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Ragner Rodrigues Gomes Morais

MÁSCARA DE SANGUE

1ª Edição

Edição do Autor
2010
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Agradeço a Deus primeiramente;


À Linda Minha, por acompanhar diariamente a
história;
Caro Daniel, pela dica privilegiada e pela orelha
do livro;
Patrícia, por iniciar uma revisão;
Bianca (“Amor da minha vida”, piada interna),
por ser a 1ª a tentar passar pro PC;
Paulo Roberto, pela excelente capa;
Agradeço também à Rachel Kopit, pela
oportunidade de observar a obra e ao meu
caríssimo camarada Prof.: João Henrique Rettore
Totaro, pela revisão inestimável.

Dedico à Pai (que agora me vigia do céu), Mãe e


minhas Irmãs.
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Aquilo que não me mata, me fortalece - Nietzsche


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5

UM
Século XV
A noite estava extraordinariamente escura.
A lua cheia não conseguia iluminar nada naquela
região. Chovia de forma torrencial por toda a
Romênia, mas a área mais castigada pela chuva era
a Transilvânia – Região central da Romênia,
cercada pelas montanhas dos Cárpatos.
O castelo de Vlad Tepes – Conde Drácula –
estava cercado por aldeões revoltados e
extremamente assustados. Comandados por Van
Helsing, aglomeravam-se para acabar de uma vez
por todas com o reinado de terror imposto pelo
conde sanguinário.
De uma de suas torres, a mais alta e
sombria, Drácula observava a massa de aldeões
que se formava nos arredores de suas terras.
Desceu as escadas, calmamente, e foi até seu salão
de armas, pegou uma espada (com a qual matou
centenas de pessoas), e foi para fora do castelo,
parou de frente para o imenso portão que o
separava dos camponeses enraivecidos e
aguardou. Ele sabia que não conseguiria enfrentá-
los sozinho, sabia que, por mais poder que tivesse,
a vantagem numérica contra ele era absurdamente
superior, e sabia também que seus inimigos não
desistiriam por nada, até matá-lo. Sabia que era
seu último momento de existência. Mesmo sendo
imortal, encontrariam uma maneira de exterminá-
lo. Manteve o gelo que percorria suas veias. Os
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rangidos nos portões não o amedrontavam. Os


barulhos ensurdecedores dos trovões e as
investidas contra seus muros e portões não
interferiam em sua serenidade. Utilizou seus
poderes telepáticos e invocou uma matilha de
lobos. Três lindas vampiras (há pelo menos 50
anos, Drácula seqüestrou três jovens virgens de
diferentes povoados, uma ruiva, uma loura e uma
morena, todas muito claras: a morena, em especial,
parecia uma gueixa - as concubinas orientais - de
tão branca; elas foram transformadas uma semana
depois de serem seqüestradas e de ficarem presas
num calabouço fétido e úmido; com o tempo,
foram esquecidas, era como se nunca tivessem
existido, e até seus pais perderam a esperança de
poder reencontrá-las) apareceram a seu lado,
juntamente com escravos transformados em
zumbis. O fim estava cada vez mais próximo, mas
ele levaria consigo o máximo possível de pessoas
para o inferno e Van Helsing seria seu principal
alvo.
Ele ainda tinha um plano.
A queda do portão aconteceria em questão
de segundos, agora. Junto com o som dos aríetes e
dos lobos que, ora uivavam, ora rosnavam, gritos
de euforia e horror se tornavam mais altos e a
tempestade ficava ainda mais forte. O lamaçal
provocado pela torrente fazia com que as pessoas
escorregassem, muitas se machucavam caindo no
chão ou batendo contra os muros, mas mesmo
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assim, a fúria contra o Conde era maior, e não


desistiram da investida contra os portões.
Um estrondo ecoa pela noite, os aldeões
correm para dentro do castelo sem se importarem
com o que estivesse a sua frente. Sangue e lama se
misturavam com a água da chuva. Cabeças de
gente se chocavam com cabeças de lobos. A última
batalha começara.
As vampiras rasgavam, sem qualquer
piedade, pescoços a mordidas, elas lutavam
enlouquecidas, cada uma conseguia matar até
quatro pessoas de uma investida só, mas com o
tempo foram mortas, com os peitos dilacerados
por estacas e depois decapitadas.
A loucura que se seguia era descomunal. A
barbárie era proporcional ao ódio que cada grupo
sentia pelo outro. Drácula matava com uma
ferocidade nunca vista antes, seus inimigos
tombavam ao seu lado sem reação aos seus golpes.
Como um guerreiro sanguinário, ele se
banqueteava com o sangue que jorrava a sua
frente. Ele se viu cercado por 20 aldeões, mas
conseguiu matar a todos com sua espada e com
mordidas. Com a boca ensopada de sangue, ele
grita de prazer. O sangue alimentava ainda mais
sua força e saciava sua sede. Sua fúria parecia não
ter limite. Com os olhos em chamas, ele procura
por Van Helsing, e cada pessoa que encontrava
pela frente era assassinada violentamente, cortada
ao meio ou decapitada.
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Os lobos aos poucos foram exterminados,


os zumbis também. Os aldeões que ainda restavam
rodearam Drácula. Van Helsing aparece no meio
da multidão todo ensangüentado. Joga aos pés do
conde a cabeça de um zumbi, olha para ele e
segura uma estaca em cada mão. Os dois se
encaram e rapidamente se atacam. Drácula
consegue morder o pescoço de Van Helsing, que
também consegue acertá-lo, cravando-lhe as duas
estacas no peito.

DOIS
Século XXI

AAAAAAHHHHHHHH!!!!!!!!!!!!!
Um grito ecoa pela noite de lua crescente,
em um pequeno vilarejo nos arredores de
Bangkok. Enquanto isso, do outro lado do mundo,
mais precisamente no Brasil, um jovem arqueólogo
chamado Dionísio navega pela Internet,
pesquisando sites sobre Krav Magá (uma luta
israelense). Dionísio tem 30 anos, 1,80m, 75kg bem
distribuídos por anos de prática em artes marciais
(é mestre em Kung Fu, Muay Thai, Aikidô e Tai
Chi Chuan, possui um grande acervo de vídeos,
revistas e pastas sobre tais assuntos), adepto ao
montanhismo e pára-quedismo, praticante de
Highliner (corda bamba em lugares altos), Parkour
e skate, possui a pele morena, cabelos negros
cortados em estilo surfista (hábito que mantêm
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desde os 15 anos) e duas tattos (um tubarão tribal


na panturrilha esquerda, um curinga com o lema
da revolução francesa – Liberte, Egalite, Fraternite
– no tríceps do braço direito.
Um e-mail acaba de chegar com o seguinte
assunto: “Encontramos uma máscara”. Com a
mensagem: “Encontramos uma máscara e acreditamos
que é a que o senhor está procurando”. Uma foto
estava anexada. Ao visualizá-la, uma expressão de
contentamento, seguida de outra de preocupação e
horror se forma em seu rosto.
Imediatamente Dionísio coloca algumas
roupas em uma pequena bolsa de viagem, liga
para o aeroporto e consegue uma passagem para
Nova Deli. Ele vai se encontrar com seu ex-
professor de história medieval e moderna do Leste
europeu e dos Bálcãs - e também seu maior
fornecedor em artefatos arqueológicos -, que
atualmente mora na capital indiana.
Chegando à Índia, Aurélio já o aguardava
no aeroporto.
- Precisamos ir depressa para a Tailândia.
- Como foi de viagem? Como você está? Há
quanto tempo não nos vemos?
- Desculpe-me minha falta de educação
momentânea – Dionísio abraça Aurélio e os dois
sorriem.
- Desculpado. – os dois andam pelo saguão
do aeroporto. – Os vôos internacionais não são
assim fáceis de conseguir tão rápido por aqui.
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- Estou por dentro. Tentei uma passagem


direta com ponte aérea aqui, mas consegui apenas
uma passagem para cá, já que tinha intenção de
chamá-lo para viajar comigo, e agora é tentar
conseguir passagens aqui.
- Eu já acertei isso, e nosso vôo sairá em
duas horas.
- Duas horas? Vai demorar!...
- Você está mesmo com pressa!
- Você também vai ficar, depois que eu lhe
contar tudo...
Dionísio e Aurélio vão até um restaurante
próximo. Cada um pede um refrigerante e se
sentam em uma mesa na calçada.
- O que de tão importante ou incrível te
trouxe até aqui?
- A máscara.
- Que máscara?
- Vou tentar com maior dramaticidade: -
Dionísio se aproxima de Aurélio, cerra um pouco
as sobrancelhas e o encara. - A máscara.
Como se um raio tivesse passado pelo
corpo de Aurélio, ele entende.
- O quê?! – Aurélio se levanta da cadeira e
coloca as mãos na boca – Você está dizendo que
encontrou a Máscara da Morte?!?
- Uma das expedições em Bangkok, que eu
supervisionava, encontrou a máscara.
- Você encontrou a Máscara da Morte?!
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- Sim. – Dionísio segura o braço do


companheiro e pede para que ele se sente. – Em
uma de suas aulas, você disse que ela tinha o
poder de transformar em vampiro qualquer pessoa
que a usasse.
- Exato! Com todos os poderes que as
lendas vampíricas podem reservar! As fraquezas
também estão incluídas. A máscara é um conto
popular, uma lenda... Nunca imaginei que existisse
de verdade e muito menos que alguém poderia
encontrá-la!... – Ele se debruça na mesa e se
aproxima de Dionísio: – Vampiros não existem.
- Uma parte de mim sempre acreditou, e
parece, agora, que você está equivocado: ela existe,
não é apenas uma lenda. Há alguns meses, eu
estava na Tailândia e encontrei uma espada com
uma inscrição em romeno: “DRÁCULA” (filho do
dragão). Em meus registros, durante a última
batalha entre Van Helsing e Vlad Tepes, os dois
morreram. Vlad teve seu corpo enviado para
algum lugar distante, onde nunca mais seria
encontrado, mas existe também a idéia de que seu
corpo teria sido esquartejado. Como tinha
encontrado a espada, pensei em começar uma
busca pelos seus restos.
- Em momento algum, não pensou que
seria melhor deixar o que estava perdido continuar
perdido?
- Esse é nosso dever: encontrar o que está
perdido.
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- Eu sei, mas não achou que, nesse caso,


especificamente, poderia abrir uma exceção?
- Fiquei entusiasmado e não pensei no
perigo que isso representava.
- A máscara, já que existe, dará poderes
sobrenaturais àquele que a usar. Com um corpo
humano, um corpo vivo, o vampiro teria seus
poderes, já surpreendentes, aumentados
substancialmente a um nível inimaginável. Sua
normal sede de sangue é para se manter existindo,
para manter sua força, pois seu corpo é fraco; como
o transformado está vivo, já possui um corpo forte,
o sangue passaria a dar-lhe mais força, e seus
poderes seriam grandiosos.
- Assim você me assusta! Então, se ela cair
nas mãos de um louco, o mundo poderia não ser
um local seguro...
- A não ser que a destruíssemos.
- E se alguém a usasse?
- Somente um ser humano sem medo da
morte conseguiria destruir o vampiro.
- Ser humano sem medo? Parece revista em
quadrinhos do Demolidor!
Os dois se olham e sorriem.
- Criaturas das trevas pressentem o medo,
fortalecendo-se ainda mais, e isso também se aplica
à máscara. Um ser humano sem medo da morte
faria com que a criatura sentisse medo dele.
Entende?
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- Sim. Rezemos então para que ela não seja


usada para isso. Teremos que destruí-la quando
chegarmos lá!
- Você não deveria tê-la procurado.
- Eu sei...
Os dois voltam para o aeroporto e seguem
para a Tailândia.

TRÊS

Três horas atrás, no Japão, Irina Minarovna,


modelo russa e namorada de Dionísio, gravava um
comercial para um canal da televisão japonesa.
Recrutada pelo serviço secreto russo - na
época, soviético - quando ainda era jovem, é uma
espiã experiente (nem mesmo Dionísio sabe dessa
sua outra vida). Nascida em 02 de julho de 1972
em Ulyanovsk, às margens do Volga, mudou-se
para Berlim quando completou quatro anos de
idade. Viajou por toda Europa com os pais, um
diplomata alemão e uma enfermeira russa, e fala
fluentemente seis idiomas: russo, alemão, inglês,
mandarim, espanhol e português. Aos dezesseis
anos, começou sua carreira de modelo em Madri, e
aos dezenove, seus pais foram assassinados
violentamente por um delinqüente que estava
alcoolizado e drogado. Durante essa época,
começou a estudar Direito e mostrou-se
extremamente disposta a levar o culpado a
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julgamento, mas ao ver que as leis se mostravam


muito clementes, aprendeu a atirar, conseguiu
porte de armas e aprendeu defesa pessoal.
Arquitetou então um plano para fazer justiça
contra aquele que destruiu parte de sua vida,
quando um oficial do exército russo apareceu em
seu caminho: não deixou que ela tirasse a vida do
assassino, mas julgou-o e o executou na frente dela
e então a recrutou para servir a seu país.
Irina recebe uma mensagem de um
informante que está na Tailândia: “Uma máscara foi
encontrada, e acreditamos que possa ser a que a
camarada está procurando”. Ela entra em contato
com seus superiores, negocia com seus produtores
uma possível pausa e adiamento na finalização das
gravações e vai para Bangkok.

Dionísio e Aurélio também chegam a


Bangkok e hospedam-se em um hotel nos
subúrbios da cidade; Dionísio envia
imediatamente uma mensagem para que seus
arqueólogos o encontrem no hotel. Como a viagem
foi longa e a comida no avião não era muito
interessante, eles saem para almoçar em um
restaurante próximo.
- Estou muito ansioso para vê-la! – disse
Dionísio.
- Eu não estou nem um pouco, e lembre-se:
quando a tivermos em mãos, vamos destruí-la!
15

- Eu não vou me esquecer disso, pode ter


certeza.
Nesse exato momento, Irina chega ao
aeroporto e se encontra com um de seus
informantes.
- Bom te ver, Dimitri! Onde está a máscara?
- Micael a roubou.
- Como assim? O que você quer dizer com
isso?
- Fomos traídos. Micael está com ela.
- Temos que encontrá-lo urgentemente; se
ele a usar, teremos sérios problemas! – Os dois
saem do aeroporto e entram num táxi. – Já fez
reservas no hotel?
- Já está tudo arrumado.
- Vamos almoçar primeiro, porque estou
faminta; aí você me conta tudo o que tem
acontecido. Conhece algum restaurante bom por
aqui?
- Sim, camarada Irina.
Dionísio e Aurélio sentam-se a uma mesa
de canto no restaurante, pedem comida e
conversam sobre o tempo durante o qual não se
viram.
- O que você tem feito na Índia?
- Desde que saí do Brasil, viajei por vários
lugares pelo mundo. Em uma dessas viagens, tive
que parar em Nova Deli, pois o avião teve que
fazer uma escala na cidade para abastecimento.
Nunca mais sai de lá. Apaixonei-me pelo povo,
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converti-me ao Budismo, que é a segunda maior


religião do país - atrás do Hinduísmo -, e comecei a
lecionar história em uma escola para crianças
carentes. A maioria da população é desprovida de
educação, não cobro para ensinar, escrevo livros e
é assim que me mantenho, assim que pago minhas
contas.
- É difícil viver como escritor num país
como a Índia?
- Em parte, sim. Nossa visão da Índia é um
pouco distorcida. O povo não é de todo carente,
pobre, existem também lugares prósperos e
pessoas abastadas, existe o povo que tem
educação, mas tudo isso é mal distribuído, existe
muita desigualdade devido à diferenciação exigida
pelas castas. A comercialização da maioria de
meus livros está mais voltada para o mercado
internacional. Vivo muito bem para os padrões
indianos.
Nesse exato momento, Irina e Dimitri
entram no restaurante e Aurélio os vê.
- Aquela é Irina?!
Dionísio se vira ao mesmo tempo em que
Irina olha para ele. Os dois se encaram por alguns
segundos, seus corações batem mais forte, mas
nenhum dos dois esboça reação. Aurélio, ao
perceber o estarrecimento dos dois, dá uma tossida
forte, que faz Dionísio acordar e Irina reagir
também, quebrando assim a paralisia dos dois.
17

Dionísio se levanta e Irina vai ao encontro dos


dois, deixando seu companheiro parado na porta.
- Senti muito a sua falta!... – Dionísio segura as
mãos de Irina. – Pensei em você todos os dias
nesses quatro meses!
- Foram quatro meses difíceis para mim
também, mesmo conversando contigo toda semana
por telefone!...
Os dois se olharam por mais alguns
segundos e se abraçaram.
- O que você faz em Bangkok?
- Estamos fotografando para uma revista
local.
- Por favor, não fiquem de pé assim, sente-
se, almoce conosco! – disse Aurélio.
- Claro! – Irina chama Dimitri para perto
deles e o apresenta: – Este é meu produtor,
maquiador, roupeiro, enfim, é meu faz-tudo.
- Prazer, senhor?... – Dionísio pergunta.
- Senhor, não, somente Dimitri. É um
prazer conhecê-los. Irina falava muito de você.
- Isso é bom! – Dionísio sorri para Irina, que
o retribui.
Os quatro almoçam, Dionísio e Irina
conversam sobre tudo o que fizeram durante o
tempo em que estiveram separados.
- Venha conosco para o hotel em que
estamos hospedados. Quero que fique comigo!
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- Vou até o hotel em que Dimitri nos


registrou, pego minhas coisas e me encontro com
vocês depois.
- Encontre-nos neste endereço. – Dionísio
escreve o endereço do hotel num guardanapo e o
entrega a ela.
- Tudo bem, vejo vocês mais tarde! – Irina
abraça Dionísio e os dois se beijam. – Te amo.
- Idem.
Irina e Dimitri esperam os dois saírem do
restaurante.
- Parece que eles ainda não sabem que a
máscara foi roubada.
- Por que acredita nisso?
- Dionísio está muito tranqüilo, como se
nada tivesse acontecido.
- Você o conhece tanto assim?
- Pode ter certeza! Vá para o local das
escavações e me mantenha informada de tudo o
que acontecer.
Ao chegar ao hotel, Dionísio se encontra
com um dos arqueólogos de sua equipe e fica
sabendo que a máscara foi roubada. Sua primeira
reação foi de tensão e de arrependimento; Aurélio
tenta acalmá-lo, mas percebe que nada que fizer
pode deixar seu amigo menos agitado.
Minutos depois, Irina chega ao hotel, sobe
até o quarto onde está Dionísio e percebe que ele
acabou de saber sobre o roubo da máscara.
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- Ainda bem que chegou. Lembra-se de que


lhe falei sobre minha escavação aqui na Tailândia?
- Sim, você me contou sobre isso, um mês
antes de eu ir para o Japão.
- Pois então: a máscara que eu procurava –
Dionísio vai até a janela e se debruça no parapeito
– foi roubada! – ele se vira para Irina. – Não sei o
que fazer agora!...
- Vamos dar uma volta. Já está anoitecendo,
vamos tentar colocar os pensamentos em ordem.
Quem sabe, assim, não fica mais fácil você
encontrar uma forma de resolver esse assunto?
- Não estamos envolvidos num roubo
comum; não podemos simplesmente ir a uma
delegacia, dar queixa, precisamos mesmo pensar! –
diz Aurélio, e Dionísio sai com Irina.

QUATRO

A lua aparece cheia, Dionísio e Irina


caminham de mãos dadas pelas ruas da cidade.
- Estava com muita saudade de você, senti
muito a sua falta! Nem sei como aproveitar esse
momento com você direito... Você está
simplesmente aqui, na minha frente, depois de
passados quatro meses! Não sei se te abraço, se fico
te beijando, sinceramente não sei o que é mais
importante agora: chorar, te beijar, te abraçar, ou
se falo como foram as gravações em Okinawa.
Apenas não sei...
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- Que excelente escutar tudo isso! – ambos


sorriem. – A primeira coisa a fazer é me beijar, e a
segunda é não pensar em como gastar seu tempo,
porque aí você terá um motivo para que o tempo
passe. Ele vai passar de qualquer jeito, mas dessa
forma você irá apenas presenciá-lo, irá apenas
contemplá-lo passando, sem motivos a mais. Deixe
que as coisas aconteçam sem que você as planeje.
- Filosofando, como sempre?
- Não é filosofia, é carpe diem! – Os dois
voltam a sorrir.
Passam a noite acordados conversando
sobre as novas descobertas arqueológicas de
Dionísio e a agenda publicitária de Irina. Ele conta
algumas piadas sem graça e Irina acaba rindo, ela
sabe que ele prefere as sem graça, mas acaba
gostando da forma como elas são contadas.
Ele olha profundamente para os olhos
verdes dela, despe-a, carrega-a em seus braços e a
leva até a cama. Vai-lhe acariciando os pés, as
coxas e as nádegas, beija-a desde a cintura até a
nuca, dá leves mordidas em sua orelha e sussurra
o quanto a ama. A transa se seguiu por horas de
um modo que pareceu insaciável, ambos estavam
bastante excitados, e o que começou de maneira
romântica consumiu a noite inteira de forma
intensamente viril, aparentando um instinto
animal um tanto quanto reprimido.
Quando os dois saem do quarto, já de
manhã, eles se encontram com Aurélio no bar do
21

hotel para tomarem o café da manhã. Enquanto


Irina vai até um canto para pegar dois pratos,
Aurélio comenta com Dionísio.
- Da próxima vez que passarem a noite
juntos, em claro, vejam se fazem menos barulho!
- Pode deixar, prometo tentar ser menos
barulhento!...
- Eu não fui o único a perceber o fogo que
estava no quarto de vocês, escutei alguns hóspedes
comentando!
- Que maravilha! Assim, todos percebem o
quanto estamos felizes!
- Hahahahaha. É bom que esteja feliz, fico
muito feliz com toda essa sua felicidade. – diz em
tom irônico. – Agora podemos voltar para o
mundo real e resolver nosso pequeno problema?
Depois de comerem, os três se dirigem para
o local das escavações. Chegando lá, um dos
arqueólogos diz que, num vilarejo próximo, foi
encontrado um corpo que apresentava sinais de
violência e mordidas no pescoço. O corpo estava
seco, como se todo o sangue do corpo tivesse sido
sugado. O arqueólogo disse ainda que todos os
trabalhadores estavam muito assustados e que se
negavam a continuar trabalhando.
- Imaginei que isso poderia acontecer.
- O povo daqui é um tanto quanto
supersticioso. Já era mesmo de se esperar... –
Aurélio comenta.
- O que você vai fazer? – Irina pergunta.
22

- Vou até o vilarejo para procurar mais


pistas. A polícia já deve estar sabendo o que está
acontecendo e é questão de instantes para
chegarem até mim. Vou até eles antes. – Dionísio
se vira para Irina: – Quando acabar por aqui nos
encontraremos no hotel. Tudo bem?
- Vou aproveitar para acertar com meu
produtor o que falta para fazer as fotos. Podemos
nos encontrarmos à tarde? Tentarei chegar no hotel
lá pelas 15 horas.
- Certo, então! – os dois se beijam e se
despedem. – Vamos, Aurélio!
Os dois seguem para o vilarejo e Irina se
encontra com Dimitri, que os estava observando de
longe.
Chegando à delegacia do vilarejo,
descobrem que o corpo havia desaparecido.
- Quem é o encarregado de guardar o
corpo? – Dionísio pergunta ao policial mais
próximo dele. – Posso conversar com o oficial
responsável?
- Eu sou o oficial responsável. – um homem
de estatura pequena, com uma certa obesidade e
que aparenta ter uns 50 anos, aparece no meio de
outros policiais. – Eu sou o delegado, Chong Thing
Pó.
- O senhor poderia me dizer onde está o
corpo que foi encontrado no meio da mata, sem
sangue algum?
23

- Poderia, mas antes gostaria de saber quem


é você e o que quer com o corpo.
- Meu nome é Dionísio, e este é meu amigo
Aurélio. Sou o arqueólogo encarregado das
escavações que estão ocorrendo próximo a
Bangkok.
- O policial que designei para guardar o
corpo disse que apagou durante algumas horas e,
quando acordou, o corpo não estava mais onde foi
colocado, simplesmente sumiu.
- O policial apagou? O corpo sumiu?
- Exato! – o delegado passa por Dionísio e
Aurélio e dá a volta na mesa onde estava um
policial, que se levanta para o delegado sentar-se. –
Você ainda não me disse o que quer com o corpo.
O que ele tem a ver com suas escavações? Pode me
esclarecer o que está acontecendo aqui?
- É uma história confusa, pois o corpo pode
ter sido atacado por alguém que está usando um
artefato que foi encontrado nas escavações.
- Adoro histórias confusas! – O delegado
aponta cadeiras para os dois. – Por favor, sentem-
se! Gostaria de saber sobre o envolvimento que
você tem com o que aconteceu.
Dionísio e Aurélio se sentam. Dionísio
conta a história sobre a máscara e o delegado
parece muito descrente, mas pede um único
esclarecimento.
- Como vocês explicariam o que aconteceu
com meu policial?
24

Aurélio se adianta e responde a pergunta.


- Acreditamos que o morto, agora morto-
vivo, tenha-o enfeitiçado e fugiu.
Os policiais que estavam perto escutaram e
começaram a rir. O delegado olha para eles, que
imediatamente se calam e se afastam. O delegado
se debruça sobre a mesa e fala bem próximo dos
dois.
- Acredito que não seja muito inteligente
começarem a contar esse tipo de história por aqui.
Podem começar a imaginar que vocês são doidos,
se é que me entendem.
- Não somos doidos, – Aurélio fala. – o
artefato roubado possui o poder de transformar
um homem em um chupador de sangue e a
história que contamos a você é a mais pura
verdade.
- Vamos dizer que acredito em vocês; como
poderemos encontrar a pessoa que está com essa
máscara?
- Queremos encontrá-lo tanto quanto o
senhor, mas ainda não temos idéia de como fazê-
lo, e é por isso que estamos aqui procurando
pistas. – Dionísio se adianta.
- Vocês podem pelo menos dizer por que
meu policial não foi ferido?
- Diria que é porque o morto-vivo não
estava com fome ainda. – Aurélio volta a falar. –
Sorte do policial, o que é muito difícil de acontecer!
25

Os dois se despedem do delegado, pedem


para serem notificados sobre qualquer novidade e
deixam a delegacia sob a condição de não saírem
da cidade.

CINCO

No caminho para o hotel, Dionísio mostra


algo que conseguiu pegar no local sem que o
delegado e os outros policiais percebessem.
- O que é isso?
- Parece um mapa sujo de sangue. –
Dionísio o mostra para Aurélio. – Estava junto ao
corpo.
- Deixe-me dar uma olhada.
- Como você pode notar, além de mostrar o
local de nossa escavação, indica também um lugar
que parece ser um templo.
- E parece que fica aqui perto! O que acha
de olharmos o local?
- Agora não, vamos esperar anoitecer. Irina
deve estar nos esperando.
No hotel, Dionísio conta tudo para uma
Irina espantada e surpresa, que pede para ver o
mapa.
- Posso ir com vocês procurar esse templo?
- Claro! Quando é que suas fotos acabam?
- Acredito que até umas 18:00 já devo estar
de volta ao hotel.
26

- Ótimo! Aurélio e eu vamos até o local das


escavações para dispensar os trabalhadores. Às
18:30 nos encontramos aqui e vamos para o
templo.
Os três almoçam. Dionísio e Aurélio vão se
encontrar com os outros arqueólogos, enquanto
Irina se encontra com Dimitri.
- Os poderes da máscara são mesmo
verdadeiros, então?
- Parece que sim; teremos então que tomar
todo o cuidado quando encontrarmos Micael. Ele
pode não nos reconhecer se estiver usando a
máscara e pode nos atacar.
- Teremos que tomar cuidado mesmo se ele
não estiver usando a máscara!
Irina conta sobre o templo indicado no
mapa e os dois vão até lá. Seguindo uma trilha que
Irina memorizou no mapa, eles encontram o
templo e descobrem alguns objetos que pertencem
a Micael.
- Não temos a menor idéia de onde ele
pode estar agora... Vamos esperar que ele apareça?
– Dimitri pergunta.
- Não. Eu vou voltar para o hotel, esperarei
por Dionísio e você volta para o local onde a
máscara foi encontrada. Tome cuidado para não
ser descoberto!
- Pode deixar, camarada Irina! Eu a
manterei informada sobre qualquer possível
novidade!
27

No hotel, Irina faz algumas anotações e


espera por Dionísio.
O sol começa a se pôr, e já são 18:00 quando
Dionísio chega junto com Aurélio.
- Como foram as sessões de fotos?
- Acredito que fizemos boas tiradas. Talvez
acabemos antes do dia marcado. Assim, teremos
mais tempo para nós!... – Irina abraça Dionísio e o
beija.
- Assim espero!
- Desculpem-me atrapalhar os dois, mas
temos muito que fazer, não acham? – Aurélio
quebra o clima.
- Claro, vamos nos preparar para ir ao
templo!
- Vou até meu quarto trocar de roupa e
pegar algumas coisas, e encontro vocês aqui para
sairmos.
- Esperaremos você, então!
Enquanto Dionísio e Irina arrumam uma
bolsa com lanternas e água, ele faz um comentário.
- Hoje descobrimos que quem roubou a
máscara foi um sujeito chamado Micael; é um
russo que estava disfarçado de arqueólogo, tem
1,85m, branco de cabelos negros curtos e lisos,
olhos azuis, ao que parece, estava-nos espionando
e colhendo informações para outro espião, mas não
conseguimos descobrir quem é.
- Como conseguiu descobrir isso tudo?
28

- Digamos que eu tinha alguns espiões...


Essa escavação é sobre um assunto muito perigoso
e de interesse mundial, que pode importar a
qualquer pessoa, seja particular ou uma
organização qualquer, ou até mesmo a um país.
Qualquer um que queira poder além da natureza
humana pode estar atrás da máscara. Achei que
não era suficientemente seguro tratar essa
escavação como um sítio comum, pois sempre
existem aqueles que falam demais. Confiança é
algo perigoso! Eu tinha que ficar de olho em todos
os envolvidos, mas parece que mesmo assim não
correu como eu gostaria...
- Que homem prevenido! Espero que
consigamos encontrar rapidamente esse sujeito!...
- Bom, – Dionísio se aproxima de Irina e
segura suas mãos – como o que eu procurava já foi
encontrado, pelo menos já foi desenterrado, as
escavações foram dadas por encerradas, e os
outros arqueólogos e seus ajudantes já se foram.
Agora, meu tempo livre aqui é integral.
- Sim!? E...?
- Isso indica que terei todo o tempo
disponível para ficar contigo. – Ele a puxa para
próximo de seu peito. – Se tudo correr bem,
encontro esse tal de Micael, entrego-o para a
polícia, destruo a máscara, e nós... – ele beija a mão
dela – quem sabe... – beija seu pescoço – voltamos
para o Brasil, só nós dois... – beija sua boca. – O
que acha?
29

- Acho excelente! Vamos atrás desse Micael


agora mesmo!

Aurélio volta ao quarto e pergunta se já


estão prontos.
- Falta só pegar algumas facas, meu
nunchako e algumas shurikens.
- Para que isso?! Não vamos enfrentar
nenhum pequeno exército, não! – Aurélio reclama.
- Não me importa; na verdade, não
sabemos o que poderemos encontrar e não quero
estar despreparado.
- Tudo bem, você é quem sabe; o metido a
ninja aqui não sou eu, é você, seu maluco!
- Ótimo, agora estamos prontos!
Aurélio olha para Irina que o olha também
e diz.
- Esse aí nunca cansa de pensar em uma
oportunidade de lutar...
Os três saem da cidade em direção ao
templo, já está escuro. Com a distância a que estão
da cidade, as luzes ao longe não iluminam mais
nada. Os três ligam as lanternas e andam mais
devagar. Dionísio vai à frente, Irina segue atrás
dele e Aurélio vai por último. Os três andam bem
próximo um do outro e a cada leve ruído eles
param, vasculham as proximidades e voltam a
andar.
Depois de uns trinta minutos, percebem
que alguém corre em direção deles. Os três
30

apontam as lanternas em direção do barulho e


identificam Dimitri.
- Irina! Aquele não é seu produtor? –
Dionísio pergunta.
- Sim! – Irina fica espantada e corre em
direção de Dimitri. Os dois a seguem.
- SOCORRO! SOCORRO! ALGUÉM ME
AJUDE, PELO AMOR DE DEUS!!! – Dimitri grita
enlouquecidamente.
Os três chegam até ele e Irina o agarra.
- O que aconteceu?! Por que você está
correndo e gritando desse jeito?!
- Parece que viu um monstro. – Aurélio
fala.
- Ou um vampiro – Dionísio olha para a
direção de que Dimitri veio, aponta a lanterna para
a floresta e, depois de alguns segundos, volta a
olhar para Dimitri nos braços de Irina.
Dimitri se ajoelha, olha espantado para
Irina e fala.
- Eu o vi, eu o vi, ele está atrás de mim!...
- Quem você viu? Quem está atrás de
você?! – ela pergunta.
- Ele, ELE!!... – Dimitri responde apontando
para a escuridão que se forma ao redor deles.
Irina, ainda espantada, não tira os olhos de
Dimitri e percebe marcas de dentes em seu
pescoço. Aurélio, que olha para o pescoço dele
também, não consegue distinguir que marcas são e
pergunta.
31

- O que é isso em seu pescoço?


