculo da era atômica devem assumir a missão de


propiciar o advento de um pensamento mais sóbrio do que a corrida desenfreada da racionalização e o
prestígio da cibernética que tudo arrasta. Mas enfim, o que se trata de questionar na técnica, já que
tudo funciona aparentemente bem? Tudo funciona. Isto é o inquietante, que isto funcione, e que este
funcionamento exija sempre um novo funcionamento, e que a técnica sempre separe mais o homem da
terra, desarraigando-o. Não é mais uma terra sobre a qual o homem vive hoje e o pior é que a filosofia
não pode produzir um efeito imediato, fazer mudar o estado presente do mundo. Resta-nos preparar,
mediante o pensamento e a poesia, uma disponibilidade para a aparição do sagrado ou para sua
ausência em nossa decadência. Enquanto isso, o “deserto cresce...”. E errando por uma terra devastada
e uniformizada pelo cálculo, o homem continua surdo ao canto do poeta – Lá onde brota o perigo,
nasce também o que salva.[CF. HORDERLIN, Patmos].

A tarefa da filosofia em meio a esse processo de objetificação avassalador que parece


desconhecer limites, é preservar a força das palavras mais elementares em que se expressa o Dasein.
Palavras que simplesmente não são compreendidas pela compreensão vulgar e pela compreensão
técnica e objetificada da linguagem [Cf. SZ, p. 220, GA 2]. Estamos surdos para o significado
originário de muitas palavras que utilizamos com freqüência, como, por exemplo, a palavra Ser. O
mundo desencantado pelo processo de objetificação, transformado em fundo de reserva, em estoque, é
um mundo manejável, manipulável e disponível ao poder provocador da técnico. Se a ciência concebe
o mundo como submetido a um esquema teórico universal, que reduz suas diversas riquezas as
melancólicas aplicações de leis gerais, ela se dá na mesma forma como instrumento de controle e de
dominação . O homem estranho ao mundo, se apresenta como senhor desse mundo.
18

Entretanto, se é certo que a técnica plenifica o niilismo, o desenraizamento do homem, o


desencanto da Natureza, o esquecimento do Ser e a fuga dos deuses; por outro lado, ela é também o
âmbito no qual emerge a possibilidade de um retorno ao Ser a partir de um novo começo, que
inauguraria uma época na qual nossas relações com as coisas não se fariam apenas pela mediação de
dispositivos técnicos. Devemos nos precaver, ainda, contra qualquer ativismo ou qualquer espécie de
revolta diante da técnica, sob pena de cair na armadilha do pensamento calculador. Nenhuma ação
jamais conseguirá provocar qualquer mudança na essência da técnica, e muito menos na essência do
Ser e do homem. Não temos nada a fazer para evitar ou amenizar os efeitos devastadores do domínio
planetário da técnica, como é o caso da morte da filosofia e da instrumentalização da linguagem, só
nos resta esperar. Uma espera que não significa submissão ou resignação, mas que nos convoca para
tomar decisões.
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Bibliografia

HABERMAS, J. O Discurso Filosófico da modernidade. Trad. Ana Maria et ali. Lisboa: Pub. Dom Quixote, 1990.
HEIDEGGER, Martin. Holzwege. 5 Aufl. Frankfurt: V. Klostermann, 1972.
.A auto-afirmação da Universidade alemã (Die Selbstbehauptung der deutschen Universität. Trad.
Fausto Castilho. Curitiba: Secretaria de Estado da Cultura,, 1997.
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.Carta sobre o Humanismo. São Paulo: Abril Cultural, 1987.
. Conferências e Escritos Filosóficos. Trad. E. Stein. SP: Abril cultural, 1987.
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. O fim da Filosofia e a tarefa do pensamento. São Paulo: Abril Cultural, 1987.
MACDOWELL, J. A. A Gênese da Ontologia Fundamental de Martin Heidegger. São Paulo: Herder, 1970.
NUNES, Benedito. Passagem ao Poético. Filosofia e Poesia em Heidegger. São Paulo: Ática, 1992.
PRIGOGINE, Illya. A Nova Aliança. Bsb: Ed. UnB, 2002.
RORTY, R. “Ensaios sobre Heidegger e outros pensadores contemporáneos.” Ensaios filosóficos 2. Ed. Paidós, 1993, p.
79-99.

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