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FILOSOFIA E LINGUAGEM
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Cuidado(Besorgen, Sorge): O Dasein sempre se dá num exercício. Os dois planos que,
predominantemente, se desenvolve o exercício do Dasein promovem relações com dois modos de ser
da existência: relações com o modo de ser dos entes simplesmente dados e relações com os entes
dotados do modo de ser do Dasein. O Dasein ocupa-se com aquilo que simplesmente é, e preocupa-se
com aquilo que existe. A estrutura unificante desses modos de ser podemos denominar a
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do homem com as coisas e os outros, e que marca sua finitude como ser-para-morte. [Cf.
HEIDEGGER,1964, §42].
Na Antigona de Sóflocles, o coro canta:
“Muitas são as coisas estranhas, nada, porém, há de mais estranho do que o
homem. Parte sobre as espumas da preamar no meio da tempestade do inverno
sulino e cruza as montanhas de vagas, que abrem abismos de raiva.
Extenua a infatigabilidade indestrutível da mais sublime das deusas, a terra,
revolvendo-a ano após ano, arrastando com cavalos para lá e para cá os arados.
Sempre astuto, o homem enreda o bando dos pássaros em revoada caça os animais
da selva e os agitados moradores do mar.
Com astúcia domina o animal, que pernoita e anda pelos montes. Subjuga o dorso
de ásperas crinas do corcel e põe o jugo das cangas de madeira ao touro não
domesticado.
A si mesmo encontrou tanto no soar da palavra na compreensão, que, com a
rapidez do vento, tudo abarca, como no denodo, com que domina as cidades.
Igualmente pensou como escapar aos dardos do clima bem como às inclemências
do frio. Pondo-se a caminho em toda parte, desprovido de experiência e em aporia,
chega ele ao Nada.
A morte é a única agressão, de que não se pode defende por nenhuma fuga, embora
consiga esquivar-se hábil mente às penas da enfermidade. Garboso muito embora,
porque domina, mais do que o esperado, a habilidade inventiva, cai muitas vezes
até na perversidade, outras he saem bem nobres empresas.
Por entre as leis da terra e a con-juntura ex-conjurada pelos deuses anda ele. Ao
sobrepujar o lugar, o perde, a audácia o faz favorecer o não-ser contra o ser.
Aquele que põe isso em obras, não se torne familiar de minha lareira nem tão pouco
o meu saber compartilhe comigo o seu desvairar-se” (SÓFLOCES, Antígona. Apud
(HEIDEGGER M., Introdução à metafísica, 1969)
Por sua vez, a fábula de Higino nos diz:
Certa vez, atr avess ando um rio, "cura " viu um pedaço de terra argi losa: cogitand o,
tomou um pe daço e começou a lhe da r for ma. Enquanto ref letia sobre o que cr iara,
interveio Júpiter. A cura ped iu-lhe que desse espírito à form a de argila , o que ele fez
de bom grado. C omo a cura quis então dar seu nom e ao que tinha da do form a,
Júpiter a proib iu e exigiu qu e fosse dado o nome. Enquan to "Cura " e Júpiter
dispu tavam sobre o nome, surgiu tamb ém a terra (humus) querendo dar o seu nome ,
uma vez que havia forne cido um pedaço d e seu corpo. Os disputantes tomaram
Saturno como árbitro. Satur no pronunciou a s eguinte decisã o, ap arentem ente
eqüitativa: "Tu, Júpiter, p or teres dado o espí rito, deves receber na morte o espírito e
tu, terra, p or teres dado o corpo, deves receber o corpo. Como, porém, foi a 'cura'
quem primeiro o form ou, ele deve perte ncer à 'cura' enquanto vi- ver . Como, n o
entanto, sobre o nome há disputa , ele deve se cha mar 'homo', pois foi f eito de humus
(terra)". (Cf. HEIDEGGER, 1964, §42) 2
Cura(Sorge). Assim, o Dasein ocupa-se com os entes simplesmente dado e preocupa-se com os outros
Dasein, que como ele possuem o caráter da existência.
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Heidegger esclarece que se deparou com essa fábula em K.. Burdach, Faus t und d ie sorçe. Deutsche
Vierte l.iahressc hri ft für Li teratu rwissenschaf t und Geistes gesc hich te I (1923 ), p. 15. Burdac h mo stra que
Goethe extrai u de Herde r a fábula q ue consta com o a 2 20, das Fábulas de H igino, ten do-a traba lhado para a
seg und a pa rte de se u Fau sto..
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Mas como caracterizar o modo de ser específico do homem enquanto existente? Isso é
fundamental para elucidarmos em que medida experienciamos hoje a morte do desejo do filosofar, o
fim da filosofia e a instrumentalização da linguagem em pleno domínio planetário da técnica.
