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História do

Banco do Brasil
História do
Banco do Brasil

Organizador:

Diretoria de Marketing
e Comunicação do Banco do Brasil

Primeira edição atualizada para o novo acordo ortográfico


Título Original:
HISTÓRIA DO BANCO DO BRASIL
Primeira edição (atualizada) - 2010

Copyright © 2010 by Banco do Brasil S.A.

Coordenação editorial:
Fazenda Comunicação & Marketing Ltda.

Capa e projeto gráfico:


Fazenda Comunicação & Marketing Ltda.

Produção:
Fazenda Comunicação & Marketing Ltda.

Revisão tipográfica:
Aline Luz

Fotografias de capa:
Acervo Arquivo Histórico do Banco do Brasil

Fotografia:
Acervo Arquivo Histórico do Banco do Brasil

Banco do Brasil:
Diretoria de Marketing e Comunicação

H673 História do Banco do Brasil


2. ed. rev. Diretoria de Marketing e Comunicação do Banco do
2010 Brasil. - 2. ed. rev. -- Belo Horizonte : Del Rey, Fazenda
Comunicação & Marketing, 2010.
208 p. : il.

ISBN 978-85-63961-00-6

1. Banco do Brasil – História. I. Diretoria de Marketing e


Comunicação do Banco do Brasil. Fazenda Comunicação &
Marketing. II. Título.

CDU: 336.711(81)(09)
CDD: 981

Responsável pela Ficha Catalográfica: CRB-MG 2742

Composição e impressão: Fazenda Comunicação & Marketing Ltda.


(*) Todos os direitos reservados para Banco do Brasil S.A
Sumário
Introdução................................................................................................... 9

A primeira fundação, em 1808.................................................................. 13

A economia floresce. Surgem novos bancos.. ............................................ 25

A reforma bancária.................................................................................... 39

1864: A grande crise.................................................................................. 53

Guerra do Paraguai abala economia.......................................................... 69

A escravidão chega ao fim. Novas crises................................................... 81

O difícil resgate do papel-moeda.............................................................. 99

Reforma de estatuto ampliou a ação do Banco......................................... 111

O esforço de produção e a crise do café.. ................................................ 125

Carteira de Crédito Consolidada. Apoio à produção.. ............................. 143

A herança da inflação.............................................................................. 157

O esforço de guerra. Redescontos superam limites................................ 169

Democracia, inflação e crises.................................................................. 179

A reforma bancária de 1964.. ................................................................... 189

Na era da ciência e tecnologia................................................................ 199


Foto: Acervo Arquivo Histórico do Banco do Brasil
Introdução

Detalhe do interior do prédio do Centro Cultural Banco do Brasil,


no Rio de Janeiro: o local serviu de sede para o Banco entre 1926 e 1960.
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Há, na história das nações, momentos de especial significado, quando são toma-
das decisões que vão marcar e condicionar a evolução futura e ocorrem fatos destinados
a repercutir intensamente, e duradouramente, na vida dos povos. São pontos de infle-
xão, a indicar mudanças essenciais que, uma vez consumadas, permitirão afirmar-se
que afinação, o Estado, a sociedade não serão mais os mesmos.
O Banco do Brasil tem a particularidade de se mostrar presente a cada vez que o
país enfrenta um desses momentos cruciais. Foi assim quando o príncipe regente Dom
João (depois João VI) assinou o alvará que o fundou — o Brasil experimentava mo-
mento histórico que, do ponto de vista econômico, costuma ser comparado com o que
representou a independência política, ocorrida 14 anos mais tarde. Foi também assim
quando, graças à visão de estadista do visconde de Itaboraí, ex-primeiro ministro, ex-
ministro da Fazenda e presidente do Banco do Brasil, ocorreu o que se pode considerar
sua “segunda fundação”, num instante em que o Império superava os tempos críticos
da pós-independência e o conturbado período regencial e inaugurava fase de grande
dinamismo econômico.
Hoje, vivemos etapa semelhante. Quer do ponto de vista econômico, quer no
que toca à política e às transformações que se operam no tecido social, vive o país
período de grandes mudanças, com reivindicações crescentes da sociedade em seus
vários segmentos, para a conformação de um novo Brasil, poderoso economicamente,
democrático politicamente e solidário socialmente.
Mais uma vez, observa-se que o Banco do Brasil está no centro dessas mudanças.
Recuperando aceleradamente o terreno que perdeu em tempos recentes, assume no-
vas feições, em consonância com a modernização do capitalismo brasileiro.
É oportuno, por tudo isso, que nos detenhamos um pouco sobre a história da
instituição, até como forma de melhor compreendê-la, conhecendo seu passado para
melhor apontar os passos que dará no futuro. E - diga-se - essa compreensão e esse
conhecimento não dizem respeito apenas aos que mais de perto respondem pelos des-
tinos do Banco, como seus dirigentes e demais funcionários. Isso é da alçada de todos
os brasileiros, tenham ou não responsabilidade administrativa ou interesses financeiros
a defender.
Esta obra é uma tentativa de contribuir para tanto. Baseia-se em trabalho de
maior fôlego e envergadura, qual seja, a história do Banco do Brasil, brilhantemente
preparada por dois ilustres membros da comunidade do BB: os juristas Afonso Arinos
de Mello Franco e Cláudio Pacheco. Este, no caso, diretamente responsável, junta-
mente com a profícua equipe sob sua liderança, pelas pesquisas exaustivas realizadas
sobre a história do Banco, de cujos resultados oferecemos aqui uma síntese.
Síntese que, por definição, não pretende nem poderia atrever-se a conter toda
a amplitude, ou toda a profundidade da obra completa. Mas que pode prestar-se a
subsidiar todos os interessados em conhecer a história de nossa principal instituição
de crédito - que se confunde, como se verá nas páginas a seguir, com a própria história
econômica do Brasil.