- ELE ME PEGOU!!... – Dimitri se debate,
soltando-se dos braços de Irina, pega a faca na mão
dela e crava-a em seu próprio peito.
- NÃO!!!!! – Irina grita e arranca a faca da
mão dele – Ajudem-me a segurá-lo!...
Aurélio segura Dimitri que, mesmo ferido
pela faca, não para de se debater. Dionísio volta a
olhar na direção que Dimitri apontou e continua a
não enxergar nada. Volta para perto dos três,
aproxima-se de Dimitri e aperta um ponto em seu
pescoço, fazendo-o perder a consciência.
- O QUE É ISSO?! O QUE PENSA ESTAR
FAZENDO?!? – grita Irina.
- Só estou aliviando a dor dele.
Inconsciente, ele não irá sentir nada, não vai ficar
se debatendo. Mesmo que ele já esteja condenado,
não há o que fazer... Ele vai morrer!
- Temos que fazer alguma coisa! Temos que
levá-lo a um hospital!...
- Esqueça! Ele foi mordido, em menos de 24
horas se transformará num zumbi e, se tiver
bebido o sangue da criatura que o mordeu, ele se
transformará num vampiro. Então precisaremos
matá-lo de vez!...
Irina fica olhando para Dimitri e começa a
chorar.
- Não podemos deixá-lo aqui!...
32

- Não o deixaremos; vamos levá-lo a algum


lugar seguro para ele e para nós. Amanhã iremos
ao templo.
Enquanto Dionísio levanta Dimitri e o
coloca em seus ombros, um carro da polícia se
aproxima e dele sai o delegado Chong, que
pergunta.
- O que aconteceu aqui? O que vocês estão
fazendo com esse corpo?
- Ele também foi atacado! – Dionísio mostra
a marca de dentes no pescoço do corpo.
- E, pelo que vejo, também foi esfaqueado.
- Ele mesmo se esfaqueou... – Irina tenta
explicar, mas é interrompida pelo delegado.
- Essa história está cada vez mais absurda.
Vamos todos para a delegacia!
Os quatro entram no carro, um policial
coloca o corpo no porta-malas e depois seguem
para delegacia.
Na delegacia, Dionísio tenta explicar o
acontecido e que, em menos de um dia, Dimitri se
transformaria num morto-vivo.
- Eu ainda não consegui conceber essa
história tão irracional. Não é possível que uma
pessoa, depois de morta, não me importa como,
ressuscite e comece a chupar sangue; isso é muito
irreal!
- Não é impossível; o que o senhor está
podendo contemplar com seus próprios olhos é
um fato. O senhor já viu que um corpo sumiu sem
33

nenhuma explicação racional. Seria melhor


acreditar em nós de uma vez por todas! – Dionísio
fala meio exaltado.
- Modere esse seu tom de voz comigo,
rapaz! Quem manda aqui sou eu! Vocês são
estrangeiros em uma terra onde não sabem como
as coisas acontecem.
- Desculpe-me... – Dionísio respira fundo e
tenta se acalmar – O senhor está certo, é o senhor
quem manda. O que pretende fazer?
- Vou mandar o corpo para o necrotério e
vocês vão direto para o hotel em que estão
hospedados, com uma escolta.
- O corpo não pode ficar num lugar sem
segurança. Vocês têm que guardá-lo em um lugar
em que esteja protegido, não num lugar em que
haja outras pessoas - se não, acontecerá o mesmo
que aconteceu com o outro corpo! – Aurélio fala
indignado.
- Não quero e nem preciso que alguém me
ensine a fazer meu trabalho. Podem ir embora
agora!
- Tudo bem, faça o que achar melhor, mas
tome cuidado, porque essa ação pode colocar
outras vidas em perigo!
- Policial! Escolte esses três até o hotel e
certifique-se de que eles não saiam de lá antes do
amanhecer.

SEIS
34

A volta para o hotel foi silenciosa. O


policial designado pelo delegado estava
acompanhado por mais dois outros homens.
Dionísio se mantinha com a cabeça abaixada,
segurando as mãos de Irina, que olhava para ele,
abatida. Aurélio tentava puxar conversa com os
policiais, mas esses não entendiam uma palavra
que ele falava, pois a única língua que entendiam
era o tailandês e, entre os outros, o único que sabia
algo de tailandês era Dionísio.
Chegando ao hotel, os três seguiram para
seus quartos enquanto dois policiais vigiavam os
corredores e o terceiro ficava na recepção.
Dentro do quarto, Dionísio percebe que
Irina está inquieta, movimentando-se de um lado
para o outro.
- Por que você está tão agitada? É por causa
do seu produtor?
Irina olha para Dionísio e com um tom
meio nervoso diz:
- É claro que é! O que mais seria? Não
consigo tirar a imagem assustada, transtornada
dele da minha cabeça!...
- O que será que ele fazia na floresta àquela
hora? O que ele estava fazendo naquele lugar à
noite?
- Não sei.
35

- Por que ele ficava gritando “Eu o vi, eu o


vi” e não parava de olhar para você? Quem ele
viu? Você tem idéia de quem seria?
- Não! Não! Eu não entendi e nem quero
entender!... – Irina tenta desconversar. - Vamos
tentar dormir. Teremos um longo dia amanhã.
- Vamos tentar dormir... Quem sabe
amanhã, mais calmos, não conseguiremos
responder nossas perguntas?
- Pode ser.. – Irina deita-se na cama, fica de
costas para Dionísio e fecha os olhos. – Boa noite.
Depois de quase uma hora, Irina dorme.
Dionísio abre os olhos e percebe que Irina já
está dormindo. Ele se levanta sem acordá-la e olha
para o relógio: são três da manhã. Calmamente, vai
até a porta, abre-a bem devagar e vê o policial no
fim do corredor perto da escada. Fecha a porta e
vai até a janela, que dá para um beco. Ele vê que
não há movimentação. Pega uma corda em sua
mochila, procura algum lugar firme o suficiente
para amarrá-la e a lança para fora do quarto. Ele
desce pela corda sem fazer barulho algum. Já no
beco, procura ver se alguém o está observando e
corre até a rua principal à frente do hotel; percebe
uma pequena movimentação num bar do outro
lado da rua, mas ninguém parece dar importância
a sua presença ali. Segue pela rua até sumir na
escuridão e corre para fora da cidade em direção
ao templo.
36

Irina acorda assustada de um sonho que


acaba de ter com Dimitri. Ele estava se arrastando
no chão, chorando lágrimas de sangue, sentindo
uma dor horrível e gritando seu nome. Ela percebe
que Dionísio não está a seu lado, levanta-se da
cama e anda pelo quarto, vai até a porta, abre-a
devagar e percebe que o policial ainda está de
vigia. Vê a mochila de Dionísio aberta e que o
nunchako dele não está dentro dela - nem algumas
shurikens. Vai até a janela e vê a corda. Olha para a
rua e não encontra alma viva. Por alguns instantes,
reluta contra a vontade de descer. Volta para a
cama e senta-se nela. Olha o relógio e percebe que
já está para amanhecer o dia, e então decide
esperar pelo fujão.

Dionísio sobe as cordas com grande


agilidade. O sol já desponta no horizonte e, mesmo
que a janela dê para um beco, em poucos minutos
tudo estará bem iluminado pelo sol. Quando entra
pela janela, ele vê Irina sentada na cama.
- Onde o senhor esteve?
- Fui até o templo. Não estava conseguindo
dormir e queria ver se conseguia encontrar alguma
resposta para o que aconteceu ontem, já que
Dimitri vinha da direção do templo.
- Conseguiu encontrar algo?
- Não... – Dionísio segue em direção ao
banheiro. – Ou melhor, – ele tira um objeto do
bolso e o joga para Irina. – apenas isto. – Irina
37

apanha no ar o objeto. – Um distintivo do Serviço


Secreto Russo. Mas foi só.
Dionísio entra no banheiro e liga o
chuveiro. Irina entra no banheiro e puxa conversa.
- O que espera mesmo encontrar?
- Estava querendo muito encontrar a
máscara, ou o tal Micael, ou até mesmo o Micael
usando a máscara.
Irina entra no box e dá um tapa na cara de
Dionísio.
- Não brinque com isso, você poderia ter
sido atacado ou mordido!
Dionísio encara Irina, segura seu braço e a
puxa para debaixo do chuveiro. Ela se debate e
começa a reclamar de estar se molhando vestida.
Ele a segura firme e a beija.
- Não se preocupe, não aconteceu nada,
estou aqui vivo ainda! Na verdade, fui mesmo ao
templo mais para ver se encontrava algo que
pudesse dar pistas sobre o que aconteceu com
Dimitri. Não nego que gostaria muito de deparar
com Micael, mas isso não aconteceu.
- Agora vou ter que tomar um banho
também!
- Que pena!...
Os dois começam a rir e tomam banho
juntos.
Ao sair do banho, eles continuam a
conversa.
38

- Ainda bem que nada aconteceu contigo,


não saberia o que fazer se você fosse mordido!...
- Simples. Você teria que encravar uma
estaca no meu peito, ou me deixar ao sol, ou me
decapitar. Só isso.
- Não fala besteira, seu bobo! – Irina abraça
forte seu amado e o beija. – Às vezes, você fala
muita idiotice!...
- Eu estou bem! Não vou deixar nada de
ruim acontecer comigo, e muito menos contigo.
Pode ficar sossegada!
- Eu gostaria de ter essa sua confiança!...
Nunca enfrentamos um ser sobrenatural.
Dionísio desce para o bar do hotel e se
encontra com Aurélio, enquanto Irina ainda
trocava de roupa.
- Fui até o templo ontem e encontrei este
distintivo.
- Você enlouqueceu? Se alguém o visse
sair? Se você fosse atacado?
- Relaxa! Se alguém me viu, foram alguns
bêbados que passam a noite no bar em frente ao
hotel. Desci por uma corda que amarrei na janela
do meu quarto, que dá para o beco ao lado do
prédio; não havia ninguém por perto. Quando
voltei hoje de manhã, puxei a corda.
- Deixe-me ver o distintivo.
- Isso não foi a única coisa que encontrei. –
Dionísio tira de seu bolso uma foto de Irina, uma
foto promocional de uma marca de roupa.
39

- O que acha que isso significa?


- Ainda não sei. Não contei para Irina.
Primeiro, o produtor dela aparece mordido; agora,
isso. Ela pode ser alvo desse tal de Micael.
- Por que pensa assim?
- Talvez seja um fã maluco, obcecado,
doente. Pelo menos, sabemos que é um espião.
Essa história ainda tem muitas pontas soltas. O
que me importa agora é não deixar que nada de
mal aconteça a Irina. Não vou deixá-lo chegar
perto dela!
- De manhã, ele não pode utilizar a máscara
e pode ser qualquer pessoa que passa por nós... O
distintivo não tem foto, não temos como
reconhecê-lo!
- Eu sei, e não deixarei Irina sozinha um
minuto sequer.
Enquanto os dois estão no bar, Micael entra
no hotel. Depois de perceber que os três policiais
vão embora, ele sobe as escadas em direção do
quarto em que Irina está. Abre a porta destrancada
e ouve a voz dela em cantoria vindo do banheiro, e
entra no quarto.
- Vou subir e esperá-la no quarto mesmo.
Ela demora demais para trocar de roupa!...
- Vá lá, espero os dois aqui mesmo.
Dionísio sobe as escadas e percebe que a
porta de seu quarto está aberta. Entra devagar,
como se estivesse esperando ser surpreendido, e vê
um homem entrando no banheiro.
40

- EI!! – Dionísio grita.


Micael se vira e vê Dionísio vindo em sua
direção. Aproveita que a cama está próxima e joga
os lençóis sobre dele, empurra-o para o lado e sai
correndo do quarto. Dionísio se desvencilha dos
lençóis e sai atrás dele. Os dois correm para fora do
hotel e Aurélio só escuta seu amigo gritando.
- Suba ao quarto e veja se Irina está bem!
- Como é que é?
- Vá até lá A G O R A!!
Os dois saem em disparada pelas ruas da
cidade. Micael tenta, sem muito sucesso, despistar
seu perseguidor. Os dois passam por becos e até
mesmo pelas ruas principais. As pessoas servem
como objetos para dificultar a perseguição quando
Micael as empurra. O comércio ambulante e até
mesmo o trânsito são utilizados por Micael para
tentar fazer com que Dionísio não consiga alcançá-
lo, mas sua prática em parkour o ajuda e muito. Os
dois correm por entre uma confusão de gente, de
carros e de bicicletas, e mesmo as barracas nas
calçadas não param a corrida desesperada dos
dois. Enquanto Micael joga cestas, animais,
derruba barracas, Dionísio faz o possível para não
machucar ninguém, nem quebrar nada que cai
sobre ele.
A perseguição chega às margens do rio que
corta a cidade e serve também como lugar para o
comércio. Por entre barcos, a correria ainda
41

continua, até Micael pular na água. Dionísio para e


observa seu inimigo se distanciar.
- Droga! Bem que minha mãe insistia para
que eu aprendesse a nadar!...
Ele abaixa a cabeça, respira fundo e volta
para o hotel.

Chegando ao hotel, Dionísio vai ao quarto e


vê Irina e Aurélio sentados na cama conversando.
- Aonde você foi? Saí do banheiro e Aurélio
estava andando pelo quarto com uma cara de
preocupado.
- Eu? Bom... Fui até uma banca de revista.
- E...?
- Não tinha o que eu estava procurando.
- Que pena! Eu estava tão interessado nessa
revista!... – Aurélio tenta participar da conversa.
- Pois é. Não tinha.
- Hum... Os dois estão um tanto quanto
estranhos...
- Pode ficar tranqüila! Enquanto estava
voltando para o hotel, vi uma propaganda de um
restaurante fora da cidade que parece ser
fantástico. Vamos almoçar lá?
- Isso seria excelente! Estou com muita
fome!... – Aurélio se levanta da cama e se aproxima
da porta. – Vou ao meu quarto pegar minha
carteira.
- Vou com você.
- Vocês estão tramando algo?
42

- Não! De forma alguma!...


- Então vou descendo e espero vocês no
saguão de entrada.
- Certo, já estamos descendo!
Irina desce as escadas e os dois vão para o
outro quarto.
- Vai deixá-la sozinha?
- Aquele sujeito não vai voltar tão cedo.
- Conseguiu pegá-lo?
- Não.
- Não conseguiu alcançá-lo?!
- Mais ou menos...
- Não entendi.
- É que ele...
- Ele o quê?
- Ele conseguiu fugir.
- Isso estou percebendo. Como ele fez isso?
Você sempre foi um excelente corredor!
- Pois é. Ele parou de correr.
- Ele parou de correr? Você não o pegou
porque ele parou de correr?
- É claro que não. Como eu não o pegaria
assim?
- Dionísio! O que foi que aconteceu?
- Ele pulou num rio.
- Ainda não consegui entender.
- Ele pulou num rio.
- Eu disse que ainda não entendi, não que
não escutei.
- E foi isso.
43

- Ei. Ele pulou num rio e você não foi atrás


por quê?
- Eu não sei nadar.
- Espera aí! Fala mais alto que agora eu
realmente não escutei.
- Eu disse que não sei nadar.
- Dá para você repetir novamente? Acho
que ainda não escutei ou não consegui entender.
- EU DISSE QUE NÃO SEI NADAR!!! –
Dionísio grita.
- Agora entendi. Você disse que não sabe
nadar.
- Exatamente, e nem ouse rir disso!
- Claro que não!... – Aurélio encara Dionísio
e cai na gargalhada.
- Tudo bem, agora pode parar!
- HÁ HÁ HÁ HÁ HÁ HÁ! Só você mesmo!
- Por favor, pare! Irina pode aparecer e
achar mais ainda que estamos escondendo algo!
- Está bem, meu caro! Mas eu agora não sei
se deixo para rir depois ou... Deixa para lá! Nunca
poderia imaginar isso!...
Os dois descem e se encontram com Irina
na entrada do hotel. Eles seguem para o
restaurante e no caminho ela ainda pergunta para
Dionísio.
- Você está escondendo algo de mim?
- Não. Por que eu faria isso?
- Só pressentimento...
44

- Pode ficar tranqüila! Tudo está sob


controle.
- Por que você está tão suado?
- É que eu e Aurélio estávamos discutindo
algumas posições de kung fu e tive que
demonstrar. É só isso!...
- Às vezes eu não te entendo e nessas vezes
eu não faço a mínima questão de entender.
- Obrigado pela parte que me toca!
- É sério! Você às vezes parece meio
estranho!...
- Depois desses anos todos de convivência e
ainda não se acostumou comigo?
- De tempos em tempos você aparece com
algo novo para me surpreender.
- Agora isso foi um elogio.
Irina segura a mão de Dionísio e o abraça.
- E foi mesmo!
Os dois se beijam e continuam o caminho
para o restaurante, enquanto Aurélio ia logo atrás.

SETE

Quase chegando ao restaurante, os três


encontram com o delegado.
- Bom dia, senhor delegado! Dando uma
volta? – Dionísio pergunta.
- Não é bem uma volta; estava indo até o
hotel para conversar com vocês.
- Aconteceu alguma coisa?
45

- Descobri algumas informações sobre o


homem que roubou a máscara.
- Hum... Interessante!... Estamos indo até
aquele restaurante. Gostaria de almoçar conosco?
Poderíamos conversar enquanto comemos.
- Perfeitamente! Já está quase na hora de
meu almoço também. Eu os acompanho.
Os quatro chegam ao restaurante, sentam-
se a uma mesa no canto do salão, pedem algumas
bebidas e dizem ao garçom que o chamarão
quando escolherem o que comer. Quando a bebida
chega, eles começam a conversar sobre as
descobertas do delegado.
- O senhor disse que descobriu algo sobre o
sujeito que roubou a máscara. – Irina se adianta e
pergunta antes de Dionísio.
- Exatamente.
- O que foi, então?
- Descobrimos que ele é um espião russo, e
que não trabalhava sozinho.
- Isso eu também sei. – diz Dionísio –
Alguma novidade além dessa?
- Meu caro Dionísio, vocês, ocidentais são
mesmo muito cheios de si! – Chong tira um cigarro
do bolso e o acende, os três viram o rosto, mas não
pedem para o delegado apagar o cigarro. –
Descobrimos também que o sujeito que foi atacado
ontem estava trabalhando com ele.
- Como é que é?!...
46

- Exatamente. Dimitri trabalhava com ele.


Os dois são espiões. Bom, Dimitri era.
Dionísio se vira para Irina e pergunta com a
voz baixa.
- O que será que eles queriam contigo?
- Por que você está me perguntando isso? –
Irina arregala os olhos.
- É que eu achei...
- Achou o quê?
- Deixa para lá, devo estar fazendo
confusão.
- Deixa para lá nada, eu quero saber do que
está falando! Quero saber o que você achou!
- Posso fazer parte da conversa de vocês? –
O delegado tenta entrar na conversa. – Aconteceu
alguma coisa que eu deveria saber? Há algo que
vocês não me contaram?
- Não, senhor! Meus pensamentos voam
um tanto quanto alto demais. Estava com a cabeça
em outro lugar, não tem nada a ver com o que
estamos conversando. Nada a ver com esse caso.
- Então, tudo bem! Não gostaria de saber
que vocês estão com segredos para comigo sobre
algo tão grave.
- Vamos pedir de uma vez? – Aurélio
sugere. – Estou faminto!...
O almoço chega e Irina não tira os olhos de
Dionísio. Ela o encara, mas só ele percebe. Ele olha
para ela, segura suas mãos e diz:
- Depois conversamos.
47

Os quatro conversam sobre uma possível


armadilha para poder pegar Micael. Discutem
quais meios eficientes poderiam utilizar para
emboscá-lo, qual isca usariam. Depois do almoço,
o delegado Chong volta para a delegacia e Aurélio
volta para o hotel. O casal decide dar uma volta
pela cidade. Os dois chegam a um templo budista
e param para conversar.
- Você pode me dizer agora que conversa
foi aquela de que achou alguma coisa? Há mais
alguma coisa que encontrou no templo e sobre o
que ainda não me contou?
- Eu lhe disse que achei o distintivo, mas
não poderia comentar sobre isso na frente do
delegado.
- Eu sei que encontrou o distintivo e até me
mostrou.
- Pois então: se eu falasse sobre ele na frente
do delegado, ele descobriria sobre minha
escapulida noturna e isso não seria interessante.
Concorda?
- Concordo, sim. Isso é óbvio. Mas não me
pareceu que era sobre isso que iria falar. Você
perguntou sobre o que eles queriam comigo.
- Lembra do que o delegado disse? Dimitri
trabalhava com Micael. Dimitri era seu produtor.
- Sim, e daí?
- Suspeito que haja muito mais coisas
acontecendo, algo não se encaixa. Mas estou
pensando longe.
48

- Foi só o distintivo mesmo que você


encontrou?
- Foi, já te falei que foi!
- Não precisa ficar nervoso!...
- Não estou nervoso, só estou tentando
deixar claro que não encontrei mais nada.
- Você está um bocado estranho, desde que
o vi entrando no quarto hoje cedo. Aurélio também
estava meio estranho. Não estou acreditando que
nada esteja acontecendo. Vocês parecem estar
escondendo algo de mim...
- Não se preocupe! Pode deixar que
cuidarei de tudo o que acontecer daqui por diante.
Nisso você pode acreditar? Em mim você acredita?
- É claro, mas não me deixe preocupada,
por favor!...
Os dois seguem até as margens do rio Chao
Phraya de mãos dadas. Ele olha para o rio e se
lembra da fatídica escapada de Micael. Eles se
abraçam e ficam contemplando o por-do-sol.
Voltando para o hotel, encontram Aurélio inquieto
no saguão à espera dos dois.
- O que aconteceu? – Dionísio percebe seu
amigo assustado.
- Quando cheguei ao hotel, percebi que o
quarto de vocês estava com a porta aberta, entrei
no quarto e vi que estava todo revirado! Não sei o
que podem ter roubado!...
- Alguém entrou em nosso quarto?!
49

- Sim, alguém entrou e bagunçou tudo!


Arrombaram a porta, reviraram algumas coisas,
como se procurassem algo!
Os três correm ao quarto e deparam com a
bagunça.
- Minha Nossa Senhora!... Em toda a minha
vida, nunca aconteceu algo parecido comigo!
Algum funcionário do hotel deve ter visto alguém
suspeito sair daqui. Vou lá em baixo fazer algumas
perguntas. – Dionísio chama Aurélio para ir com
ele. – Vamos ver se alguém sabe de algo.
- Vou ver se falta algo!... – Irina pega uma
mala que estava jogada no chão e a coloca sobre a
cama.
Enquanto desciam as escadas, Aurélio fala.
- Um dos porteiros disse que o homem que
você perseguiu hoje de manhã voltou logo depois
de sairmos. Subiu as escadas sem falar com
ninguém e, logo depois que um outro funcionário
foi averiguar o que ele estava fazendo, ele já estava
saindo do hotel, mas de mãos vazias.
- Se ele pegou algo, foi algo que daria para
colocar nos bolsos. O que será que ele quer? Será
que está atrás de Irina? Ele estava trabalhando com
o produtor dela. Será que os dois estavam
tramando alguma coisa contra ela? O que a
máscara tem a ver com isso tudo?
- Eu não sei, meu amigo, mas cada vez as
respostas parecem mais distantes de uma solução!
50

- Isso está começando a me preocupar. Está


na hora de começarmos a tentar juntar algumas
peças. Primeiro, quero saber o que eles querem
com a Irina. Isso é o mais importante. Depois tento
solucionar o envolvimento da máscara!
- Já imaginou se tudo estiver envolvido?
- Como assim?
- Não quero te preocupar mais ainda, meu
amigo, mas já imaginou se Irina estiver envolvida
bem mais com essa trama toda?
Dionísio olha nos olhos de Aurélio e diz:
- Não pense isso. Eu acredito em Irina. É a
mulher que eu amo. Não quero que desconfie dela!
- Não estou desconfiando, meu amigo, só
estou dizendo que você tem que começar a tentar
entender tudo isso de uma forma mais ampla. Não
se concentre somente naquilo em que acredita!
Dionísio dá as costas para Aurélio e segue
em direção a um dos porteiros. Quando os dois
voltam ao quarto, Irina abraça Dionísio.
- Graças a Deus, nada de grande valor
sumiu!... Roupas, nossos pertences, tudo está aqui.
Até mesmo sua espada e armas estão aqui, mas
acredito que teremos dificuldades de sairmos da
Tailândia.
- Como assim?
- Nossos passaportes... Foram roubados!
- Excelente!... Agora temos um maluco
colecionador de passaportes. Era só o que me
faltava...
51

- Vocês querem ir à delegacia dar queixa?


- Não precisa. Sabemos que esse roubo não
foi aleatório. Deve ter sido esse tal de Micael. Ele
deve estar atrás de algo que temos... – Dionísio
olha para Irina, segura suas mãos e diz a Aurélio: –
Pode ir dormir, meu camarada! Amanhã iremos ao
delegado e daremos um jeito nisso. Além disso,
nem podemos sair do hotel, pois os policiais estão
aí novamente...
Aurélio vai para seu quarto. Enquanto
Dionísio toma banho, Irina desdobra um bilhete
que encontrou entre suas coisas. Um bilhete escrito
por Micael, que diz querer se encontrar com ela no
templo às cinco da manhã, sozinha, se ela não
quiser que ele volte ao hotel e mate Dionísio
durante a noite.
Como os policiais ainda estão de ronda no
hotel, nenhum dos três pode sair à noite. Enquanto
Dionísio dorme, Irina tenta dormir também, mas
não consegue; acorda várias vezes durante a
madrugada, até o horário em que acredita ser o
suficiente para ir ao templo no horário combinado.
Ela sabe que Dionísio não costuma acordar tão
cedo, toma todo o cuidado para fazer o menor
barulho possível e utiliza a corda que ele usou na
noite anterior. Percebe que o beco está sem
ninguém por perto e, quando aparece na rua, a
única movimentação é o alarido de alguns bêbados
no bar à frente. Ela segue o caminho para fora da
cidade. A noite ainda está escura e ela leva consigo
52

uma lanterna, uma faca e uma bússola. O percurso


até o templo lhe consome aproximados quarenta
minutos. A floresta está silenciosa, os sentidos de
Irina deixam seu corpo arrepiado e preparado para
exercer reação diante de qualquer movimentação
que ela perceber. Seus ouvidos bem treinados
tentam estar em sintonia com os outros sentidos,
seus olhos começam a se acostumar com a
escuridão e seus passos começam a ficar mais
ligeiros. O caminho segue por uma trilha pouco
utilizada, o mato em volta já começa a tomar conta
do lugar e a fazer com que os caminhantes
incautos se percam com facilidade, ainda mais com
uma escuridão dessas. Mas ela é uma agente
experiente e que consegue se manter na direção
certa. Observa uma cópia que fez do mapa e
percebe que o templo está próximo.
Ela começa a identificar alguns fachos de
luz a sua frente. Desliga a lanterna e se aproxima
cautelosamente das ruínas do templo. Ela entra
pelo que parece ser a porta principal. Pensou em
surpreender Micael, mas sabe que não conseguiria
derrotá-lo se ele estivesse usando a máscara e
também não sabia se ele estaria sozinho. Achou
então mais prudente entrar no templo sem
segundas intenções.
- Chegou pontualmente como sempre, mas
cheguei a pensar que não viesse! Pensei que iria
dar uma de “pago para ver”, não acreditando que
eu iria matar seu querido amado idiota.
53

- Eu não deixaria de vir mesmo estando


morta! Mas realmente cheguei a pensar em nunca
mais olhar para sua cara de traidor!
- Eu, traidor? Não veria por esse lado. Só
estou sendo um investidor. Essa máscara vale
muito mais do que você poderia imaginar.
- O que você quer comigo aqui, então?
Matar-me?
- Pode ficar tranqüila, minha querida!
- Não me chame de querida!!
- Tudo bem, se isso te deixa menos tensa... –
Micael se levanta da cama em que estava sentado e
se aproxima de Irina. – Não quero matá-la. Não
agora, por enquanto. Mesmo porque não estou
usando a máscara.
- Está para amanhecer a qualquer
momento. O sol te mataria imediatamente!
Micael solta um riso estrondoso. Irina
segura a faca em sua cintura e dá um passo para
trás.
- Existem coisas que você não sabe sobre a
máscara. Algumas particularidades que
desconhece plenamente.
- Do que você está falando? O que seriam
essas particularidades?
- O sol não me queimaria. – Micael dá as
costas para Irina, que por alguns segundos reflete
se deve ou não esfaqueá-lo naquele instante. Ela
pensa melhor e acredita que ainda não é o
momento: ele pode ter algumas informações
54

importantes e ela não viu a máscara por perto. –


Eu não morreria como nas histórias de vampiros.
O sol me enfraqueceria muito, mas não acabaria
comigo.
- Como isso é possível?
- A máscara tem o poder de me transformar
num vampiro, mas ela é feita com o sangue do
Conde Vlad Tepes. Eu me tornaria um vampiro
diferente. Como o próprio Conde, eu posso andar
de dia.
- Desgraçado!...
- Ainda tem mais. – Micael ri novamente. –
Eu não preciso de toda uma cerimônia para
transformar uma pessoa em vampiro. Não preciso
sugar quase todo o seu sangue e dar o meu logo
em seguida. Só preciso morder minha vítima. Mais
nada.
- Seu ordinário! O que você quer?
- Calma, eu vou contar! Serei breve, antes
que seu amado acorde e sinta a sua falta ao lado
dele. Alias, ele já sabe que você é uma espiã e que
está trabalhando contra ele, que está tramando
pegar a máscara também?
- Eu não estou contra ele!
- É mais otário do que eu imaginava...
- Não fale dele assim! – Irina parte para
cima de Micael que saca uma arma e aponta para a
cabeça dela.
- Ele é um otário, sim! – A arma está agora
encostando na testa dela. – Se eu fosse você,
55

contava de uma vez, mas é você quem sabe. Se


quiser eu posso fazer esse sacrifício.
- Não se atreva a chegar perto dele!
- Não precisa se preocupar! Se um dia eu
precisar ficar perto daquele imbecil, eu pulo
novamente no rio.
- Do que você está falando?
- Ele não te contou? – Micael retira a arma
da testa dela e se afasta, novamente começa a rir e
volta a se sentar na cama – Ele não te falou que fui
até o hotel ontem e que ele me perseguiu até o rio?
Mas que não pulou na água para continuar atrás
de mim?
- Não... – Irina se cala e fica pensativa.
- Eu estou muito propenso a crer que ele
não gosta de água ou não sabe nadar. De qualquer
forma, ainda o acho um babaca, mas isso não vem
ao caso agora. Mas essa de os dois ficarem
escondendo segredinhos um do outro é fantástico,
estou adorando! – Micael continua sorrindo
sarcasticamente. – Afinal, isso também não vem ao
caso; então, vamos ao que interessa.
‘Você irá informar ao nosso querido chefe
que eu não tenho mais chefe, que agora trabalho
sozinho e que quero 10 milhões de euros pela
máscara. Se ele não concordar, conheço alguns
segredinhos russos que outras nações gostariam
muito de saber. Contarei, para quem pagar mais,
tudo que sei sobre nossa querida pátria mãe. E
olhe que é muita coisa. Diga para ele também que
56

serei obrigado a matar sua mais ilustre espiã. Você


me entendeu?’
Micael se levanta da cama novamente e fica
cara a cara com Irina, que sente o cheiro forte e
fedorento de charuto barato.
- E, para deixá-la feliz depois de morta,
mato, de lambuja, o seu querido Dionísio. Esse é o
nome dele não é? – Micael olha para o despertador
em cima da mesa ao lado da cama. – É melhor você
ir embora, já são quase 06:00 e o dia está
amanhecendo!
Irina dá as costas para Micael e sai do
templo. Ele ainda grita para ela.
- Faça-me outro favor! Peça para o Dionísio
me devolver a sua foto, eu gostava dela! Quanto ao
distintivo, ele pode jogar fora ou fazer dele o que
quiser, pois não preciso mais dele!

Irina continua sua volta ao hotel pensativa


sobre mais isso também. “Dionísio encontrou uma
foto minha e estava escondendo isso de mim... A
foto foi a outra coisa que ele descobriu no templo.
Por que será que ele a escondeu? Será que ele
desconfia de alguma coisa relacionada a mim?”.
Ao chegar ao hotel, ela toma extremo
cuidado ao entrar no beco sem que alguém na rua
perceba; ela aproveita que não há ninguém no
beco, sobe a corda e a puxa para dentro do quarto.
Dionísio ainda está dormindo. Ela desce até o bar,
prepara uma bandeja de café da manhã e a leva
57

para o quarto. Ela deixa a bandeja em uma


mesinha ao lado da cama, senta-se ao lado dele e
fica observando-o. Ao refletir sobre a conversa que
teve com Micael, ela se pergunta se o homem que
ama desconfia dela. Percebeu nele um jeito
diferente de agir, percebeu que ele está
escondendo algo dela. Ela o conhece muito bem e
sabe quando alguma coisa não está indo bem, sabe
quando ele mente e quando está omitindo coisas.
Ele está escondendo algo, será que é sobre a foto e
o fato de Micael ter aparecido no hotel? Será que
há mais coisas? Será que ele desconfia dela?

OITO

Dionísio acorda e vê Irina acordada ao seu


lado, olhando para ele.
- Bom dia! Dormiu bem? Aconteceu alguma
coisa? – Pergunta Dionísio.
- Dormi bem, sim; como acordei mais cedo,
decidi descer e preparar um café delicioso para
nós. Espero que goste: coloquei algumas frutas, o
café que você ama, suco, pão com ovo e lingüiça
frita.
- Nossa! Adorei isso!... Muito obrigado!
Irina se levanta, pega a bandeja na mesinha
e a leva até a cama.
- O rapaz da recepção me disse que ontem
você correu atrás de um sujeito e que deve ser o
58

mesmo que arrombou nosso quarto, pois ele o viu


novamente à tarde.
- Ele te disse isso? – Dionísio pergunta
antes de morder uma maçã verde.
- Disse sim. Você pode explicar isso? – Irina
segura sua mão, impedindo-o de comer a maçã. –
Por que não me contou antes? Por que não me
contou o que aconteceu de verdade? Era isso o que
estava me escondendo?
- Sim. Era isso o que estava escondendo de
você. Não queria preocupá-la.
- Preocupar-me? Não queria me deixar
preocupada?! – Irina se irrita.
- Achei uma foto tua junto com aquele
distintivo também, quando fui ao templo. – o
distintivo ainda estava sobre a mesinha. –
Acreditei que você corria perigo e não queria
deixá-la preocupada!...
Irina abraça Dionísio, que acaba deixando a
maçã cair na cama.
- Nunca mais minta nem deixe de me
contar algo!
- Tudo bem, não precisa ficar assim! Eu vou
cuidar de você e não vou deixar que nada aconteça
contigo!
- Não quero que só fique preocupado
comigo, não se descuide também de você
mesmo!...
- Nada vai acontecer com a gente. Pode
confiar em mim?
59

- Eu confio.
- Pronto! Estamos entendidos. Agora me
ajude a comer tudo isso, você trouxe muita coisa!
Estou com fome, amanheço com fome, mas você
preparou um perfeito banquete para uma família
inteira!
- Exagerado!... – Os dois sorriem e se
beijam.
Irina começa a se sentir mais aliviada; agora
tinha certeza de que Dionísio não escondia mais
nada, e passou a acreditar que ele não desconfiava
de que ela era uma espiã. Mas até quando? Ele não
era bobo e, mais cedo ou tarde, iria descobrir toda
a verdade, ainda mais com Micael a chantageá-la.
Ela considerou a possibilidade de contar tudo de
uma vez, mas sentia que não seria perdoada. Não
sabia o que fazer, mas decidiu não se preocupar
com aquilo agora.
Os dois tomam banho juntos e vão até o
quarto de Aurélio. O amigo lhes conta que o
delegado informou que gostaria da presença dos
três na delegacia para explicar um plano que teve.
Os três seguem para a delegacia, onde o
delegado lhes conta como será a armadilha que
tinha planejado.
- Os policiais que estou convocando para a
emboscada já estão cientes do que têm que fazer e
de como agir quando o vampiro aparecer. Podem
ficar tranqüilos que nada de errado acontecerá.
60

- Parece tudo muito bem planejado, senhor


delegado! Mas quem será a vítima? – Aurélio
pergunta.
- Nosso querido Dionísio.
- Eu?!
- Sim, senhor! Você! Quem mais poderia
ser? Mas não precisa ter medo, se você seguir o
plano a risca, não terá com que se preocupar.
Irina olha para Dionísio e logo depois para
o delegado.
- Quem o senhor pensa que é para decidir
quem deve ou não deve servir de isca?
- Minha senhorita, o caso é o seguinte: o
senhor Dionísio aqui é o centro de tudo o que está
acontecendo. Simples: ELE será a isca que
utilizaremos para nossa emboscada. E eu, como
DELEGADO desta cidade, estou dizendo que o
plano será esse.
- O centro de tudo? Do que você esta
falando?
- Ele é o responsável pela máscara, e ela foi
encontrada por causa dele. Quem a roubou estava
espionando o seu namorado e, como essa pessoa
agora tem a máscara, pode também querer atacar
seu companheiro.
Irina não se conforma e não aceita a decisão
do delegado, continua a reclamar e fala com
extrema convicção.
- Micael não está atrás de Dionísio!
- O que você disse?
61

- Que o espião não quer o Dionísio!