Antes de tudo, devemos entender que a existência humano é uma espécie de clareira que permite
ao mundo e as coisas desvelarem-se enquanto tais, mas que na maioria das vezes, na banalidade da
existência cotidiana, está submetida ao impessoal, ao falatório que nada diz e a inquietação fervilhante
pelo novo do mais novo – instaurando o reino da substituição incessante de tudo. Contudo, ao mesmo
tempo em que o homem é um ente finito, que mantém relação com outros entes finitos, coisas e
pessoas, ele é capaz de perceber/experienciar/pensar a unidade do ser que vigora para além da
diversidade do sendo. Nesse sentido, a existência humana, ainda que originariamente se encontre em
estado de queda [Verfallen] afundada na ditadura do impessoal, torna possível a compreensão do ser
em tudo que aparece. Anuncio inacabado, pois, o des-velar do Ser no ente, implica simultaneamente
seu velar, seu retrair-se diante de sua doação. Essa aparição paradoxal do Ser sob o binômio Luz-
sombra, velamento-desvelamento, presença-ausência tem lugar na clareira instaurada pela existência
humana. O ser se ausenta naquilo que se presentifica o ente. Mas ainda assim permanece como
condição de possibilidade de todo dar-se.
O que Heidegger nos mostra com sua analítica existencial [Cf. Ser e Tempo] é que somente a
partir das estruturas ontológicas da existência humana, podemos vislumbrar a dinâmica da estruturação
do próprio Ser. Na realidade, o homem será sempre um ainda-não que tende necessariamente a Ser.
Um ser de projeto que constantemente coloca seu próprio ser em questão. O que faz do homem uma
eterna incompletude diante de possibilidades finitas. Nesse sentido, podemos considerar que a
existência instaura um espaço onde o Ser questiona a si mesmo. Isso torna o homem uma espécie de
mensageiro do ser, que anuncia uma mensagem sem jamais finalizá-la ou compreendê-la plenamente.
Um mensageiro que muitas vezes permanece surdo ao apelo do Ser, que de seu silêncio convoca-nos
para novamente ser posto em questão.
constituído nas ocupações e preocupações cotidianas desse ser-no-mundo. Podemos inferir, portanto,
que não há mundo sem existência humana, nem existência humana sem mundo. Entretanto, esse
homem através da linguagem e do pensamento objetifica a realidade, impõe as normas e princípios da
linguagem e da lógica ao dado, tomando a si como sujeito diante de um objeto redutível à
representação. O querer reduzir tudo ao Sujeito (Subjetivismo) ou ao Objeto (Objetivismo) não
respeita o principal - o não sujeito e o não-objeto, o imponderável que permite ao homem falar e
conhecer no esquema Sujeito-Objeto. Enfim, o impensado e não dito por trás de todo pensado e dito.
A partir dessa caracterização prévia da essência humana, podemos colocar algumas, tais como:
Em que medida a teoria da informação e do controle [Cibernética] promove a instrumentalização da
linguagem mediante a radicalização do projeto matemático de natureza realizado pela ciência
moderna, propiciando assim a morte do desejo de filosofar e o fim da própria filosofia no mundo
objetivado do cálculo? Que relação essa instrumentalização da linguagem possui com a morte do
desejo de filosofar e o fim da filosofia mediante sua realização nas ciências tecnizadas? A filosofia, no
momento mesmo de seu fim, poderá demonstrar alguma eficácia para reverter ou superar o domínio
planetário da técnica e do pensamento calculador? Sim, responderia o filósofo Martin Heidegger, mas
não mais como filosofia, mas como um pensamento pós-metafísico que pensa a partir do enigma do
ser e do próprio homem para si mesmo. Um pensamento apto a assumir como tarefa pensar e dizer o
perigo que se aloja na essência da técnica.
Mas como poderia surgir uma nova forma de dizer e pensar a partir mesmo desse domínio
planetário da técnica e desse avassalador empobrecimento da linguagem operado pela ciência e
dispositivos técnico-informacionais? Tais questões exigem a elucidação do caráter da Razão e da
subjetividade que surge com Descartes e se consuma no domínio planetário da técnica, o lugar do fim
da filosofia e da instrumentalização da linguagem.
Doravante, a Ciência e a Filosofia Moderna sabem que a autoridade não repousa mais em um
princípio transcendente [Deus], mas no próprio sujeito capaz de usar metodicamente a Razão rumo às
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certezas sempre parciais. É fato que a partir da revolução copernicana [heliocentrismo], que desaloja a
terra do centro de um Cosmos finito e fechado, impõe-se novas condições para o agir e pensar do
homem. Ele tem de buscar um novo ponto fixo para sua conduta moral, política e científica, já que a
Tradição e a autoridade [Aristóteles] não satisfazem mais as novas exigências do tempo. O homem,
dirá Heidegger (1972), converte-se naquele ente no qual se fundamenta todo ente no que concerne ao
modo de ser e sua verdade. O homem converte-se em centro de referência do ente enquanto tal. Mas
isso só é possível se é transformada a concepção da totalidade do ente. (Heidegger, 1972, p. 87/81).
O que domina não é mais uma escuta e um ver que deixam as coisas serem o que são, mas um
desafio que submete a totalidade do ente e a própria linguagem ao cálculo e à planificação. Portanto, o
verdadeiro sentido da categoria de Sujeito mostra-se a partir desse processo de objetivação total do
mundo que o reduz a uma imagem - esse processo chama-se reino da Técnica (Heidegger, 1972, pp.