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Capítulo 1
Foto: Acervo Arquivo Histórico do Banco do Brasil
A primeira fundação,
em 1808

Casa dos Contos, fotografia da Casa Leuzinger (1860).


Durante os primeiros cinco anos de funcionamento, o Banco do Brasil ficou instalado no Rio de Janeiro
em um prédio na esquina da rua Direita, atual Primeiro de Março, com São Pedro - esta última desapa-
recida com a abertura da av. Presidente Vargas. Em 1815, transferiu-se para um dos edifícios de maior
tradição na cidade, conhecido como Casa dos Contos, também situado na rua Direita, aproximadamente
no mesmo local onde hoje está instalado o Centro Cultural Banco do Brasil. A Casa dos Contos abrigou
a sede do Banco do Brasil de 1815 a 1826, sendo demolida em 1870.
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Havia apenas três bancos emissores no mundo - na Suécia, na França e na Ingla-


terra -, quando o príncipe D. João, recém-chegado ao Brasil, obrigado a deixar repenti-
namente Portugal, invadido pelas tropas de Napoleão, decidiu criar, em 1808, o Banco
do Brasil. As condições, afinal, apontavam para essa necessidade: o processo de mine-
ração entrava em declínio, era grande a escassez de moedas e tanto a intensificação das
atividades comerciais, com a abertura dos portos, quanto as despesas com a família real
e sua corte exigiam que se aumentasse o numerário existente.
A criação do Banco do Brasil foi, então, determinada por um alvará do príncipe
regente D. João, futuro D. João VI, expedido no Rio de Janeiro, em 12 de outubro de
1808. Antes, operavam no setor de crédito apenas alguns capitalistas nacionais e ingle-
ses, recentemente estabelecidos, que sacavam sobre as praças europeias e recebiam
dinheiro em conta corrente ou depósito, na maior parte das vezes para passá-lo aos
bancos da Inglaterra ou convertê-lo em títulos de renda assegurada. Essas somas eram
sempre entregues em ouro e exportadas como mercadorias.
No mesmo ano, por decreto de 3 de setembro, foi iniciada a emissão dos “escri-
tos da Alfândega”, conhecidos mais tarde por “bilhetes”, que eram dados como paga-
mento nas estações públicas. Precursores dos “bilhetes ou notas de bancos”, os escritos
abriam caminho ao papel-moeda do Tesouro. Existia também o “cofre de depósito”,
confiado à Câmara. Servia tanto para depósitos judiciais como para a tranquilidade dos
particulares que buscavam segurança para seus capitais, preferindo deixá-los inativos.
Para os empréstimos a juros recorria-se ao Cofre dos Órgãos, às Ordens Terceiras e à
Casa de Misericórdia, que até o século seguinte, ainda serviria de casa sacadora e re-
passadora de capitais para a Europa, Ásia, e África1.
O alvará do príncipe determinava no típico estilo pomposo do absolutismo mo-
nárquico:

“Eu, o príncipe regente, faço saber aos que este meu alvará com força de lei vi-
rem: que atendendo a não permitirem as atuais circunstâncias do Estado, que o
meu Real Erário possa realizar os fundos, de que depende a manutenção da Mo-
narquia e o bem comum dos meus fiéis vassalos, sem as delongas que as diferen-
tes partes, em que se acham, fazem necessárias para a sua efetiva entrada; a que
os bilhetes dos direitos das Alfândegas tendo certos prazos nos seus pagamentos,
ainda sejam de um crédito estabelecidos, não são próprios para o pagamento, ain-
da sejam de um crédito estabelecido, não são próprios para o pagamento de sol-
dos, ordenados, juros e pensões, que constituem os alimentos do corpo político do
Estado, os quais devem ser pagos nos seus vencimentos em moeda corrente; e a
que os obstáculos, que a falta de giro dos signos representativos dos valores põem
ao comércio, devem o quanto antes ser removidos, animando e promovendo as
transações mercantis dos negociantes desta e das mais praças dos meus domínios,
e senhorios com as estrangeiras.”

1. Em março e abril de 1893, o Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, publicou, sem revelar a autoria, uma história do
Banco do Brasil, bem fundada, à luz da proximidade dos fatos e, presumivelmente, de documentos que, em boa parte,
não foram conservados. Utilizamos, por isso, essa fonte. A presente nota refere-se à edição de 26 de março de 1893.