- Como você sabe o nome dele e como você
pode ter tanta certeza assim?
- Fizemos nosso dever de casa, delegado!
Fizemos nossas próprias averiguações. Eu tinha
espiões infiltrados entre meus arqueólogos durante
as escavações. – Dionísio responde.
- E por que vocês não me contaram isso?
- Desculpe-nos. O senhor agora já sabe o
nome do espião. Isso não vem mais ao caso.!...
- Sobre o nome dele vocês acabaram de me
dizer, mas gostaria de saber como a senhorita tem
tanta certeza de que ele não vai fazer nada com
Dionísio.
- Ele não fez nada contra nenhum de nós!
- Fez, sim!
Os três olham surpresos para o delegado,
intrigados com essa afirmação, e Dionísio
pergunta.
- O que ele fez?
- Vocês ainda acreditam que podem ficar
escondendo informações de mim? Fui informado
de que alguém foi visto entrar no hotel onde estão
hospedados e logo em seguida saiu correndo,
sendo perseguido por você; mais à tarde, quando
vocês não estavam lá, o mesmo homem voltou.
Acredito que seja nosso inimigo. – o delegado se
levanta de sua cadeira, dá a volta na mesa e se
escora nela. – Gostaria que me dissessem o que ele
fazia no hotel.
62

- Eu o vi entrando em meu quarto pela


manhã, assustei-o e corri atrás dele.
- Isso aconteceu e o senhor não me contou
por qual motivo?
- Acreditei que não ajudaria em nada.
- Está enganado! Mas isso agora não muda
mais nada. O que importa agora é que vocês
passam a ter consciência de que estou observando
vocês, quero que saibam que estou seguindo seus
passos! Será que, de agora em diante, vocês vão
parar de tentar esconder informações de mim?
- Tudo bem, senhor delegado!... Não
faremos mais isso.
- Acho bom mesmo! Isso só iria atrasar
nossas ações.
Os quatro conversam sobre o plano.
Dionísio concorda depois de dar vários palpites,
mas Irina não se conforma de ver o namorado
servir de isca sozinho para um psicopata.
- Eu ainda não estou certa de que isso seja
seguro, não quero deixar Dionísio sozinho!...
- Não me importo com o que você pensa,
não estou interessado no que quer ou não. Já disse
que sou eu quem decide as coisas aqui. Sou eu
quem decide quem ficará sozinho ou não!
- Espere um pouco, delegado Chong! –
Dionísio fica entre os dois. – O senhor não pode
querer que tudo aconteça da forma como quer. Isso
é abuso de autoridade!
63

- Senhor Dionísio, não sei como vocês


cuidam dos seus problemas em seu país, mas
vocês estão bem longe do Brasil e quem manda
aqui sou eu.
- No meu país não é muito diferente, não!
Lá também existem pessoas que acreditam deter o
poder acima dos outros. Pessoas que acreditam
poder fazer tudo. Exatamente como o senhor está
fazendo agora.
O delegado se endireita e se aproxima de
Dionísio, encarando-o.
- Você quer ser preso e mofar dentro de
uma cela?
- Não, senhor, não quero... Só vou aceitar
esse seu plano porque quero Micael mais do que o
senhor. Só gostaria que não ultrapassasse os
limites de coerência que existem em situações
como essas e que se acalmasse.
O delegado volta a sentar na cadeira atrás
da mesa. Junta as mãos cruzando os dedos. Olha
para os três e diz:
- Espero que tenham entendido o que todos
deverão fazer. Vamo-nos encontrar aqui às 18:00
em ponto. Estão dispensados!
- Arrogante! – Irina fica nervosa, mas antes
de qualquer movimentação ou que ela repetisse o
que disse em voz alta, Dionísio a segura e a leva
para fora da delegacia.
- Calma, não vamos criar mais problemas,
já temos o bastante! Vamos embora!...
64

- Você está certo, esse delegado não vale


meu nervosismo. Mas ele vai ter o que merece!...
Eu gostaria que esse Micael o mordesse. Uma
mordidinha apenas!...
- Não pense besteira! Vamos almoçar e pare
de pensar nisso até a hora de voltarmos para a
delegacia.
Os três almoçam num restaurante ao lado
do hotel. Irina diz que está um pouco cansada e diz
que vai se deitar um pouco enquanto Dionísio e
Aurélio conversam em uma praça.
- Acho o plano muito arriscado...
- Não se preocupe! Notei que Micael possui
um ponto fraco. Algo que posso usar contra ele
num combate...
- Do que você está falando?
- No dia em que o persegui, percebi que ele
parecia sentir dores no lado esquerdo do seu
tronco.
- Dores? Como assim?
- Quando eu me aproximava e ele tentava
correr mais rápido, ele colocava a mão no lado
esquerdo do tronco, como se algo o estivesse
incomodando, como se ele tivesse algum problema
respiratório ou como se uma costela estivesse
quebrada.
- Sim, mas com a máscara ele ficará mais
forte, e talvez esse problema não o atrapalhe em
nada; talvez ele nem sinta nada.
65

- Não acredito que seja assim. Como você


mesmo já tinha me dito antes, ele terá poderes
sobrenaturais, mas seu corpo pode ou não sofrer
algumas alterações e se enfraquecer.
- Entendo, mas é um risco muito grande.
- Os vampiros possuem os ossos mais
frágeis, seu corpo não é como o nosso.
- Tudo isso é folclore!
- Era. Estamos diante de um vampiro de
verdade. E se por acaso essa dor for mesmo
alguma costela ou dificuldade em respirar, não
haverá dificuldade em vencê-lo!
- Você está mesmo muito confiante!
- Tenho que estar!
- Ninguém sabe como a máscara o afeta,
ninguém sabe como a máscara verdadeiramente
age. Não sabemos se ele se transformará num
vampiro comum, como estamos acostumados a
pensar num vampiro. Além disso, você nunca
enfrentou um antes; os reflexos deles podem ser
mais apurados. Você precisa estar preparado para
tudo!
- Saberemos de tudo no devido momento.
Na hora, saberei como agir. Pode ficar tranqüilo!
Por enquanto, vou meditar um pouco e pedir
proteção divina.
Aurélio volta para o hotel e Dionísio vai
para o templo que visitou com Irina no dia
anterior. Medita por quase uma hora, quando Irina
aparece e se senta ao seu lado.
66

- Tentei dormir e descansar um pouco, mas


não consegui parar de pensar em você! Aurélio me
disse que estaria aqui.
- Não há com que se preocupar, tudo ficará
bem, tudo dará certo!...
- Não consigo entender essa sua calma, não
consigo ficar assim, como você. Há um psicopata
por aí com quem você pode ficar frente a frente!
Um louco que está usando uma máscara capaz de
transformar pessoas em vampiros! Um assassino
frio que está matando pessoas inocentes!... E você
me fala para não me preocupar?
- Eu sei exatamente do perigo que estamos
enfrentando e é por isso mesmo que não posso me
desesperar. Pessoas dependem de mim!
- Que Deus nos ajude a pegar esse
desgraçado! Que Deus nos proteja!...
- Você nem o conhece e já tem tanto ódio
dele assim?
- Não o conheço e nem quero conhecer! Só
de pensar que ele pode te matar, que ele pode
atacá-lo nessa armadilha, já fico muito
preocupada!
- Ele não vai me matar! Vou saber me
defender. Pode ficar tranqüila, que não vou deixar
que nada aconteça comigo!

NOVE
67

Os dois voltam para o hotel, sobem para o


quarto. Irina abraça Dionísio com toda sua força,
ele a beija e a abraça também. Os dois fazem amor
até a hora combinada de irem para a delegacia,
tomam um banho rápido e chegam um pouco
atrasados, deixando o delegado nervoso.
- Essa demora de vocês demonstra muita
irresponsabilidade!. Já estava para mandar alguém
atrás de vocês! Vocês acham que isso é
brincadeira? Não gosto da forma como estão
encarando o que ocorre aqui! Estou a um
pequenino passo de prendê-los e jogar a chave
fora!!
- Não será necessário, senhor delegado!
Estamos aqui e prontos para a armadilha. Como
combinado. Hoje pegamos Micael e aí você terá o
prisioneiro que tanto quer!
Aurélio se aproxima de Dionísio e cochicha
em seu ouvido.
- Vocês pareciam estar se divertindo; pensei
que não seria interessante, que seria indelicado de
minha parte atrapalhá-los. Pelo menos dessa vez
fizeram menos barulho, não parecia que o mundo
estava acabando!...
Dionísio ri do comentário do amigo e
depois pergunta ao delegado.
- Vamos? Estou a fim de matar vampiros!
Interessado em cravar algumas estacas no peito de
alguns mortos-vivos!
68

- Vejo que parece muito feliz! Vamos ver


até quando essa sua felicidade dura. Espero que o
tal vampiro apareça e que consigamos destruí-lo.
Não quero mais saber de assassinatos em minha
cidade!
Enquanto o delegado e seus policiais
seguem à frente do grupo, Aurélio e Irina vão
conversando logo atrás; Dionísio os segue,
pensando no que havia acontecido até aquele
momento. Como tudo poderia estar ligado? Como
juntar as peças que parecem soltas? Como aquele
espião sabia sobre a escavação? Quem o informou
sobre isso? Quem era na verdade Dimitri - ele
estava com Irina para descobrir coisas sobre mim?
Há mais pessoas atrás disso tudo? O que queriam
com Irina? O que o Serviço Secreto Russo quer com
a máscara?
Quase chegando ao local combinado,
Aurélio e Irina esperam por Dionísio. Os três
continuam juntos até chegarem aonde o delegado e
seus policiais estão. Irina segura firme a mão de
Dionísio, sem intenção de o soltar.
- Chegamos. Meus policiais já estão se
posicionando. – o delegado se vira para Dionísio e
pergunta: – Você está pronto? Preparado para
fazer sua parte? Meus homens te darão cobertura,
não precisa ficar com medo.
- Estou pronto. Já estou indo.
- Tome cuidado, lindo meu!... – Irina abraça
Dionísio e o beija.
69

- Não precisa ficar assim, senhorita; meus


homens cuidarão de seu namorado. Não há com o
que se preocupar.
- Não se preocupe! Eu sei o que fazer. Eu te
amo! – Dionísio vai se distanciando.
- Os meus homens o seguirão a uma
distância razoável. Não há com que se preocupar.
Dionísio anda por uma estrada que segue
em direção ao templo que serve de esconderijo
para Micael. A mata começa a se tornar mais
fechada enquanto ele se distancia do grupo. A lua
cheia, que no dia anterior não ajudou em nada a
clarear os caminhos para Irina, propicia uma boa
iluminação, ajudando Dionísio a ter uma visão
parcial de onde está e para onde está indo. Ele
segura uma lanterna que o ajuda ainda mais a
deixar o caminho mais visível e conseguir andar
melhor por entre a trilha de terra que começa a ser
tomada pelo mato. Ao olhar para trás, ele percebe
que as luzes da cidade não aparecem mais, a
floresta à sua frente se torna mais densa, ele anda
por entre as árvores e já não consegue mais
identificar os policiais que estariam por perto. Seus
pensamentos começam a se tornar um empecilho
para sua aparente calma. Andar em uma floresta
escura não é algo muito seguro, ainda mais com
um assassino à solta.
Os pensamentos sobre tudo o que está
acontecendo voltam a perturbá-lo, mas ele tenta
manter a concentração e restringir seus
70

pensamentos ao que tem de fazer naquele


momento.
- Continuar com o pensamento em várias
coisas ao mesmo tempo não vai me ajudar em
nada - pior, isso vai é me atrapalhar quando
precisar enfrentar o vampiro, e esse é um risco que
com certeza não quero correr. – Dionísio diz em
voz baixa para ter algum som familiar por perto.
O silêncio a sua volta começa a incomodá-
lo mais do que poderia imaginar. Ele nunca tinha
passado por algo semelhante. As idas à Floresta
Amazônica, suas aventuras tropicais em matas
fechadas e até mesmo a selva africana não se
pareciam em nada com aquilo. Sempre acreditou
que poderia enfrentar situações assim de forma
tranqüila, mas há algo que ele ainda não conseguiu
entender perfeitamente e isso o está atrapalhando
a manter a paz interior, necessária para deixá-lo
pronto para qualquer circunstância.
- Relaxa, Dionísio, relaxa e tente se
concentrar! Isso não é como acampar, você sabe,
mas relaxa, você tem que ficar tranqüilo, pronto
para tomar a atitude certa no momento certo!...
Um grito corta a noite e Dionísio sente um
frio na espinha, como se uma faca bem afiada
entrasse em sua carne e o atingisse no coração. Ele
olha para trás, de onde o grito veio, e vê dois dos
policiais correndo em sua direção. Aos gritos, os
dois passam por ele e atingem uma clareira mais à
frente. Uma criatura assustadora, de olhos
71

vermelhos como se estivessem em chamas, aparece


de um salto, caindo em cima de um dos policiais,
enquanto este se debate no chão tentando se
desvencilhar de seu atacante. O monstro, uma
criatura que aparenta ter mais de dois metros,
rasga a pele de um de seus braços como se fosse de
papel. O outro policial assiste a cena e vê seu
colega gritando desesperadamente no chão; ele
tenta correr para a floresta, mas a criatura o
alcança com outro salto e crava os dentes no seu
pescoço, arrancando-o. Dionísio assiste a tudo e
quase vomita. Seu corpo todo estremece e o pavor
tenta controlá-lo, deixando-o imóvel. A cena deixa
seu corpo todo arrepiado e ele acredita que, se não
controlar um pouco, pode ser capaz de perder
qualquer função motora, impossibilitando-o de
reagir. A criatura o vê e começa a se movimentar
em sua direção. Dionísio faz o máximo de esforço
para conseguir pegar uma das estacas que guarda
em sua mochila e espera o ataque. Não sabe qual é
a melhor escolha - esperar um monstro atacar ou
atacá-lo primeiro. A criatura tenta agarrá-lo, mas
ele consegue dar um salto por cima dela e ainda
atinge com a estaca a parte do corpo que acredita
ser seu ponto fraco. Ao cair no chão e virar para a
criatura, percebe que seu golpe não surtiu efeito
algum. Espantado, ele não consegue se defender
de um tapa que recebe. Ele voa a uns seis metros
de distância e cai tonto no chão. A criatura se
aproxima do corpo zonzo no chão e o levanta
72

como se fosse um brinquedo sem peso algum.


Dionísio abre os olhos e se vê pendurado de cabeça
para baixo. Com um pé livre, acerta um chute no
rosto de seu oponente, pega uma faca que está em
um de seus bolsos e a crava no braço da criatura,
que o solta e ruge como se fosse uma fera. Ele se
levanta rapidamente, procura por sua mochila e
pela estaca que soltou quando foi atingido. A
criatura arranca a faca do braço, encara-o e solta
outro rugido ainda mais feroz. Não tendo para
onde fugir e conseguindo ver que a estaca está a
seus pés, ele a pega e espera outro ataque. Com
uma agilidade surpreendente, a criatura desfere
outro tapa, mas Dionísio consegue se desviar,
afastando a cabeça para trás, antes que seu pescoço
fosse arrancado. Com o impulso para trás, ele
aproveita para dar um salto mortal e atingir um
chute no rosto da criatura, consegue acertar, mas
outra vez em vão.
O desespero novamente toma conta e ele
começa a procurar uma forma de fugir do
monstro. Quando a criatura pula sobre ele, um tiro
a derruba, mas ela se levanta rápido e procura
quem a atingiu. Dionísio percebe uma
oportunidade única e crava a estaca no peito da
criatura, que cai no chão; ele pisa na estaca para
que fique bem cravada no peito e atinja o coração.
Outro rugido estrondoso ecoa pela noite. A
criatura volta a sua forma original e depois queima
instantaneamente, sobrando somente cinzas.
73

Dionísio percebe, em segundos, que seu


atacante não era Micael. Ele se senta no chão e logo
depois se deita, coloca as mãos no rosto e começa a
chorar; por poucos instantes se esquece de que há
outras pessoas se aproximando e chora
copiosamente. Pensa que por pouco não morreu,
que por muito pouco sua vida quase foi tomada
por uma criatura que está acima de tudo aquilo
que já enfrentou. O medo percorre todo o seu
corpo e ele chora.
Ele escuta os passos que cada vez mais se
aproximam e enxuga as lágrimas: não quer que
Irina perceba a fraqueza que o toma por inteiro.
Ele se senta novamente no chão e olha para os três
que se aproximam.
- Escutamos os gritos, demoramos um
pouco para chegarmos porque vocês se
distanciaram mais do que eu imaginava! – o
delegado chega com o revólver na mão. –
Pensamos que precisava de ajuda!
- Dionísio! – Irina aparece correndo e
gritando, ajoelha no chão e o abraça. – Pensei que
tivesse sido atacado! Que o monstro tivesse
pegado você!...
- Fui atingido... – Irina percebe um certo
horror nos olhos do seu amado.
- Como você está? – Aurélio ajuda Irina e
Dionísio a se levantarem.
74

- Estou bem, sim; os policiais é que não


estão. Eles não tiveram tanta sorte, e foram
massacrados pela criatura.
- Você os viu?
- Sim, eu vi quando a criatura os atacou.
- Meu Deus!... – Irina leva as mãos até a
boca.
- A criatura era Micael? – O delegado entra
na conversa.
- Não. E não sei quem era, talvez seja
alguém que ele tenha atacado antes, talvez seja até
mesmo a pessoa que fugiu da delegacia dias atrás.
- Não temos mais como saber. Agora são
cinzas.
- Era um vampiro e era extremamente forte.
– Dionísio chuta as cinzas do chão. – Eu quase
morri aqui e ainda não encontramos o desgraçado
do Micael! – A fúria toma lugar do medo. –
AAAAAAAHHHHHHH!
- Calma! Você está vivo, conseguiu escapar
com vida de uma luta desigual! Teremos outra
chance e estaremos melhor preparados. Calma,
tente se controlar, não vai adiantar ficar assim
agora! – Aurélio tenta acalmar seu amigo.
- Não me importa, eu levei um tapa dessa
criatura infernal e quase fui partido ao meio - e
olha que esse era um vampiro qualquer, não estava
com a máscara! Não era Micael. Alguém tem idéia
do que pode acontecer quando encontrarmos a
pessoa que estiver com a máscara? Não estamos
75

mesmo preparados para enfrentar uma criatura


assim! Temos que pensar em outras formas de
enfrentá-los. Não será nada simples. Isso vai ser
muito mais complicado do que eu imaginava!...
Irina abraça Dionísio com força e, mesmo
que ele tente se soltar, ela não o deixa; então ele se
rende e a abraça também. Ela começa a chorar e ele
percebe, mas segura as lágrimas que também
tentam sair de seus olhos.
Uma viatura aparece e um policial sai dela.
Batendo continência, ele se aproxima do delegado.
- O corpo que estava no necrotério sumiu.
A pessoa encarregada não sabe o que aconteceu,
mas parece que foi o mesmo que aconteceu com o
corpo anterior. O encarregado acordou e o corpo
não estava mais lá.
- Dimitri sumiu? – Irina pergunta.
- Alguém foi ferido? Mordido? – o delegado
pergunta.
- Não, senhor.
- O corpo do qual vocês estão falando era o
de Dimitri?
- Sim, senhorita Irina. É o corpo de Dimitri.
- Eu tinha lhe falado para manter o corpo
em um lugar mais protegido, num lugar em que
não houvesse pessoas por perto, algum lugar de
que ele não pudesse fugir! Eu o avisei, delegado!
Agora pode começar a acreditar que estamos
enfrentando seres sobrenaturais. Seres que estão
76

acima de nossa compreensão! É capaz de acreditar


agora? – Dionísio fala nervoso e encara o delegado.
- Não estou gostando de seu tom de voz,
rapaz! – O delegado encara Dionísio também.
- Vamos acalmar os ânimos, não vamos
agora começar a brigar entre nós!... – Aurélio entra
no meio dos dois.
- Aceito que errei, aceito que posso ter sido
precipitado e que posso ter colocado sua vida em
risco! Concordo, mas agora temos que pensar em
outro plano! Temos que pensar em como pegar
Micael e a outra criatura que está à solta.
- O que vamos fazer com os corpos dos três
policiais que foram atacados, senhor? – O policial
pergunta.
- Cremaremos todos; já estão mortos,
avisaremos as famílias. Não quero cometer
novamente o mesmo erro. Não quero mais
criaturas andando por aí e matando mais pessoas.
Pode colocá-los na viatura, vamos direto para o
necrotério e lá vamos cremá-los.
O delegado segue na viatura com o policial
para o necrotério da cidade. Manda que algum
policial vá até as casas dos policiais assassinados
avisar as famílias e deixa Dionísio, Irina e Aurélio
próximo do hotel.
- Poderíamos ter aproveitado para ir ao
templo para ver se encontrávamos algo de novo,
alguma informação sobre o que estamos
enfrentando. Pode haver algo sobre Micael que
77

poderíamos usar contra ele. – Aurélio diz ao sair


da viatura.
- Concordo, meu amigo, mas o que menos
quero agora é ter o azar de encontrar Micael se ele
estiver com a máscara... – Dionísio para por um
instante e olha para a lua, o dia está amanhecendo,
os raios do sol começam a despontar no horizonte.
– Confesso que fiquei com medo, muito medo, e
não quero estar despreparado quando encontrá-lo.
- No que está pensando, lindo meu? – Irina
olha para Dionísio e pergunta com um pouco de
medo. – O que está passando por sua cabeça
agora? O que aconteceu mexeu mesmo contigo!...
Estou aqui com você, não se esqueça disso!
- Ainda não sei o que fazer. Quero destruir
Micael, e essa é a única certeza que tenho agora!
Esteja ele ou não com a máscara, eu TENHO que
destruí-lo, mas ainda não sei como... Preciso de
algum tempo para me preparar e nem sei se tenho
esse tempo, e neste exato momento não tenho a
menor idéia do que fazer!...
Irina e Aurélio se assustam com a raiva na
voz de Dionísio, não estão acostumados a vê-lo
dessa forma.
- Quando encontrá-lo, ou eu o mato, ou ele
me mata!
- Vamos deixar que o delegado se preocupe
com isso agora. Ele sabe que esse caso envolve algo
muito mais terrível do que apenas assassinatos.
Compreendeu agora com o que está lidando. Vai
78

pensar algumas vezes antes de tomar qualquer


atitude, e isso é bom. Em vez de pegar no nosso pé,
ele vai encarar o problema com muito mais
responsabilidade. Quem sabe assim teremos mais
tempo para nos prepararmos melhor e
conseguirmos enfrentar Micael? – Aurélio diz para
o amigo.
- Deixemos que o delegado lide com esse
problema, então! Ele é a autoridade da cidade, e
pode muito bem buscar ajuda nacional para
resolver o que está acontecendo aqui. Vamos, –
Irina segura nas mãos de Dionísio – vamos
embora!
- Não! Eu não vou embora enquanto não
destruir Micael, não vou deixar que a máscara
permaneça com ele! Um poder desses nas mãos de
um psicopata não é nada interessante. E parte da
culpa por isso acontecer é minha. É minha
responsabilidade encontrá-lo, derrotá-lo! – Ele
segura as duas mãos dela, olha bem
profundamente em seus olhos, sorri e diz: – E não
adianta, estamos sem nossos passaportes. Não
temos como viajar.
Os três começam a rir, e por um instante Irina
acredita que Dionísio está um pouco mais calmo,
mas mesmo assim ainda tem um pouco de medo
do que ele pode estar sentindo.

DEZ
79

Eles entram no hotel e vão para seus


quartos.
- Estou completamente exausto, preciso de
algumas boas horas de sono!... – Dionísio se
despede de Aurélio e entra no quarto seguido de
Irina.
- Bom resto de noite para vocês, então!
Espero que descansem bem. Também estou muito
cansado!... – Aurélio segue para seu quarto
também.
Enquanto Irina entra no banheiro e toma
banho, Dionísio fica sentado na cama com a cabeça
baixa, respirando profundamente, para tentar
assimilar o que aconteceu durante a noite. Depois
que ela sai e se deita na cama, ele toma uma ducha
demorada, deixando somente a água cair em seu
corpo. Ele passa as mãos pelos cabelos e chora,
chora muito, mas, com o barulho do chuveiro,
Irina não consegue escutá-lo.
Depois de vinte minutos, ele sai do
banheiro. Observa Irina dormindo, senta-se a seu
lado, alisa seus cabelos, deita-se e fecha os olhos,
mas não consegue dormir. Fica alguns minutos
assim, mas logo em seguida se levanta e vai-se
sentar em uma poltrona no canto do quarto. Ele
fica olhando para ela e pensando. “Como poderei
protegê-la? Como serei capaz de enfrentar alguém
tão poderoso? Como poderei destruir uma força
tão horrível? Eu nunca vi nada parecido, nunca
presenciei um mal tão destrutivo. Nunca pude
80

imaginar algo tão maligno. Ele arrancou os


membros daquelas pessoas sem sentimento algum,
foi apenas alimento para ele. Ele rasgou o pescoço
daquele homem com os dentes. Não posso deixar
que algo aconteça com ela nem com Aurélio. Que
chance eu tenho contra uma monstruosidade
dessas? O que devo fazer, meu Deus? Ilumine o
caminho que tenho que seguir para poder
enfrentar esse desafio!...”.

Quando Irina acorda, percebe que Dionísio


não está no quarto; ela olha no banheiro e ele
também não está lá. Troca de roupa e desce até o
saguão, onde pergunta ao porteiro se ele o viu.
- Vi sim, senhora, saiu há uns trinta
minutos, mas não disse aonde iria e nem deixou
qualquer recado.
- Muito obrigada!
- Mas um sujeito estranho esteve aqui logo
depois de o senhor Dionísio sair e pediu para que
entregasse esse bilhete para a senhora.
- Ele deixou nome? Disse quem era?
- Não, senhora. Só deixou o bilhete e disse
para entregar-lhe.
Irina abre um envelope e lê o bilhete –
“Encontre-me no templo às 09:00 horas”.
- Muito obrigada, mais uma vez! Terei que
sair agora, e talvez me demore; se Dionísio chegar
antes de mim e perguntar aonde fui, diga-lhe que
tive que tratar de negócios. Tive que resolver
81

alguns problemas referentes a meus contatos no


Japão. Pode ser?
- Sim, senhora. Pode deixar que transmito o
recado.
- Mais uma vez, muito obrigada!
Irina sai do hotel às 08:20 e segue em
direção ao templo. Com as ruas movimentadas,
passar sem ser notada fica mais fácil. Pela manhã,
o caminho parece muito mais rápido de se fazer, o
tempo gasto é bem menor do que o necessário para
ir até lá de madrugada. Ela percebe que saiu do
hotel sem arma alguma, nem mesmo uma faca.
Seus sentimentos começam a atrapalhar seu
julgamento racional. Tudo o que tem acontecido
entre ela e Dionísio está afetando seu treinamento
como espiã. A única coisa que consegue pensar
agora é em encontrar Micael e em esforçar-se para
não matá-lo, pois sabe que pode vencê-lo num
combate corporal - desde que ele não esteja usando
a máscara.
- Chegou até antes da hora marcada! Veio
correndo?
- Não estou interessada em enrolação,
Micael! Diga-me rápido o que quer comigo! Não
quero perder meu tempo com você. Como eu
gostaria de ter uma pistola na mão agora, para
disparar uma bala no meio de sua testa!...
- Calma, não precisa ser tão arredia! Só te
chamei aqui porque você me deve satisfações.
Quero notícias. Tem alguma informação para
82

mim? Conseguiu o que pedi com toda a educação


que meus queridos e falecidos pais me deram?
- É um miserável, mesmo! Não falei ainda
com o general e estou seriamente inclinada a não
ceder diante de sua chantagem. Não quero fazer
nenhum acordo contigo, não vou concordar com
sua exigências!
- Está se saindo muito mais corajosa do que
estou acostumado a ver. – Micael, que estava
sentado em uma cadeira próximo à cama, se
levanta, aproxima-se da mesa no canto do quarto e
aponta a máscara para Irina – Está vendo-a?
Horripilante, não acha? – Ele a pega.
- Não tenho medo de você! Não me importa
o que vai fazer, você não vai conseguir o que quer!
Não vou compactuar com o que deseja, não
negociarei com um terrorista!!
- Se eu fosse você, ficaria com muito medo.
Quem está com todas as cartas maiores na mão sou
eu. Estamos longe de qualquer lugar onde haja
gente, longe do seu amado. A máscara está em
minhas mãos, e não tenho objeção alguma a usá-la
agora. Ao contrário de você, não tenho nada a
perder! Você não tem idéia do que esta simples
máscara é capaz de fazer!
- Já te disse, não tenho medo de você e não
vou ceder ao que quer! Não vou ajudá-lo a fazer o
que quiser com essa máscara! Minha missão era
encontrá-la e destruí-la para que ninguém se
beneficie do poder que ela pode proporcionar. O
83

que tinha que fazer desde o começo era não deixar


que ela caísse em mãos sanguinárias como as suas!
Você tinha a mesma missão!... O que o fez mudar
de idéia?
- Você não é capaz de entender! Não
provou o poder, não usufruiu a chama que corre
em suas veias quando usa a máscara. Você não tem
a mínima noção do que é ser capaz de tudo! O
poder da máscara vai muito além do que qualquer
pessoa poderia imaginar. Chega a ser divino o que
pode ser criado com ela! Vida eterna!! Vida eterna
é a intenção de todo ser humano. Viver
eternamente sem temer a morte, viver de acordo
com suas próprias regras! Você não pode imaginar
o que é ter poder assim nas mãos. É só colocar a
máscara e ver como as coisas a seu redor começam
a mudar! Poder! Poder é tudo!! Tudo o de que eu
preciso para ser e fazer o que eu quiser!!
- Desgraçado! Não vou deixar que consiga
o que quer!
Micael ataca Irina com uma faca que tira do
tornozelo, mas ela se desvia rapidamente e acerta
um soco no rim direito dele. Ele sente dor, mas,
entorpecido de raiva, consegue, com um giro mais
rápido do que ela possa perceber, acerta um tapa
em seu rosto. Ela cai no chão e começa a ser
chutada na barriga e no rosto. Antes que consiga se
levantar, seu agressor pega uma corda que estava
sob a cama e a amarra.
84

- Pensou mesmo que conseguiria me


vencer? O uso da máscara me concede alguns
benefícios! Estou mais rápido e mais forte do que
sou normalmente. Sempre perdia em combate para
você, mesmo sendo maior ou mesmo mais forte,
mas agora a história é bem diferente! Foi até mais
fácil do que imaginava, acho que não preciso mais
da máscara para um briga assim. Só a usarei agora
para transformar pessoas para meu exército.
Levante-se! – Micael puxa Irina e a força a se
levantar, empurrando-a até uma pilastra que fica
fora do quarto, bem no meio do templo – Assim é
que gosto de vê-la: sem condições de qualquer
reação!
Irina olha para Micael; ela sente um pouco
de sangue escorrendo por sua boca, um gosto
amargo que a faz ficar mais furiosa com seu
oponente. Quando ele se aproxima dela e segura
seu queixo, ela aproveita e cospe nele; ele limpa o
rosto e bate com as costas das mãos no rosto dela.
Depois, passa a mão na boca dela e lambe os dedos
sujos de sangue e suor.
- Sua vadia! Sempre quis vê-la sem roupa
na minha frente e amarrada desse jeito. Talvez hoje
sacie minha sede de você! Talvez eu a violente com
todo o desprezo que sinto, por todos estes anos
sendo rebaixado diante de você!
- Seu monstro! – Irina tenta chutá-lo, mas
ele segura suas pernas e as amarra também. – Eu
vou matá-lo!
85

- Não precisa ficar tão excitada assim, nossa


hora chegará. Com você amarrada aqui,
oportunidades não faltarão, e teremos muito
tempo para nos esbaldar com todo esse fogo! –
Micael lambe o sangue na boca de Irina, que tenta
mordê-lo. – É mesmo mais fogosa do que eu
poderia imaginar! Você poderá me morder daqui a
pouco!...
- Seu nojento! Eu tenho nojo de você, tenho
repulsa a tudo o que venha de você! Não me
toque, seu imundo!
- Segure esse seu fogo todo para depois!
Agora tenho que dar um telefonema para seu
querido general e contar-lhe minhas exigências. Se
precisar provar a ele que não estou brincando, se
ele não ceder, terei que matá-la para convencê-lo
de que estou falando sério. Farei isso com enorme
prazer!
Irina se debate, tentando livrar-se das
cordas. Micael ri da cena, volta ao quarto para
guardar a máscara. Ela percebe que é inútil tentar
se soltar, as cordas estão muito bem amarradas e
muito apertadas: ela sente dificuldade até mesmo
para respirar, e então desiste antes que fique sem
ar. Micael volta, passa por ela, sai do templo e
segue para um vilarejo mais próximo para
procurar um telefone.
86

Dionísio volta para o hotel e encontra


Aurélio no saguão lendo algumas revistas em
inglês que estavam em uma mesinha.
- Está sozinho?
- Sim, por quê?
- Pensei que Irina estivesse contigo!
- Ela não está no quarto?! Não conseguia
dormir e saí para dar uma volta.
- Ela não está no hotel. Passei no quarto de
vocês e, como ninguém atendeu a porta, desci até
aqui; o porteiro disse que os dois tinham saído -
primeiro você, depois ela. Até pensei que ela
tivesse ido encontrar você em algum lugar. Estou
aqui há vinte minutos e ela não apareceu.
- Aonde será que ela foi?
- Senhor Dionísio, – o porteiro se aproxima
dos dois – a senhora Irina pediu para que eu
dissesse ao senhor que ela iria cuidar de alguns
negócios.
- Que tipo de negócios?
- Ela disse que eram problemas referentes a
contatos no Japão.
- Pensei que ela já tinha acertado tudo com
o escritório de lá... – Dionísio pega uma nota de
100 baht e a entrega ao porteiro – Muito obrigado!
- Disponha, senhor!
Enquanto o porteiro se distancia, os dois
decidem sair e dar uma volta. Já na porta do hotel,
Dionísio se vira e pergunta.
- Que horas eram quando ela saiu?
87