87-88). Esse domínio exercido sobre o mundo natural e a própria linguagem, mediante o projeto
matemático de natureza da Ciência moderna, foi consumado pela física newtoniana e sua concepção
mecanicista e determinista da natureza e do universo. Não é por acaso, portanto, que a pergunta
fundamental da ciência é como antecipar a natureza reconstruindo suas relações conforme a ordem e a
medida, de forma a poder determinar as relações necessárias entre seus fenômenos. (HEIDEGGER,
1971, p. 21). A modernidade proporia, assim, uma “Metafísica do sujeito”. O ente ao qual é endereçada a
“questão do Ser” é o Sujeito, a Consciência, enfim, um “subjectum” que decide o que é o próprio Ser. A
“experiência do Ser não é mais uma experiência que o Ser faz de si no dizer e no pensar do homem.
O fato é que com a metafísica cartesiana do sujeito pensante e a Revolução Científica do século
XVII, o homem consolida sua posição de senhor e controlador de uma natureza que se revela um
autônomo submetido a leis matemáticas. Hoje, a ciência busca reintegrar o homem no mundo que ele
descreve, procurando talvez re-encantar a natureza e devolver o mistério que cerca cada coisa em sua
simples presença. Essa nova postura certamente exige novas formas de produzir, assimilar, armazenar
e distribuir o conhecimento adquirido, não apenas através da Ciência e sua insistência sobre o
demonstrável, mas mediante uma relação realmente significativa e originária com o mundo, o que
exigiria uma nova experiência do ser, do pensar e da linguagem.
Não foi por acaso que filósofos como Heidegger, por um breve período [Reitorado em 1933 – Freiburg]
acreditaram numa certa capacidade do nazismo de criar um novo tipo de mobilização (uma terceira via entre o
comunismo e o americanismo), que harmonizasse melhor o homem às exigências da técnica moderna. Tal tarefa
impunha ao povo alemão o dever de tornar-se digno de um novo começo, que estaria na grandeza originária da
filosofia grega, além de suportar todas as consequências do veredictum de Nietzsche – “Deus está morto”. (Cf.
Heidegger, 1997;1969). Contudo, logo o filósofo percebe que também esse começo grego da filosofia estava sob
o domínio da Vontade de potência [Nietzsche] que impera na era da técnica, e que também o nazismo seria o
rosto trágico desse domínio incondicional sobre a totalidade do ente que começa com a metafísica cartesiana e
sua descoberta do sujeito.
Em meados da década de trinta, Heidegger expõe em sua obra Introdução à Metafísica [1935] as
consequências do caráter avassalador e demoníaco da Técnica na modernidade. O domínio planetário
da Técnica promoveria em nossa época o obscurecimento do mundo, processo marcado pela fuga dos
deuses (dessacralização de nossas relações com as coisas, pela destruição da terra [desertificada pelo
calculo] , a massificação do homem [Transformado em besta do trabalho] e a primazia do medíocre.
(HEIDEGGER, M. 1972). Desde o início do Século XX, observa Heidegger, a existência começou a
desligar para um mundo sem profundidade. Todas as coisas escorregam para um mesmo nível, para
uma superfície. A dimensão dominante tornou-se a da extensão e do número. Doravante, capacidade
quer dizer o exercício de uma rotina, suscetível de ser aprendida por todos, conforme certo esforço.
Essa planificação atinge sua intensificação na Rússia e Estados Unidos, onde vigora o equivalente, que
destrói toda hierarquia e todo mundo espiritual. Essa avalanche uniformizadora da técnica manifesta-se
na forma de um desvirtuamento do espírito. (HEIDEGGER M. 1969, pp. 71-72)
Partindo do pressuposto de que o fim da filosofia mediante sua dissolução nas ciências
tecnizadas se dá também como conseqüência da morte do desejo de filosofar, vamos inicialmente
tornar mais claro para nós mesmos o caráter e os elementos constitutivos do desejo de filosofar. Em
que medida esse desejo de filosofar encontra-se em perigo em nossa época. Uma época indigente, que
não pensa, mas apenas planifica e calcula. Vivenciamos, assim, o mal-estar de uma época que dificulta
uma relação mais essencial, originária e interativa com as coisas, o mundo e os outros, uma vez que
tudo se mostra em sua mera disponibilidade ao cálculo. Até mesmo o homem é visto, muitas vezes,
como uma espécie de ruído, que deve ser eliminado para uma maior otimização do sistema. Em uma
sociedade na qual as imagens hiper-realizam o real, mediante um processo de des-referenciação do
objeto e des-substancialização do sujeito, como recuperar ou salvar o desejo de filosofar?