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Vinha, a seguir, a principal parte dispositiva:

“Sou servido ordenar que nesta capital se estabeleça um Banco Público, que na
forma dos Estatutos, que este baixam, assinados por Dom Fernando José de Por-
tugal, do meu Conselho de Estado, ministro Assistente ao Despacho do Gabinete,
presidente do Real Erário e secretário de Estado dos Negócios do Brasil, ponham
em ação os cômputos estagnados, assim em gêneros comerciais, como em espé-
cies; Cunhadas; promova a indústria nacional pelo giro, e combinação dos capitais
isolados, e facilite juntamente aos meios, e aos recursos, de que as minhas rendas
reais e as públicas necessitarem para ocorrer às despesas do Estado.”

O principal objetivo da fundação do Banco, claramente sobressaía não só na


prioridade como na insistência com que era destacado na introdução do alvará: pro-
porcionar, com urgência, fundos para a manutenção da cúpula monárquica, composta
principalmente pela rainha, D. Maria I, pelo príncipe regente, esposa, prole, parentes
próximos e afastados e pelo numeroso conjunto de fidalguia, administração e serventia
doméstica. Estimada em até 15 mil pessoas, a corte mantinha um séquito de usufru-
tuários parasitas com os quais D. João deslocava-se, sob o alvoroço com que as tropas
francesas invadiram impetuosamente Portugal, de Lisboa para o Rio de Janeiro.
O documento extinguia o Cofre do Depósito e definia, entre outras vantagens, a
remuneração dos dirigentes do Banco:

“Em todos os pagamentos que se fizerem à minha Real Fazenda, serão contem-
plados e recebidos como dinheiro os bilhetes do dito Banco Público pagáveis ao
portador ou mostrados à vista e da mesma forma se distribuirão pelo Erário Régio
nos pagamentos das despesas do Estado: e ordeno que os membros da junta do
Banco e os diretores dele sejam contemplados pelos seus serviços com as remu-
nerações estabelecidas para os Ministros e oficiais da minha Real Fazenda e ad-
ministração da justiça, e gozem de todos os privilégios concedidos aos deputados
da Real Junta do Comércio.”

Os estatutos que vinham em anexo ao alvará, extensos e minuciosos, desdobra-


vam-se em providências para a organização do Banco e suas operações. O estabeleci-
mento era denominado Banco do Brasil e a duração de seus privilégios estava fixada
em 20 anos, findos os quais, ou se dissolveria, ou novamente se constituiria, se o gover-
no assim entendesse. O capital inicial era de 1.200 contos de réis, dividido em 1.200
ações de um conto de réis cada uma, podendo ser aumentado através de novas ações.
O giro poderia ser iniciado logo que houvesse em caixa cem ações. Era proibida e nula
toda penhora ou execução, fiscal ou civil, sobre ações do Banco, e os acionistas podiam
ser nacionais ou estrangeiros.
As operações do Banco consistiam, então, no desconto mercantil de letras de
câmbio sacadas ou aceitas por negociantes de crédito, nacionais ou estrangeiros; na

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comissão dos cômputos arrecadados de particulares ou estabelecimentos públicos, ou


adiantados através de hipotecas; no depósito geral em prata, ouro, diamantes ou di-
nheiro; na emissão de letras ou bilhetes pagáveis ao portador, no mínimo de 30 mil
réis; na comissão dos saques particulares ou do Real Erário, de fundos localizados no
estrangeiro ou nacional, em área remota; no recebimento de toda a soma, que se lhe
oferecesse a juro da lei; na comissão da venda dos gêneros privativos dos contratos e
administração reais, como os diamantes, pau-brasil, marfim e urzela; no comércio das
espécies de ouro e prata.
O Banco não podia descontar ou receber, por comissão ou prêmio, frutos de ope-
rações que pudessem ser consideradas contrárias à segurança do Estado, assim como
de contrabando ou de transações suspeitas. Sua assembleia geral era integrada por 40
dos seus maiores acionistas; a junta, por dez; e a diretoria, por quatro. Em cada ano a
assembleia elegia cinco novos deputados da junta e dois diretores, sendo permitida a
reeleição. Os integrantes da assembleia geral deviam ser portugueses, mas qualquer
português que mostrasse procuração de um estrangeiro incluído entre os maiores capi-
talistas podia representá-lo e entrar.
Para o direito a voto nas sessões do Banco exigia-se que o acionista tivesse o
mínimo de cinco ações, e a cada lote de cinco ações o acionista podia exercer o direito
a mais um voto, até o limite de quatro votos; se dois ou mais possuíssem juntos cinco
ações, podia um deles ter voto, apresentando a procuração. Cabia à junta administrar
os fundos e, aos quatro diretores, fiscalizar as transações e operações do Banco em ge-
ral. Todas as decisões se faziam pela pluralidade dos votos e os casos de empate eram
decididos na assembleia geral.
A ideia da criação de um Banco de Estado, segundo o historiador Afonso Arinos de
Mello Franco, já era familiar nos meios administrativos portugueses alguns anos antes da
fundação do Banco do Brasil. Ele assinala que, “como tantas, se não todas as ideias que
implicavam em progresso político e econômico, com utilização, no velho reino, de novos
processos governativos, veio ela do estrangeiro e foi um estrangeiro o primeiro a agitá-la
em Portugal: o italiano Domingos Vandelli”2. Arinos refere-se às origens e andanças de
Vandelli, aos seus escritos, publicados ou inéditos e a dois projetos que elaborou para a
criação de um Banco Nacional, destinado a suprir o governo de numerário, e que datam,
seguramente, de fins do século XVIII. Registra também propostas que haviam sido feitas
por D. Rodrigo de Souza Coutinho, o conde de Linhares:

“A sugestão de Vandelli, completada pelas de D. Rodrigo de Souza Coutinho,


podemos dizer que se encontra, por antecipação, delineado o organismo do pri-
meiro Banco do Brasil, com as suas vantagens e inconvenientes, ao mesmo tem-
po utilíssimo e inviável, eivado de uma contradição fundamental que, através de
turbulentos episódios e, apesar dos imensos serviços prestados por ele ao país, o
levaria a estrondoso e melancólico fracasso”.

2. História do Banco do Brasil, 1973, p. 13 a 15.

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O historiador Horácio Say analisa, com uma visão abrangente, o processo da fun-
dação e do início do funcionamento do Banco:

“A criação de um Banco de depósitos e de circulação podia ser útil no Brasil no


momento em que a abertura dos portos tornava os negócios mais ou menos ativos,
os produtos da agricultura chegavam em abundância e vinham fornecer carrega-
mento aos navios que começavam a entrar sob todas as bandeiras. Havia necessi-
dade de uma massa maior do agente intermediário das permutações: assim é que
os bilhetes do Banco entraram facilmente e percorreram a circulação, encheram
mesmo um vazio no comércio do país, porque a moeda de 960 réis não deixou de
circular ainda por muito tempo ao lado deles.”3

Mas o desenvolvimento dos portos e dos mercados de produtos agrícolas foi, na


verdade, lento e difícil. O próprio Banco enfrentou, inicialmente, dois problemas bas-
tante interligados: a demora na captação do capital e do seu funcionamento. E, apesar
das facilidades concedidas, somente em 11 de dezembro de 1809 – mais de um ano
depois da sua fundação -, é que começou a funcionar, assim mesmo com apenas um
décimo do seu capital que, três anos após, ainda não excedia 126:000$0004. Em razão
desse quadro, o governo resolveu tomar novas medidas em favor do estabelecimento
e baixou o alvará, de 20 de outubro de 1812, ordenando que a Real Fazenda entrasse
como acionista, destinando, para isso, pelo período de dez anos consecutivos, a arre-
cadação de antigos e novos impostos, e abrindo mão, durante cinco anos, de qualquer
lucro resultante das suas ações.
O lançamento do “imposto do Banco”, como ficou conhecido, era feito no Rio
de Janeiro e em todas as capitanias, e era de 12$000 anuais sobre comércio, indústrias
e profissões. Mas ficavam isentas as lojas, botequins e tavernas estabelecidas nas es-
tradas, arraiais e capelas, e nas pequenas povoações em que não houvesse magistratura
de “vara branca”. O capital do Banco consolidou-se através dessa arrecadação e, poste-
riormente, pela própria fluência de capital particular. Desses impostos entraram para
os cofres do Banco 576:000$000, correspondentes a 576 ações, sendo 500:000$000 nos
primeiros cinco anos (1813-1817) e 76:000$000 entre 1818 e 1822. De 1813 em diante
cresceu de tal forma a subscrição de ações que, em 1829, o total chegou a 3.600. Quan-
do, no mesmo ano, extinguiu-se o Banco, o Tesouro possuía apenas 80 ações. As 3.520
restantes eram de particulares.
Uma das medidas que mais contribuíram para esse crescimento foi a concessão
de títulos e comendas aos capitalistas que subscrevessem ações. Várias pessoas, inclu-
sive, chegaram a passar por grandes provações para alimentar essa vaidade, tomando
dinheiro emprestado a juros altos para adquirir as ações, que não conseguiam vender
depois de receber as condecorações5.

3. Histoire des Relations Commerciales entre la France et le Brésil.


4. Valor expresso em moeda da época, o mil réis (1$000). Um conto de réis valia mil 1$000 (1:000$000).
5. Jornal do Commercio, edição de 26 de março de 1893.

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A falta de uma administração competente e zelosa e o excesso de emissões foram