- 08:20, senhor!
- Muito obrigado, mais uma vez!
Os dois saem do hotel e conversam.
- Não estou gostando nada disso...
- Aconteceu alguma coisa?
- Há algo estranho no ar, mas não sei o que
é realmente... Muita coisa vem acontecendo até
agora sem explicações. Muitas perguntas não
respondidas. Muita ponta solta num emaranhado
estranho de coincidências...
- Do que você está falando?
- Tomara que minhas impressões estejam
erradas... Espero que o que está me confundindo
não passe de paranóia.
- Do que você está falando? Tem alguma
coisa a ver com Irina?
- Sim, meu amigo, – Dionísio para e olha
para Aurélio. – mas quero muito estar errado. Que
Deus faça com que meu pressentimento esteja
equivocado!... Minha cabeça está a mil já há um
bom tempo. Se o que estou pensando for verdade,
não sei mais o que fazer! Estarei completamente
perdido!...
- Não quer me contar sobre o que é esse
pressentimento? Não quer compartilhar comigo
essas dúvidas todas? Talvez eu possa ajudar em
algo. Sou seu amigo, não sou? Somos como irmãos!
Dionísio segura o ombro de seu amigo e
sorri.
88

- Pode deixar meu camarada! Acho que


estou fantasiando demais; talvez esteja, como diz
minha mãe, procurando “chifre em cabeça de
cavalo”! – Os dois sorriem. – Já são 09:40. Daqui a
pouco ela deve estar de volta.
- Estou com muita fome! Não comi no
hotel. Você comeu algo?
- Também estou faminto. Vamos comer
alguma coisa aqui por perto mesmo. Saí cedo e
ainda não comi nada.
- Estou preocupado contigo. Não dorme,
não come, daqui a pouco não faz mais nada!... –
Aurélio começa a rir e Dionísio ri junto. Os dois
dão gargalhadas por alguns segundos e depois se
abraçam. – Você é meu melhor amigo, te considero
meu irmão mais novo!
- Digo o mesmo, apenas mudo para meu
irmão mais velho!... Mas pode ficar tranquilo, tudo
se resolverá bem antes que eu fique maluco.
- Pensei que você já fosse maluco! – Os dois
voltam a gargalhar.
Andando mais um pouco, eles entram num
bar às margens do rio, pedem café e alguma coisa
para comer. Passam o tempo conversando sobre
coisas aleatórias, como as aulas que Aurélio dá na
Índia, e aproveitam para conhecer um pouco do
comércio local. Mas Dionísio continua preocupado
com a saída de Irina e decide voltar para o hotel.
Chegando lá, os dois são avisados de que ela ainda
não voltou.
89

- Agora sim, estou efetivamente


preocupado! Já passa do meio dia e nenhuma
notícia dela!...
- Aonde será que ela foi?
- Não sei, e estou com medo de ficar
pensando nisso.
- Vamos encontrá-la. Quer ir à delegacia?
- Não! Não quero que o delegado saiba que
Irina sumiu. Deixe-o ficar pensando nos planos
malucos dele, vamos resolver isso sozinhos.
- Quer ir até o templo? Quer procurar mais
pistas sobre Micael? Quem sabe não descobrimos
lá alguma forma de enfrentá-lo?
- Vamos, talvez encontremos mais do que
isso! Talvez encontre as respostas para todas essas
minhas dúvidas. Tudo pode ser muito mais
simples e horrível do que posso imaginar.
- Se ele estiver mesmo atrás de Irina, ele
pode estar envolvido nesse sumiço dela. Quem
sabe ele a raptou?
- Muito obrigado por essas palavras, amigo,
mas agora começo a aceitar a idéia de que Irina
pode estar muito mais envolvida nisso tudo do
que poderia imaginar...
- Não quero fazer com que fique
duvidando dela!
- Agora não precisa mais se preocupar com
isso. Não temos respostas para muita coisa que
tem acontecido.
90

- E agora você começa a pensar num


envolvimento dela com essas coisas?
- Isso me faz perder o chão, mas, pensando
dessa forma, muita coisa se resolve, muitas
respostas aparecem...
- Vamos então ao templo!
- Sim, vou somente pegar algumas coisas
no meu quarto; não sei se serei capaz de enfrentar
alguém agora, mas como é dia, imagino que Micael
não esteja usando a máscara.
- Te espero aqui.
Os dois saem do hotel e seguem direto para
o templo. Saem da cidade e entram na floresta por
um caminho pouco batido, mas que, nos últimos
dias, parece que esteve sendo usado demais por
muita gente. Dionísio se lembra da clareira onde
enfrentou a criatura; por um segundo ele fecha os
olhos e relembra a luta. Sem que Aurélio perceba,
ele sente uma tontura, mas imediatamente recobra
os sentidos e continua a andar. Os dois se
aproximam do templo. Dionísio pede para
Aurélio, que segue a sua frente, parar por um
instante: ele consegue discernir ruídos que vêm de
dentro da construção.
- Alguém parece estar lá dentro!
- Estou ouvindo!... Parece que alguém está
resmungando...
- Irina!
Dionísio corre sem se preocupar com
Aurélio e vê, por uma janela, que Irina está
91

amarrada. Quando se dirige à porta do templo, vê


um homem entrando por ela e reconhece Micael.
Aurélio chega e segura seu braço.
- Espere, tenha calma! Vamos ver o que está
acontecendo, depois agiremos! Se ele fizer alguma
coisa, entraremos e você faz o que quiser. Vamos
ficar aqui e esperar um pouco, vamos escutar o que
estão conversando!
Micael se aproxima de Irina e passa a mão
pelos cabelos dela. Ela tenta se afastar, mas não
consegue, sente ainda um desconforto enorme e
dificuldade em respirar. Ele vai até o quarto e pega
a máscara.
- Afrouxe essas cordas, não estou
conseguindo respirar direito!...
- E correr o risco de você tentar fugir? Nem
pensar! Mesmo que eu saiba que você não
conseguiria me enfrentar, não pretendo facilitar em
nada para você! – Micael segura o pescoço dela. –
Estou adorando vê-la assim: subjugada, sem
reação alguma... Sempre esperei por um momento
como este!
Aurélio segura Dionísio mais forte. Ao ver
Micael molestando sua amada, ele quer entrar,
mas o amigo consegue segurá-lo e pede-lhe para
não agir ainda.
- Foi exatamente como imaginei: o seu
grande general aceitou as minhas exigências sem
pestanejar. Ele sempre te tratou como filha dele, e
você sempre foi a favorita... Ele sempre te
92

defendeu de tudo!... – Micael lambe o pescoço


dela.
- Seu canalha nojento!
Dionísio tenta mais uma vez entrar e
Aurélio continua impedindo o amigo.
- Tenha calma, espere, vamos continuar a
escutar a conversa! Se ele a agredir, entraremos.
Por enquanto, tenha calma!...
- Em duas semanas serei um homem
bilionário, já encontrei um comprador para a
máscara, e então não precisarei de você, não
precisarei de ninguém.
- Solte-me e vou te mostrar como se trata
um verme como você! Você é mais imundo do que
qualquer mulher que já te rejeitou pode imaginar!
- Pode me insultar o quanto quiser. Não
estou preocupado com o que você pensa. Com a
máscara, posso fazer o que quiser! Com ela sou
capaz de tudo, tenho o poder supremo! Serei o
senhor de tudo e de todos!!
- Bastardo, desgraçado! SOLTE-ME!!!
- O tal do Dionísio conhece esse seu
linguajar? Ou ele é tão idiota que também não sabe
que você fala essas coisas? Você representa mesmo
um papel para ele, não é? Acredito que até na
cama ele deve ser tão imprestável, que você
representa lá também. O que aquele imbecil sabe
sobre você?
- Não fale assim dele!
93

- Você conseguiu esconder que é uma espiã


russa; conseguiu esconder seu envolvimento em
todo esse caso da máscara, desde que estava
interessada na escavação até agora. Você ia até
roubar a máscara dele! Tenho todos os motivos
para acreditar que ele é até mais idiota do que eu
imaginava!...
- Eu não ia roubá-la!
- Isso não me importa nenhum pouco! Não
quero saber o que você faria com ela. Agora ela
está comigo e daqui a pouco eu a matarei. Nada
mais é importante. Bem, só o fato de que vou ficar
bilionário, mas isso eu deixo para depois. Por
enquanto, vou me aproveitar um bocado de você.
Se não ajudar ficando parada, vou ter que usar a
força e posso até deixá-la inconsciente, o que eu
não queria. Estou com muita vontade de usufruir
de você bem acordada, observando o que é ser
dominada por um homem de verdade!
- Não me toque com essas mãos sujas!
- Você não pode fazer nada, minha
camarada! Vai morrer de qualquer maneira!
Quando Micael rasga a blusa de Irina,
Dionísio pula pela janela de onde estava escondido
e grita. Aurélio entra logo em seguida
- Solte-a!
- Veja que maravilha!... Agora teremos
platéia!
- Por que não me chama de idiota na minha
frente?
94

- Isso vai ser muito fácil! Que bom que você


apareceu, vai me poupar tempo, não precisarei ir
atrás de você para matá-lo depois. Posso fazer isso
agora, só vou matar sua companheira aqui, depois
acabo com você!
- Você é quem irá morrer, seu canalha! Não
vou deixar que utilize mais a máscara. Não vou
deixar que fique transformando mais pessoas
inocentes em monstros sedentos de sangue!
- Qual dos dois quer morrer primeiro?
Você ou seu amiguinho aí do seu lado? Posso
enfrentar os dois sem problema algum.
Antes que Micael colocasse a máscara,
Dionísio consegue chutá-la de sua mão e diz a
Aurélio:
- Solte Irina e saia daqui com ela, leve-a
para o hospital, eu cuido dele aqui!
- Tem certeza?
- Vá agora! Ela precisa de cuidados
médicos!
Micael pega a máscara e, enquanto Aurélio
liberta Irina, Dionísio volta a chutá-lo. Micael
consegue se desviar do chute e tenta acertar um
soco em seu oponente, que consegue defender-se.
- Não vou usar a máscara em uma luta
contra um verme como você, não vou precisar
dela. Fui treinado pelos maiores lutadores russos, e
a máscara me deu mais força e rapidez que um
homem normal.
95

- Você aprendeu também a acreditar que é


um Deus?
- Cale-se, ser desprezível! Você é um idiota
que não consegue nem mesmo conhecer a mulher
que tem ao lado! Irina mentiu para você a vida
inteira. Você nem sabe quem ela é!
- Escutei a conversa dos dois, não preciso
que você fique me falando quem é quem! O que
me interessa agora é recuperar a máscara e destruí-
la!
- É mesmo um fraco! Você também não
conhece o poder da máscara. Não sabe do que ela é
capaz!
- Isso não me importa!
Dionísio ataca Micael com um chute no
rosto, mas esse consegue desviar e tenta dar-lhe
uma rasteira. Os dois são muito rápidos. Por pouco
Dionísio consegue desviar-se de um soco de
Micael e segura seu braço, jogando-o no chão;
acerta-lhe um chute nas costelas, exatamente no
lado em que imaginava ser o ponto fraco dele.
Sentindo que uma costela quebrou, Micael se
levanta do chão e avança em Dionísio; este espera
a aproximação do oponente, dá um salto e o acerta
com o joelho no peito. Com raiva, Micael tenta
desesperadamente colocar a máscara, mas Dionísio
consegue segurar sua mão, quebra seu braço
esquerdo com uma chave aplicada no antebraço e
acerta uma cotovelada em seu rosto. Micael solta
um grito estridente de dor. Percebendo que pode
96

perder a luta, Micael pega um pedaço de madeira


no chão e consegue acertar Dionísio no ponto em
que o monstro o atingira na noite anterior.
Sentindo uma dor lancinante, Dionísio se ajoelha;
Micael pega a máscara, que tinha caído no chão, e
sai correndo.
Aurélio e Irina aparecem logo depois,
correndo para dentro do templo.
- O que estão fazendo aqui? EU FALEI
PARA LEVÁ-LA AO HOSPITAL!
- Vimos Micael correndo para fora do
templo e pensamos que você estivesse ferido - o
que é verdade.
- Ele teve sorte, me acertou no lugar em que
o monstro me bateu ontem.
- Como você está? Você consegue respirar?
Você está bem? – Irina corre até ele.
Dionísio olha para Irina e se levanta, bate
na poeira em sua calça e fala com Aurélio:
- Já sei de tudo o que precisava saber; todas
as perguntas que tinha foram devidamente
respondidas e também consegui recuperar meu
passaporte. – Ele vê o seu passaporte e o de Irina
sobre uma mesa do quarto. – Agora posso viajar
novamente. – Ele entra no quarto, pega seu
passaporte e sai do templo.
Irina pega o dela também e vai atrás dele.
A volta para o hotel parece muito longa.
Dionísio e Aurélio andam à frente e Irina vem logo
97

atrás. Depois de um longo período em silêncio,


Dionísio diz a ela:
- Eu já disse para que vá a um hospital!
- Eu não vou a lugar nenhum se você não
for comigo.
- Não torne as coisas mais difíceis do que já
estão.
- Eu não vou ao hospital sem você! Você
também precisa ir! Tinha que ter ido depois da luta
de ontem!
- Faça o que quiser. Não tenho que me
preocupar contigo.
- Calma, Dionísio! Você precisa descansar
agora. – Aurélio fala.
- Eu vou viajar.
- Aonde você vai?
- Vou ao Japão. Micael não vai sair da
Tailândia tão cedo. Enquanto ele não conseguir o
que quer, ele não irá embora. Tenho que usar esse
tempo para ir ao Japão.
- O que você vai fazer lá?
- Ainda tenho duas semanas antes que
Micael possa fazer alguma coisa. Você também
escutou. Ele está tramando alguma coisa e isso será
em duas semanas ou até menos. No Japão eu posso
encontrar alguma coisa que me ajude a enfrentá-lo
e vencê-lo quando estiver usando a máscara. Eu sei
que no Japão eu conseguirei me preparar melhor
do que ficando aqui.
98

- Eu irei com você. – Irina entra na


conversa.
- Mas não vai mesmo! – Dionísio se vira
para ela e a encara. – Você tem muito com o que se
preocupar, e não sei se posso mais acreditar em
você. Aliás, toda a nossa vida foi uma mentira!
- Eu não sou sua inimiga, lindo meu!...
- Não me chame assim! Você não tem o
direito de se dirigir a mim dessa forma! Eu não sei
quem você é!
- Não fale assim!... – Os olhos de Irina
começam a lagrimejar e ela tenta enxugá-los –
Você viu que Micael está contra você, não eu!
- O que vi foram anos e anos de mentiras!
Você mentiu para mim! Você me traiu, pelo menos
ideologicamente, e nem sei se de outra forma
também!... Nem mesmo sei se seu nome
verdadeiro é Irina! Não quero e nem posso
continuar nessa situação!
- Dionísio...
- Não diga mais nada, Irina! Ligue para seu
general ou vá para a Rússia e consiga que o acordo
não se efetive. Tente impedir Micael de conseguir o
que quer. Se você quiser fazê-lo, é claro!...
- Acredite em mim Dionísio!... Eu não estou
contra você! Eu nunca te traí!...
- Não temos tempo para isso. Não temos
tempo para uma discussão. – Dionísio se vira para
Aurélio: – Vou tentar encontrar uma passagem
99

para o Japão hoje mesmo. O quanto antes eu for e


voltar, melhor, pois não podemos perder tempo.
- Entendo...
- Vou precisar de um grande favor, meu
amigo!
- Claro, pode pedir o que quiser!
- Você pode me dar cobertura aqui? Ajudar
o delegado enquanto eu estiver fora? Ele, com
certeza, não vai gostar muito disso, mas eu tenho
que ir.
- Não se preocupe, eu cuido de tudo por
aqui!
- Tome cuidado para não ser mordido
também, não se exponha e não siga os planos
malucos do delegado.
- Pode deixar, vou saber me defender!
- Proteja-se, e tente convencer o delegado
sobre algumas coisas de vampiros.
- Há coisas sobre a máscara que vocês não
sabem... – Irina novamente tenta conseguir a
atenção.
- Do que você está falando? – Dionísio olha
para ela.
- Quem estiver usando a máscara pode
andar durante o dia e sua mordida é o suficiente
para a transformação. Quem for mordido não
precisa do sangue do vampiro.
- Como você sabe disso? Desde quando
sabe disso? – Dionísio a segura pelos braços e a
encara, esperando uma resposta.
100

- Micael me contou hoje. Quando ele me


mantinha em cativeiro.
- Mais essa ainda!... – Dionísio passa as
mãos pelo cabelo e percebe que já chegaram à
cidade.
Os três chegam ao hotel e Aurélio segue o
dois até o quarto deles. Dionísio deixa Irina
tomando um banho no quarto e decide usar a
ducha do quarto de Aurélio, enquanto este fica no
quarto dos dois. Ele volta para o quarto e arruma
suas malas, Irina sai do banheiro e o observa.
Aurélio o ajuda a colocar suas armas em uma mala
e a leva para seu quarto. Percebem que nenhum
policial apareceu para os vigiar, mas mesmo assim
tomam cuidado para saírem. Dionísio liga para a
recepção e pede que chamem um táxi; conversa
mais um pouco com Aurélio sobre o que quer que
o amigo faça e depois desce para o salão de
entrada, seguido de Irina. Com apenas uma mala
ele sai do hotel; ela corre e o segura pelo braço.
- Eu te amo!...
- Vá para a Rússia e faça o possível para
atrapalhar os planos de Micael! – Ele se solta dela e
se vira em direção à rua, vê o táxi o esperando,
observa ao seu redor e abre a porta do carro, vira-
se para ela e diz: – Eu ainda te amo!...
Irina sorri, corre para o quarto para
arrumar suas coisas e depois vai para o aeroporto
tentar alcançar Dionísio.
101

ONZE

No aeroporto, os dois se despedem. Irina


tenta beijar Dionísio, mas ele se esquiva. Ela segura
suas mãos e ele diz que precisa ir, que eles poderão
conversar quando tudo estiver acabado. Ela o vê
partir e começa a chorar. Nunca sentiu tamanha
dor. Até mesmo quando enfrentou terroristas,
quando foi molestada algumas vezes em prisões
escuras e úmidas. Nunca alguma coisa a machucou
como aquele sentimento de possível perda a está
machucando. Dionísio entra no túnel de embarque
e nem ao menos se vira para acenar. Irina fica
imóvel por alguns instantes e depois vai até o
balcão para comprar passagens; encontra uma
ponte aérea para Moscou, mas que vai demorar
um pouco.
Enquanto espera no saguão de embarque,
ela relembra a noite em que conheceu Dionísio.

Estava anoitecendo e ela estava sentada


numa praça, fazendo uma campana. Ela estava em
uma missão no Brasil. Um homem se aproxima e
ela fica atenta, esperando que ele possa ser algum
civil ou um agente disfarçado. Ele pede licença e se
senta no banco, abre uma mochila e retira de lá
uma revista. Ela acha estranho pelo fato de estar
anoitecendo, e tenta observar cada movimento
dele, já que pode ser algum inimigo. Ele se
mantém em silêncio, como se estivesse mesmo
102

lendo a tal revista, e ela volta a prestar atenção no


alvo que foi incumbida de vigiar. Alguns minutos,
depois ela percebe que um grupo de rapazes se
aproxima fazendo barulho e empurrando quem
estivesse à frente deles. O homem sentado a seu
lado continua lendo a revista como se nada
estivesse acontecendo, e ela volta suas atenções
para o alvo. Um dos rapazes do grupo chega perto
dos dois e bate na revista do homem ao lado dela.
Ele olha para cima, mas não diz nada. Os outros
rapazes se aproximam e o que bateu na revista
começa a provocá-lo. Sem dizer uma palavra ele se
abaixa, pega a revista e volta a lê-la. Dessa vez, o
rapaz pega a revista e a joga longe do banco. Irina
percebe que, em pouco tempo, uma confusão pode
acontecer, e pede para que os rapazes vão embora.
O grupo começa a fazer baderna e o rapaz mais
próximo manda-a calar a boca. Quando Irina já ia
se levantando, o homem segura seu braço e, antes
que ela imobilize o rapaz, ele o joga no chão e atira
a mochila sobre um outro. O restante do grupo
então parte para cima dele. Com uma agilidade
que ela não presenciava todo dia, o homem acerta
um chute em um, com o cotovelo acerta outro,
segura o braço de mais outro e lhe dá um balão
derrubando mais um outro. O que está em pé foge,
todos os outros se levantam e saem em disparada.
Irina, ainda achando tudo muito rápido, observa o
homem, que vai pegar sua revista de volta. Ele se
aproxima dela, pede-lhe desculpas pelo acontecido
103

e diz que o nome dele é Dionísio. Os dois voltam a


se sentar. Ela observa que o alvo dela ainda está no
lugar onde deveria estar, e começa a conversar
com ele. Ela nota que ele estava lendo uma revista
masculina que traz fotos de uma atriz famosa, mas
não é uma revista de nu; ele se diz fã da tal atriz e
que não queria perder a revista. Ela olha para ele e
sorri, achando interessante tudo aquilo. Ele
acrescenta que estava interessado em conhecê-la e
que já a observava por um tempinho antes de
sentar ao lado dela, mas que não encontrava uma
forma adequada para puxar conversa; no
momento em que estava tomando coragem e
percebendo que ler revista no escuro, com a luz
não muito propícia da praça, não era muito
interessante, o grupo de rapazes chegou fazendo
bagunça - e ele não suporta baderna. Ela volta a
sorrir. Ele pergunta seu nome dela e ela diz ‘Irina’;
ela não acreditou que disse seu nome verdadeiro,
mas agora já tinha acontecido. Enquanto prestava
atenção na conversa, ela conseguia também
observar seu alvo. Dionísio ficou olhando para ela
sem falar mais nada e ela perguntou se ele iria
continuar a encará-la; ele disse que não, chegou
muito próximo de seu rosto e encostou seus lábios
nos dela. Ela aceitou o beijo, que durou o bastante
para ela perceber que gostou muito. Ao abrir os
olhos, ela volta a observar que o alvo se mantinha
no lugar. Por mais que estivesse gostando do que
estava acontecendo, era a missão dela. Dionísio
104

passa o número do celular dele para ela e se


levanta. Diz até logo e fala que espera uma ligação
dela. Irina vê Dionísio partir, sente seu coração
disparar e volta a concentrar-se em seu alvo.
Aquela noite, depois de trocar de posto
com outro espião que ficou em seu lugar de vigia,
ela não conseguiu dormir; ela foi para casa e
imediatamente ligou para Dionísio. Ele atende e
diz o nome dela. Ela sente o coração bater mais
forte e sorri, ele diz que gostou de ela ter ligado e
que adorou o sorriso dela. Ela volta a sorrir, mais
forte dessa vez. Os dois conversam durante horas e
marcam de se encontrar na mesma pracinha, no
dia seguinte, por volta do pôr-do-sol.
Quando já ia anoitecendo, Irina chegou à
praça e viu que Dionísio já estava sentado no
banco em que se conheceram no dia anterior, com
um buquê de rosas e girassóis. Ele se levanta
quando a vê e aponta para o pôr-do-sol. Ela se
aproxima dele, segura sua mão e os dois
contemplam o ocaso sem trocar uma palavra
sequer. Depois que o sol some completamente, ela
pega o buquê e os dois se beijam longamente,
quase dez minutos sem parar. Quando os lábios se
separam, os dois se abraçam e Dionísio diz que
adorou tê-la conhecido e que não consegue pensar
em mais nada a não ser nela. Irina volta a beijá-lo e
diz também que está muito feliz, que adorou que
ele tenha se sentado justamente a seu lado.
105

Os dois ficam na praça por mais um bom


tempo, conversando sobre suas vidas, mas ela não
conta nada sobre ser espiã. Ele, por outro lado,
conta quase toda a sua vida. Ela admira o
entusiasmo com que ele conta tudo o que já fez e
tudo o que ainda deseja fazer. Para ela, é
emocionante escutar todas aquelas histórias sem se
preocupar com o que pode ou não ser contado.
Os dois saem da praça e vão para um
cinema que fica nas proximidades, compram
ingressos para a sessão de um filme que Dionísio
faz questão de Irina escolher, ela demora um
pouco e escolhe assistir a um filme de animação.
Ele não faz objeção nenhuma e diz que, se ela não
tivesse escolhido aquele filme, ele o teria feito.
Durante a sessão, os dois ficam o tempo todo de
mãos unidas e ela apoia a cabeça no ombro dele.
Depois do filme, vão para um restaurante japonês
que Dionísio conhece e que não fica longe dali. Os
dois se sentam no chão e o garçom pergunta o que
os dois desejam. Dionísio espera que Irina peça
alguma coisa, mas ela pede que ele decida. Com
bastante desenvoltura, Dionísio pede saquê quente
e diz que o chamarão novamente assim que
tiverem escolhido o que comer. Rapidamente o
saquê chega e ele o prova como se já estivesse
bastante acostumado com aquilo. Irina, que já
tinha morado no Japão, bebe o saquê com prazer
também; depois de acabarem, ele pede um
yakisoba para ele e, com o consentimento dela,
106

para ela também. Os dois comem e conversam


mais sobre seus gostos, e Irina conta um pouco
mais sobre a vida de modelo que já teve. Ele
continua a demonstrar um entusiasmo com o qual
ela não está acostumada.
Depois de saírem do restaurante, os dois
pegam um táxi e vão até o mirante da cidade e lá
ficam durante umas duas horas, sentados num
banco, comendo pipoca e admirando a cidade que
pode ser observada por completo. Como estão sem
carro, Dionísio chama um táxi. Chegando à casa
onde Irina costuma ficar quando está em missão
no Brasil, os dois descem, o táxi vai embora e
Dionísio espera-a entrar; os dois se despedem com
mais um beijo e, quando ele se vira para ir embora,
ela pergunta se ele gostaria de entrar. Ela sabe que
não é uma boa idéia, sabe que não seria bom para
ela começar um caso com alguém, muito menos
com um civil. Dionísio se vira de novo e pergunta
se ela tem certeza; ela afirma que sim com um
gesto de cabeça e estende a mão para ele. Ele se
aproxima, segura a mão dela e os dois entram.

Quando o vôo de Irina para a Rússia é


anunciado, ela está chorando, enxuga as lágrimas e
vai para o avião.
Ao chegar a Tóquio, Dionísio vai de trem
bala para Osaka e depois para Nara. Quando
chega à casa de seu antigo mestre, percebe que ele
107

o está aguardando com uma xícara de chá na mão,


parado de pé na soleira da porta.
- Por que você me ligou de Tóquio? Por que
não veio direto para o aeroporto de Kansai, que é
muito mais perto daqui? – diz Akira, um senhor de
60 anos, mas que, pela vitalidade, aparenta ter 45. –
Estava assim com tanta vontade de andar de trem?
Poderíamos fazê-lo outro dia.
- Bom dia para você também, Sensei! –
Dionísio se aproxima e se inclina diante de seu
antigo mestre, que retribui a reverência.
- Bom dia, mas não me respondeu o que
perguntei.
- É que eu queria ver o monte Fuji.
- Isso você já deveria estar cansado de ver.
Ele não é mais novidade para você. Já devia estar
acostumado.
- Eu nunca me acostumo com ele.
- O que está acontecendo? É algo grave?
Akira entrega a xícara a seu pupilo e entra
em casa. Dionísio o acompanha e os dois vão para
a cozinha.
- Sim, Sensei. É muito grave e não sei como
resolver o que está me afligindo. Muita coisa
aconteceu nessa última semana, e acho que ainda
não estou preparado para enfrentar o que ainda
está por vir.
- Se você veio até aqui é porque acredita
que eu possa ajudá-lo a resolver tais problemas.
Conte-me o que está acontecendo.
108

- Eu quero sua ajuda, só o senhor pode me


ajudar a encontrar o caminho certo para retomar
minha paz interior.
- Percebo que é mais grave do que
imaginei.
Dionísio faz um esforço para tomar o chá
que está na xícara.
- Pelo jeito você perdeu também certos
costumes. O Ocidente parece que não ter feito tão
bem assim para você.
- Pois é. Preciso passar um tempo aqui.
- Você tem tal tempo?
- Não.
- Vamos dar uma volta. Você me conta
tudo enquanto caminhamos. Vamos até as
margens de um rio que fica aqui perto de casa, lá
tem uma pracinha e podemos respirar ar puro.
- Sim, Sensei.
Durante a caminhada, Dionísio conta tudo
o que tem acontecido desde que chegou à
Tailândia; os dois se sentam num banco da praça e
continuam a conversa. Akira presta atenção a tudo
o que seu discípulo está contando detalhadamente.
Akira observa que os olhos de Dionísio lacrimejam
um pouco quando fala sobre Irina e demonstram
pavor quando cita o monstro que enfrentou,
preocupação quando fala de Aurélio e ódio
quando descreve seu encontro com Micael.
- Não estou entendendo seu medo. Você
aprendeu tudo o que precisava e o que poderia
109

aprender sobre luta, e digo que foi até além. É o


melhor lutador que conheço. Foi e sempre será
meu aluno mais aplicado e, não poderia dizer isso,
mas também foi o melhor discípulo que já tive.
- Não sei ao certo, Sensei... Não sei o que
está acontecendo comigo.
- Não me chame mais de Sensei.
- Está bem. Akira.
- Você é como se fosse um filho para mim;
além de ter morado comigo por muitos anos, sinto
por você um amor de pai para filho. Não sou mais
seu mestre, não precisa mais me chamar assim.
- Eu preciso que volte a ser meu mestre.
- O Ocidente fez mesmo mal a você, sinto
medo em seus olhos, pavor, um pavor muito forte.
Você parece que esta destruído por dentro. Qual a
razão para tal destruição?
- Quando lutei contra aquele vampiro, ele
quase me matou, e não sei se tenho chance de
vencer um oponente como ele. Se o delegado
Chong não tivesse chegado a tempo e atirado nele,
eu não teria conseguido sair vivo daquela luta. Os
olhos do vampiro, a ferocidade com a qual ele
arrancou o pescoço do policial, a força descomunal
dele... Eu o atingia e ele nada sentia! Era como
lutar contra uma árvore! Nunca vi coisa mais
desumana quanto um monstro como aquele!... Eu
chorei quando o destruí; chorei não somente por
ter conseguido sobreviver, mas chorei de pavor,
chorei porque vi minha vida passar pelos meus
110

olhos quando ele veio para cima de mim. Quando


ele me atingiu, eu desmaiei e ele me levantou
segurando uma de minhas pernas, brincou comigo
como se eu fosse uma criança. Não acredito que
possa vencer Micael se ele estiver usando a
máscara.
Akira se levanta, coloca os braços para trás,
olha para um monte próximo e diz em voz calma e
serena, que fez Dionísio sentir paz.
- Você foi treinado para lutar contra
homens, treinado para vencer homens, não
monstros.
- Como assim?
- Não adianta tentar vencer um vampiro
lutando da mesma forma como se luta contra um
homem, achando que vencerá um vampiro.
- Acho que entendo.
- Existe um antigo provérbio que diz que
uma tartaruga só pode derrotar um gato se lutar
como uma tartaruga e um gato; para vencer, tem
que usar sua habilidade de gato.
- Não sei se consigo vencer um vampiro,
não sei se estou preparado para um desafio tão
superior.
- Você não tem que ficar pensando em
como derrotá-lo. Durante a luta, você deve lutar
como aprendeu a lutar. Não deve inventar
soluções novas. Deve lutar com todas as suas
forças. Nem que precise chegar a seu limite. Você
deve lutar com tudo o que sabe.
111

- Acho que perdi um pouco de minha auto-


confiança quando aquele vampiro me atingiu. Não
sei mais nada. Não acredito em mais nada.
- Você sempre foi o homem mais otimista
que conheço e isso sempre me deixava maluco
durante as aulas. Você não está preparado para
perder. Não está acostumado com a derrota. Um
homem preparado para tudo tem que saber como é
vencer e perder. Falhei quanto a isso durante seu
treinamento. Você sempre foi muito bom durante
suas lutas, nunca encontrou um desafiante capaz
de derrotá-lo. Você deveria ter encontrado esse
oponente há muito tempo. Nisso foi bom ter
enfrentado o vampiro.
- Está dizendo que houve algo de bom na
minha derrota para aquele monstro?
- Devemos sempre buscar coisas boas no
que acontece de ruim. As coisas boas são boas.
Aprendemos de verdade quando coisas ruins
acontecem. Acontecer sempre o que é bom não nos
eleva, e por vezes pode até nos estagnar. Perdemos
a mobilidade da mudança e um rio continua sendo
o mesmo rio. Lembre-se de que sempre existe um
copo meio cheio e um copo meio vazio.
- Já até me sinto melhor depois de estar
aqui conversando contigo!...
- O que o está afetando é somente o medo
de enfrentar o desconhecido.
112

- Isso e o fato de descobrir que Irina é uma


espiã, e que durante esses anos ela nunca me
contou a verdade.
- Esse é um outro problema que terá que
enfrentar. No momento, vamos nos concentrar em
sua auto-estima. – Akira se levanta e começa a
andar. – Venha, quero mostrar-lhe uma coisa.
Os dois andam um pouco. Dionísio segue
Akira sem dizer uma palavra. Estar próximo de
seu antigo mestre e quase um pai é extremamente
reconfortante. Saber que pode confiar cegamente
em alguém é muito acolhedor e era disso que ele
precisava.
Akira para e pergunta:
- O que você vê ao seu redor?
Dionísio para, observa tudo o que o rodeia
e responde.
- Árvores, pássaros e uma cachoeira.
- O que vê atrás daquelas árvores?
- Prédios.
- Exatamente. Antes, há alguns poucos anos
atrás, aqui não havia prédios, mas o homem, com
todo o aumento demográfico surpreendente,
construiu alguns prédios aqui e ali. O homem
achou que seria interessante construí-los por aí.
Mas mesmo assim, as árvores continuam, aquela
pequena cachoeira ainda está ali. Os pássaros
ainda fazem seus ninhos nas árvores.
- Isso porque os homens não derrubaram as
árvores nem aqueles morros ali.
113