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O pensador francês Alain Badiou em uma de suas conferências brasileiras intitulada A situação
da filosofia na contemporaneidade parte das seguintes questões: “Por que há filósofos? Como se
caracteriza o desejo de filosofia?” (Cf. BADIOU, 1994, p. 35). Na tentativa de caracterizar o desejo de
filosofar, Badiou aponta quatro condições constitutivas do mesmo: a revolta, a lógica, a universalidade
e a aposta/o risco. Como entender que o desejo de filosofar comporta e exige algo aparentemente
paradoxal, ou seja, uma certa “revolta lógica”? Revolta sim, porque a filosofia enquanto discurso
radical, rigoroso, crítico e universal sempre coloca em questão o conhecimento, os valores e ideais
instituídos. Para o filósofo muitas vezes “é melhor ser Sócrates descontente do que ser um porco
satisfeito." (Cf. BADIOU, 1994, p. 36). O fato é que a filosofia é descontente com o mundo tal como
ele é. É descontente até consigo mesma, pois tem o hábito de pensar contra si mesma. Mas essa
revolta, rebeldia da filosofia, não é uma rebeldia sem causa, uma revolta que apenas desconstrói e nega
o instituído. A revolta constitutiva do desejo de filosofar exige, por paradoxal que possa parecer, uma
lógica. É uma revolta fundada na discussão normatizada pela razão. A revolta da filosofia busca a
construção de argumentos racionais para justificar sua crítica radical. É uma revolta que erige uma lei
para si mesma balizando-se pelo bom senso e pelos princípios da racionalidade, que certamente
extrapola os limites da razão instrumental científica.
Mas o desejo de filosofar também se alimenta de uma certa tensão entre a
universalidade/necessidade pretendida pelo discurso filosófico e a idéia de acaso, de aposta, de
imponderável. Nesse sentido podemos considerar que há na filosofia um grande desejo de
universalidade, na medida em que ela se dirige a todo pensamento e a todo homem, sem exceção. “Ela
(a filosofia) não é nacional, mas internacional. Ela quer ultrapassar toda cultura particular, toda
tradição. Seu verdadeiro destino não é a sala de conferência, mas a rua, a praça pública, o mundo
inteiro...A filosofia se dá para todo pensamento; ela se dá para o príncipe e para o escravo.”
(BADIOU, 1994, p. 38)
Após essa breve caracterização dos elementos constituintes do desejo de filosofar, uma
constatação se impõe: o mundo contemporâneo, o nosso mundo afundado num pragmatismo
imediatista, é oposto ao desejo de filosofar. Ele nega e se opõe veementemente aos quatro
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componentes do desejo de filosofia. Nosso sociedade, dirá Badiou, não gosta da revolta nem da crítica.
“É um mundo que crê na gestão e na ordem natural das coisas... Ele pede a cada um para adaptar-se.
É um mundo do simples cálculo individual”. (BADIOU, 1994, p. 48). Nosso mundo é avesso à
coerência racional, está submetido à lógica de imagens e signos que simulam o real. Esse mundo das
imagens, mundo da mídia, é instantâneo e incoerente. É um mundo muito rápido e sem memória,
efêmero e fugaz. Onde a única permanência é a impermanência. Em tal mundo das imagens, é muito
difícil sustentar uma lógica do pensamento.
Outro elemento constitutivo do desejo de filosofar que perde espaço em nossa sociedade é a
universalidade, uma vez que a única universalidade que ele conhece é a do dinheiro, a universalidade
daquilo que Marx chamava de equivalente geral. Fora da universalidade do mercado e da moeda,
sustenta Badiou, cada um está encerrado em sua tribo. Cada um defende sua particularidade. Em nosso
mundo a falsa universalidade do capital é contraposta ao gueto das culturas, das classes, das raças, das
religiões. (Cf. BADIOU, 1994). Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que assistimos à globalização
das leis de mercado, emergem demandas de grupos e etnias reivindicando maior inserção social com
respeito as suas particularidades e diferenças. Ou seja, é cada vez maior a exigência de uma ética da
diversidade e singularidades que coloca em cheque a visão de homem, enquanto sujeito e razão
universal abstrata em relação a qual se pode referenciar certos imperativos,direitos e deveres, tidos
também como universais.
Por outro lado, a aposta, o acaso, o risco, o engajamento, também são negados e dissimulados
pelo mundo do cálculo, da previsão, da segurança e no qual vence o mais adaptado. Badiou considera
que vivemos em um mundo obcecado pela segurança...”... um mundo onde cada um deve, o mais cedo
possível, calcular e proteger o seu futuro. É um mundo da carreira e da repetição. Um mundo onde o
acaso é perigoso. Um mundo onde não devemos nos abandonar aos encontros.” (BADIOU, 1994, p.
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Podemos então considerar que nossa sociedade é oposta ao desejo de filosofia. Nela a filosofia
está ameaçada, não encontra direito de cidadania. A Filosofia encontra-se tão marginalizada que sua
principal questão na atualidade é saber como ela pode proteger e salvar o desejo de filosofar. Contudo,
ela não pode se esgotar num discurso que insiste em mostrar sua “utilidade” ou cair num vitimismo
fechando-se sobre si mesma. Na realidade, se a filosofia hoje tem que justificar sua existência e
necessidade, o problema não é da filosofia, mas de uma época na qual acontece a massificação e
bestialização do homem, a idolatria do Estado, a crença de que a felicidade está diretamente
relacionada à propriedade e, por fim, a morte do desejo de filosofar e de suas condições: a revolta, a
lógica, a universalidade e a aposta/o risco.