as duas causas principais do fracasso do Banco na fase de sua primeira fundação. “A ad-
ministração do Banco nunca primou por acertada e prudente, espalhando-se por vezes
boatos tais de malversações e extravios de dinheiro, que o governo viu-se forçado, não
a proceder a rigoroso inquérito, como aconselhava a salvação do estabelecimento, mas
a impor silêncio pela violência aos que davam curso àqueles boatos”, relatou o conse-
lheiro Pereira da Silva, no livro História da Fundação do Império.
Ao narrar este fato, Pereira da Silva diz que o Correio Braziliense acusou o governo
sem levantar provas. No entanto, tudo indica que Hipólito José da Costa, o responsá-
vel pela edição do jornal, não faltou à verdade. O conselheiro José Antonio Lisboa, no
livro Reflexões sobre o Banco do Brasil, publicado em 1821, referindo-se aos perigos que
correra o estabelecimento, em 1817, diz ter sido público “nesta cidade, que Francisco
José dos Santos, negociante desta praça, e José da Rosa Salgado, que exercia o empre-
go de corretor, ambos terem sido presos, o primeiro na cadeia, e o segundo na Ilha das
Cobras, em consequência de denúncia, que se deu contra eles, por falarem do mau uso
que se fazia dos fundos do Banco e das prevaricações de seus empregados”.
Em 1827, o marquês de Queluz afirmou, no relatório da Fazenda, que o Banco do
Brasil era um estabelecimento de que se poderia tirar vantagens se estivesse em outras
mãos e com outros métodos, mas que, mal administrado como fora, só ocasionaria os es-
torvos administrativos em que se achava o governo. “Pelas dilapidações públicas da sua
administração, logo nos princípios dela”, relatou, “sabermos que o Banco esteve abisma-
do e que só a influência e socorros do governo o levantaram e o restabeleceram”.
Nas análises realizadas por ordem do governo e constantes de documentos que
ainda há poucos anos existiam no Tesouro, reconheceu-se que a escrituração do Banco
foi sempre irregular, principalmente a especial da caixa. No período de 1817 a 1821,
ocorreram transações sem escrituração, como o desconto de letras pelo dinheiro da
caixa do troco das notas em metal, e foram descobertos desfalques em diversas caixas,
dos quais o mais alto foi de 761:201$491, que no balanço de 31 de julho de 1828 figura
como quantia extraviada.
O mesmo tipo de abuso ocorreu no sistema de emissão. Os desvios foram facilita-
dos pelo segredo que cercava as operações, e os acionistas não os ignoravam. Em 1823,
eles rejeitaram medidas propostas por Gervásio Pires Ferreira, possuidor de 40 ações,
conforme relatou o ministro da Fazenda Bernardo de Souza Franco:

“Se alguma era intempestiva, como a cessação total de empréstimos ao Tesouro e


exigência de prestação fixa para pagamento da dívida anterior e seus juros, não se
podia desconhecer a indispensabilidade das que tinham, por fim, melhor regular
a escolha, obrigações e responsabilidades dos diretores e mais empregados, para
evitar abusos quais os da anterior Junta Diretora, que tudo fizera para se perpetuar
na administração”6.

6. Jornal do Commercio, edição de 26 de março de 1893.

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As emissões feitas pelo Banco foram excessivas. De 1810 a 1827, totaliza-


ram 29.726:450$000, dos quais 27.046:450$000 foram emitidos no Rio de Janeiro,
1.490:000$000 na Bahia, 300:000$000 em São Paulo, 500:000$000 em Pernambuco e
390:000$000 em Minas Gerais. Entretanto, foram recolhidos e incinerados, de 1811
a 1823, valores no total de 10.551:530$000, de modo que, em 1829, o saldo em circu-
lação chegava a 19.174:920$000. O fundo do Banco, em 1821, era de 2.474:556$000,
formado pelo capital de 2.268 ações realizadas, equivalentes a 2.268:000$000 e fundo
de reserva de 206:566$000. Não se podia dizer que estivesse em perfeito estado de
solvabilidade uma instituição bancária, cuja emissão já excedia, naquele ano, mais
que o triplo do seu capital.
Evidencia-se, nessa época, que o Banco estava insolvente, pois não dispunha de
recursos capazes de fazer face ao troco de suas notas em circulação, mesmo que o Te-
souro pagasse os 4.799:415$000 que lhe devia. Segundo Horácio Say, “os bilhetes do
Banco tronaram-se excessivos para as necessidades das transações; o seu valor começou
a baixar e correram ao Banco para trocá-los; mas as espécies já não estavam ali. A este
primeiro sinal de depreciação, de 1818 a 1819, as moedas de prata de 960 réis desapa-
receram rapidamente da circulação. O real não era mais a expressão do mesmo valor,
já deixavam de dar esta moeda por seu valor nominal, obteve prêmio, daí a vantagem
de exportá-la. A bela moeda de ouro, de 1809, tinha sucedido a moeda fraca de prata, e
esta, em 1818, achou-se substituída pelas miseráveis tiras de papel”7.
Em 23 de julho de 1824, a assembleia geral do Banco resolveu fixar a tabela
de realização de suas notas na proporção de 75% em bilhetes miúdos, 15% em mo-
edas de ouro e prata e 10% em cobre, o que valia como suspensão de pagamento.
Posteriormente, a comissão liquidadora informou aos árbitros nomeados para decidir
as pendências entre o Banco e o governo que, depois da data daquela tabela para o
troco de suas notas, o estabelecimento continuou a fazer suprimentos ao governo e
a descontar os seus papéis de crédito. Daí por diante aumentaram mais esses supri-
mentos, continuando-se a descontar as letras particulares até 1822, quando cessaram
as transações novas. Ao chegar a essa situação, o Banco do Brasil não passava de uma
caixa suplementar do Tesouro, onde o governo ia buscar dinheiro até por pedido
verbal do tesoureiro geral do Erário.
Foi somente, em 1827, através do artigo 22 da lei de 25 de novembro, do mesmo
ano, que se proibiu o aumento da emissão, a partir de 1.º de janeiro do ano seguinte, e
ordenou-se a retirada de 6.000:000$000 da circulação, mediante a troca por apólices de
5% ao par das notas bancárias, o que, no entanto, não se pôde realizar, pois as apólices
de 6% eram vendidas a 65 e a 66. A tal ponto caíra o critério do estabelecimento, que
suas notas corriam por 45% de abatimento em moeda de prata, ameaçando cada dia
maior baixa.
Em abril de 1829, as notas já tinham sofrido 40% de abatimento em cobre, 110%
em prata e 190% em ouro, sendo o câmbio para Londres de 23 pence por 1$000. Era
impossível ir além, e assim o entendeu o ministro da Fazenda, Miguel Calmon – poste-
7. Jornal do Commercio, edição de 26 de março de 1893.

