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AUTORITARISMO CIVIL E RESSEGURO

O Governo é civil, mas ainda assim insiste que, onde a lei e a Constituição atrapalham sua
gestão, não merecem o menor respeito. Isto parece estar virando a regra no setor de seguros,
ao menos quando o socorro é para proteger os pretensos amigos do estado (com minúscula
mesmo). É o que transparece com a edição da Resolução CNSP 232, de 25 de março corrente.
Com essa resolução, o Ministro da Fazenda, atuando isoladamente, sem prévia consulta aos
demais membros do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), acaba de acrescentar
mais um triste capítulo na ópera bufa iniciada com a edição, na calada da noite, sem prévia
audiência pública, das Resoluções CNSP 224 e 225 de 6 de dezembro passado.

Por meio destas resoluções, três atentados haviam sido cometidos contra a ordem republicana.
A primeira deles determinou que seguradoras e resseguradoras brasileiras já não poderiam
mais contratar resseguro ou retrocessão de resseguro com “empresas ligadas ou pertencentes
ao mesmo conglomerado financeiro sediadas no exterior”. Esta restrição nunca constou da
legislação e introduziu norma que, à luz da Constituição, só poderia ser veiculada por lei formal,
emanada do Congresso Nacional, como, aliás, já havia advertido a própria Advocacia-Geral da
União, em parecer que recebeu aprovação presidencial, e envolveu uma outra resolução
xenófoba e discriminatória também do CNSP.

A segunda resolução também apresenta esse vício de origem. Ela, por um lado, obrigou as
seguradoras brasileiras a contratarem com resseguradora local pelo menos 40% de cada
cessão de resseguro, quando a legislação falava apenas em oferta preferencial de 40% ao
mercado nacional de resseguro, permitindo, por outro lado, que os contratos de resseguro
trouxessem, em favor do ressegurador local, a chamada cláusula de controle de sinistro. Ou
seja, admitiu que a regulação do sinistro (a tomada de decisão quanto ao pagamento de um
sinistro e quanto ao valor da indenização securitária) – um dever da seguradora perante seus
segurados – passasse à alçada do ressegurador, isto é, de um terceiro com quem o segurado
não mantém relação alguma e, portanto, de quem a princípio o segurado nada pode exigir.

Na mesma senda autoritária, só que agora como fruto isolado do Ministro da Fazenda, sem
estar acompanhado dos seus pares no CNSP, vale dizer, sob as barbas do Ministro da Justiça,
do Ministro da Previdência Social, do Presidente do Banco Central do Brasil, da Presidenta da
Comissão de Valores Mobiliários, e ainda sob as barbas do próprio Superintendente da
Superintendência de Seguros Privados, a novel Resolução 232 veio para revogar a Resolução
224. Mas não para simplesmente revogá-la, e sim para, infelizmente, veicular outras regras,
igualmente inconstitucionais, escancarando de vez um lamentável desprezo pelo mercado de
seguros – um mercado que não existe sem segurados, os principais prejudicados por esse
recrudescimento autoritário.

A resolução permite que a seguradora e o ressegurador local cedam até 20% dos negócios a
empresas do mesmo “conglomerado financeiro”. A lei que estaria sendo regulamentada,
entretanto, não trouxe restrição alguma e, por conseguinte, ao proibir ou limitar o exercício da
atividade empresarial, de um modo ou de outro o Ministro da Fazenda está usurpando poder do
Congresso Nacional. Pouco importa, do mesmo modo, que a resolução tenha, ao mesmo
tempo, ressalvado algumas modalidades de seguro da sua aplicação, pois quem não pode o
mais, não pode o menos.

Além disso, para escamotear seu apontado xenofobismo, a resolução conseguiu a proeza de
inovar não só o direito, mandando às favas o Congresso Nacional, mas de inventar um novo e
inútil e monstrengo conceito: a participação de 10% do capital de uma pessoa jurídica por
outra, ou o controle de fato da empresa por outra de mesma “marca” ou nome comercial,
bastam para que se possa falar em “conglomerado financeiro” e, assim, identificar ligações
perigosas com o mercado internacional...
Ou seja, se antes se discriminava o capital estrangeiro (o que só a lei em sentido formal
poderia fazer), agora se opera, para ser breve, uma discriminação em favor das seguradoras e
resseguradoras com mais de 90% do controle acionário em mãos de pessoa física, ou que
tremulem bandeira própria, sem remota participação acionária ou influência alienígena. E no
meio dessas trapalhadas regulamentares todas, tanto mais agora que o Governo atendeu em
parte aos interesses dos seguradores com participação acionária estrangeira – as quais,
embora com estrutura mais enxuta, começavam a competir de igual para igual com as
seguradoras brasileiras controladas pelos grandes bancos brasileiros (os mesmos que, a cada
semestre, batem recordes de lucro líquido), padece o segurado. Padece o próprio país.

Diversos seguros, de massa e de grande risco, serão invariavelmente afetados pelas


resoluções, que entrarão em vigor a partir deste dia 31 de março. Tanto os contratos de
resseguro automático, de que se valem as seguradoras para capacitarem-se à subscrição de
riscos de massa, quanto os contratos de resseguro facultativo, normalmente empregados para
a subscrição de grandes riscos, como grandes projetos de infraestrutura, como portos,
aeroportos, Copa do Mundo, Olimpíadas, Trem-Bala etc. ficarão desnecessariamente mais
caros.

O Governo, em resumo, está na prática impondo um novo intermediário na estruturação das


operações de resseguro, o IRB Brasil Resseguros S.A., que antes detinha o monopólio do
resseguro no país e que, após a abertura, está perdendo mercado antes de tudo por sua
própria ineficiência, pela má qualidade dos contratos que pratica e pelas desastradas
regulações de sinistro que empreende. Está assegurando ao IRB, por assim dizer, uma
“comissão extraordinária”, pois ele não tem capacidade para conservar no país os riscos que,
mais cedo ou mais tarde, terão de ser pulverizados no mercado internacional, sob pena de
frear o desenvolvimento econômico e social do país. Mas quem pagará a conta serão
segurados brasileiros. Nossos seguros serão ainda mais caros.

Mais incrível do que isto, porém, é que o Ministério da Fazenda vem perpetrando as
ilegalidades e inconstitucionalidades referidas de maneira sorrateira, às escondidas, sem
motivar seus atos. Consta que assim o faz para estancar uma suposta evasão de divisas para
fora do país, que se valeria do fato de a lei ter admitido o resseguro e a retrocessão para
seguradoras e resseguradoras de capital estrangeiro autorizadas ou credenciadas a operar no
país. Contra uma suposta ilegalidade, em outros termos, perpetra uma ilegalidade concreta,
além da ofensa à Constituição e aos princípios da supremacia e da reserva de lei.

Enfim, está-se diante de mais um rematado absurdo, no que diz respeito à triste estória do
resseguro no Brasil, que volta agora ao cartorialismo, triste história essa que fica ainda pior
quando se observa que o Ministério da Fazenda, através da SUSEP, deveria, isto sim,
processar a competente representação contra os supostos infratores, em vez de discriminar
empresas brasileiras e operações legítimas, para beneficiar um órgão anacrônico, capitaneado
por um ex-integrante do próprio Ministério. Se havia, como ainda há, meios legais de coibir a
suposta evasão de divisas, por que se omitir do dever legal de apurar as infrações e editar
resoluções que, curiosamente, favorecem um determinado ressegurador local?

Esta é a Pasárgada de quem?

Paulo Luiz de Toledo Piza


Advogado

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