Em uma de suas Considerações Extemporâneas (Cf. NIETZSCHE 1978), Nietzsche nos alerta
de que “um tempo que sofre da assim chamada cultura geral, mas sem civilização e sem unidade de
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estilo em sua vida não saberia fazer nada de correto com a Filosofia, ainda que ela fosse proclamada
pelo gênio da verdade em pessoa nas ruas e nas feiras.” (NIETZSCHE, 1978, p. 53) De fato, não
temos uma civilização, nossas escolas e universidades formam profissionais, homens de segunda mão,
bestas do trabalho, “incompetentes sociais” (Chauí), mas não homens com estilo, com caráter e força
para fazer de sua existência um constante exercício de criação e afirmação da vida, mesmo na dor e no
sofrimento. Mas, o que vemos? Por todo lado o chamamento: adaptem-se, é a única coisa que nos resta
a fazer diante da ditadura do pensamento único neoliberal, que proclama a morte das utopias e da
consciência histórica, eternizando o presente. O fato é que em tal tempo, a filosofia apresenta-se, no
dizer de Nietzsche, como um:
“monólogo erudito de um passeador solitário, ... ou oculto segredo de gabinete reduzido a inofensiva
tagarelice entre anciãos acadêmicos. Ninguém ousa cumprir a lei da Filosofia em si mesma, ninguém vive
filosoficamente, ...Todo filosofar moderno e contemporâneo está política e policialmente limitado à
aparência erudita, por governos, igrejas, academias, costumes, moda... (Nietzsche, 1978, p. 53)
Não realidade, na sociedade do espetáculo, na qual as imagens hiper-realizam o real, a Filosofia,
a reflexão, não tem direitos. Contudo, se deixássemos a filosofia falar era poderia nos dizer:
“Povo miserável! É culpa minha se em vosso meio vagueio como uma cigana pelos campos e tenho de me
esconder e disfarçar, como se fosse eu a pecadora e vós meus juízes? Vede minha irmã - a arte. Ela está como
eu, caímos entre bárbaros e não sabemos nos salvar. Aqui nos falta, é verdade, justa causa, mas os juizes
diante dos quais encontraremos justiça tem também jurisdição sobre vós, e vos dirão: Tendes antes uma
civilização, e então ficareis sabendo o que a filosofia quer e pode.” (Nietzsche, 1978, p. 53)
Apesar das circunstâncias adversas ao desejo de filosofar, a filosofia deve preservar seu senso
crítico, sua revolta e hábito de pensar até mesmo contra si. A filosofia não pode abrir mão de seu papel
desmistificador diante das ideologias vigentes, que teimam em passar uma visão homogênea,
mascarando as contradições reais de nossa realidade.
O fato é que hoje são colocadas certas exigências à Filosofia. Há uma certa exigência de que a
filosofia seja “uma filosofia do evento, antes que da estrutura. Que a filosofia seja uma filosofia... da
singularidade universal. Quer dizer: daquilo que é, a cada vez, absolutamente singular, como um
poema, um teorema, uma paixão, uma revolução; e contudo, para o pensamento, absolutamente
universal.” (BADIOU, 1994, p. 43). A filosofia deve ainda utilizar uma língua flexível. “Uma língua
capaz tanto de citar e interpretar um poema como de citar e interpretar um axioma ou um teorema.
Uma língua que circule entre o equívoco [ambigüidade] poético e a transparência científica.”
(BADIOU, 1994, p. 44)
A filosofia deve, assim, articular uma linguagem que permita-lhe transitar pelas fórmulas
científicas e pela lógica, pelos equívocos do poema e da arte, pelo acaso do desejo e encontros e pela
política, enquanto criação de novas formas de convívio social e ruptura com a ordem estabelecida. Isso
pressupõe que a Filosofia tem que abrir mão de um conceito unívoco, universal e necessário de
verdade. A filosofia deve admitir diferentes tipos de verdades pronunciadas e legitimadas por
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diferentes narrativas, para nada sacrificar do desejo de filosofia. Contudo, a verdade está ligada a um
evento que se dá no quadrilátero determinado pela ciência (mathema), pela arte(poema), pela
revolução e pelo desejo/amor. Ela não se esgota, pois, na mera adequação do pensamento a coisa, nem
na coerência interna das proposições científicas. Ela não é um mero exercício do pensamento, ela
depende do acaso de um evento.
Em Sobre a questão da determinação da tarefa do pensar [Zur Frage nach der Bestimmung der
Sache des Denken]” (1965), Heidegger constata que o próprio pensar encontra-se em um estado de
indecisão a respeito do objeto e da tarefa que lhe concerne. Essa indecisão seria o sintoma de que o
pensar em sua forma de filosofia teria alcançado o seu fim. Esse fim decide algo a respeito do destino
da filosofia, mas não sobre o destino do próprio pensamento. É plenamente possível que no fim da
filosofia se oculte um outro inicio do pensar. (Heidegger, 1976, p.620-633).