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riormente visconde e marquês de Abrantes -, que apresentou à Câmara dos Deputados


proposta do governo para dissolução do Banco através da nomeação de uma comissão
liquidadora composta de sete membros, dos quais quatro escolhidos pelo próprio go-
verno, incluindo-se o presidente, e três pela assembleia geral.
A Câmara votou pela imediata liquidação do Banco, sancionada em 23 de setem-
bro do mesmo ano. No entanto, adiou-se a dissolução para 11 de dezembro de 1829,
data que se esgotavam os 20 anos de privilégios previstos na fundação8. Mas, pelo me-
nos para seus acionistas, o Banco não podia ser considerado uma instituição prejudicial:
as vantagens que auferiram foram grandes e poderiam ter sido maiores se tivessem es-
colhido administrações mais competentes, como demonstram os balanços dos dividen-
dos pagos anualmente (veja quadro). Dissolvida a instituição, o capital foi distribuído
entre os acionistas, que receberam cerca de 81% do valor primitivo das ações.

Dividendos pagos pelo Banco do Brasil

Ano Valor %
1810 10$283 1,28
1811 30$680 3,06
1812 40$665 4,06
1813 59$985 5,99
1814 96$717 9,67
1815 137$100 13,71
1816 189$607 18,96
1817 148$315 14,88
1818 171$804 17,18
1819 107$647 10,76
1820 101$062 10,10
1821 153$519 15,35
1822 119$605 11,98
1823 163$878 16,38
1824 163$157 16,31
1825 126$621 12,66
1826 169$869 16,98
1827 176$329 17,68
1828 187$567 18,75
1829 178$927 17,89

O vácuo de suporte bancário resultante da dissolução do banco do Brasil não


só provocou críticas como também motivou sugestões de criação de um novo banco de
iniciativa governamental. Figuras de destaque da história brasileira, como Cândido Ba-
8. Jornal do Commercio, edição de 26 de março de 1893.

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tista de Oliveira, senador Ferreira Soares, J.F. Normano, Pandiá Calógeras, analisaram
e lastimaram a dissolução do Banco9. Pandiá Calógeras, por exemplo, assinalou que
na Câmara dos Deputados vários de seus membros insistiram nas vantagens de uma
reorganização do Banco do Brasil, ao invés de uma liquidação pura e simples. “A antiga
hostilidade contra o estabelecimento de crédito”, disse ele, levou a melhor, “escorada
nas acusações de dilapidações praticadas por diretores do estabelecimento e da retirada
em massa, por ocasião da volta de D. João a Portugal, em 1821, em metais preciosos
que pertenciam ao Banco”.
Transformado numa espécie de bode expiatório, o Banco acabou assumindo,
segundo Calógeras, a “responsabilidade pelas dificuldades de uma situação cujos erros
cabiam quase que exclusivamente ao governo, por causa dos empréstimos dispensá-
veis que solicitou, ou melhor, impôs”. Mas, prosseguiu, “quando votada a liquidação
do Banco e apresentado seu balanço, verificou-se que o papel-moeda em circulação
excedia apenas de soma ínfima a dívida do Tesouro com a instituição. Os acionistas
receberam 90% de seu capital integralizado, pagas todas as dívidas”.
Nenhuma crítica pode ser mais eloquente do que essas cifras, argumentou Co-
lágeras, porque “comprovam a solvência do estabelecimento, apesar do descrédito es-
palhado pelos exageros e acusações malévolas contra ele arguidos. E, sobretudo, liqui-
dado o Banco, a praça do Rio ficou longamente privada desse aparelho indispensável à
sua economia comercial, erro extremamente grave que lhe foi imposto por uma decisão
inconsiderada. Foi essa última consequência que motivou as críticas muito sérias e
amargas a elas dirigidas desde os primeiros momentos por financistas e estadistas, e
inspirou a ideia de tentar conter o desencadear das correntes que conduzissem a me-
didas extremas”.10
A primeira tentativa de restabelecimento de um banco nacional ocorreu atra-
vés da lei de 8 de outubro de 1833, mas não teve êxito, pela falta de apresentação de
acionistas. O governo chegou a nomear uma comissão para organizar o levantamento
do capital, mas apenas os integrantes dessa comissão animaram-se à subscrição. Com
a insuficiência de capital, o próprio ministro da Fazenda pronunciou-se, em novembro
de 1834, pela desistência oficial de restabelecimento do Banco, mandando reverter a
receita geral dos impostos que a lei criou com o objetivo de compor a cota de capital do
governo. E, até 1838, quando foi criado o Banco Comercial do Rio de Janeiro, nenhum
outro banco existiu, instruído formal e regularmente, no país.
Havia, naturalmente, financiamentos que proliferavam como negócios rendosos
e sem concorrentes legalmente instituídos, realizados pelos comerciantes, sob a for-
ma de adiantamento ou vendas a crédito, para seus fregueses e fornecedores. Ou, em
maior vulto, os empréstimos que os comissários, sobretudo os do comércio de exporta-
ção, faziam aos fazendeiros e lavradores, sob garantia da colheita.
Esporadicamente, havia casas bancárias em comandita, ou caixas econômicas de
instauração arbitrária ou variada. Também existia a agiotagem, à qual se referiu, em
9. Cláudio Pacheco, História do Banco do Brasil, 1973, vol. II cap. 1§§ 30 a 33.
10. A Política Monetária do Brasil, p. 45 e 46.