Akira se vira para Dionísio e coloca as


mãos em seus ombros.
- Seu otimismo ainda continua aí; ele não
sumiu, mas está dentro de você, só está
adormecido. Os homens não destruíram a
natureza a nossa volta, pois sabem que ela faz com
que eles vivam plenamente. Eu sei que ainda existe
otimismo em você. Faça como os homens de que
estamos falando aqui, não destrua aquilo que o faz
viver plenamente. Não destrua aquilo que faz com
que você seja o Dionísio que conhecemos. – Akira
dá as costas para ele e recomeça a andar. – Você
cresceu, acaba de conhecer como é ser derrotado,
mas a derrota não pode destruir o otimismo que
sempre foi parte de você. Você tem que ser mais
forte. Não pode ser tão otimista a ponto de se
tornar confiante demais. Tem que ser humilde,
você tem que ter a humildade que irá equilibrar o
otimismo exagerado. Foi a falta de humildade que
o fez perder, não a incapacidade de derrotar o
vampiro. Você tem que encontrar o caminho do
meio, digo, tem que reencontrar o caminho do
meio: o caminho que perdeu quando se mudou
para o outro lado do mundo e se rendeu a um
mundo que o deixou fascinado.
- Acredita que a culpa é do Ocidente?
- A culpa é toda sua! O Ocidente só lhe
mostrou algumas coisas boas, e você se deixou
levar pela futilidade, esquecendo como é viver em
harmonia com seu interior. Seu exterior se deixou
114

levar por algumas facilidades, enquanto seu


interior ficou preso sem chance de se manifestar.
- Entendo. – Dionísio continua atrás de
Akira, olhando para o chão. – Tem mais alguma
coisa para me dizer?...
- Tenho várias! – os dois começam a sorrir.
– O que mais quer que eu diga?
- Gosto de ouvi-lo. Isso faz com que eu
sinta paz.
Akira encara Dionísio e por um instante os
dois ficam quietos. Com uma velocidade
surpreendente, Akira soca o peito de Dionísio, que
consegue se defender. Akira sorri e o soca
novamente com a mesma rapidez, mas desta vez a
defesa não acontece. Dionísio cai a uns três metros
de onde estava e para instantaneamente de
respirar. O velho mestre se aproxima e vê seu mais
querido pupilo se debatendo no chão e pedindo
ajuda; ele o levanta e acerta outro soco em suas
costas, fazendo-o voltar a respirar. Com um soluço
que quase o faz vomitar, Dionísio se ajoelha no
chão e respira profundamente.
- O que acabou de acontecer?
- Definitivamente é mesmo grave! Não farei
outro teste como esse.
- O que acabou de acontecer?
- Você sempre conseguiu se defender de
todos os golpes desferidos dessa maneira. Sua
harmonia com o todo está abalada. Você precisa
115

começar a aprender certas virtudes das artes


marciais que deixei de lado em seu treinamento.
- Não consegui perceber seu segundo
ataque.
- Exatamente. Ao conseguir se defender do
primeiro golpe, a arrogância tomou conta de todo
o seu ser e você achou que não precisava de mais
nada, que pode tudo; dessa forma, você não estava
preparado para o segundo golpe, pois ficou
somente olhando para meus olhos.
- E esqueci de todo o resto.
- Você estava fixado em meu olhar.
- E o que isso quer dizer?
- Você sabe.
Dionísio se levanta e respira fundo. Anda
um pouco, olha tudo o que está a seu redor; olha
para Akira, observa os pássaros voando e fixa o
olhar em um ninho que exibe dois passarinhos que
piam enlouquecidamente. Um dos pássaros cai do
ninho, mas, como a árvore não é muito alta, ele
não se machuca e continua a se debater. Dionísio
pega o filhote, sobe na árvore e o coloca no ninho;
ele torna a cair e Dionísio o coloca no ninho
novamente. A mãe dos filhotes chega e começa a
alimentá-los. Dionísio volta para perto de Akira e
faz reverência. Akira coloca a mão nos ombros dele
e diz:
- Ouça todos os sons e observe tudo, repare
em tudo a seu redor, não se prenda a um simples
olhar. Observe o corpo de seu oponente, focalize a
116

atenção em seu alvo por completo, não deixe nada


tirar sua atenção. Encarar-me não quer dizer só ver
meus olhos. Quando encarar alguém, perceba todo
o seu corpo.
‘Tenha em mente a sintonia com tudo que
está a sua volta. Quando sua concentração começar
a perder o foco, é porque ainda não está
completamente preparado para enfrentar o desafio
plenamente. Seu corpo deve estar totalmente
comprometido com o que está fazendo no
momento. Sinta como se o momento presente fosse
o mais importante, e não pense em mais nada a
não ser em enfrentar o problema de frente. Com o
máximo de força possível, com o máximo de
empenho possível. Nada pode perturbar a ligação
entre você e aquilo que está fazendo no momento.
Fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo com
perfeição é algo que necessita preparo, e sei que
você consegue fazer até mais de três. Tudo só
depende de você, de mais ninguém.’
‘Você sabe por que eu o atingi da segunda
vez?
- Sim, Akira.
- Pelo jeito, terei que voltar a ser seu Sensei.
- Sim, Sensei.
Os dois sorriem e voltam para casa. Eles
vão direto para a cozinha, passando pelo quintal.
Akira serve mais chá para seu discípulo e pede que
ele tire a camisa.
- Estou sentindo frio.
117

- Não estou preocupado com isso. Vamos,


tire-a.
Ao tirar a camisa, com visível dificuldade,
as marcas dos golpes que sofreu lutando contra o
vampiro e contra Micael aparecem como grandes
marcas roxas. Abaixo do braço esquerdo, pode-se
perceber uma marca que desce até a cintura.
- Foi nesse lugar que o vampiro te acertou?
- Foi, e foi aí também que Micael conseguiu
me atingir na luta dentro do templo.
- Deve ter doído muito. E ainda deve estar
doendo muito... Chegue mais perto, quero
examinar esse ferimento!
Ao sentir a mão de seu mestre passar pelo
machucado e fazer uma leve pressão, Dionísio
solta um grito de dor.
- Você quebrou duas costelas. Temos que
cuidar disso imediatamente! Esse ferimento pode
piorar se não receber os devidos cuidados!
- Ainda bem que estou aqui...
- Você deveria ter ido a um hospital, e não
vindo para cá antes de ter sido medicado...
- Não estava mais nem um pouco à vontade
lá. Não conseguia acreditar em ninguém e, se
ficasse lá mais alguns instantes, acredito que
estaria completamente derrotado. Tinha sido
derrotado por um monstro incrivelmente superior,
descobri a verdade sobre Irina, a máscara está nas
mãos de um psicopata!... Eu não tinha mais certeza
118

de nada e não tinha a mínima idéia de como


enfrentar as situações que estavam à minha frente!
- Você terá que voltar, terá que derrotar
aquele vampiro. É seu dever fazer isso, não
somente por ele ser seu inimigo, não por ele ser
SEU oponente, mas por que também é
responsabilidade sua!
- Não sei mais se quero enfrentá-lo... Estou
sendo sincero, Sensei... Estou completamente
abalado por tudo o que aconteceu. Ficar sem
respostas, não conseguir enfrentá-lo; perder
completamente minha autoconfiança; não me
sentir capaz - isso foi meu pior pesadelo! Nunca
me senti pior em toda a minha vida!...
- Você voltará e o destruirá. – Akira coloca
a xícara em que estava tomando chá na mesa
próxima de Dionísio e o encara. Um calafrio
percorre sua espinha. – Você queria a máscara e é
totalmente responsável pelas conseqüências do
descobrimento dela. Ela está nas mãos de um
louco; você não é responsável pelas vidas que ele
está destruindo, mas outras vidas dependem de
que você o encontre e destrua a máscara! – Akira
vai até o banheiro e pega algumas bandagens para
enrolar o local das costelas quebradas. – Como está
Irina?
- É como lhe disse. Ela me traiu.
- Perguntei como ela está!
119

- Ela foi para a Rússia, tentar fazer com que


seus superiores não aceitem as exigências de
Micael.
- Você não entende minhas perguntas, não
é? Perguntei COMO ela está, não o que fez e onde
está!
- Está bem machucada pelo espancamento
que sofreu, mas está bem.
- Ela também não foi a um hospital?
- Não, ela foi direto para a Rússia, como eu
vim para cá.
- Por vezes, vocês são muito impulsivos!...
- Disse para que ela fosse a um hospital,
mas ele não quis ir.
- Você não sabe por quê?
- Porque ela é uma tola.
- Ela não foi porque você não foi com ela.
- Querer que eu vá com ela ao hospital é
demais!
- É simples. Sempre é muito simples. Somos
nós que complicamos as coisas.
- Querer que eu vá ao hospital depois de eu
descobrir todas as mentiras que ela já contou?
Depois de eu descobrir que ela estava contra
mim?!
Akira abre a geladeira e pega uma vasilha
que contém uma pasta verde de cheiro horrível, a
qual passa no ponto onde as costelas estão
quebradas; em seguida, enfaixa o tronco de
Dionísio.
120

- Ela é uma espiã, Dionísio! Passou pela sua


cabeça que ela nunca lhe contou nada para
protegê-lo?
- Pensávamos em nos casar, Sensei! Isso
não é suficiente para que me contasse a verdade?
- Ela pode ter tido vários motivos. Você não
pode, de uma hora pra outra, julgar todos esses
anos pelo que aconteceu essa semana.
- Ela me traiu.
- Traiu como? Contando-lhe sobre as
espionagens dela, ela estaria traindo a pátria dela,
traindo a si mesma!
- Vai defendê-la?!
- Não estou defendendo ninguém, como
também não vou ficar dizendo que você está
errado. Estou tentando mostrar-lhe que muitas
coisas podem acontecer sem nosso total
entendimento. Irina é uma espiã. Pronto, agora
você sabe. Isso não quer dizer que ela não o ama!
- Não sei o que pensar. Ela ia roubar a
máscara de mim.
- Como pode ter certeza disso?
- Que outro motivo a faria querer a
máscara? Que intenções teria ela diante dessa
descoberta, e por que se infiltraria em minhas
escavações?
- Era o trabalho dela. Quem lhe garante que
ela o roubaria?
- Micael disse isso.
121

- Não me faça bater em você! Micael é seu


inimigo. Irina é sua namorada. Você deveria
acreditar nela, não nele!
- É muito difícil acreditar em alguém
agora...
- Só se você quiser assim.
- Não é tão simples como diz.
- É simples, sim! Tudo é muito simples.
- Será que nunca passou pela cabeça dela
contar-me quem ela é verdadeiramente?
- Isso só ela poderá dizer.
- Nem sei mais se o nome dela é mesmo
Irina.
- Isso você terá que discutir com ela.
- Não quero vê-la tão cedo!
- Pare de ser tão orgulhoso! Todos nós
cometemos erros e temos, invariavelmente, nossos
motivos para isso.
- Bem, vou tentar!...
- E vai conseguir! Não é à toa que é meu
discípulo favorito. Não é à toa que o considero um
filho. O filho que nunca tive.

DOZE

Enquanto Akira prepara algo para


comerem, Dionísio vai ao quarto que costumava
ser dele quando vivia no Japão. Coloca suas malas
dentro de um armário, mas não tira suas roupas de
122

dentro delas. Vê um quimono sobre a cama, troca


de roupa e liga para Aurélio.
- Olá, meu amigo! Como estão as coisas por
aí?
- Nada bem. O delegado Chong não gostou
nem um pouco de vocês terem saído do país. Ele
esteve aqui há pouco e, quando disse que você foi
para o Japão, ele quase teve um infarto. Chamou
os dois de irresponsáveis, disse que estavam
infringindo as leis, que o estavam desrespeitando...
Ele ficou mesmo muito nervoso!
- Imaginei que seria assim... Você disse a
ele que voltaríamos?
- Com certeza, disse que não demorariam a
voltar e que teriam um plano eficiente o bastante
para acabar com toda essa loucura. O delegado
está planejando algumas emboscadas para
pegarmos Micael ou Dimitri. Mais um homem foi
atacado, mas já o cremaram.
- Meu Deus!... Temos que acabar logo com
isso!
- É verdade... Quando é que você volta? O
delegado não conseguirá controlar a situação
sozinho se isso se alastrar.
- Talvez mais cedo do que pensei.
- Como assim?
- Parece que meu mestre vai me expulsar
daqui rapidinho... Ele vai me fazer voltar o quanto
antes.
123

- Estarei aqui esperando por você, meu


amigo! Vou tentar ajudar o delegado no que for
possível.
- Faça isso mesmo e me mantenha
informado, me ligue se algo acontecer!
- Ligarei, sim!
- Antes de desligar: você tem notícias de
Irina?
- Ela ainda não ligou.
- Então está bem. Fique com Deus!...
- Você também!
Ele desliga o celular e se deita na cama.
- Dionísio! Venha até a cozinha!
- Sensei?
- Sente-se, coma desse yakisoba e beba esse
chá. Ele o deixará mais calmo e você poderá
descansar um pouco; precisa dormir bem.
- Por incrível que pareça, não estou com
sono.
- Você não dorme há um bom tempo. Seu
corpo deve estar exausto. Precisa descansar bem
para poder recuperar plenamente as forças.
Alimente-se e beba.
- Está bem, Sensei.
- Você precisará dormir cedo. Amanhã
teremos muito o que fazer. Vamos acordar cedo;
sei muito bem que não gosta disso, mas seu treino
começará ao nascer do sol. Temos muito trabalho
pela frente, e você vai precisar reciclar tudo de
ruim que aprendeu fora daqui.
124

- O senhor é quem manda.


- Sim, eu mando.

O vôo de Irina chega ao aeroporto de


Moscou. Quando ela está descendo do avião, já
reconhece o general Yuri Ulianovich. Ela anda em
sua direção, bate continência e estende a mão. Ele
retribui a continência e a abraça.
- Pensei que Micael a mataria! Fiquei
preocupado!...
Toda a escolta que está por trás do general
observa a cena, mas ninguém faz comentário
algum e o silêncio impera.
- Dionísio chegou na hora em que Micael
iria me estuprar.
- Aquele desertor desgraçado!... Ainda bem
que seu namorado estava por perto!
- Ele descobriu tudo sobre eu ser espiã...
Descobriu da pior forma possível!...
- Depois você me conta tudo o que
aconteceu. Primeiro vamos cuidar de você, posso
notar que está bem machucada. Vou levá-la para o
hospital. Agora você está em casa.
- Obrigada, pai!...
Os dois entram num carro blindado e
seguem para o prédio de inteligência do governo
russo. Irina é levada a um hospital que fica dentro
do prédio e que serve somente para agentes. Ela
passa por uma bateria de exames, raios-x, exame
de sangue, tomografias. Ela toma banho com a
125

ajuda de algumas enfermeiras e logo em seguida


vai para um quarto repousar um pouco.
- Eu não quero dormir.
- Mas deve dormir; ordem do general! –
Uma médica de meia-idade afere a pressão de
Irina e registra seus batimentos cardíacos.
- Não estou com sono!...
- Sua adrenalina está a mil, mas seu corpo
precisa de descanso para se recuperar totalmente.
Você tem muitos ferimentos e quebrou algumas
costelas. Quem a espancou é muito forte.
- Você nem imagina!...
- Tome estes comprimidos e tente
descansar.
- Preciso dar alguns telefonemas.
- Isso vai ser impossível agora. Deite-se e
durma.
- Está bem, vou tentar!...
- Com estes comprimidos, você vai
conseguir!
Irina coloca os comprimidos na boca e bebe
um copo de água; antes de entregar o copo para a
médica, ela cai em sono profundo.
Quando a médica sai do quarto, encontra o
general do lado de fora.
- Ela está muito machucada, mas seu corpo
é forte e sua saúde sempre foi excelente; ela vai se
recuperar rápido.
- Espero que sim, não quero perder minha
melhor agente.
126

- É somente isso que quer, general?


- Ela é minha filha! Não é somente isso que
quero, não! Foi respondida sua pergunta?
- Sim...
- Quero que me mantenha informado de
qualquer alteração no quadro de saúde dela.
- Sim, senhor!
- Muito bem. Estarei em meu escritório.
A médica encarregada, que também é
oficial do exército, bate continência e vê o general
se afastar. Ela pede para que um soldado fique de
prontidão em frente ao quarto e que a chame se
precisar. Ela diz para os enfermeiros de plantão
que ela mesma vai ser responsável pela paciente e
que qualquer situação seja levada até ela.

No dia seguinte, Irina acorda sem sentir


dores no corpo e muito bem disposta. Levanta-se
da cama, vê roupas limpas sobre uma cadeira e as
veste, vai até a porta e a abre. O soldado a vê
saindo e bate continência, ela retribui e continua a
andar; ele pede que ela pare e volte para o quarto,
mas ela responde que precisa conversar com o
general. O soldado chama um enfermeiro e este
chama a médica responsável.
- Como você se sente? – A médica sai de
sua sala e vê Irina.
- Estou ótima!
- Tenho que ver como está sua pressão.
- Pode ser depois?
127

- Tem que ser agora!


Irina observa que a médica também é uma
oficial e que não poderá ir muito longe se
continuar andando.
- Tudo bem, mas preciso com urgência ver
o general!
- Poderá ir depois de eu verificar sua
pressão e constatar que está mesmo melhor.
Irina entra no consultório da médica e senta
na maca colocada a um canto do quarto. O
procedimento é rápido e a médica percebe que sua
paciente está mesmo recuperada.
- Pronto, agora pode ir até a sala do
general!
- Muito obrigada!
Irina sai do consultório, segue as indicações
que direcionam para a saída do hospital e depois
segue para o QG central, que fica num prédio
próximo.
Em seu gabinete, o general conversa com
outro espião que pretende deixar encarregado de ir
à Tailândia, encontrar Micael, destruir a máscara e
matá-lo.
- O que pretende fazer, senhor? Ceder às
exigências de Micael? – Sasha pergunta.
- Quero que Micael acredite que sim, ainda
mais agora que Irina está conosco. Vou deixá-lo
acreditar que, mesmo com ela livre, ele ainda pode
comandar a situação.
128

- Ele tem certeza disso! – Irina abre a porta


e entra na sala – Ele acredita veementemente que o
senhor cumprirá o acordo que ele impôs.
- Quem deixou que viesse até aqui?!
- Eu vim porque estou melhor.
- E quem lhe disse isso?
- Não preciso que me digam se estou
melhor ou não. Eu sei que estou melhor!
- A médica encarregada de tomar conta de
você deixou que saísse e viesse até aqui?
- Ela tentou me impedir, mas eu disse que
viria de qualquer maneira.
- Você perdeu a noção do que é a patente
de oficial?
- Estamos com problemas maiores do que
posições no exército.
- Você não sabe do que está falando! Ela
poderia muito bem prendê-la!
- Vamos ficar discutindo isso ou vamos
falar sobre Micael?
- Bem, depois eu me entendo com a
doutora... Entre e sente-se! Este a seu lado é Sasha,
um espião que vou enviar para a Tailândia para
pegar Micael.
Irina cumprimenta Sasha e se senta em
uma cadeira a seu lado.
- Camarada Irina, é um prazer poder
trabalhar com vocês!
- Capitã Irina, Sasha é um civil iugoslavo
que treina com nosso exército há anos e que agora
129

trabalha em nossa inteligência. Ele está aqui


devido a um pedido meu. Eu mesmo fui
responsável pelo treinamento dele e sei que ele é a
pessoa ideal para nos ajudar a enfrentar Micael.
- Micael disse que conhece segredos russos
e que vai vendê-lo para quem oferecer o maior
valor se o senhor não pagar a quantia que ele pede
pela minha soltura e pela máscara. Agora estou
aqui, mas ele ainda tem a máscara.
- Ele acha que sabe de segredos!... A Rússia
já sobreviveu por anos sob ameaças assim! Ele é
um pobre coitado que não tem idéia do que está
falando. Ele não tem prova alguma de nada que
acredita saber! Todo e qualquer segredo russo
morreu com quem o criou. A nação russa é muito
maior do que papéis e desertores!
- Espero que ele não tenha mesmo cartas na
manga!...
- Não se preocupe com isso! Aliás, ele já
deve saber que você está aqui.
- Creio que não; ele acredita que tenho
muitos outros problemas para resolver. – Irina se
levanta, dá a volta na cadeira e permanece de pé. –
Preciso de tempo para recuperar a máscara.
- Ela não é nossa prioridade!
- Senhor, a máscara é muito mais poderosa
do que poderíamos imaginar. Não podemos deixá-
la nas mãos daquele psicopata! Ela deve ser
destruída antes de qualquer coisa, ela é muito
perigosa!
130

- Você já tem algum plano para recuperá-


la?
- Tenho algo em mente, senhor, mas preciso
de tempo!...
- Tempo é algo que não dispomos.
- Eu sei, mas assim mesmo peço tempo!
- Sasha trabalhará contigo.
- Trabalho melhor sozinha; além disso,
acabo de perder um parceiro.
- Estou inteirado dos acontecimentos sobre
a morte de Dimitri. Mais um motivo para não
deixar que trabalhe sozinha! Poderia já discutir
esse plano com seu companheiro; tenho certeza de
que ele poderá ajudar muito.
- Sim, senhor!
- Antes, contudo, quero que permaneça no
hospital para que sua recuperação seja perfeita.
Você terá que voltar para seu quarto e
permanecerá lá até que a doutora a libere; antes
disso, não quero vê-la andando por aí.
- Sim, senhor!...
- Sasha! Pode me fazer o favor de
acompanhar a capitã Irina até o quarto dela?
- Sim, senhor!
Sasha e Irina saem da sala do general e
voltam para o hospital. A médica encarregada vê
Irina voltando e pede para que o soldado que
estava de vigia volte para seu posto diante do
quarto e não a deixe sair em hipótese alguma.
131

Acrescenta que, em qualquer ocasião, ela deve ser


chamada imediatamente.
Irina volta para o quarto e o soldado se
mantém de guarda do lado de fora do quarto.
Sasha diz que voltará mais tarde para discutir os
planos que ela tem e vai embora.
- Dionísio, meu amor, espero que encontre
o que procura e volte rápido para a Tailândia!...
Quero te encontrar, quero ajudá-lo a destruir a
máscara... e matar Micael!

TREZE

No Japão, Dionísio acorda, vai ao banheiro,


escova os dentes e toma uma ducha quente. Sente
que o corpo está bem melhor. Uma boa noite de
sono era o de que mais precisava. Troca de roupa,
coloca um hakama que Akira deixou em uma
cadeira ao lado da cama, junto com outras
vestimentas japonesas, e prefere permanecer sem
camisa. Percebe que Akira não está em casa. Vai
até a cozinha, vê que a mesa está preparada para o
café da manhã, mas só encontra chá. Ele abre a
porta de um armário em cima da pia, vê um pote
de pó e prepara um café para beber.
- O que está fazendo?! – Akira aparece na
porta da cozinha que dá para o quintal. – O que é
isso que você está tomando?
- Café. Aceita uma xícara?
- Eu não gosto de café!
132

- Por isso fiz pouco! Sei que não gosta, fiz


só para mim...
- Aqui não tomamos café!
- Já que não gosta de café e não toma, por
que guarda um pote de pó de café no armário?
- Eu não tenho café aqui em casa.
- O que é isso então? Que pó é esse que
encontrei? Tem cor de café, cheiro de café e até
gosto de café.
- Você não vai gostar de saber. Jogue isso
fora e tome o chá que já deixei preparado para
você quando saí.
- Sim, senhor!
- Pode me chamar só de Sensei. Não gosto
quando me chama de senhor. Isso para mim não
demonstra educação. Às vezes pode até soar
irônico, e não gosto nenhum pouco de ironia!
- Que bom! Adoro te chamar de Sensei!...
- Eu sei.
Akira coloca um saco de mudas sobre a pia
e diz:
- Você conseguiu dormir cedo ontem. Isso é
bom. Estava precisando descansar, seu corpo
agradece. Isso vai ajudá-lo em sua recuperação.
- Dormi muito cedo para meu gosto, terei
que me acostumar com isso. Dormir tarde já tinha
virado rotina.
- Muita coisa você vai ter que reaprender!
- Pois é, vamos ver como isso vai ser...
133

- Temos tempo suficiente para isso.


Rapidamente você voltará pronto para viver como
deve viver sua vida.
- Espero que sim!
Dionísio pega uma xícara de chá na mesa,
pega o bule e despeja o chá. Um cheiro agradável
toma conta do lugar. Lembranças tomam conta de
seu pensamento. Imagens de quando era criança,
de quando corria pelo jardim de Akira, de quando
treinava no dojo cheio e de que era o único
ocidental do lugar, de quando ia à escola e
timidamente tentava sem qualquer resultado
positivo conseguir um beijo da garota mais bonita
ou mesmo de qualquer outra. Lembranças de um
passado que não volta mais são acionadas pelo
cheiro do chá que ele derrama na xícara.
- Eu também vou beber; por favor, sirva
para mim também.
- Aonde você foi?
- Fui pegar um pouco de lenha e pedras
para meu jardim.
- Você está fazendo um jardim de pedras?
Que legal! Acho lindo um jardim assim!
- Eu não estou fazendo. Você o fará..
- Eu?!... Mas?...
- Depois do jardim, você me ajudará com
meus bonsais. Eles precisam de uma boa poda.
- Sim, Sensei!...
Dionísio termina de tomar o desjejum, já
que não seria propriamente o ‘café’ da manhã, e
134

vai para o quintal onde Akira o esperava ao lado


de um punhado de pedras pequenas. Os dois
trabalham no quintal. Akira dá algumas indicações
de como quer que o jardim fique, mas ajuda
quando acredita que o serviço precisa de um
pouco mais de sutileza.
Quando chega a vez dos bonsais, Akira
analisa a forma como Dionísio corta as raízes e os
troncos das pequenas árvores. Percebe que ele
continua com a mão firme e que toma muito
cuidado para não podar os galhos que devem
crescer, e que tenta cortar as raízes no tamanho
certo. Os dois podam cerca de dez bonsais e,
quando terminam, Dionísio pergunta quando
almoçarão.
- Estou contente em saber que sua fome
continua a mesma. – Akira dá uma risada e
Dionísio ri também. – Ainda não vamos almoçar.
Você tem mais uma coisa para fazer.
- E seria o quê?
- Vê aquele monte ali?
- Sim.
- Você deverá correr até o topo e voltar
correndo.
- Tranqüilo!
Quando Dionísio já começa a se mover,
Akira o segura pelo braço.
- Você vai usando estes pesos! - Akira passa
para seu discípulo pesos de dois quilos.
135

- Você não acha que ele é ingrime demais


para eu usar tais pesos?
- Acha que não consegue?
- Claro que consigo!
- Então coloque mais estes também. Agora
tem para as pernas e para os braços. Assim fica um
pouco mais difícil, não é?
- Se eu mudar de idéia sobre conseguir,
você tira os pesos dos braços?...
- Antes mesmo de tentar já quer desistir?
- Não estou dizendo isso, mas...
- Então, estamos resolvidos! Pode ir, mas
volte rápido, pois estou faminto!
- Também estou faminto!...
- Ande logo, pare de ficar choramingando!
– e acrescenta, antes que Dionísio abra a boca para
falar mais alguma coisa: – Estarei esperando para
você fazer o almoço. Hoje é seu dia. Pode deixar
que eu faço o chá. Você não sabe distinguir o que é
café e muito menos vai saber preparar um bom
chá. – Akira entra em casa e grita lá de dentro: –
Você subia montes bem maiores! Pare de reclamar
como se fosse uma criança mimada!
Dionísio abaixa a cabeça e a coça, coloca os
pesos, sai do quintal, atravessa a rua e fica olhando
para o monte. Percebe que o monte é mesmo
pequeno e consegue se lembrar dos montes que
costumava escalar quando treinava. Ele começa a
corrida e em poucos segundos percebe que está
sem camisa, usando hakama e ainda por cima
136

descalço. Ele ri de si mesmo, mas não importa de


parecer estranho para as pessoas que o observam
correr monte acima.
A corrida demora mais do que poderia
imaginar. Subir correndo uma encosta é algo que
há muito tempo ele não fazia mais. O peso começa
a incomodar. Por mais que sua forma física seja
muito boa, mesmo que sua agilidade esteja no
auge, ele sente dificuldade em chegar ao topo. A
descida é muito menos penosa, mas os pesos nos
braços e nas pernas o desequilibram um bocado, e
ele tem que fazer força para não escorregar e cair.
Uma queda da altura em que está poderia
machucá-lo muito e, dependendo de onde caísse,
poderia até morrer.
De volta à calçada, ele volta a olhar para o
monte. Coloca as mãos nos joelhos e tenta respirar
fundo. O machucado ainda o incomoda. Ele coloca
as mãos no lado em que as costelas quebraram e
sente uma pontada. Percebe que a dor do
machucado ainda o perturba, atravessa a rua e
volta para a casa de Akira.
- Você demorou!
- Também percebi!...
- Feche a boca e respire direito! Você está
mais bufando do que respirando!
Dionísio se senta num banco que fica fora
da casa e sente um pouco de vertigem. Akira
percebe que o discípulo não está bem, senta ao seu
lado, levanta seu braço, e Dionísio solta um
137

gemido. Akira entra na casa e volta com um copo


de água. Dionísio pega o copo e o bebe.
- Estou bem, foi só uma tontura!... Posso me
levantar agora.
- Eu devia ter esperado um pouco mais
antes de te fazer correr até lá em cima.
- Estou bem, Sensei!... Posso suportar isso...
- Eu sei que pode, mas posso esperar um
pouco mais antes de exigir certas coisas de você.
Posso pegar um pouco mais leve.
- Não quero que pegue leve! Preciso disso!
- Vá tomar um banho, então, pois ainda
estou esperando o almoço que você deve fazer.
- Sim, Sensei!
Durante o banho, Dionísio observa o
machucado e percebe que o hematoma havia
melhorado, mas que a corrida fez com que voltasse
a doer um pouco.
- Pelo menos, depois do almoço vou tirar
aquele cochilo!...
Dionísio sai do banheiro e troca de roupa,
coloca um yukata que está entre as roupas
deixadas por Akira. Ele demora um pouco para se
trocar, mas se lembra como se veste a roupa, que
pode ser um traje típico de festivais ou mesmo
uma vestimenta de verão que significa roupa de
banho.
Como o tempo está fresco, ele veste a roupa
e vai para a cozinha.
- O que temos para comer?
138

- Você pode fazer macarrão, sushi, polvo,


arroz, e também há carne e peixe.
- Está tudo na geladeira?
- Algumas coisas estão na despensa.
- Muito bem!
- Mas pode deixar mesmo que eu faço o
chá.
- Certo, Sensei!
Dionísio prepara o almoço com tudo o que
acha pela frente. Depois de estar exausto pela
corrida, ele quer saber é de comer muito -
portanto, agradece a Deus por amar comida
oriental e por não ter perdido esse costume.
Durante o almoço, Akira faz elogios à
comida e parabeniza Dionísio por ainda conseguir
cozinhar tão bem.
- Pelo menos disso não poderia ter me
esquecido, não é?
- Que bom, vejo que não é um caso
totalmente perdido!
- Obrigado pela sutileza ao dizer dessa
forma....
- Disponha!
Os dois sorriem e continuam a comer.
Durante o almoço, conversam sobre quando
Dionísio foi embora do Japão. Akira se lembra de
que seus alunos deram aleluias quando souberam
que seu pupilo predileto voltaria para o Brasil; a
maioria simplesmente ficou feliz ao saber que não
mais serviriam de saco de pancadas de um
139

ocidental metido a oriental. A cada descoberta


sobre o que seus colegas de treino achavam dele,
Dionísio dá gargalhadas e quase chora de tanto rir.
As histórias se multiplicam quando são citadas as
garotas que gostavam dele e que choraram ao vê-lo
partir.
Depois do almoço, Akira retira os pratos da
mesa e os leva para a pia para lavá-los. Dionísio
percebe que não foi incumbido de lavar nada e
corre para o quarto para se jogar na cama. Alguns
poucos minutos depois, Akira aparece no quarto e
o acorda.
- O que você acha que está fazendo?
- Estou dormindo.
- Não pode fazer isso agora!
- Por que não?...
- Porque devemos meditar. Uma boa
meditação é melhor do que dormir depois do
almoço de barriga cheia.
- Maravilha!...
- É mesmo uma maravilha! Meditar é uma
das melhores coisas que você pode fazer agora.
- Sim, Sensei!
Os dois vão para um pequeno quarto com
tatames onde Akira costuma fazer suas orações e
meditar também.
A meditação dura mais de duas horas.
Dionísio faz alguns alongamentos logo em
seguida, depois de deixar seus membros imóveis
por tanto tempo, mas seu corpo parece mais
140

revigorado e ele se sente mais bem disposto. Os


dois se levantam, saem do quarto e vão para o
quintal.
- Descobrimos mais alguma coisa que você
não perdeu com esses anos fora daqui; isso é muito
bom!
- Como assim?...
- Já pudemos constatar que sua volta para o
Ocidente tinha mudado alguns hábitos seus, que
sua mudança tinha prejudicado um tipo de vida
mais plena e saudável que tinha quando ainda
morava aqui. Também já discutimos que a culpa
não é somente de seu estilo de vida moderno, mas
pudemos perceber que a maior culpa é sua.
- É verdade... Não tenho tido muito tempo
para praticar os costumes que aprendi aqui. Minha
vida tem se tornado muito corrida. Tenho tentado
ajustá-la a negócios que me beneficiavam de
alguma forma, o que me atrapalhou um bocado
em relação aos cortumes orientais.
- Toda essa transformação não pode
exterminar aquilo que você construiu de benéfico
quando ainda vivia aqui! Você tem que começar a
avaliar o que os dois mundos lhe oferecem, mas
tudo que lhe é precioso não pode simplesmente
desaparecer! Você não pode deixar o que aprendeu
de bom se esvair por causa de um cotidiano
agitado, de uma vida atribulada e muitas vezes
turbulenta. Você tem que aprender a manter
hábitos que sejam fortalecedores.
141

Dionísio anda pelo quintal e se escora em


uma árvore que Akira tinha plantado quando ele
foi morar lá. Ao lado, pode-se contemplar o jardim
que criou pela manhã.
- Eu sei de tudo isso, mas agora tudo parece
mais claro, mais simples, muito mais límpido. Não
sei como pude me esquecer de tanta coisa!...
- Isso agora não importa. Não fará bem
nenhum ficar se martirizando por algo que já
aconteceu. Vamos nos concentrar no que está à
nossa frente. Sua nova vida começa agora; o que
importa é que está aqui e que temos muito a fazer.
Dionísio sente lágrimas saindo de seus
olhos e as enxuga com as mãos. Olha para Akira e
lhe faz uma reverência. Akira retribui o
cumprimento e se aproxima dele.
- Agora, vamos nadar!
- Nadar?!
- Exatamente! A natação é um excelente
exercício! Ele educa sua respiração, dá disposição e
é um excelente esporte para mobilizar o corpo
todo, pois faz com que seus músculos trabalhem
de forma mais ampla e coordenada. É um exercício
completo, uma atividade física que todos deveriam
fazer!
- Eu não sei nadar!...
- Como isso pode ser possível?!
- Simples: não sei nadar...
- Isso é um problema seu! Um rapaz desse
tamanho não saber nadar é uma vergonha! Eu não
142

quero saber! Você vai ter que aprender! Há um


riacho aqui perto e é lá que nadaremos. Melhor,
você nadará!
- Em duas semanas?
- Não! Em uma semana!
Dionísio olha espantado para Akira e
começa a rir, mas rapidamente percebe que ele não
achou graça nenhuma e para de rir; abaixa a
cabeça, passa a mão no rosto, coça a barba por
fazer, entra na casa, troca de roupa, coloca uma
bermuda e uma camisa de malha, volta para o
quintal e segue seu mestre até o riacho, que não
fica longe.
- Pode pular!
- Eu não tenho a mínima idéia do que devo
fazer!...
- Apenas pule!
- E a correnteza?... Eu posso facilmente me
afogar!
Akira se aproxima com as mãos para trás
do corpo, olha para o riacho, olha para Dionísio e o
empurra. Ele cai no riacho e sente a água fria como
se fossem facas cortando seu corpo bem de
devagar. Ele tenta encostar seus pés no fundo, mas
percebe que não consegue, a profundidade do
riacho é um pouco maior do que imaginava. A
água encobre sua cabeça e ele começa a se debater.
A correnteza não está tão forte como ele
imaginava, e ele agradece a Deus por isso. Pensa
que se continuar a se debater daquele jeito vai
143

acabar se afogando, então tenta se controlar e


manter a calma. Consegue então ficar parado e
procura voltar para a superfície. Fecha os olhos e
percebe que está boiando!
- Eu consigo ficar boiando!
- É um começo – um começo tosco, mas é
um começo!
- Consigo ficar parado no lugar!!
- A correnteza não está forte, é só você
tentar bater as pernas e sincronizar esse
movimento com o dos braços. Pode tentar? – Akira
se agacha. – Consegue bater seus membros
devagar?
Dionísio tenta se lembrar das vezes em que
via competições de natação pela televisão e das
oportunidades em que viu pessoas nadando num
clube perto de sua casa, aonde ia jogar basquete.
Mais uma vez, reclama de nunca ter aprendido a
nadar como sua mãe tinha indicado tantas vezes.
- Tente fazê-lo de forma sincronizada,
devagar! Não adianta tentar bater rapidamente os
braços nem as pernas, você não está em uma prova
de velocidade. Vamos devagar! Não precisa
aprender tudo de uma vez! Isso, bata os braços,
assim mesmo!! Agora tente bater as pernas!
Dionísio começa a se mover, mas logo
perde a sincronia; começa a afundar, mas consegue
voltar à superfície rapidamente.
- Como isso é difícil!...
144

- Não precisa ficar frustrado; você ainda


tem uma semana. Você consegue fazer coisas mais
difíceis do que isso, e não precisa ficar assim! Pode
sair daí; hoje você já percebeu que nadar necessita
de um pouco de controle dos membros e isso você
tem de sobra - só precisa utilizar isso dentro da
água.
- Isso é um desastre!...
- Pelo menos conseguiu não se afogar.
Conseguiu manter a cabeça fora da água e se
manter no lugar!
- Que bom, não é?...
- Muito bom! Agora pode sair daí!
- Você vai me ajudar?
- De forma alguma! Você pode sair daí
sozinho.
- Queria ver você nadando!...
- Quem precisa aprender a nadar é você,
não eu!
Dionísio mergulha na água e depois volta à
superfície.
- Quando aprender mesmo a nadar, acho
que vou gostar disso!
- Quer ficar mais um tempinho aí?
- Vou tentar mais um pouquinho...
- Então, está bem! Vou para casa preparar o
jantar.
- Não vai pedir para que eu o prepare?
- Eu até que gosto de sua comida, mas seu
arroz ainda não é cem por cento.
145

- O que há de errado com meu arroz?!