Hoje, todas as coisas e esferas da ação humana[trabalho, cultura, política], mostram, ainda que
não seja pensada como tal, o caráter da disponibilidade de tudo sem exceção ao cálculo (Heidegger,
1976, p. 621-22). Assim, no fim da filosofia, a totalidade do ente é reduzida em fundos disponíveis
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Em relação à especificidade da relação entre Cibernética e Filosofia, muitos teóricos da Cibernética a
consideram uma legítima sucessora da filosofia. Karl Steinbuch, por exemplo, em sua obra Autômato e homem
– sobre a inteligência humana e da máquina. (1961), despreza temas tradicionais da filosofia, opondo-se à
apresentação verbal de qualquer espécie. Para esse autor na compreensão de processos mentais não são
necessárias expressões misteriosas, mas que eles possam ser remetidos a conhecidos princípios físicos e
matemáticos.
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(Bestände), em objetos que podem ser fabricados, distribuídos e reutilizados a todo o momento
conforme determinados fins. Esses objetos disponíveis não tem nenhuma consistência. A maneira
deles fazerem-se presentes é a disponibilidade. (Heidegger, 1976, GA 16, p. 622).
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Kehre - A questão do sentido e da verdade do Ser, numa primeira fase do pensamento heideggeriano,
seria elucidada a partir da temporalidade extática e finita do Dasein como ser no-mundo, cuja as
estruturas ontológicas originárias seriam elucidadas mediante a analítica existencial realizada em Sein
und Zeit (1927). A partir dos anos trinta, a hermenêutica da existência finita daria lugar a uma
hermenêutica da acontecência (historicidade) do ser em sua história. Ou seja, doravante, o ser não
seria mais compreendido a partir da compreensão finita do Dasein, mas a partir de sua historicidade
em seu acontecer histórico ao longo da metafísica ocidental.
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apreender a essência da linguagem. A relação ser – homem se constitui mediante um sinal/apelo que o
ser envia ao homem ao qual o homem responde [mediante a linguagem]. A linguagem seria assim o
advento dessa correspondência entre ser e homem, o que faz do homem essencialmente um ser falante,
já que a palavra determina sua essência.
Ora, mas na medida em que a nova ciência fundamental é a Cibernética – o domínio sobre o
saber é exercido pelas operações e modelos5 do pensamento representacional calculador.
Representações condutoras da cibernética como informação, controle, retroalimentação conduziram às
transformações cruciais em conceitos capitais das ciências, tais como: fundamento, conclusão, causa
e efeito.
“Não é necessário ser profeta para reconhecer que as modernas ciências que estão se
instalando serão, em breve, determinadas e dirigidas pela nova ciência básica que se chama
Cibernética. Esta ciência corresponde à determinação do homem como ser ligado a praxis
na sociedade. Pois ela é a teoria que permite o controle de todo planejamento possível e de
toda organização do trabalho humano. A Cibernética transforma a linguagem num meio de
troca de mensagens. (HEIDEGGER M., 1987, p. 72).
A idéia de modelo desempenha um papel fundamental nesse projeto cibernético de exercer um
pleno controle sobre o homem e as coisas. A modelização operada pela física sobre a natureza e pela
Cibernética sobre as estruturas e funções do cérebro humano têm como pressuposto a seguinte tese: só
podermos conhecer aquilo que fabricamos. A própria ciência da natureza seria orientada pela
convicção de que só podemos conhecer fazendo, ou refazendo e reconstruindo a natureza mediante
modelos lógico-matemáticos. O homem procura, assim, garantir o acesso as coisas que ele não fez
representando e simulando os processos que as levam a existência, já não mais como coisas, mas
como meros objetos.
Na conferência intitulada A coisa (Das Ding) (1950), Heidegger observa que a coisidade
(Dingheit) da coisa permanece oculta, anulada e destruída pela ciência e sua linguagem. O homem,
apesar de todo avanço técnico e da supressão de todas as distâncias, não se coloca próximo
suficientemente da coisa para interrogá-la em sua coisidade nem matem uma relação essencial com a
linguagem (Heidegger, 1954, GA 07, p. 162). No âmbito dessa supressão das grandes distâncias
operada pelos artefatos técnicos e Cibernéticos, tudo nos é igualmente próximo e igualmente distante.
Tudo é, por assim dizer, sem distância. A espacialização, a ciberespacialização, a uniformização e a
calculabilidade de todas as relações objetivadas em modelos abolem toda proximidade e toda distância.
(Cf. HEIDEGGER M., 1958, p. 162).
O mais grave é que esse processo de modelização lógico-matemática operado pela Cibernética,
ao mutilar alguns aspectos essenciais do fenômeno da linguagem, atinge a própria essência humana.
Mas como se processaria essa instrumentalização da linguagem operada pela Cibernética? Com a
Cibernética a linguagem transforma-se num mero sistema de códigos que vinculam determinada
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O modelo científico seria uma certa idealidade formalizada e matematizada que sintetiza um sistema de relações entre
elementos cuja identidade e natureza são irrelevantes e que podem ser trocados, substituídos por outros elementos
análogos sem que o modelo seja alterado.