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relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa do Império, na sessão ordinária


de 1837, o então ministro da Fazenda, Manoel do Nascimento Castro e Silva:

“...me parece que, no caso de se não proibir o estabelecimento de casas em que


se fazem empréstimos sobre penhores, ou hipoteca, o que seria mais conforme à
moral e à política, atento ao escândalo e ao abuso, com que nela se praticam as
usuras e dilapidações, devem elas sofrer uma forte taxa de licença, ou patente,
sendo sujeitas a um regulamento”.

Foi nessa época que começou o ocaso do período colonial – marcado inicial-
mente pela vinda da corte portuguesa para o Brasil -, com a consequente aceleração
do processo de independência política, paralelamente ao processo da independência
econômica, impulsionado por medidas como a abertura dos portos. A renda per capita
do país vinha caindo, continuamente, já durante o século anterior. Na primeira metade
do século XIX ainda não se via uma tendência de recuperação, mas o decesso estacio-
nava, em face da germinação profunda dos fatores que haviam de dar partida, embora
de forma incipiente, ao desenvolvimento brasileiro.
Esse período da história brasileira, chamado regencial, que englobou o final do pri-
meiro reinado até a consolidação do segundo, caracterizou-se, no plano político, por um
processo insurrecional, ao mesmo tempo prolongado e sangrento. Logo no começo vacilou
o trono imperial do Brasil, inclusive porque, sob o impacto da impopularidade e acusado
de preocupar-se mais com suas pretensões ao trono português do que com os problemas
brasileiros, D. Pedro I renunciou e deixou o trono a D. Pedro II, ainda menino.
Evidentemente, esse quadro influi negativamente na situação econômica e finan-
ceira do país. No período de 1836 a 1846, por exemplo, verificou-se que em todos os
anos, salvo no último, as somas das importações foram bem mais altas do que as das ex-
portações. O desequilíbrio econômico e, especialmente, o financeiro, que já se manifes-
tava anteriormente, tornou-se então, crônico, característica mantida até tempos recentes.
Se o período regencial foi, no plano político, marcado pela turbulência das desordens e
revoltas, no plano econômico caracterizou-se pela insuficiência da produção exportável
e por saldos negativos na balança do comércio exterior, com constante baixa dos valores
externos e internos da moeda. Manteve-se, ademais, o processo inflacionário.

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Capítulo 2
Foto: Acervo Arquivo Histórico do Banco do Brasil
A economia floresce.
Surgem novos bancos

Os primeiros bilhetes emitidos pelo Banco do Brasil a partir de 1810, precursores das cédulas atuais,
eram apresentados em talões e tinham uma linha de corte para facilitar a verificação de autenticidade.

Fac-símile de cédulas da primeira e segunda emissão. Impressas no Rio de Janeiro.


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Ao encerrar o período regencial, o governo tentava sair de uma posição repres-