- Ele é um pouco soltinho.
- Não gosta dele assim?
- O que você fez é bem gostoso, mas prefiro
ainda o arroz que eu faço.
- É difícil mesmo agradar você...
- Eu disse que gostei de sua comida e que
ainda sabe cozinhar muito bem. Só estou dizendo
que o meu arroz é melhor do que o seu. Eu prefiro
comer com hashi a comer com garfo.
- Bom saber!
- Fique aí por mais uns trinta minutos,
então! Por hoje, não precisa forçar; não precisa se
transformar num nadador olímpico.
- Daqui a pouco vou para casa!
- Espero por você, então!

QUATORZE

Dionísio tenta ficar com a cabeça para fora


da água e percebe que, para isso, tem que ficar
mexendo as pernas e algumas vezes fazendo
movimentos circulares com os braços.
- Eu consigo!... Pode não ser tão difícil
quando eu imaginava!... Se uma criança pequena
pode fazer tal coisa, eu também posso!
O sol começa a se por e ele consegue ver a
lua, que já aparece um pouco acima do horizonte.
Ele fixa seu olhar nela e lembra de Irina, recorda
todos os momentos de brigas e de reconciliações.
146

Sente um aperto no coração e não consegue mais


definir se o ódio que sentiu ao saber que ela é uma
espiã é mais forte do que o amor que sente. Ao
lado dela, viveu momentos maravilhosos;
percebeu que, mesmo em situações de crise, tudo
era superado. Mas agora é diferente. Toda essa
vida ao lado dela pode ter sido uma ilusão. Ele não
sabe mais se consegue acreditar no que ela dizia.
Não está conseguindo assimilar se tudo ao lado
dela não passou de encenação.
Ele sai do riacho e volta ensopado para
casa.
- Acredito que esteja faminto!
- Estou - e muito, mas vou tomar um banho
antes.
- Tudo bem com você?
- Você acredita mesmo que devo perdoar
Irina?
- Quem disse que ela precisa de perdão?
- Ela mentiu durante todos esses anos!
- Vocês terão que conversar. Tente escutá-la
antes de tomar qualquer decisão. Antes de fazer
qualquer julgamento, tente apenas ouvir.
- Como posso fazer isso?
- Apenas escute.
- Não é tão simples!
- Tudo é muito simples. Tudo.
- Como pode dizer isso?
- Com o tempo, você aprenderá que nada
acontece por acaso e que nada, eu digo, nada é
147

mais difícil do que aparenta ser. As aparências é


que transformam as coisas em empecilhos.
- Vou tentar.
- Tentar não, vai conseguir! Não tenho
dúvidas disso!
- Que bom que você acredita em mim!...
- Dê mais crédito a si mesmo!
- Sim, Sensei.
-Vá tomar seu banho; como não levou uma
toalha para se enxugar ao sair do riacho, você pode
pegar um resfriado. Vá, e seja rápido! O jantar
pode esfriar!
Ao chegar ao quarto, vê outro hakama em
cima da cama e algumas fotos da época em que
morava lá.
Ao sair do banho, ele veste o hakama e fica
vendo as fotos. Em muitas delas, aparecem os dois
brincando no quintal: aparece Akira, ora treinando
com ele, ora jogando basquete com um aro
improvisado, ora cuidando de algumas plantas,
montando ikebanas, e até mesmo aparecem os dois
cuidando de um cachorrinho machucado.
Akira grita seu nome e pede para que seja
mais rápido. Ele vai para a cozinha e senta-se à
mesa. Os dois jantam e por um tempo não
pronunciam palavra alguma, mas Dionísio puxa
conversa falando sobre as fotos. Os dois
conversam sobre elas e ele relembra algumas
histórias.
148

Logo depois do jantar, os dois vão para a


sala e tomam um pouco de saquê. A conversa
continua por alguns minutos e Akira fala para
Dionísio ir dormir. Diz que o dia seguinte será
longo.
Logo quando o dia amanhece, Dionísio
acorda com um despertador tocando a seu lado.
Ele abre os olhos e tenta acertá-lo, mas percebe que
o aparelho está um pouco mais longe e ele tem que
se levantar para silenciá-lo. Já de pé, ele vai ao
banheiro, limpa o rosto e escova os dentes. Troca
de roupa, vai até a cozinha e vê a mesa preparada
com o desjejum: frutas, pão e chá. Em um bilhete
ao lado da jarra de chá, lê: “Beba o chá, coma as
frutas; uma boa alimentação ao acordar é muito
importante. Quero que, logo em seguida, pratique
caligrafia. Na sala, ao lado da lareira, há uma
mesinha e sobre ela está tudo de que precisa.
Quando eu chegar, pintaremos um pouco”.
Dionísio pega uma xícara, derrama um pouco de
chá nela e sai pela porta para observar o monte que
subiu no dia anterior.
- Ele parece um bocado menor agora...
Senta-se no banco que fica ao lado da porta
e bebe o chá. Depois de alguns goles, fica ainda
algum olhando para o monte, levanta-se, volta à
cozinha, pega uma maçã e vai para a sala. Vê
papel, pincel, tinta e alguns modelos de kanjis.
Termina de comer a maçã e começa a escrever.
149

Por quase uma hora ele pratica caligrafia,


logo depois Akira chega.
- O que escreveu aí?
- Dois poemas que aprendi.
- Deixe-me ler. – Akira senta-se ao lado de
Dionísio e lê um dos poemas – Belíssimo. De quem
é?
- Charles Baudelaire, e esse outro é de
Byron, Lord Byron.
- Poemas de estrutura romântica. Gosto
muito!
- Desde quando?!
- Isso agora não vem ao caso. Vamos
pintar?
- Você é quem manda! Sou bom em
desenho, mas pintura não é meu forte.
- Não se preocupe. Não quero que você
saiba tudo.
- É mesmo? Estava com a ligeira impressão
de que queria que eu soubesse de tudo.
- Você se enganou. Não espero que alguém
seja perfeito.
- Que bom!
- Então vamos pintar! Posso ensiná-lo:
começaremos com essas pinturas que são
atribuídas a Myamoto Musashi.
Os dois pintam por quase duas horas.
Todas as vezes que Dionísio parecia querer
começar a fazer brincadeiras com as tintas ou
atrapalhar Akira, levava um tapa na nuca.
150

- Pelo jeito, continua uma criança!


Depois de pintarem, os dois vão ao
supermercado fazerem compras.
- Gostei de pintar, é muito gostoso, e muito
relaxante também!
- Eu sei.
Voltando para casa, os dois vão para a
cozinha preparar o almoço; Akira diz que vai
deixá-lo deitar-se um pouco e diz que trinta
minutos de uma boa soneca é mais do que o
suficiente – do contrário, o corpo começa a entrar
em estágios mais profundos de sono, e acordar não
será muito gostoso.
- Depois dessa sua soneca, vamos fazer
coisas pequenas. Hoje pegarei leve contigo. À noite
até vamos cuidar de mais alguns bonsais.
Dionísio vai para o quarto enquanto Akira
diz que tem que resolver alguns negócios fora.
Enquanto mexe nas coisas que estão na mala,
Dionísio vê um livro na parte em cima do armário.
Pega-o e começa a folheá-lo, e percebe que o livro é
de poesias do gênero romântico.
- Desde quando você começou a ler isso,
Akira?... Nunca pude imaginar que descobriria
algo desse tipo aqui!
Ele lê algumas poesias deitado na cama,
acerta o despertador para acordá-lo em uma hora
e, com o tempo, acaba dormindo.

- Espero que tenha dormido muito bem!


151

- Não ouvi o despertador!...


- Claro, acertou-o para acordá-lo depois de
uma hora! Eu disse trinta minutos!
- Pensei que demoraria mais e tentei
aproveitar!...
- Pensou errado! Falei trinta minutos!
Sempre cumpro o que digo! Levante-se, vamos ver
como evolui nadando hoje!
- Hoje?!
- Todos os dias! Esqueceu que tem uma
semana para aprender?
- Pensei que poderíamos dar uma corrida,
treinar alguma coisa!...
- Ainda não, deixaremos isso para depois.
Você tem que aprender a nadar!
Os dois vão até o riacho, mas desta vez
Dionísio leva uma toalha. Ele pula na água e tenta
manter a cabeça acima da superfície. Akira chama
a atenção dele e joga uma pequena prancha de
natação.
- Isso vai ajudá-lo.
- Onde arrumou isso? Você tinha uma
prancha dessas e não me deu ontem?!
- Você reclama demais! Pare com isso! Eu
arrumei essa prancha hoje.
- Com quem?
- Não interessa. Use-a! Com ela ficará mais
fácil bater as pernas, e depois vá dando braçadas
com um braço de cada vez.
- Eu sei!...
152

- Se soubesse, não estaríamos aqui


perdendo tempo enquanto você aprende.
- Eu sei como usar uma prancha como esta!
- Então por que está conversando comigo
em vez de estar nadando?
- Você é muito chato!...
- Não sou chato, você é que tem algumas
falhas persas que devem ser corrigidas!
- Excelente!... Além de nadar eu não sei
mais o quê?...
- Você reclama demais! É resmungão! Não
aceita o que as pessoas falam sem antes retrucar.
Pare com isso! Apenas escutar, às vezes, provoca
muito menos confusão.
- Não sabia que era assim!...
- A gente nunca sabe. Agora pare de
conversar e nade!
Depois de mais algumas tentativas
frustradas, Dionísio consegue manter um certo
ritmo em suas batidas de pernas e começa a dar
braçadas com a prancha.
- Hoje foi muito melhor, amanhã já vai
conseguir estar nadando.
- Espero que sim! Está sendo mais fácil do
que imaginava!
- Crianças aprendem mais rápido.
- Muito obrigado pela injeção de ânimo!...
- Não por isso!
- O que faremos agora?
153

- Ainda está cedo, podemos dar uma volta


pela cidade. O que acha?
- Acho muito bom. Quem sabe não
reencontro alguém conhecido? Vamos a algum
lugar conhecido?
- Vamos deixar isso de passeios para
reencontros para uma outra ocasião. Vamos
apenas dar uma volta. Você gosta de sorvete?
- Claro! Vamos nessa, então!
Antes eles passam em casa, Dionísio toma
um banho, veste uma das roupas que trouxe na
mala e os dois saem.
- Não quis usar nenhum quimono hoje?
- Esqueceu que trouxe uma mala e que há
roupas nela?
- Não, mas pensei que quisesse usar roupas
tradicionais enquanto estivesse aqui.
- Hoje vou usar calça jeans e uma camisa de
malha de manga curta.
- Então está bem! Você fica bem assim.
- Um elogio! Que maravilha!...
- Não sou tão mau assim!
- Eu sei que não, estou apenas brincando!
Os dois pegam um ônibus e vão para o
centro da cidade. Dionísio compra alguns
utensílios que deseja levar para o Brasil. Param em
uma sorveteria e pedem sorvetes com três bolas
cada. Akira pede sorvetes de frutas, mas Dionísio
prefere juntar chocolate com maracujá e kiwi.
154

Andam um pouco, chegam a uma rua que ele não


conhecia e entram em uma loja vazia.
- Nunca passei por aqui antes...
- Eu sei. Espere-me aqui! Não vou demorar!
- Tudo bem!
Akira conversa com um atendente e entra
por uma porta atrás do balcão. Dionísio se vira e
sai da loja. Depois de quase trinta minutos, Akira
sai da loja. Dionísio está sentado na calçada e sente
as mãos do mestre no ombro.
- Não fique sentado aí na calçada!
- Estava esperando por você.
- Podia ter ficado lá dentro e esperado
sentado em uma cadeira!
- Achei melhor esperar aqui fora mesmo...
- Podemos ir embora.
- Mas já?!
- Sim. Amanhã voltaremos aqui à noite.
Quero apresentá-lo a algumas pessoas.
- Adoro conhecer pessoas!
- Eu sei disso. Mas não precisa ficar todo
contente; são apenas monges que quero que
conheça, e que poderão mostrar-lhe uma coisa.
- Que coisa?
- Amanhã você saberá. Agora vamos para
casa, muitos bonsais e alguns arranjos de ikebana
nos esperam.
Em casa, os dois passam a noite podando
galhos que crescem errado, podam bonsais de uma
forma que os deixe mais bonitos. Enquanto Akira
155

leva cada bonsai para o quintal, Dionísio monta


alguns ikebanas com folhas, galhos e flores.
- Amanhã você vai nadar de manhã. À
tarde, deverá subir ao monte novamente com os
pesos e à noite iremos ao centro.
- Tudo bem. Vou para meu quarto ler
alguma coisa e dormir.
- É isso que eu gostaria de ouvir! Tenha
uma boa noite de sono! Durma bem!
- O senhor também, Sensei! Durma com
Deus!
Dionísio toma um banho quente e troca de
roupa, veste um simples quimono que está entre as
vestimentas deixadas em seu quarto, pega o livro
de poesias, deita-se na cama e começa a lê-lo.
Depois de apenas trinta minutos ele já está
dormindo. Akira aparece em sua porta e diz em
voz baixa:
- Amanhã você terá que passar pelo teste
mais difícil que já enfrentou em toda a sua vida.
Um teste de vida ou de morte. Eu confio em você.

QUINZE

Da Rússia, Irina liga para Aurélio:


- Notícias de Dionísio?
- Não converso com ele há dois dias.
- Será que aconteceu alguma coisa?...
- Com certeza não! Ele está na casa do
Sensei dele. Você o conhece?
156

- Conheço, sim. Akira Matsumoto. Já fui


com Dionísio algumas vezes à casa dele em minhas
viagens ao Japão. É um senhor muito bom, sereno,
a voz dele parece ser suave como uma brisa de
verão!...
- Não precisa ficar preocupada! Ele
rapidamente estará de volta.
- Eu também sinto isso!...
- Como estão as coisas aí na Rússia?
- Estou tentando convencer o general a não
invadir Bangkok com agentes e a esperar um
pouco.
- Sei...
- Você acredita que ele pode me perdoar?...
- Não posso afirmar algo assim, Irina; ele
acredita veementemente que você o traiu. Mesmo
que seja sobre a identidade ou que não seja uma
traição entre homem e mulher, ele acredita em
uma traição. Ele foi gravemente ferido por isso.
- Isso era o que eu mais temia!...
- Ele foi derrotado pelo monstro, ferido em
seu corpo, e logo em seguida descobre que a
mulher com quem quer viver o resto da vida não é
bem aquilo que ele imaginava e que, ainda por
cima, estava trabalhando pelas costas dele.
- Espero mesmo que ele me perdoe!...
Nunca amei ninguém como o amo! Tudo que eu
fiz foi para protegê-lo... Não queria nunca que ele
se envolvesse com o tipo de pessoa com que tenho
que conviver!...
157

- Ele é um homem, Irina! Mesmo que você


seja mais velha e mais vivida, ele é um homem e,
acredite, já passou por várias coisas ruins durante
a vida.
- Eu falhei, mas quero o perdão dele!
Mesmo que ele não deseje mais ficar comigo, eu
preciso do perdão dele!...
- Quando ele voltar, vocês conversarão
sobre isso.
- Espero que ele me escute...
- Ele é um bocado cabeça dura, como você
sabe, mas ele vai querer conversar com você. Pode
acreditar nisso!
Os dois ficam em silêncio por um instante,
e Irina volta a falar.
- Como estão as coisas aí?
- Parece que Micael começou a agir: têm
acontecido alguns assassinatos, e o delegado
Chong tem mandado todos os corpos para serem
cremados. Entretanto, ele tem procurado encobrir
esses acidentes sem envolvê-los com um vampiro
que está atacando a população.
- Meu Deus!... Temos que encontrar rápido
uma maneira de destruir essa máscara e Micael!
- Por enquanto, não temos nenhuma pista
de onde ele pode estar. O delegado já invadiu o
templo onde ele estava, mas não descobriu nada.
- Vou deixar meu número com você; se
tiver qualquer notícia sobre o que acontecer aí ou
sobre Dionísio, ligue-me!
158

- Pode deixar, vou mantê-la informada!

No Japão, após outra excelente noite de


sono. Dionísio acorda, vai ao banheiro e toma um
banho; sai de toalha do banheiro, escovando os
dentes, e procura Akira pela casa, mas não o
encontra. Vai até a cozinha e vê a mesa preparada
para ele, com cereais, chá, leite e pão. Vai até a
porta, fica observando o jardim de pedras e depois
volta ao banheiro, onde termina de escovar os
dentes; troca de roupa e já fica de bermuda, pega
uma toalha e vai para a cozinha comer.
Akira entra pela porta e é recebido com um
sorriso no rosto.
- Está sorrindo por quê?
- Não me sinto tão bem há muito tempo!
- Como está o ferimento no tronco?
- Não sinto mais dor e o hematoma sumiu.
- Que bom!
- O que era aquela pasta verde que você
passou em mim?
- Só um remédio que aprendi com alguns
monges budistas.
- Ele é milagroso, então!
- É apenas um remédio. Você sempre foi
um atleta, seu corpo se recupera rápido. Nada tão
milagroso assim!
- Pois sinto como se pudesse fazer qualquer
coisa!
159

- Que maravilha! Já está falando como...


sempre!
Os dois começam a rir e se abraçam.
Dionísio termina de comer e vai para o riacho.
Akira diz que tem algumas coisas para resolver e
diz não vai acompanhá-lo.
Depois de uma hora e meia na água e
conseguindo sincronizar os movimentos de braços
e de pernas, ele começa a se movimentar com mais
velocidade e começa a nadar bastante bem. Ele
mergulha, atravessa o riacho de uma margem à
outra. Parece começar a gostar desse novo esporte
que aprendeu. Fica por mais alguns instantes na
água, sai e corre para casa dizer a Akira que
aprendeu a nadar.
- Fico feliz! Você já está quase pronto para
voltar.
- Pois é...
- À tarde vai correr até o topo do monte
com os pesos.
- Sim, mas estou faminto!
- Isso não é novidade!
- Preparei algumas coisas de que sei que
gosta, e logo depois pode tirar sua querida soneca.
Mas lembre-se: trinta minutos no máximo!
- Não vou esquecer, já vou deixar o
despertador preparado para isso. Não vou dormir
mais do que o necessário - pode ficar
despreocupado!
160

Os dois almoçam e Dionísio pergunta o que


acontecerá de noite.
- Vou levar você a um lugar a que deveria
ter levado há muito tempo. Mas não achava que
precisaria, até você voltar e perceber pavor em
seus olhos.
- Do que você está falando? Que lugar é
esse?
- Na hora certa você verá. Pode ir para o
quarto!
- Está me deixando apreensivo!...
- Não precisa ficar assim! É só mais um
teste.
Dionísio vai para o quarto curioso com
todo o mistério que Akira está fazendo. Deita-se na
cama e fica pensando em Irina, em como será o
reencontro dos dois. Pensa também em Aurélio e
liga para ele.
- As coisas começam a ficar preocupantes!
- Micael atacou mais pessoas?
- O número está aumentando e muitos
corpos estão desaparecidos!
- Meu Deus!... Vou ter que voltar antes do
que imaginava!
- É, meu amigo! Não queria te dar notícias
tão ruins, mas precisamos de sua ajuda!
- Como você está?
- Estou bem. O delegado tem me mantido
vigiado vinte quatro horas por dia. Estou preso no
hotel. Só tenho ido à delegacia raramente.
161

- E a cidade? O povo está apavorado?


- Ainda não; muita gente ainda não sabe o
que está acontecendo. O delegado tem conseguido
fazer com que as notícias não se espalhem. Rádio,
televisão, os meios de comunicação estão proibidos
de transmitir quaisquer informações que possam
aterrorizar as pessoas.
- Nunca fui a favor de impedir que
informações pudessem circular livremente, mas
em situações assim, posso entender perfeitamente
que seja dessa forma; o delegado fez bem ao
assumir essa atitude.
- Quando é que você volta?
- Mais alguns dias e estarei aí! Devo voltar
antes do que imaginava, e por dois motivos: as
coisas aí estão ficando muito perigosas e Akira vai
acabar me expulsando antes do que eu queria.
- Você está dando muito trabalho a ele?
- Não, acredito que não! Mas ele me faz
lembrar sempre de que tenho que destruir Micael e
que não posso fugir disso!...
- Ele está certo!
- Eu sei... O que está acontecendo aí é
minha responsabilidade...
- Não se sinta responsável pelo que Micael
está fazendo!
- Se não fosse por minhas escavações, a
máscara não estaria nas mãos dele agora!...
- Você não é culpado por esse horror!
162

- Posso não ter matado essas pessoas, mas a


arma que está sendo usada para isso foi descoberta
por mim.
- Descoberta, sim; usada, não! O
responsável por tudo é Micael. É ele quem deve ser
detido e a máscara, destruída!
- Isso eu me encarrego de fazer!
- Não tenho dúvidas!
- Notícias de Irina?...
- Ela me ligou ontem. Disse que seus
superiores querem enviar agentes para a Tailândia.
- Não sei se seria uma boa idéia...
- Ela também não, mas está conseguindo
tempo para convencer o general de que você pode
resolver o problema sem a interferência de forças
militares.
- Ela está bem?
- Parece que sim. Tem pensado nela, não é?
- Com certeza, meu amigo!... Eu a amo...
Isso é transparente em minha voz, em meu olhar,
em meus gestos!
- Já pensou em como conversará com ela
quando a encontrar?
- Ainda não sei, mas sei que temos muito o
que conversar.
- Que bom que pensa assim! Eu acredito no
amor dela por você. Suspeitei de algumas coisas
quanto ao que estava acontecendo, mas não
acredito que ela não o ame.
163

- Isso depois eu resolvo conversando com


ela. Mas tenho pensado muito em Irina...
- Fique tranqüilo, meu amigo! Termine o
que foi fazer aí! Quando voltar, terminamos o que
tem por aqui.
- Abraços, meu camarada!
- Fique com Deus!

O despertador toca e Dionísio o desliga.


Fica algum tempo sentado na cama, refletindo
sobre tudo o que pode estar acontecendo em
Bangkok. Ele se levanta, troca de roupa, coloca
uma calça de malha, os pesos nos pés e nas mãos,
fica sem camisa mesmo, calça os tênis, escova os
dentes, procura Akira pela casa, mas não o
encontra. Sai pela cozinha, atravessa o quintal,
abre o portão, cruza a rua e olha para o monte. Ele
parece menor ainda do que já tinha notado. Ele faz
alongamento e começa a correr.
Chega ao topo sem se cansar, desce
correndo também e resolve subir novamente, mas
antes volta à casa e pega mais dois pesos para
colocar nas pernas. Sobe o monte mantendo uma
velocidade constante. Chegando lá em cima, ele
para por um instante e observa a cidade. Sua visão
consegue alcançar uma grande parte dela, mas
grande parte da cidade está cheia de prédios. Fica
aí por mais um bom tempo e então decide descer.
Ao chegar em casa, encontra Akira parado
de pé ao lado do banco, segurando duas xícaras de
164

chá em cada uma das mãos; o mestre lhe oferece o


chá.
- Estou mesmo com sede, mas acho que
consigo subir mais uma vez!
- Não precisa, guarde suas energias para
mais tarde.
- Vou precisar de energias para quê?
- Já disse que vai ver. Só estou avisando
que vai precisar de toda a energia que tiver. Não
quero que se canse antes de sua grande prova.
- Vou ter que provar alguma coisa para
alguém?...
- Somente para si mesmo.
- O que eu precisaria provar para mim?
- Sua curiosidade agora não vai ajudar em
nada. Vá tomar um banho, pois devemos meditar
um pouco e, antes de sairmos, quero que me ajude
a cuidar de um cachorrinho que está com a pata
quebrada.
- De quem é o cachorro? Seu?
- Você pergunta demais! Agora vá! Estou te
esperando.
Dionísio vai para o quarto e toma um
banho morno, já que seu corpo está quente. Veste
um quimono e vai para o quarto em que
meditaram anteriormente. Os dois se mantêm em
posição de lótus e diminuem seus batimentos
cardíacos o máximo que conseguem. Durante mais
de duas horas, eles se mantêm imóveis e
respirando bem devagar. Ao abrirem os olhos,
165

fazem um leve alongamento e saem de casa. Akira


diz que vai pegar o cachorro.
Dionísio fica esperando sentado no banco.
Akira retorna com o que parece um vira-latas; a
pata dianteira esquerda está enfaixada. Os dois
cuidam dos ferimentos do cachorro, e Dionísio
pega um pote com água e outro com ração que
Akira diz ter na despensa. O cachorro lambe as
mãos dele e recebe um cafuné na cabeça.
Akira leva o cachorro embora e volta para
casa.
- Agora podemos ir.
- Vamos aonde fomos ontem?
- Sim.
- Não vai mesmo me dizer do que se trata?
- Tudo ao seu tempo! Você vai passar por
uma prova pela qual deveria ter passado há anos.
Pensei que não precisasse disso, mas agora vejo
uma oportunidade única.
- Tenho que me preocupar com alguma
coisa?
- Basta manter a serenidade. Manter essa
paz interior de que desfruta agora. Basta ser o
discípulo que sempre foi. Acreditar que pode
conseguir tudo. Você está preparado. – Akira
segura o ombro de Dionísio. – Não precisa se
preocupar! Acredite no que sabe e saiba que pode!
- Então vamos! Estou pronto!
- Eu sei que está.
166

Os dois vão para o centro de Nara. Voltam


à rua desconhecida para Dionísio e entram na loja
da noite anterior. Akira volta a conversar com o
atendente e este abre passagem para os dois.
- Que lugar é este?
- Um templo.
- Como é possível?
- Você verá.
Os dois passam por um beco pouco
iluminado. No final dele, deparam com um jardim
gigantesco, formado por grandes árvores que
parecem ter milhares de anos, muitos jardins de
pedras e monges que raspavam suas pás nelas. A
iluminação é intensa e, mesmo que seja feita
apenas por postes rústicos, tudo ao redor pode ser
visto. Além do jardim pode ser vislumbrado um
grande templo de aparência tão antiga quanto a
das árvores. Um caminho que começa exatamente
onde estão segue até a escadaria dele. Um monge
se aproxima, curva-se diante deles e pede que o
acompanhem. Dionísio caminha deslumbrado com
o que vê e sente como que se acabasse de passar
por uma fenda temporal e voltasse ao passado. Um
passado longínquo em que se passavam histórias
de samurais e de monges Shaolin. O monge bate
nos portões do templo e dois outros monges os
abrem. O rangido deles faz com que Dionísio tenha
ainda mais certeza de que não está no tempo
presente.
167

Entrando no templo, os monges fazem


reverência aos dois e pedem para serem
acompanhados. Akira pede que Dionísio o
aguarde e segue os monges.

DEZESSEIS

Dionísio aguarda Akira e, durante esse


tempo, volta a observar o caminho por onde
passou. Enormes muros circulam todo o lugar. Ele
não consegue ver os prédios que acredita haver do
lado de fora, desce a escadaria e fica olhando para
o céu, que se apresenta com poucas nuvens e uma
lua minguante que surge a seu lado esquerdo.
Um monge se aproxima e pede que o siga.
Dentro do templo, ele segue o monge por
um corredor extenso e entram numa sala
hexagonal ampla e muito alta, cujo chão é todo
revestido com tatames. Em uma parede, várias
armas utilizadas por diversas artes marciais
existentes no mundo inteiro estão em prateleiras e
estantes; no centro de uma das outras paredes está
pendurada uma katana de empunhadura e bainha
brancas, solitária.
Dionísio vê Akira na outra extremidade da
sala, de pé, ao lado esquerdo de um monge que
está sentado em uma cadeira entalhada com
figuras que não consegue distinguir. O monge
aparenta ter mais de 70 anos, mas Dionísio acredita
que ele pode ser até muito mais velho do que isso.
168

O monge que o levou até a sala vai até onde outros


monges estão sentados em posição de lótus e
senta-se também.
Akira faz sinal para que Dionísio se
aproxime. Dois blocos de ferro cilíndricos descem
do teto, as luzes são apagadas e algumas velas que
estão nas paredes são acesas. Um terceiro objeto
também desce do teto, mas ele não consegue saber
o que é. Dionísio está no centro da sala, os blocos
estão um de cada lado e o terceiro objeto está a sua
frente. Mesmo com as velas, a sala permanece um
na penumbra.
Ele pensa em falar alguma coisa, perguntar
o que está acontecendo, mas acredita que não seria
aconselhável. Tenta identificar o que é o objeto à
sua frente e consegue perceber que é um jarro,
também feito de ferro.
O monge que estava sentado ao lado de
Akira se levanta. As luzes das velas parecem ficar
mais fortes e a iluminação melhora.
- Fui comunicado de que o pupilo mais
valioso de meu aluno está assombrado, receoso e
descrente de si mesmo. – Dionísio pensa em falar
alguma coisa, mas percebe que Akira faz um gesto
para que se cale. – Você está aqui por uma razão
bem simples. – O monge se aproxima e fica frente a
frente com Dionísio. Ele é baixo: enquanto Dionísio
tem um metro e oitenta, o monge tem apenas um
metro e sessenta. – Você sentiu o medo, aquilo que
nos faz viver, o que nos faz querer viver, lutar pela
169

vida. Agora, você deverá passar por momentos em


que vai sentir dor, seguida de medo, e, se
conseguir sobreviver, nada mais poderá
amedrontá-lo. Nada mais será capaz de deixá-lo
em dúvida como está agora. – O monge segura as
suas mãos e pergunta: – Quer receber aquilo que
temos para te dar?
Dionísio olha para Akira, que abaixa a
cabeça, e percebe que, a partir daquele momento,
ele está sozinho e que não poderá contar com seu
mestre. Olha para todos ao redor, sente um frio
percorrer sua espinha, da mesma forma que sentiu
quando enfrentou o vampiro, e volta a olhar para o
pequeno monge.
- Sim, mestre! Eu quero!
O monge olha para os que estavam
sentados; um deles se levanta e apresenta a eles
uma pequena caixa de madeira.
- Dentro desta caixa há uma chave que abre
aquela porta. – O monge solta as mãos de Dionísio
e aponta para uma porta que fica abaixo da katana.
– Se conseguir sair dali, não mais terá o que temer.
Dionísio segura firmemente a chave e
caminha até a porta, coloca a chave na fechadura e
abre a porta. Sem olhar para trás, ele entra.
Akira junta as mãos e começa a fazer
orações. Os monges sentados entoam cânticos
budistas.
170

Algumas horas passam e nada acontece.


Akira continua a orar. Mesmo acreditando na
vitória do pupilo, ele continua a fazer suas preces.
Quatro horas depois, Dionísio aparece por
outra porta, sangrando, com cortes nos braços e
nas pernas, quase sem roupa, mas com um sorriso
no rosto. Marcas de queimaduras também são
vistas em cada um dos braços. Ele anda
cambaleando até o centro da sala, faz um sinal
positivo para Akira e cai no chão.

Dionísio acorda em seu quarto na casa de


Akira. Deitado na cama, vestido com um quimono
branco. Tem os braços enfaixados e curativos nos
cortes e nos machucados. Ele olha para o lado e vê
Akira à porta, observando-o e sorrindo.
- Agora você concluiu definitivamente seu
treinamento, tanto física quanto psicologicamente!
- Como cheguei aqui?
- Eu o trouxe. Você desmaiou ao sair da
câmara.
- Que lugar era aquele?... Pensei que tinha
morrido! A última coisa da qual me lembro é de
olhar para você depois de sair daquela sala em que
quase morri.
- Você acabou de passar pelo maior, mais
temido e mais difícil teste de habilidade, coragem,
destreza, força e confiança por que um lutador
pode passar. Você correu risco de vida extremo e
conseguiu sobreviver.
171

- Consegui mesmo passar no teste?