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Num texto de 1962 intitulado Linguagem tradicional e Linguagem técnica (Überlieferte Sprache
und technische Sprache), Heidegger contrapõe sua concepção de Linguagem ao processo de
tecnização da linguagem operada pela Cibernética. O filósofo parte da concepção corrente da
Linguagem que diz que a Língua é uma visão de mundo e um simples instrumento de troca e de
comunicação. Essa concepção de que a Língua é um mero instrumento ou meio vê-se "reforçada" pela
dominação da Técnica moderna que justifica uma concepção Cibernética de linguagem, enquanto
fluxo de mensagens em organismos e máquinas. Isso implica, segundo Heidegger, que "a linguagem é
informação". E a informação é a linguagem (da) técnica. (Heidegger, 1989, GA 80, p.33).
Mas em que a "linguagem técnica" se distingue do que é próprio da Linguagem, que é o “falar do
homem"? Falar, observa Heidegger, é "dizer". Pode-se falar sem dizer nada, enquanto há silêncios que
dizem tudo. Dizer é um "mostrar". Mostrar é "...fazer ver e entender qualquer coisa, levar uma coisa
a aparecer" (Heidegger, 1989, p.34). E o homem não pode verdadeiramente dizer senão aquilo que de
si próprio aparece, se manifesta e a ele se dirige, fazendo com que na linguagem aconteça o
desvelamento e a revelação originaria do próprio Ser. Nesse sentido, a Linguagem não seria apenas a
expressão secundária desse desvelamento das coisas em signos verbais ou códigos. Ela é o desvelar
mesmo. Onde não existe linguagem, afirma Heidegger, como na pedra, na planta e no animal, ali não
existe a patência do ser, nem tampouco o não ser ou o nada. Somente onde acontece linguagem
predomina e impera um mundo (Heidegger, 1976, p. 318). As palavras e a linguagem, afirma
Heidegger, não constituem cápsulas, em que as coisas empacotam-se para o comércio de quem fala ou
escreve. É na palavra e na linguagem que as coisas chegam a ser e são (HEIDEGGER M. 1987, p. 42).
A Cibernética, por seu lado, reduz o mostrar do dizer a um oferecer sinais. "O sinal torna-se
então uma mensagem e uma instrução acerca de uma coisa que, em si mesma, não se mostra.”
(Heidegger, 1989, p. 35).Todo o sinal exige que, previamente, se convencione o que significa enquanto
sinal: Isso faz da linguagem algo abstrato no interior das máquinas Cibernéticas, sejam elas biológicas
ou mecânicas. Para Heidegger, o ponto decisivo dessa transformação reside no seguinte:
"...são as possibilidades técnicas da máquina que prescrevem como é que a linguagem
pode e deve ainda ser língua. (...) A natureza dos programas que podem servir de entradas
para o computador, entradas com as quais podemos, como se diz, alimentá-lo, regula-se
sobre o tipo de funcionamento da máquina. O modo da linguagem é determinado pela
técnica." (HEIDEGGER M. 1989, p. 36/37)
Essa transformação cibernética da linguagem em língua técnica, em linguagem de máquina, é a
agressão "mais violenta e mais perigosa" contra o que é próprio da língua, que reside no dizer. E na
medida em que a relação do homem com o ente, com o ser do ente e com ele próprio repousa no dizer,
essa agressão torna-se "uma ameaça contra a essência própria do homem e das coisas", transformadas
em pura informação.
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Nobert Wiener, um dos pioneiros da Cibernética, sustenta que não somos substâncias pensantes
ou seres existentes no e para o mundo, simplesmente aí... mas padrões homeostáticos que se
perpetuam a si mesmos (Cf. Wiener, 1950). Até onde vai a palavra e o poder do homem, vai também
seu domínio e sua existência física. Entretanto, o que não se pensa é que esse domínio não é
propriamente humano, mas de uma vontade [vontade de vontade = vontade de potência] que subjuga o
homem e o reduz também à condição de matéria prima.
Um pensamento apto a ultrapassar o domínio planetário da técnica deve perguntar: quais seriam
o solo e o fundamento para um arraigo vindouro do homem na terra inóspita do cálculo? Assim, o que
tal pensar busca é o mais próximo. Entretanto, para nós, homens de uma época que aboliu todas as
distâncias, o caminho ao mais próximo é sempre o mais árduo. Difícil para nós saber que o
pensamento fundamental é aquele cujos pensamentos não apenas calculam, mas são determinados
pelo outro do ente, ou seja, o próprio Ser.