- Você está vivo, conversando comigo! É
claro que passou!
- O que aconteceu comigo?...
- Quando saiu da câmara em que tinha
entrado, você andou até o centro da sala onde
estávamos e desmaiou. Estava com as roupas
rasgadas, quase nu, com vários cortes e
machucados. Você sangrou muito logo depois do
desmaio. Os monges o levaram para os médicos do
templo e eles o examinaram.
‘Você dormiu por dois dias, meio dia a
mais do que eu, mas está aqui, vivo, e agora possui
as marcas do dragão e do tigre.’
Akira se aproxima e senta ao lado de
Dionísio na cama, retira as faixas dos braços e
mostra as marcas queimadas dos dois animais.
- Você agora é um mestre das artes
marciais. Em qualquer lugar aonde for, será
reconhecido por essas marcas. Você passou por um
desafio em que milhares já morreram. Seu físico e
mente estão em completa harmonia.
- Estou preparado agora?
- Sim. Você agora pode fazer o que quiser.
- Posso enfrentar aquele vampiro!!
- Qualquer que seja seu oponente, você está
preparado para enfrentá-lo. Mas seu maior
oponente é você mesmo.
- Como assim?
172

- O ser humano é imprevisível. Nenhum


inimigo é mais perigoso do que o próprio homem.
Você precisa ter consciência total de quem é para
não se perder no descontrole em que o mundo
vive. Você chegou aqui descontrolado. Foi
derrotado pelo vampiro, e só conseguiu destruí-lo
por que o delegado o alvejou com uma arma.
Muitas coisas aconteceram e você acreditava que
era o responsável pelos assassinatos. Descobriu
que Irina é uma espiã.
‘Seu mundo sofreu um distúrbio muito
violento. Seu mundinho perfeito foi desfeito como
uma pirâmide de cartas. Desilusão, descrença,
derrota, tudo ao mesmo tempo, e você não
conseguiu assimilar tudo. Você foi derrotado por si
mesmo.’
- Entendo perfeitamente...
- Agora você é capaz de enxergar com
clareza, sem obstáculo algum, aquilo que está a sua
frente. Os obstáculos são inventados por nós
mesmos.
- Entendo, Sensei...
- Mas você agora pode entender
plenamente como o medo age dentro de nós.
Lembre-se do que o pequeno monge lhe disse
sobre o medo: não faça dele um inimigo, mas use-o
para viver e para transformar sua vida.
- Por que você chamou seu mestre de
pequeno monge?
173

- Porque ele é pequeno e porque é um


monge. Por que o chamaria de outra maneira? –
Dionísio sorri e abraça Akira. – Agora descanse
mais um pouco! – Akira se levanta, vai até a porta
e se vira. – Orgulhe-se dessas marcas em seus
braços. Todas as vezes que olhar para elas, você se
lembrará o que é lutar realmente pela vida. Depois
que descansar plenamente, praticaremos Tai Chi.
- Pensei que não faríamos isso.
- Pensou errado!
- Estou faminto!...
- Digo novamente que isso não é novidade;
além do mais você está desacordado por dois dias.
Quando se levantar, uma boa comida estará
esperando por você.
- Agradeço.
Antes de sair do quarto, Akira ainda diz:
- Seu amigo Aurélio ligou.
- Aconteceu alguma coisa?
- Ainda não, mas ele acredita que o tal de
Micael está tramando algo. Mais pessoas estão
perdidas e o povo está começando a ficar com
medo. Em pouco tempo, o terror pode tomar conta
da população inteira. Por sorte, ou por azar,
Bangkok é uma cidade grande e nada de mais
grave aconteceu ainda, mas ele disse que o
delegado não sabe até quando consegue manter o
silêncio da mídia. Alguns boatos já estão
circulando pela cidade.
174

- Vou ter que voltar antes que imaginava,


então!...
- Sim, mas resolveremos isso amanhã. Por
hoje, você ainda vai descansar.
Akira sai do quarto e vai para a cozinha.
Dionísio fecha os olhos e cochila por quarenta
minutos. Ele acorda, se levanta, sente o corpo
ainda um pouco dolorido e seus braços coçando.
Ele olha para o tigre e o dragão marcados a fogo
em seus braços, vai até o banheiro, liga o chuveiro
e deixa a água cair em seu corpo ainda cansado.
Ele veste um yukata, vai até a cozinha e vê
que na mesa há suco, chá, frutas, um prato de
yakisoba, outro com arroz, um pequeno pote com
wasabi e outro prato com peixe frito e cozido. Ele
come o yakisoba, bebe um pouco do suco, come
um pouco de arroz, o peixe frito, um pedaço do
peixe cozido com um pouco do wasabi. Pega uma
fruta e derrama um pouco de chá em uma xícara.
Sai pela porta da cozinha e vai para o quintal. Vê
Akira chegando com um bonsai nas mãos: um
junípero grande, de quase cinqüenta centímetros.
- Esse deve ser bem velho!...
- Um pouco. Ainda não chegou aos cem
anos. Um amigo pediu para que eu ficasse com ele
enquanto viaja.
- Sinto-me bem mais disposto depois da
refeição que você deixou preparada. O corpo ainda
está dolorido, um pouco ainda cansado, mas mais
bem disposto.
175

- Vamos dar uma volta?


- Claro!
Os dois andam até chegarem a uma praça
próxima, onde há árvores, uma pequena fonte de
água límpida e alguns bancos. Eles se aproximam
de um deles e se sentam.
- Esta é uma das poucas praças que ainda
existem aqui. Você pode perceber que é bem
freqüentada.
- Eu não a conhecia...
- Você já veio aqui quando pequeno, ela
está bem mudada. Com o tempo, diminuiu, pois
aqueles prédios foram construídos em volta dela e
pegaram boa parte do que existia. – Akira aponta
para uma pedra enorme de quase 5 metros. – Você
se lembra daquela pedra? Ela sempre esteve ali.
- Sim! Estou lembrando agora!... Eu
costumava subir nela!
Os dois ficam em silêncio por algum
tempo, escutando os pássaros, o barulho da água
caindo na fonte, o vento que balança os galhos das
árvores, algumas crianças e pessoas que caminham
e conversam.
- Amanhã, depois do almoço, você volta
para Bangkok. Já vi em uma companhia aérea o
horário e já comprei suas passagens.
- Não precisava comprá-los!
- Você é como um filho meu.
- E eu sinto como se você fosse um pai para
mim!...
176

- Seus amigos precisam de você. Você


precisa mesmo voltar. Agora está preparado.
- Eu queria ficar mais alguns dias...
- Sabemos que você não tem esse tempo.
- Pensei que teria duas semanas. Pensei que
Micael não faria nada durante esse tempo!
- Ele está enlouquecido. A máscara o
transformou não só ao usá-la, mas seu poder foi
tão grande que ele não consegue mais viver sem
destruição e consegue discernir ainda menos o
limite entre o certo e o errado.
- Eu tenho que derrotá-lo!
- É sua responsabilidade destruir a
máscara, derrotar o vampiro. Ninguém mais pode
fazer isso. Todos dependem de você e agora você
consegue entender tudo isso.
- Sim, Sensei! Eu agora enxergo tudo de
uma maneira tão simples!... Não tenho mais
dúvidas, não tenho mais temores nem receios! Sei
o que tenho que fazer e sei como fazê-lo!
Akira se levanta e começa a andar de volta
para casa, e Dionísio vai logo atrás. Os dois entram
pela cozinha. Akira pega dois copos, enche-os de
suco e dá um copo para Dionísio.
- Agora vamos treinar Tai Chi.
- Graças a Deus! Não via a hora!...
- Pensou mesmo que não treinaríamos?
- Pensei.
- Já disse que pensa demais e que pensa
errado?
177

- Já disse sim!...
- Você pensa besteira demais.
Os dois praticam Tai Chi Chuan por mais
de uma hora e conversam um pouco antes de se
recolherem.
- Vamos dormir; amanhã, quero que acorde
um pouco mais cedo. Quero levá-lo a um outro
lugar.
- Mais um teste?
- Os testes acabaram. Só quero levá-lo a um
lugar de que acredito que vá gostar.
- Então vamos dormir. O amanhã nos
espera!

DEZESSETE

Na Rússia, já de manhã, Irina está em um


quarto no alojamento atrás do prédio do serviço
secreto.
- Posso entrar?
Sasha aparece em sua porta.
- Claro, pode ficar à vontade.
- O general pediu que eu viesse e
perguntasse se deseja voltar à Tailândia.
- Ele vai mesmo enviar agentes?
- A não ser que você já tenha algum plano
traçado e que já possa enviar algum relatório para
ele.
- Ainda estou esperando notícias de
Dionísio.
178

- Acredita mesmo que ele é capaz de


resolver o que está acontecendo?
- Ele é capaz, sim!
- Sozinho?...
- Você ainda não o conhece!
- Será que terei essa oportunidade?
- Sei que, quando voltar a Bangkok, você
irá junto. Então poderá descobrir por si mesmo que
ele é o único capaz de enfrentar Micael e destruir a
máscara.
- O general está decidido a enviar mais
agentes para controlar a situação.
- Pode dizer a ele que darei minha resposta
ainda hoje, e que sei o que estou fazendo.
- Tudo bem, então, camarada Irina! Tenha
um bom dia!
- Você também, camarada Sasha!
Conversaremos ainda hoje.
Irina liga imediatamente para Aurélio.
- Noticias de Dionísio? Ele não atende as
chamadas de meu celular!
- Também não consegui falar com ele, mas
ontem conversei com Akira e ele me disse que
ainda hoje Dionísio voltaria para cá.
- Ainda hoje? Tenho que me preparar para
voltar também!...
- Conseguiu alguma coisa por aí?
- O general estava querendo enviar agentes
para Bangkok, mas consegui convencê-lo a não
179

fazer isso. Ele vai me deixar voltar, mas com um


civil que nos ajudará.
- E quem é essa pessoa?
- Alguém de inteira confiança dele. Não
precisamos nos preocupar!
- Então você também volta hoje?
- Sim! Falarei com o general e tomarei um
avião!
- Espero você aqui, então! A situação está
começando a ficar fora de controle!...
- O que tem acontecido?
- Durante esses dois últimos dias, o número
de pessoas desaparecidas aumentou. Os hóspedes
do hotel já foram quase todos embora. O delegado
não está mais conseguindo frear as informações
que são veiculadas fora da mídia, e até mesmo as
redes de televisão e rádio locais já começaram a
noticiar os desaparecimentos e alguns assassinatos.
- Está mesmo pior do que imaginávamos!...
Micael não esperou duas semanas.
- Pelo que parece, não... Também
acreditamos que hoje ele deve tentar um ataque
maciço.
- Como você está sabendo disso?
- O delegado recebeu uma mensagem
anônima dizendo que hoje a cidade entraria no
caos completo. Essa foi uma das razões que me
fizeram ligar para Dionísio, e é por isso que ele
está voltando.
180

- Será que ele conseguiu encontrar o que


queria no Japão? Ele teve pouco tempo...
- Eu confio nele.
- Também confio e sei que ele é o único
capaz de enfrentar Micael!
- Vamos nos encontrar mais tarde, então!
Tenho que ir à delegacia. O delegado quer discutir
uma armadilha no caso de um ataque.
- Até mais tarde! Fique com Deus!
- Você também!
Irina desliga o telefone, fica perambulando
pelo quarto e então resolve ir à sala do general.
Chegando lá, ela pede permissão para entrar. O
general termina de dar algumas ordens, assina
alguns documentos e pede para que ela entre. Ela
bate continência e pede licença.
- Acabei de confirmar ao Alto Comando
sua ida e a de Sasha para Bangkok.
- Por que o senhor quer que ele vá para a
Tailândia comigo?
- Eu quero que ele a ajude a recuperar a
máscara e a prender Micael.
- Dionísio e eu podemos destruir os dois!
- Não quero que mate Micael. Entendo
perfeitamente que a máscara precise ser destruída,
mas Micael deve ser julgado e condenado por seus
crimes!
- Vou me esforçar para me lembrar disso!...
- É exatamente por isso que Sasha também
deve ir!
181

- Entendo, senhor! – Irina bate continência e


pede para ficar à vontade.
- Sente-se, por favor!
- Gostaria de voltar hoje mesmo para
Bangkok.
- Alguma notícia de lá?
- Sim: Micael tem feito ataques freqüentes,
e pode ser que hoje ele invada a cidade.
- Tem certeza?!
- Fui informada de que ele planeja atacar
Bangkok hoje.
- Dionísio está voltando também para lá?
- Sim, volta hoje.
- Tem certeza de que ele pode controlar a
situação e derrotar Micael?
- Com certeza! Tenho total confiança nele!
- Tudo bem, então! Você pode ir para a
Tailândia hoje! Vou comunicar a Sasha que os dois
voam à tarde.
- Vou preparar minhas coisas!
- Só os dois irão, mas devem ir armados!
- Sim, senhor!
Irina sai da sala do general e volta para o
alojamento. Pega uma mala de cima de uma
estante, coloca dentro dela duas pistolas nove
milímetros, algumas granadas, seis adagas dentro
de um porta facas e um revólver calibre 22, que
costuma guardar no tornozelo. Momentos depois,
um agente bate em sua porta e diz que suas
passagens já estão reservadas no aeroporto; o carro
182

que os levará até lá estará pronto em uma hora,


momentos antes de o avião partir. Ela agradece e,
antes de fechar a porta, Sasha aparece.
- Posso entrar?
- Claro! Estou arrumando algumas coisas
antes de irmos.
- Vou para meu quarto fazer isso agora e
nos encontramos no pátio dentro de quarenta
minutos!
- Muito bem, vamos nos encontramos lá,
então!
- O general me inteirou de que só iremos
nós dois. Não acredita que vamos precisar de mais
agentes?
- Tenho certeza de que isso não será
necessário! Não há com o que se preocupar.
- Entendo... Estou vendo que está levando
pistolas e revólveres; encarrego-me então do
armamento mais pesado.
- Não tenho como levar mais coisas, mas
penso que isso será o suficiente!
- Assim espero!... Vou indo - até daqui a
pouco!
- Até!
Sasha sai do quarto e Irina continua a
arrumar suas coisas. Toma um banho gelado, fica
um tempo deixando a água cair sobre seu corpo.
Percebe que seus ferimentos estão se recuperando
bem. Não sente mais dores pelo corpo como
quando tinha chegado. Vai ao espelho e vê que o
183

hematoma que tinha na boca já não aparece mais.


Ela levanta os braços e percebe que o local em que
suas costelas estavam quebradas também não
exibe mais a mancha roxa que aí havia. Seu corpo
não está mais dolorido e ela consegue sentir que
está muito bem. Ela se enrola em uma toalha e
deita-se na cama. Pega uma foto de Dionísio em
um compartimento de sua mala e fixa seu olhar
nela.
- Saudades de você!... Gostaria que
soubesse que te amo muito e que tudo o que fiz foi
para protegê-lo!... Não queria roubar a máscara de
você, só queria destruí-la antes que qualquer coisa
desse errado! Não queria que ela caísse em mãos
erradas! Quando soube que você estava chefiando
uma escavação com a intenção de encontrar a
máscara, decidi tentar me infiltrar nas escavações
com o intuito de destruí-la no momento em que
fosse encontrada.
‘Milhares de pessoas já morreram por causa
dela!... Durante toda a história, ela foi procurada e
muitos conseguiram escondê-la em lugares
inimagináveis. Ela foi passada de família em
família por gerações em gerações desde que o
corpo de Vlad Tepes foi encontrado caído próximo
ao de van Helsing. Ele não morreu, foi levado por
um feiticeiro que drenava seu sangue
constantemente, esse era o plano do Conde. O
feiticeiro cortou pedaços de sua pele, costurou-os e
os deixava imersos no sangue. Vlad Tepes foi
184

mantido entre a vida e a morte por meses, durante


as experiências do tal feiticeiro. Os doutores do
Santo Ofício o procuraram por anos sem encontrar
qualquer pista de seu paradeiro.’
‘Em suas experiências, ele sacrificava
também animais selvagens, principalmente lobos.
Porcos do mato, ratos, cobras e morcegos, todos
eles tinham as garras, peles e presas arrancadas
enquanto ainda estavam vivos. O sangue do conde
Drácula era mantido em um recipiente lacrado,
com a pele costurada lá dentro. De tempos em
tempos, o feiticeiro acrescentava ingredientes
chamados mágicos ao sangue. Quando terminou
de drenar todo o sangue de Drácula, ele cravou
uma estaca em seu peito.’
‘Ao retirar a pele do sangue, o feiticeiro
recitou um encanto que invocava o nome de
demônios ditos mais inferiores de toda a casta
demoníaca. Os estágios mais sombrios do inferno
eram declamados aos gritos. As garras, presas e
peles foram jogadas dentro de um caldeirão. O
sangue foi despejado também dentro dele e depois
a pele foi mergulhada naquela mistura.’
‘O feiticeiro tinha encarcerado três jovens
virgens; ele cortou o pescoço de cada uma e as
deixou sangrar até morrerem, despejando o sangue
das três no mesmo caldeirão. Recitou mais um
encantamento, e houve uma explosão! Depois que
a fumaça baixou, ele retirou do caldeirão a pele,
que aparentava o formato de uma máscara e tinha
185

cor vermelha bem escura, como a cor de sangue


coagulado.’
‘Por séculos, muitas pessoas tentaram
encontrá-la para usufruir do poder que era
atribuído a ela, mas a máscara continuava
desaparecida. Todos os pertences do Conde
Drácula foram recuperados e transferidos para um
museu em Londres, mas anos depois a espada foi
roubada e violentos assassinatos começaram a
acontecer, e ainda outros associados à máscara
também. Por séculos, foram documentados
acontecimentos envolvendo a máscara e a espada
em lugares diferentes do Globo. Com o tempo
foram percebendo que o poder da máscara ia se
adaptando a quem a utilizava, os vampiros que
apareciam não eram exatamente como as histórias
contam, alguns mais fortes, outros mais rápidos,
outros aumentavam de tamanho e outros, ainda,
perdiam completamente a racionalidade e se
transformavam em verdadeiras feras
descontroladas.’
‘Quero que você me entenda, meu amor!...
Eu queria a máscara para destruí-la,! Muitas
pessoas estavam interessadas em você, e, depois
que ela fosse encontrada, algumas pessoas estavam
decididas a matá-lo! A única maneira de protegê-lo
era encontrar a máscara e destruí-la, acabando com
todo o pesadelo existente em torno da mitologia
que a envolve!...
186

Irina se levanta da cama, troca de roupa e


sai do seu quarto em direção ao pátio.
- Está pronta?
- Sim, perfeitamente!
- Então, vamos! O carro já espera por nós.
Sasha e Irina entram num carro preto
blindado e vão para o aeroporto. Chegando lá,
pegam as passagens com os agentes que os
esperam e embarcam para Bangkok.

No Japão, Dionísio e Akira estão tomando


o desjejum juntos.
- Acabe de comer! Não temos muito mais
tempo, pois seu vôo sai em menos de duas horas!
- Vai me dizer aonde iremos? A que lugar
pretende levar-me?
- A um lugar que você conhece.
- Adoro rever lugares conhecidos!
- Deste, então, poderá gostar muito mesmo!
Os dois terminam de comer e saem de casa.
Akira leva Dionísio até um templo, abre os portões
e os dois entram.
- Aqui você começou seu treinamento.
Lembra-se?
- Como se fosse hoje!... – Dionísio anda pelo
pátio, aproxima-se de uma árvore. – Lembro-me
de cada momento em que estive aqui, lembro-me
dos bons e dos maus momentos. Lembro-me que
uma vez subi nesta árvore e caí por cima do meu
braço, pensei que o tivesse quebrado, mas não...
187

Lembro-me do instante em que entrei por aqueles


portões e vi o senhor treinando com seus
discípulos, aproximei-me do senhor e pedi para
que me ensinasse... – Dionísio se vira para Akira. –
O senhor olhou para mim de cima a baixo e
perguntou: - Você não é muito fraquinho?
Akira fala: – Lembro-me muito bem disso
também!... – Akira se vira para Dionísio: – Agora é
o mais forte entre todos meus discípulos!
Os dois se encaram e Akira ataca socando-
o, mas ele consegue se defender.
- Muito bom!
- Também acho que foi bom!
Com uma velocidade impressionante,
Akira desfecha mais três socos seguidos, mas
Dionísio consegue defender dois e esquivar-se do
terceiro. Os dois se colocam em posição de guarda
e se encaram. Socos, chutes, torções, lançamentos
ao chão se seguem parecendo não ter fim. Os dois
lutam por um bom tempo, mas depois de
perceberem que, se continuarem assim, Dionísio
perderá o avião, eles param.
- Temos que ir!
- Eu sei!... Meu destino me espera!
- Pensei que não acreditasse em destino!
- Não acredito, mas não vejo palavra
melhor para usar agora.
Os dois voltam para casa. Dionísio toma
banho, termina de arrumar sua mala, troca-se,
guarda num armário as roupas que Akira tinha
188

deixado em seu quarto, guarda o livro de poesias


no lugar em que o tinha encontrado, vai para a
cozinha e almoça.
- Meu discípulo já é um homem capaz de
enfrentar o que a vida pode lhe impor e capaz de
aproveitar tudo de bom que ela também oferece!
Estou orgulhoso de você, estou orgulhoso do que
aconteceu aqui durante esses dias! Lembre-se de
que, na hora em que for enfrentar o vampiro, deve
lutar com toda a sua força, mas deve manter a
serenidade. Deixe que seu interior entre em
sintonia com seu exterior. Use sua capacidade, use
seu poder! Lembre-se do que passou dentro da
câmara para lutar por sua vida!
- Não vou me esquecer, Sensei!
- Não precisa mais me chamar assim. Volto
a não ser mais seu mestre.
- Sim, pai!
Os dois se abraçam. Um táxi o espera.
Antes de entrar no carro, os dois se encaram e
fazem uma última reverência.

DEZOITO

Já no aeroporto, Dionísio liga para Aurélio.


- Que bom ter notícias suas, meu amigo!
- Estou bem. Akira me disse que você tinha
ligado.
- As coisas não estão nada bem por aqui!
- Imagino...
189

- Você volta hoje?


- Já estou no aeroporto. Devo chegar em
poucas horas.
- Que maravilha!
- Noticias de Irina?...
- Está voltando também; pode ser que ela
chegue antes de você. Liguei para ela dizendo que
você voltaria hoje.
- Por que disse isso para ela?!
- Ela ligava sempre preocupada contigo.
Ainda está nervoso com ela?
- Nervoso, não: decepcionado. Ainda estou
chateado e ainda me sinto como se tivesse sido
traído. Ela mentiu para mim durante muitos anos.
Ainda não encontrei algo positivo nessa história
toda.
- Sei que eu parecia duvidar dela em algum
momento, mas sinto que ela te ama.
- Ela está bem?
- Sim. Conseguiu fazer com que o general
não enviasse agentes para cá.
- Que bom!
- Ela está vindo com um civil que trabalha
com o general.
- E quem é essa pessoa?
- Ela não me disse, e nem adiantaria dizer.
- Espero que não seja alguém para
atrapalhar.
- Ela me disse que ele é de total confiança
do general.
190

- Espero que não seja nenhum metido a


herói!...
- Quem faz isso aqui é você!
- Por isso mesmo! Um já é o suficiente!
- Espero que você não demore... Vou
informar o delegado que já está chegando.
- Faça isso! Hoje acabamos com o que está
acontecendo aí!
- Adoro te ver confiante assim!
- Hoje, Micael será derrotado e a máscara
será destruída!
- Assim espero!
- Pode ter certeza, meu amigo!
- A situação está incontrolável. Micael
morde mais pessoas a cada dia!
- Descobriram onde ele pode estar?
- Não, ainda não...
- Conseguiu descobrir mais sobre a
máscara?
- Pensamos que todos os que foram
mordidos por Micael podem voltar ao normal
quando a máscara for destruída.
- Isso não aconteceria nas histórias de
lobisomens?
- Lobisomens não existem. – Os dois
sorriem. - Mas parece que acontece com quem usa
a máscara. A máscara é um artifício para
transformar quem a usa no Conde Drácula, tal
transformação não é legítima. Toda pessoa que é
mordida passa por um processo diferente de
191

metamorfose e isso está bem associada em quem


ela é normalmente. O primeiro vampiro, que foi
quem você matou, foi um privilegiado, os que
vieram depois não são como ele. É como se fosse
um vírus que vem se alterando, mas em vez de
evoluir, vem se alto destruindo. É como se fosse
uma doença.
- Agora temos um plano, então!
- Como assim?
- Quando eu chegar aí, conversaremos.
Tenho que ir, meu vôo já foi anunciado!
Durante o vôo, Dionísio se lembra da
pequena jornada que fez para reconquistar sua
perfeição interior. Os dias passados ao lado de seu
mestre o fez ter novamente esperanças de poder
derrotar Micael, mesmo que este usasse a máscara.
Ele chega a Bangkok, pega um táxi e vai
para o hotel. Logo ao entrar, encontra Aurélio no
saguão.
- Irina já chegou?
- Ainda não!
- Melhor, então! Vamos ver se conseguimos
fazer algo antes que ela chegue com o tal reforço.
- Depois que você desligou, fui à delegacia,
mas não consegui conversar com o delegado. A
movimentação por lá está muito intensa, então
decidi voltar. Entretanto, se você aparecer por lá,
acredito que o delegado interrompe tudo o que
estiver fazendo para conversar contigo.
- Espero que sim!
192

- Você disse que tem um plano; qual é?


- É só destruir a máscara!...
- Estou percebendo que a qualidade de seu
senso de humor continua péssima...
- Simples!
- E como quer fazer isso? Pedir para Micael
devolver a máscara a você?...
- Acho que ele não vai querer isso... – Os
dois começam a rir – Mas falando sério: sei como
vencê-lo, esteja usando a máscara ou não. Sei como
derrotá-lo!
- Ainda bem que você voltou e, ao que
parece, na hora certa! Acreditamos que hoje vai ser
o dia D! Além de destruir a máscara, você tem
mais algum plano?
- Eu cuido de Micael, mas já tenho um
plano para todos também.
- Quer ir à delegacia?
- Agora!
- Então vamos!
Os dois saem do hotel e vão até a delegacia.
Chegando lá, deparam com uma multidão de
pessoas desesperadas querendo invadir o prédio.
Eles tentam entrar no meio da confusão e o
delegado os vê da janela. Ele pede para que os
policiais liberem o caminho para que os dois
passem.
- Desgraçado!... Eu deveria te prender!!
Entre, precisamos conversar!
193

- Calma, senhor delegado! Não precisa ficar


assim!... Agora estou aqui e pronto para ajudá-lo a
enfrentar esse problema que tem grande parcela de
culpa minha!
- Você não deveria ter saído do país! Tinha
dado uma ordem para não fazer isso!!
- Eu tive que ir ao Japão, mas já estou de
volta.
- Não estou interessado no que teve ou não
que fazer!! Quero que você acabe com o caos que
sua descoberta trouxe a minha cidade!
- Tenho um plano, mas preciso do senhor e
de todo o seu pessoal.
- Tudo bem! O que me importa é que
aqueles monstros sejam destruídos! – O delegado
entra em sua sala seguido pelos dois e lhes mostra
um bilhete. – Recebemos esta mensagem hoje pela
manhã. Como pode ler, Micael está comunicando
que pretende invadir a cidade hoje logo após o
anoitecer.
- Micael é a prioridade. Eu cuidarei dele!
Destruindo-o, tudo isso acabará!
- Quantos mais dos meus homens deverão
morrer?
- Os vampiros precisarão ser detidos!
Alguns homens morrerão, mas sei como destruir
Micael e não irei deixar que ele transforme mais
ninguém.
- Devemos então atacar Micael com todas
as nossas forças!
194

- Não vai acontecer dessa forma!... Com


certeza, depois de fazer essa ameaça, ele entrará na
cidade com um exército de vampiros. Não
adiantará nada tentar atacá-lo, pois os vampiros
vão protegê-lo. Temos que criar um ponto fraco
entre os vampiros, uma brecha para eu invadir e
enfrentar Micael diretamente.
O delegado olha para Aurélio e espera
alguma manifestação.
- Não precisa olhar para mim!... Ele é quem
sabe o que faz! Se ele disse que consegue, é porque
consegue!
- Da outra vez, ele não conseguiu!
- Da outra vez, eu não estava
verdadeiramente preparado. Agora estou e aquele
vampiro era diferente.
- Eu dependo totalmente do que poderá
fazer agora!
- Quero que montem uma barricada
próximo ao hotel. É um ponto pelo qual Micael
terá que passar para ir ao centro da cidade, onde
ele acredita que fará mais desordem. É uma área
também em que a rua principal não tem vias de
acesso, então só há uma forma de se chegar lá: só
existe o beco ao lado do hotel, nada mais. Se
fecharmos esse ponto, Micael não terá como passar
se não for ao nosso encontro, e então podemos ter
alguma chance: estaremos esperando preparados
com armas, e com o que mais conseguirmos.
Teremos que esperar os vampiros se aproximarem
195

o máximo possível. Nosso ataque deverá ser


instantâneo: depois de uma parte dos homens
dispararem as armas, os policiais munidos de
estacas e facões atacarão em massa. Os golpes
deverão ser certeiros no coração. Entenderam?
- É muita coisa. Mas entendi. – o delegado
passa a mão no rosto. – Alguma coisa mais?
- É só.
- Excelente! Vamos matar uma multidão de
vampiros usando pedaços de madeira!
- As armas só servirão para atordoá-los,
nada mais. São animais descontrolados que só
obedecem a vontade do seu criador, não possuem
consciência, vamos tratá-los então como animais
selvagens. Só poderemos matá-los cravando
estacas em seus corações ou decapitando-os.
Podemos usar também os facões para decepar os
membros deles. Cortando-lhes os braços e as
pernas, eles não morrerão, mas estarão indefesos o
bastante para que outros venham e os matem.
- Começo a gostar disso!... Talvez tenhamos
mesmo alguma chance!
- Uma única chance, mas vamos conseguir!
- Como você acredita que pode derrotar
Micael se ele estiver usando a máscara? Ele estará,
com certeza, mais forte do que o vampiro que
enfrentou antes.
- Pode ficar despreocupado! Micael não
será mais problema a partir de hoje!
196

O delegado Chong volta a olhar para


Aurélio, que apenas encolhe os ombros e depois
diz que acredita no amigo.
- Então estamos acertados! Um pouco antes
de o sol se por, estaremos em frente ao hotel.
Estejam também preparados! Hoje choverá sangue
pela cidade. Podemos não mais estar vivos
amanhã! Hoje pode ser nosso último dia!...
- Não posso garantir para o senhor que
sairemos ilesos e que ninguém morrerá, mas posso
garantir que esse pesadelo acaba hoje. Pode confiar
em mim!
- Podem ir! Estaremos lá daqui a pouco!
Os dois saem da delegacia e atravessam
uma multidão em polvorosa. Voltam para o hotel
e, no caminho, discutem algumas coisas que
deverão fazer. Chegando ao hotel, vêem que Irina
está no saguão ao lado de um homem.
- Você deve ser Sasha.
Irina se aproxima de Dionísio e tenta
abraçá-lo, mas ele segura seus braços e pergunta se
ela está bem.
- Sim, estou... Precisamos conversar!...
- Depois. Primeiro temos que nos preparar
para a invasão de Micael.
- Ele vai invadir a cidade?! – Sasha
pergunta.
- Hoje, logo após o sol se por. E isso é daqui
a menos de uma hora.
- Não temos muito tempo, então!
197

- Não, não temos!


Dionísio solta os braços de Irina e chama os
três para irem até o quarto. Irina olha para ele e
depois para Aurélio, que fala para ela:
- Não se preocupe, ele ainda te ama!...
Depois que acabarmos com Micael, vocês poderão
conversar. Saiba que ele a ama muito – ainda está
sofrendo um pouco, mas está bem.
- Terei de esperar, então!...
Os quatro entram no quarto de Aurélio e
tentam montar uma estratégia.
- Voltamos agora da delegacia, discutimos
algumas coisas com o delegado e decidimos
encurralar Micael e sua corja de vampiros na rua
principal em frente ao hotel. Não há vias de acesso
e ela se estreita um pouco antes de chegar aqui.
Nesse exato lugar faremos uma barricada e
esperaremos.
- Irina me disse que você enfrentará Micael.
Como espera fazer isso?
- Ele deve estar à frente dos vampiros, mas
quando vir que estamos preparados, não deve ficar
muito exposto. Ainda que esteja usando a máscara,
deve ter consciência do que estará fazendo: mesmo
entorpecido de poder, Micael é inteligente, e deve
mandar seus lacaios atacarem e ficará mais para
trás. Nesse momento, preciso que os policiais
abram caminho para que eu passe e o ataque.
198

- Você vai enfrentar Micael no meio dos


vampiros?! – Irina pergunta preocupada – Esse é
seu plano?!...
- A única maneira de acabar com tudo isso
é destruir a máscara. Não há alternativa.
- Você vai precisar de nossa ajuda para isso!
- De fato, toda a ajuda será bem vinda, mas
deverá ser dirigida no sentido de ajudar o
delegado e seus policiais.
- Você quer que façamos o quê? – Aurélio
entra na conversa.
- Quero que você fique ao lado do
delegado; ele estará mais protegido do que o resto,
e é lá que quero que fique. Sasha, gostaria que
ficasse junto de Aurélio.
- E quanto a mim?...
- Para você, tenho outros planos. Não
gostaria que corresse perigo.
- Eu sou uma agente, esqueceu?!
- Nunca me esquecerei disso!...
Os dois se olham e Irina percebe um certo
rancor no olhar de Dionísio.
- Não precisamos que discutam agora! –
Sasha se interpõe na conversa. – Vamos acabar de
formular o plano! Acreditamos em você, Dionísio,
mas somos treinados durante anos para o
combate!... Concordo que Aurélio, como um civil,
deve ficar mais protegido, mas tanto eu quanto
Irina participaremos da ação contra os vampiros.
199

- Você pode até vir comigo, mas ela ficará,


no máximo, junto de Aurélio!
- Não vou discutir com você, meu
camarada!
- E nem eu!...
Dionísio e Sasha se encaram e, desta vez,
Aurélio entra no meio dos dois, separando-os.
- O de que menos precisamos agora é de
nos estranharmos! Vamos parar com essa briga
insignificante entre egos!
- Você está certo, meu amigo!...
- Você não enfrentará Micael sozinho! –
Irina fala.
- Isso não está em discussão. Não posso
impedir que seu amigo venha comigo, só não
espero que ele me atrapalhe!
- Não se preocupe comigo!
- E não vou!
Aurélio ouve um ruído que vem de fora do
hotel e olha pela janela. Uma confusão
generalizada toma conta das ruas: pessoas correm
de um lado e de outro, destruindo lojas, entrando
em bares e jogando cadeiras e mesas pela rua. O
caos se estabeleceu por todo o cenário que Aurélio
consegue observar. Os outros três se aproximam e
vêem o terror em que a cidade se transformou.
- Precisamos tentar controlar isso! – Aurélio
fala.
200

- Sozinhos não o conseguiremos!... O


delegado já deve estar chegando. Só será possível
controlar a situação com sua força policial.
- Irina e eu vamos pegar nossas armas e
esperar, então!
- Podem se preparar mesmo! Precisaremos
de tudo para essa guerra!
Irina segura os braços de Dionísio.
- Tenha cuidado! Se eu vir que alguma
coisa está fora do seu controle, eu vou agir
imediatamente!...
- Não precisa ficar preocupada. Alguma
vez já descumpri algo prometido?
- Não! Nunca!...
- Eu prometo que destruirei a máscara e
Micael irá junto! – Ela o abraça. – Vá com Sasha,
fique próximo dele, então! Fique preparada
quando os vampiros chegarem.
Aurélio e Dionísio descem e vão para rua.
A lua aparece no horizonte enquanto o sol vai se
pondo do outro lado. Minutos depois, o delegado
aparece com um pequeno exército, armados de
metralhadoras, escopetas, facas, facões, pistolas e
revólveres. Cada policial veste colete, capacete e
protetores no pescoço, nos braços e nas pernas.
- Estamos preparados, mas antes temos que
dispersar as pessoas e deixar a rua livre! Temos
que levá-las para casa ou colocar todas dentro do
hotel ou nos estabelecimentos próximos! – diz o
delegado se aproximando.
201

- A cidade está mesmo um verdadeiro


caos!... Não podemos deixar as pessoas no meio
dessa batalha!
Um som ainda baixo pode ser ouvido
longe. Dionísio tenta enxergar alguma coisa, mas
não consegue; volta para o hotel e sobe para um
quarto de onde possa olhar para a direção de onde
vem o som que ouviu. O delegado e seus policiais
tentam retirar as pessoas da rua, mas, quando o
ruído começa a ficar mais intenso, o povo começa a
correr para longe do local. Do quarto, ele observa
um grupo grande de pessoas andando devagar e
logo consegue perceber que a pessoa à frente é
Micael, que traz algo no rosto. A máscara!
Ele sai correndo do quarto e passa por Irina
e Sasha, que o acompanham. Entra no quarto de
Aurélio, retira da bolsa sua katana, algumas
shurikens e seis estacas de madeira. Coloca as
shurikens e as estacas dentro de uma pequena
bolsa e a coloca nas costas, e fica segurando a
katana. Os dois o observam e Irina pergunta.
- Micael chegou?
Dionísio se vira para ela, aproxima-se,
segura suas mãos e diz:
- Sim. Começou.
- Vamos com você!
- Vocês dois tem que ajudar o delegado!
Micael é meu!
- Você não tem que fazer disso uma
vingança pessoal!...
202

- E não vou, mas não conseguirei lutar


sabendo que você está exposta ao perigo!
- Em qualquer lugar onde eu estiver, estarei
correndo perigo!
- Certo! Mas fique próximo do delegado,
cuide de Aurélio, então!...
Saindo do quarto, ele passa ao lado de
Sasha.
- Você cuida dela.
- Vou fazer o meu trabalho. Já recebi essa
ordem do general.
Dionísio desce as escadas correndo e os
dois vão logo atrás dele.