No pensar originário, o Ser tem acesso à sua morada – a Linguagem, a casa do Ser onde mora o
homem. Pensadores e Poetas são os guardiões desta habitação. Nessa guarda eles consumam a
manifestação do Ser, na medida em que pensam e dizem o que o Ser lhes enviou. (HEIDEGGER M.,
Carta sobre o Humanismo, 1987, p. 149). Entretanto, uma autêntica experiência da essência desse
pensar originário, que implicaria em sua própria realização, exigiria nossa libertação da interpretação
técnica do pensar e da linguagem que remete a Platão e Aristóteles. Neles, segundo Heidegger, não é
mais o Ser que determina o dizer e o pensar, ao contrário, doravante, são as leis do pensar (Principio de
identidade, Não-contradição e da Razão Suficiente) e as regras da gramática que determinam o que é o
Ser, concebido como causa e fundamento do ente. O próprio pensar é tido, ali, como uma tékhne, o
processo da reflexão é posto a serviço do fazer e do operar (HEIDEGGER M. , Carta sobre o
Humanismo, 1987, p. 149 ).
Antes de falar o homem deve aprender a escutar o apelo do Ser, escutando o pensamento pensa e
percebe que pouco lhe resta a dizer. Somente assim, afirma Heidegger, será devolvido à palavra o
valor de sua essência e o homem será gratificado com a devolução da habitação para residir na verdade
do Ser.
Esse pensar originário aproxima-se das coisas não através do olhar objetivante que abole
qualquer distância ou proximidade no espaço puro da geometria. Esse pensar sabe que tudo que é
presente traz em si uma certa reserva, uma vez que a Clareira (Lichtung) em que está o existente é em
si mesma também ocultação, que se oculta e dissimula a si mesma. É justamente ao tentar experienciar
esse jogo de retraimento do Ser, que se dissimula e oculta seu próprio retraimento naquilo que se
presentifica (o ente), que o pensar originário consuma a relação do Ser com a essência do homem. E
somente mostrando isso que se retira e se subtrai, nós conseguiremos ser nós mesmos. Nesse
movimento em direção àquilo que se retira, o homem é aquele que mostra, que aponta em direção
daquilo que se retira, sem contudo anunciar isso que se retira, mas apenas o retraimento em si mesmo.
(HEIDEGGER M. Holzweg, , 1972, p.132).
O fato é que uma época indigente como a nossa, que se compraz em sua própria indigência,
precisa de mais pensamento e menos filosofia. Um pensamento que não seja mais Filosofia e que
pense mais originariamente, recolhendo a linguagem para junto do simples dizer. Nesse sentido, dirá
Heidegger: “A única tarefa do pensar é trazer à linguagem, sempre novamente, este advento do Ser
que permanece e em seu permanecer espera pelo homem. Por isso, os pensadores essenciais dizem
sempre o mesmo.” (HEIDEGGER M., Carta sobre o Humanismo, 1987, p. 174).
Em último caso, cabe a nós decidir se da noite desse tempo de penúria e indigência surgirá uma
nova aurora do pensamento do Ser. Enquanto isso, o “deserto cresce...”
CONCLUSÃO
Devemos reconhecer que no mundo de hoje não podemos mais renunciar à técnica e à ciência
moderna. Num certo sentido, o projeto baconiano do conhecimento como um poder exercido sobre a
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natureza é ainda indispensável. Por outro lado, esse projeto representa um perigo para a essência do
homem que não poderá ser combatido por meios meramente humanos.
Entretanto, agora sabemos que o mítico demônio laplaciano onisciente, que se dizia ser capaz de
calcular o passado e futuro a partir de uma descrição pura, está morto. Encontramo-nos num mundo
essencialmente aleatório, onde a reversibilidade e o determinismo são exceções e a irreversibilidade e
a indeterminação microscópica é a regra. Não temos mais o direito de afirmar que o único objetivo da
ciência seja a descoberta do mundo a partir do ponto de vista exterior de uma inteligência pura.
Hoje a ciência reconhece que deve se preocupar mais com o mundo da vida do qual se afastou
buscando uma objetividade pura. Não estamos mais no tempo em que o Universo era concebido como
uma máquina na qual o homem se descobria como estranho, apesar da ilusão de possuí-lo. Enfim, a
natureza que a ciência procura manter um certo diálogo não é mais aquela descrita a partir de uma
idéia de tempo homogêneo, contínuo, reversível e repetitivo. Doravante, exploramos uma natureza re-
encantada, de estruturas complexas e em desequilíbrio que nos fazem pensar na coexistência de
tempos irredutivelmente diferentes e articulados, onde se articulam a necessidade e o acaso.
(PRIGOGINE, 2002)
Bibliografia
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HEIDEGGER, Martin. Holzwege. 5 Aufl. Frankfurt: V. Klostermann, 1972.
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. Essais et Conférences. Trad. A . Preau. Paris: Gallimard, 1958.
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. O fim da Filosofia e a tarefa do pensamento. São Paulo: Abril Cultural, 1987.
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NUNES, Benedito. Passagem ao Poético. Filosofia e Poesia em Heidegger. São Paulo: Ática, 1992.
PRIGOGINE, Illya. A Nova Aliança. Bsb: Ed. UnB, 2002.
RORTY, R. “Ensaios sobre Heidegger e outros pensadores contemporáneos.” Ensaios filosóficos 2. Ed. Paidós, 1993, p.
79-99.