DEZENOVE

Todos conseguem perceber que o barulho


vinha de uma multidão formada pelos vampiros.
Rosnados, gritos, os vampiros parecem
enlouquecidos, mas nenhum deles faz nada
enquanto Micael não o ordena. Ele chega próximo
da barreira policial. O povo que estava na rua foge
com medo dos vampiros. Muitos entram em suas
casas e vários outros entram no hotel ou correm
para bem longe. Poucos bêbados permanecem na
rua, mas os policiais os retiram e os levam para o
hotel.
O delegado está atrás do seu reforço
policial, e Aurélio está a seu lado. Ele consegue
observar a máscara, que é simplesmente pavorosa.
203

Peles costuradas, pedaços de carne, cor de sangue


coagulado. Por alguns momentos, não consegue
tirar os olhos dela. Dionísio, Irina e Sasha chegam
ao lado dele.
Micael começa a ranger os dentes e começa
a fazer movimentos estranhos como se fosse um
animal faminto esperando o momento certo para
atacar sua presa. Mesmo usando a máscara, ele é
ainda capaz de pensar como se fosse um homem
comum. Ele não é como os vampiros que
transformou, que só querem saciar sua sede de
sangue, além de seguir seu líder. Os vampiros aqui
não são como nas lendas, esses agem como se
fossem uma matilha de lobos selvagens esperando
o momento certo de atacar, esperando a ordem de
seu mestre, mesmo sendo mais fortes e velozes do
que uma pessoa comum, eles são agora animais
irracionais - Um efeito colateral da transformação
provocado pela máscara.
O poder que a máscara exerce em Micael já
é muito forte: mesmo tendo controle de suas
emoções e agindo de forma racional, a máscara já
transformou completamente seu usuário,
tornando-o escravo do próprio poder. A sede de
poder se transformou em algo que foge ao controle
de Micael.
Por alguns instantes, ele se mantém parado,
rosnando, esperando. Mas esses momentos
parecem durar uma eternidade. Dionísio diz
algumas palavras ao ouvido do delegado e volta
204

ao hotel. Aurélio, Irina e Sasha se entreolham sem


entender. Antes que possam fazer alguma coisa,
Micael manda seus vampiros atacarem. O
delegado ordena que os policiais atirem: uma
ensurdecedora rajada de tiros derruba os vampiros
que estão à frente, e as metralhadoras continuam
os disparos até a munição inicial acabar. Vários
vampiros estão caídos no chão. Muitos outros que
não tinham atacado são feridos, mas se levantam e
voltam a atacar. Os policiais atiram com escopetas,
pistolas e revólveres, usam todo o armamento que
carregam, mas os monstros continuam a investida.
Os vampiros saltam e caem entre os policiais. A
guerra aumenta de intensidade.
Vampiros, policiais, todos se atacam e se
mutilam. Os policiais tentam decepar qualquer
parte do corpo dos vampiros, enquanto estes
arrancam com os dentes pedaços de braços e
pernas. Mesmo usando protetores, alguns policiais
ainda sofrem com os ataques.
A carnificina parece não ter como piorar e,
de repente, cai uma chuva torrencial. Em meio a
lama, sangue, pedaços de carne, braços mordidos e
cabeças de vampiros, a luta continua. Os vampiros
rosnam ferozmente, e os policiais começam a
recuar, apavorados. Depois dessa primeira
investida, o delegado contabiliza os mortos e
percebe que estão perdendo três policiais para
cada vampiro morto. Irina começa a ficar
preocupada e pensa em procurar Dionísio, mas
205

Aurélio segura seu braço e aponta para o terraço


do hotel.
- O que ele está fazendo lá em cima?...
- Não tenho a mínima idéia, mas é bom ele
começar a fazer alguma coisa antes que tudo esteja
terminado para nós!
Dionísio pula para o outro prédio ao lado
do hotel e depois pula para um terceiro, até chegar
a um prédio que fica atrás dos vampiros e de onde
possa enxergar Micael.
- Ele vai atacar Micael!...
- Temos que ir ajudá-lo!
- Vamos ajudar o delegado aqui! Se formos
dar essa volta que ele deu, demoraremos muito e
perderemos nossa utilidade. – Sasha a impede.
- Ele é um desgraçado!...
- Temos que começar a atacar os vampiros
com mais força! – o delegado diz. – Estão
preparados para enfrentar a morte?
- Estamos, sim! – Irina volta a olhar para a
guerra a sua frente e saca sua arma. – Não vamos
deixar que esses vampiros vençam! Peça a seus
policiais para atirarem nos membros e nos
pescoços deles. Para acertá-los com facões,
precisamos estar muito próximo; temos que
manter alguma distância deles, e só usaremos esse
recurso em último caso.
- Que assim seja!
Sob a chuva forte, o delegado e seus
policiais recomeçam o ataque. Irina e Sasha
206

começam a disparar contra os vampiros e acertam


seus pescoços. Sasha usa uma escopeta e consegue
arrancar as cabeças dos vampiros que acerta. Irina
atira com sua pistola, mas quando o vampiro se
levanta, os policiais conseguem cortar sua cabeça.
Irina então diz ao delegado para tentar manter
dois grupos de ataque: enquanto alguns alvejam os
monstros com as armas mais leves, outros policiais
intervêm e cortam as cabeças dos vampiros
atingidos ou cravam as estacas nos peitos deles. Os
que carregam as armas mais pesadas têm que
acertar na cabeça para explodi-las.
O plano parece começar a surtir resultado.
Nesse momento, Dionísio salta de uma janela no
meio dos vampiros, já cortando a cabeça de dois
com sua espada. Os que estão próximo o atacam,
mas ele consegue se desviar. Ele sabe que, se for
atingido, pode não conseguir se recuperar a tempo,
sabe que os vampiros são mais fortes do que ele, e
também mais rápidos – mesmo percebendo que
tais vampiros parecem mais zumbis – e tentar se
defender e atacar com punhos e chutes não será
uma boa idéia. “Onde fui me meter?! Desta vez,
consegui me superar!...”. Seus amigos conseguem
enxergá-lo em meio aos vampiros. Irina grita seu
nome, mas, com o som da chuva, os gritos dos
policiais e os rosnados dos vampiros, é impossível
que ele a ouça. Ela tenta se aproximar, mas quase é
mordida por um vampiro que a segura pela perna.
Ela tenta se desvencilhar e acerta um tiro na cabeça
207

dele; antes que ele possa voltar a se mover, ela tira


uma estaca de seu cinto e a crava no peito dele,
que queima instantaneamente, transformando-se
em cinzas.
A chuva continua em ritmo pesado. O
delegado começa a pensar que pode haver uma
pequena chance de vencerem. Quando ele começa
a recarregar sua arma, um vampiro pula sobre ele
e morde seu pescoço, mas ele ainda consegue
cravar uma estaca no peito do vampiro, que
queima.
A rua se transforma num matadouro. Mais
corpos de policiais continuam a tombar, alguns
vampiros entram no hotel e as pessoas fogem
desesperadas. Aurélio percebe que sua munição
também acabou e tenta recarregar a arma; quando
um vampiro tenta atacá-lo, Sasha explode sua
cabeça com uma escopeta, cuja munição também
acaba. Ele a joga no chão e pega a metralhadora
que tem amarrada nas costas. Aurélio consegue
recarregar sua arma e volta a atirar nos vampiros.
Os dois ficam próximo um do outro; ao verem a
invasão dos vampiros no hotel, os dois correm
para lá, enquanto Irina ainda tenta se aproximar de
Dionísio.
Algumas pessoas que tentam fugir são
mordidas e algumas ainda têm os corpos
desmembrados. Aurélio e Sasha chegam ao hotel e
começam a atirar nos vampiros, um fica de costas
para o outro, tentando proteger-se mutuamente.
208

Cabeças de vampiros são explodidas e algumas


pessoas começam a ajudar os dois. Pedaços de
madeira retirados de cadeiras são usados como
estacas para matar os monstros. O número de
pessoas é maior e o espaço é pequeno, de sorte que
os vampiros são rapidamente exterminados.
Quando Aurélio e Sasha saem do hotel e voltam
para a carnificina na rua, são atacados por três
monstros que surgem de repente, e os dois são
mordidos. O número de policiais e de vampiros
está emparelhado, mas os primeiros começam a
deixar-se dominar pelo medo e alguns começam a
fugir.
Dionísio continua sua batalha solitária e
consegue matar os vampiros que estão a sua volta
usando shurikens e estacas. Enquanto muitos
caem, ele se aproxima e termina o serviço
decepando-lhes as cabeças. Irina vê Dionísio e
tenta novamente chegar até ele. Quando ela corre
na direção dele, um vampiro a derruba, e ela cai no
chão em cima de outros vampiros. Com a chuva
caindo em seu rosto, ela tenda enxergar alguma
coisa, mas só escuta um tiro; depois que consegue
levantar, ela vê que um policial a salvou. Os dois
ficam próximo um do outro e continuam a matar
os vampiros que tentam chegar perto deles.
Micael observa a tudo sem mover um
músculo, e então vê Dionísio destruindo suas crias.
Ele ruge ferozmente, e envia dois vampiros que
estavam a seu lado para atacá-lo. Dionísio
209

consegue enxergar Micael e avança sobre ele. Os


dois vampiros que o atacam são facilmente
derrotados. Com um salto mortal para trás,
Dionísio dispara duas shurikens que atingem os
olhos de um, e quando atinge o chão dispara duas
estacas que atingem os olhos do outro; ele corre e
pula por cima dos dois, decepando-lhes as cabeças.
Ele olha novamente para Micael e corre em sua
direção. Micael então entra em uma construção.
Enquanto alguns policiais ainda fogem,
outros agonizam no chão com mordidas nos
pescoços, sem braços ou pernas. Alguns vampiros
mordem os que ainda estão vivos e indefesos.
Sedentos por sangue, sugam os que ainda se
debatem no chão.
A visão que se tem é de um cenário
completamente insano, em que se misturam o odor
fétido dos cadáveres e o cheiro de terra molhada.
Poucos sobreviventes ainda são vistos, o número
de policiais que fugiram é muito grande, os que
sobram ainda continuam atacando os vampiros. A
destruição agora toma o lugar da carnificina: o
hotel é destruído, bares e restaurantes também. Os
vampiros agora procuram mais vítimas e destroem
o que encontram pela frente.
Irina e o policial que a salvou do ataque
conseguem atravessar a barreira de corpos que
encontram pela frente e seguem a trilha de
Dionísio e Micael.
210

Dentro da construção, Dionísio tenta


encontrar seu oponente, mas este aparece atrás
dele e por milímetros não o atinge com um golpe
com a parte de trás de seu punho fechado. Com os
reflexos atentos, Dionísio consegue-se abaixar e
rolar; ao se levantar, ele encara Micael. Os dois se
observam, esperando uma brecha para atacar.
Enquanto isso, Irina e o policial também entram na
construção e vêem os dois. Dionísio a vê entrando,
mas mantêm sua guarda. Ele deixa a espada em
posição de ataque e aguarda qualquer movimento
em falso de Micael. Ela pensa em se aproximar,
mas sabe que isso pode atrapalhar e espera o
momento de ajudar; o policial ao lado dela então
decide voltar para a rua, com a intenção de ajudar
os amigos que ainda podem estar vivos.
Micael percebe a presença de Irina, olha
para ela e corre em sua direção; Dionísio dispara
logo atrás. Antes de alcançá-la, Micael sente a
espada sendo cravada em suas costas e solta um
grito. Antes que Dionísio consiga retirá-la, ele
quase é atingido pelo cotovelo de Micael, mas
consegue se abaixar e, com um giro lateral e um
salto, consegue reaver a espada e a joga próximo
aos pés de Irina.
Enquanto os dois lutam, Irina tenta mirar a
cabeça de Micael. Dionísio consegue acertá-lo com
uma seqüência de socos no pescoço e, antes que
sofra outro ataque, consegue dar um giro para trás
211

e acertá-lo também com um chute no rosto; mais


alguns saltos para trás e ele para ao lado de Irina.
- O que você faz aqui?!
- Vim te ajudar!
- Se continuar aqui, vai é me atrapalhar!
- Eu não sou nenhuma criança! Sou capitã
do serviço secreto russo!
- Que não é mais tão secreto assim não é?!
- Você não vai me perdoar?
- Acredito piamente que agora não é hora
de discutirmos a relação. Concorda?
- É claro! O que posso fazer para ajudá-lo?
- É uma boa hora para usar essa sua arma e
começar a alvejá-lo com as balas que ainda tem. O
que acha?
- Excelente idéia!
Micael se recupera dos golpes que levou,
ruge para os dois e os ataca. Irina descarrega sua
pistola nele e, quando vai recarregá-la, Dionísio dá
um salto para a frente e dirige um golpe com a
espada direto para a cabeça de Micael, que
consegue se desviar e tenta segurar o pescoço dele,
mas a espada faz um giro e seu braço esquerdo é
cortado.
Sem dar importância para o ferimento,
Micael se recompõe e volta a avançar.
- Droga, essa criatura não sente dor!...
Vários golpes com a espada são dados. O
ombro direito sofre um corte, as pernas também
são atingidas, mas nenhum golpe acerta o pescoço.
212

Micael parece começar a perder o controle e


continua a atacar sem se preocupar com nada.
Dionísio percebe que, se continuar assim, pode ser
que não consiga vencer e se lembra do que seu
mestre falou sobre lutar com um vampiro: percebe
que, se for enfrentá-lo apenas com a força, não
conseguirá vencer – então, é melhor usar a
inteligência. Já que seus golpes o machucam, mas
não o suficiente, e ele não está conseguindo atingi-
lo no pescoço, tem que pensar em outra maneira
de cortar-lhe a cabeça.
Micael, que ainda conserva algum
raciocínio humano, consegue perceber que deve
atingir Irina para deixar Dionísio mais vulnerável;
então, volta a persegui-la. Ela descarrega outro
pente de balas nele, recarregando a pistola
rapidamente em seguida. Quando Dionísio tenta
acertá-lo, Micael consegue segurar seu braço e o
joga longe, mas ele consegue dar um giro no ar, faz
alguns rolamentos ao cair no chão e levanta-se em
seguida. Mais um pente é disparado por inteiro.
Micael é atingido várias vezes, mas consegue se
aproximar de Irina. Ela tenta correr, mas é logo
alcançada; antes que sinta presas do monstro em
seu pescoço, entretanto, Dionísio consegue lançar
suas últimas shurikens nas costas de Micael, junto
com suas últimas estacas. Micael se vira,
levantando Irina pelo pescoço, e ri. Sua gargalhada
provoca um ódio enorme em Dionísio, mas ele
consegue controlar-se. Micael fica exibindo seu
213

pequeno troféu no ar. Os dois se encaram por


alguns instantes. Irina começa a ficar sem ar,
começa a debater suas pernas e a tentar se soltar.
Os segundos passam como se fossem agulhas
afiadas entrando no corpo de Dionísio, que tenta
pensar em algo. Ele está distante para chegar a
tempo de salvá-la de ser estrangulada. Qualquer
movimento seu pode fazer com que ele arranque o
pescoço dela. Se ficar parado, ele irá matá-la
também.
“Sem dúvidas, sem dúvidas”.
Os segundos passam e ele percebe que as
mãos de Micael apertam cada vez mais o pescoço
de Irina. Fica em posição de guarda empunhando a
espada, respira fundo e pede para que ela seja
solta. Micael solta uma gargalhada seguida de um
rosnado. Quando força mais um pouco apertando
suas mãos, Dionísio atira a espada e corre; ela
decepa o outro braço de Micael, que uiva de dor.
Correndo velozmente, Dionísio já está próximo o
suficiente e dá um salto, chutando seu rosto; ele dá
alguns passos para trás, perdendo o equilíbrio e
sem ter como agarrar qualquer coisa, mas tenta
recuperar-se assim mesmo. Leva uma cotovelada
no rosto e uma joelhada na altura da costela que
tinha sido quebrada na última luta que tiveram,
mas o poder da máscara já o tinha curado.
Dionísio pega a espada no chão, fica em
posição de defesa e percebe que a luta já chegou ao
fim. Micael fica sem controle e começa a uivar de
214

raiva e de dor. Dionísio se aproxima de Irina,


deitada no chão, e percebe que ela não está mais
respirando; ele coloca a espada ao lado dela e tenta
fazer-lhe massagem cardíaca. Micael avança sobre
eles, mas Dionísio consegue jogá-lo por cima deles,
pega sua espada novamente e decepa o pescoço de
Micael. Ele volta correndo até Irina e faz respiração
boca a boca.
- Não morra!... Ainda não conversamos!
Ainda não me explicou porque mentiu para mim!
Ainda não sei se seu nome verdadeiro é Irina
mesmo!... Não morra, meu amor!... Eu te amo mais
do que minha própria vida! Não posso mais
imaginá-la sem você! Preciso que passe o resto de
sua vida sendo minha esposa! Você é a minha
vida!... – ele alterna as respirações boca a boca com
a massagem cardíaca. – Não morra! Eu ordeno que
não morra!! Você ainda não me deu uma filha,
nem um filho! Ainda não andamos de braços
dados com eles pela praia, ainda não acampamos
com eles ao lado de uma cachoeira! Ainda não
pude cantar para eles, ainda não pude brigar com
o primeiro namorado de nossa filha! NÃO
MORRA!!! – lágrimas começam a escorrer de seus
olhos. – Meu Deus, me dê a chance de ainda passar
o resto de meus dias ao lado dela! Não quero
tentar suportar viver sem ela!... – ele para de fazer
a massagem e começa a dar pancadas com a mão
fechada no peito dela. – ACORDE!! ACORDE!!! –
quase desistindo, pois o tempo passa e nenhuma
215

reação dela acontece, ele tenta mais algumas


respirações e volta a esmurrar o peito dela. As
lágrimas já escorrem pelo seu rosto e começam a
cair no rosto dela. Ele chora copiosamente e a
abraça.
Irina dá um grande suspiro e abre os olhos.
Dionísio a vê acordada e a olha assustado. Ela
pergunta o que aconteceu e ele a beija. Ele a abraça
novamente e diz que tudo terminou. Os dois se
levantam e ele diz que ela tem que ir a um
hospital. Olham para a cabeça de Micael e Dionísio
retira a máscara.
Ao saírem da construção, de mãos dadas,
percebem que a população se juntou aos policiais e
os últimos vampiros vão sendo derrotados. O dia
está amanhecendo. Dionísio olha para Irina e
levanta a máscara.
- Temos que destruí-la de uma vez. Se
algum vampiro ainda não morreu, ele voltará ao
normal.
- Como ela pode ser destruída?
- Só aqueles que não sentirem medo podem
enfrentar o usuário da máscara, mas ela só pode
ser destruída por aqueles que possuírem e
conhecerem o verdadeiro valor do amor. Somente
o sangue daqueles que amam de verdade pode
destruir a máscara. – ele solta a mão dela. – Eu a
amo. Mais do que minha própria vida! – pega a
espada e faz um corte em seu braço direito, deixa
as gotas de seu sangue cairem na máscara, coloca-a
216

sobre uma mesa, joga os objetos utilizados na


construção no chão e corta a máscara ao meio. Ela
explode, e eles vêem o que parece ser uma nuvem
cinza sair da máscara e desfazer-se no ar. – Agora
vamos encontrar Aurélio e Sasha!
Os vampiros que ainda estão vivos
começam a voltar a sua forma humana. O povo e
os policiais começam a perceber a transformação, e
as pessoas reconhecem amigos e parentes. O
delegado acorda e se levanta, olha para os lados e
vê corpos e mais corpos espalhados pela rua; ele
começa a chorar, ajoelha-se e ora pelos amigos
policias mortos a seu lado. A chuva começa a dar
trégua e vai parando aos poucos. As pessoas
decidem procurar outros sobreviventes.
Dionísio e Irina passam pelos corpos,
horrorizados com a cena, mas não encontram seus
amigos, e correm para o hotel. Chegando lá, vêem
os dois caídos diante da entrada. Dionísio corre e
se ajoelha ao lado de Aurélio, que vai acordando
aos poucos; o mesmo acontece com Sasha.
- O que aconteceu com vocês dois?
- Estamos sentados aqui na calçada
olhando o sol nascer!... – Aurélio se levanta. – O
que você acha?! Fomos atacados! Só senti meu
pescoço sendo mordido e pensei que estava
morrendo!...
- Mas agora estão voltando ao normal!
- Se fomos mesmo mordidos, isso quer
dizer que...?
217

- Exatamente! Micael foi derrotado e a


máscara foi destruída.
- Graças a Deus!
- Temos que retornar à Rússia e informar ao
general! – Sasha diz para Irina.
- Você vai! Eu vou ficar ao lado de meu
futuro esposo.
- Como é que é?... – Dionísio olha para ela.
- Eu estava quase morrendo, mas, por
algum motivo, escutei grande parte do que estava
falando.
- Você não devia fazer o pedido antes da
resposta, meu amigo? – Aurélio pergunta.
- Cale essa sua boca! Os três devem ir a um
hospital imediatamente.
- Estamos bem!
- Não estão mesmo! Os três quase
morreram!
- Parece que vencemos, ao final das contas!!
– o delegado chega perto deles. – Todos estão
bem?
- Sim, senhor delegado! – Dionísio
responde.
- Obrigado por ter destruído Micael.
- Era minha responsabilidade. A máscara
também já foi destruída.
- Agradeço novamente.
- O que o senhor fará agora?
- Vamos enterrar nossos mortos. Temos
muito trabalho a fazer. As pessoas ainda estão
218

desesperadas... – o delegado olha em volta e vê a


destruição que assola o local. – Mesmo que tudo
tenha acontecido somente nesta parte da cidade,
muito foi destruído, e o pior de tudo foram as
muitas vidas perdidas. Levará muito tempo para
que a população volte a viver normalmente. Com
certeza isso ainda os deixará assustados por muito
tempo...
- Espero que consigam se recuperar com o
passar dos anos.
- Isso mesmo, meu caro: anos!... – ele volta
a olhar para os quatro. – Vou ao hospital;
gostariam de vir comigo?
- Com certeza! Esses três precisam
urgentemente de um médico!
- Eu preciso de você! – Irina segura a mão
de Dionísio e o abraça. – Não vou a lugar nenhum
sem você!...
- Você precisa muito de um médico, esteve
quase morta por alguns segundos!
- Devo lembrá-lo de que todos estivemos
mortos - e pior, não foi por apenas segundos! –
Aurélio entra na conversa.
- Vai reclamar igual uma mulherzinha
chorona agora?
- Estou apenas tentando fazê-los parar com
a rasgação de seda!...
- Devo lembrá-lo de que ela é minha futura
esposa?
219

- Não está mais aqui quem falou qualquer


coisa...
- Podemos ir?... – O delegado pergunta.
- Claro! Vamos!

VINTE

Os cinco entram em uma viatura que estava


estacionada logo mais distante do hotel e seguem
para o hospital, que está cheio de vítimas do
desastre. Enquanto os três que foram mordidos e
Irina, que quase morreu estrangulada, são
atendidos, Dionísio desaba em uma poltrona e
dorme. Quando eles aparecem na sala de espera,
vêem que ele ainda está dormindo.
- Ele deve estar exausto mesmo!... – o
delegado diz. – Tenho que voltar à delegacia e
começar a arrumar o que aconteceu hoje. Muitos
me esperam. Vocês podem ir embora agora, o
pesadelo acabou. – ele cumprimenta a todos. –
Obrigado por nos ajudarem a destruir aquele
psicopata. Mas façam-me um favor.
- E que seria, senhor delegado?... – Aurélio
pergunta.
- Não apareçam tão cedo aqui em Bangkok!
A cidade agradece! – todos sorriem e o delegado
sai do hospital.
- Vamos acordá-lo?
- Vamos deixá-lo dormir mais um pouco.
Você pode voltar ao hotel e pegar nossas coisas?
220

Ficarei com ele, e iremos embora depois que ele


acordar.
- Vou então resolver nossa saída do hotel e
volto para cá.
- Faça isso!
Aurélio sai do hospital e volta para o hotel.
- Vai mesmo ficar aqui?... – Sasha pergunta.
- Sim! Vou ficar com Dionísio.
- Gostaria que eu dissesse algo para o
general?
- Que vou deixar o serviço secreto.
- Você não pode fazer isso!
- Posso sim, e vou fazê-lo!
- Tem certeza?
- Perfeitamente! – ela se aproxima de
Dionísio, deitado em uma poltrona, e fica olhando
para ele. – Uma nova vida me espera e vou vivê-la
ao lado do homem que amo! Não serei mais espiã.
- Espero que saiba mesmo o que está
fazendo!... – Sasha estende sua mão direita para
ela: – Tenha uma boa vida, camarada Irina! Não sei
se nos veremos novamente um dia; então, adeus!
- Adeus, camarada Sasha! Tenha uma boa
vida também!
Irina senta-se em uma poltrona ao lado de
Dionísio e fica observando-o. Depois de quase
quatro horas, ele acorda.
- Algo me diz que dormi muito...
- Um bocado!
- Onde estão os outros?...
221

- O delegado foi para a delegacia, Sasha foi


embora, Aurélio buscou nossas malas e disse que
iria para o aeroporto ver se conseguia algum vôo
para a Índia.
- Nem me despedi dele!...
- Ele disse que certamente vocês se veriam
em breve.
- Pois é... Ele é meu melhor amigo e quase o
matei...
- Não diga isso! Não fale algo que não
aconteceu. Fique feliz por ele estar bem e por tê-lo
ajudado.
- Boa parte do que aconteceu é culpa
minha...
- Você também foi o responsável por tudo
ter sido resolvido.
- Olhando por esse lado...
- Exatamente! Então, pode parar de
conversa fiada!
- Sim, senhora!...
Os dois sorriem e se beijam.
- O que quer fazer agora?
- Estou faminto!
- Imaginei...
- Mas o que mais quero agora é voltar ao
Japão!
- Para quê?!
- Tenho que ver meu Sensei.
- Akira? Ele vai mesmo gostar de saber que
você venceu! Mas poderia apenas ligar...
222

- Eu tenho que ir!


- Então iremos juntos!
- Você não tem que voltar à Rússia?
- Não sou mais espiã.
- Você pode simplesmente sair assim do
serviço secreto?!
- O general é meu pai.
- Seus pais não morreram?...
- Sim, mas descobri depois que era adotada
e que o general era meu verdadeiro pai.
- Vai me contar sua verdadeira história,
então?...
- Sem mais segredos, prometo!
- Espero que sim, pois não quero passar o
resto de minha vida ao lado de alguém que não
conheço plenamente!
- Você me perdoa por isso?...
- Você deve ter tido todos os motivos para
esconder isso de mim...
- Vou te contar todos eles! É uma história
muito longa!...
- Eu terei todo o tempo do mundo se você
quiser se casar comigo!
- Isso é um pedido?...
- Com certeza!
- Aceito, então!
Os dois se beijam e se abraçam. Olham-se e
voltam a se beijar.
Eles chegam ao aeroporto e tomam banho
nos chuveiros de lá mesmo. Dionísio vai a uma
223

lanchonete a pede três sanduíches: dois para ele e


um para Irina. Acabando de comer, pede mais um
para viagem. Ela olha para ele e ri. Os dois
conseguem passagens para o Japão e vão embora.
Eles chegam a Tóquio e Dionísio liga para
Akira. Fazem o mesmo trajeto de sua última
viagem e chegam a Nara. Ao verem as luzes da
cozinha acesas, os dois dão a volta pela casa e
entram pelo quintal. Dionísio bate à porta e Akira
a abre.
- Novamente você vai para Tóquio em vez
de vir direto!...
- Você sabe que tenho que vê-lo!
- Ver quem?!... Ah, desta vez, percebo que
trouxe Irina. Que bom tê-la em casa! – Ele faz uma
leve reverência a ela. – Estávamos discutindo sobre
ele ter de rever o monte Fuji!... Entrem, por favor!
Estou fazendo chá. Coloque suas malas no seu
quarto enquanto fico aqui conversando com sua
namorada.
- Ela é minha noiva agora!
- Fico mais feliz ainda!
Enquanto os dois conversam na cozinha,
Dionísio vai até o quarto. Lá chegando, vê uma
espada ninja-to em cima da cama. Ele a pega,
desembainha-a e lê seu nome em japonês inscrito
na lâmina; corre até a cozinha e pergunta:
- O que é isso?!...
Akira continua fazendo o chá e fica de
costas para ele.
224

- Não consegue perceber que é uma


espada?
- Isso é obvio que percebi!!
- Então por que pergunta?
- Ela tem meu nome inscrito!
Akira se vira e olha para seu discípulo.
- Você se lembra mesmo do primeiro dia de
seu treinamento?
- Sim! Conversamos sobre ele quando vim
aqui!
- Tente relembrar a única coisa que
conseguia prender sua atenção naquele dia, e que
por outros vários dias te deixava desconcertado.
- Essa é a espada que ficava pendurada na
parede, acima das faixas que o senhor deixava
expostas para identificar a ordem de nossas
classificações?
- Exatamente. Agora ela é sua!
Dionísio abraça Akira e o levanta do chão.
Irina começa a rir ao ver os dois daquele jeito.
- Agora pode me soltar, está me deixando
constrangido na frente de Irina!
Dionísio o coloca no chão, desembainha a
espada novamente, faz alguns movimentos de
defesa e ataque com ela, coloca-a na bainha
novamente e faz uma reverência diante de seu
mestre.
Os três tomam chá e comem alguns
biscoitos preparados na hora.
225

- Amanhã, quero que você me ajude a


terminar um jardim.
- Já não fiz isso?...
- Agora é outro jardim! É para uma amiga.
- Amiga? Sei...
- Acha que não posso ter alguma
companheira?
- Claro que pode, e acho isso fantástico! –
Dionísio começa a rir.
- Do que você está rindo? – Irina pergunta.
- Desculpe, é que não imagino Akira
namorando. Desde que voltei para o Brasil, nunca
mais o vi com ninguém!
- Mas agora estou conhecendo alguém!
- Agora entendi aquele seu livro de poesia
que está no meu quarto!...
- Você mexeu em meu livro?!...
- Eu o vi em cima do armário e comecei a
lê-lo.
- Então agora você já sabe que estou me
relacionando com alguém; amanhã a conhecerá.
- Fico extremamente feliz por você, meu
Sensei!
- Pode me chamar de pai.
- Sim, pai!
Os três comem mais alguns biscoitos,
conversam um pouco. A noite chega e eles vão
para a sala conversarem mais. Dionísio e Irina
dizem a Akira que voltarão para o Brasil e se
casarão lá. Depois de algum tempo, Akira vai para
226

o quarto e deixa os dois conversando. Eles também


vão para o quarto e Irina conta toda a sua história.
Conta como seus pais adotivos morreram, quando
descobriu que o general Yuri Ulianovich era seu
pai verdadeiro, quando começou seu treinamento,
como foram suas primeiras missões. Conta que seu
nome verdadeiro é mesmo Irina e que só mudava
seu sobrenome. Conta que se lembra muito bem de
detalhes do primeiro dia em que se conheceram e
que seus trabalhos de modelo são verdadeiros,
apesar de usá-los também como disfarce.
- Desde que vi essas marcas em seu braço,
estava curiosa para saber como as conseguiu. –
Irina pergunta sobre a lenda da câmara Shaolin. –
Existe mesmo uma câmara?
- Prometemos que não existiriam mais
segredos entre nós, mas ela existe por um único
motivo.
- Qual?
- Ninguém sabe sobre ela.
- Tudo bem, então!...
Eles se abraçam e continuam a conversar
sobre como gostariam de educar os filhos. Com o
tempo, o cansaço os vence e os dois vão dormir
para tentar recuperar o sono perdido pela noite em
claro do dia anterior. Os dois se abraçam e
Dionísio fica olhando para Irina. Seu último
pensamento antes de fechar os olhos e dormir é de
não querer se lembrar do que aconteceu em
Bangkok. É recuperar o tempo perdido quando
227

não conhecia verdadeiramente Irina, e sonhar com


um futuro com ela.

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