siva, em defesa da ordem, para dar maior atenção aos problemas de administração in-
terna. Na pauta das exportações, o café continuava em marcha ascendente como prin-
cipal gerador de divisas. Destacaram-se, nessa época, os empreendimentos de Irineu
Evangelista de Souza – o barão de Mauá -, considerado o empresário brasileiro mais
ativo, responsável pela implantação dos estaleiros fundados na baía de Guanabara, que
produziram navios para as marinhas mercante e de guerra, e até canhões utilizados
em operações militares no Sul, e pela construção da primeira estrada de ferro, ligando
Mauá a Raiz da Serra.
Outros trechos ferroviários foram construídos e postos em funcionamento. De-
senvolveu-se a navegação a vapor, ligando o Brasil à Europa e o Rio de Janeiro aos
portos nacionais do Norte e do Sul. Corria paralelamente a navegação à vela, não só
no litoral como nas vias interiores, fluviais e lacustres. Continuava, no plano social e
econômico, a negra mancha da escravidão, mas já surgiam tentativas de importar mão
de obra livre, com a vinda para o Brasil de imigrantes europeus.
Esse quadro econômico-financeiro, que se tornava gradualmente fértil, favore-
ceu a criação dos bancos. Surgiram, primeiro, iniciativas de firmas comerciais que pro-
curavam funcionar como casas bancárias em limitadas operações de câmbio. Em maior
âmbito, instalou-se o Banco Comercial do Rio de Janeiro, através de alguns capitalistas
da praça que, em 10 de dezembro de 1838, o inauguraram publicamente, sem atenção
do governo, que só em 23 de junho de 1842 aprovou seus estatutos. Mais de seis anos
depois, na Bahia, instalou-se, a 2 de abril de 1845, o Banco Comercial da Província da
Bahia, que iniciou suas operações em 16 de maio, mas só teve os estatutos aprovados
em 16 de novembro.
A partir daí, o processo de fundação de bancos acelerou-se com a criação do Ban-
co Comercial do Maranhão, em São Luís, em agosto de 1846, do Banco do Pará, em
Belém, em setembro de 1847 e do Banco da Província de Pernambuco, que teve seus
estatutos aprovados por decreto de dezembro de 1851. Em 1851, Irineu Evangelista de
Souza e outros capitalistas lançaram uma campanha para a criação de um novo e mais
poderoso banco, cujo capital foi fixado em dez mil contos, considerado muito elevado
para a época, quando o valor das exportações brasileiras ainda não chegava a 70 mil con-
tos. Obtida a aprovação dos estatutos pelo governo, o novo estabelecimento começou
a funcionar em agosto do mesmo ano.
De acordo com os estatutos aprovados pelo governo, os bancos podiam emitir vales
ou letras ao portador e a prazo determinado, que acabaram circulando como moeda. Ins-
talou-se, assim, com a autorização do próprio governo, um poder de iniciativa privada im-
portante, mas considerado perigoso pelas pessoas que defendiam que o poder de cunhar
moeda deveria ser exclusividade governamental. Na esteira de emissões tão fáceis era de
se esperar abuso e o resultado foi, também, a abertura para o processo inflacionário.
O governo, omisso, promulgou o decreto de 10 de janeiro de 1849, considerado
ineficaz, pois, regulando a organização de sociedades anônimas, apenas dispôs nos ar-
tigos 9.º e 10.º:

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“A instalação da sociedade anônima que tiver por fim fazer operações bancárias só
poderá ser autorizada quando se tenha realizada a quarta parte das ações; mas, se
não for completado o número total delas no prazo marcado no contrato constitu-
tivo, será a sociedade dissolvida, salvo se tiver do governo autorizações para fazer
suas operações com número maior de acionistas, do que o marcado no contrato; o
governo nomeará, todas as vezes que entenda conveniente, um ou mais agentes
para fiscalizar as operações das sociedades e poderá declará-las dissolvidas quando
se verificar que não cumprem as condições a que se sujeitaram.”

Alguns autores têm considerado o estabelecimento fundado por iniciativa do


barão de Mauá como o “segundo Banco do Brasil”, portanto, um elo da série de bancos
com este nome, de 1808 até os nossos dias. Mas, como se tratou de uma instituição
exclusivamente particular, sem qualquer iniciativa, ligação ou participação do governo,
convém considerá-lo estranho à continuidade da série. Assim, o verdadeiro segundo
Banco do Brasil foi criado, em 1853, por lei, sob a iniciativa de José Joaquim Rodrigues
Torres, mais conhecido como visconde de Itaboraí, que, por mais de uma vez, exerceu
a presidência do estabelecimento, transformando-se numa espécie de seu patrono.
Foi a Itaboraí que coube promover a restauração do Banco do Brasil, atuando não
somente como ministro da Fazenda, onde tomou posse em 6 de dezembro de 1848,
como também na posição de presidente do Ministério, que assumira em 11 de maio de
1852. Acusado de contraditório, porque havia se manisfestado contra a criação do Ban-
co, não chegou a se contradizer, pois, na verdade, anteriormente admitiu que, mudadas
as circunstâncias, tornava-se admissível essa criação.
Ocorrera, realmente, mudança nas circunstâncias, como assinalou Antônio Car-
los, ao citar o relatório do conselheiro Ângelo Ferraz, a quem qualificou como “emérito
financista e homem de Estado” na comissão de inquérito sobre a crise de 1864. Ferraz
asseverou, tratando do período de 1851 a 1856, que a tranquilidade pública do Império
cada vez mais se consolidou, “a indústria e o comércio, em sua marcha progressiva e
próspera, não encontraram tropeços”, os negócios da Fazenda apresentavam “um belo
aspecto”, as rendas públicas continuaram aumentando firmemente, colhera-se o resul-
tado de grandes saldos, a amortização da dívida interna não foi suspensa, houve redu-
ção de impostos e se elevaram o preço dos nossos títulos da dívida pública interna e
externa. Referiu-se, ainda, à grande atividade comercial com negócios satisfatórios11.
As bases para a fundação do novo banco foram apresentadas por Itaboraí no re-
latório de 1853, ainda como ministro da Fazenda, no qual afirmou que era chegada a
ocasião para se criar uma banco de emissão, com os objetivos principais de auxiliar o
governo no resgate de papel-moeda e promover o progressivo aumento do crédito e
das riquezas nacionais. Ele advertiu que o estabelecimento não podia ser oficial, pois o
governo não poderia, sem abandonar a posição de protetor imparcial de todos os inte-
resses da sociedade, encarregar-se de dirigir operações comerciais.
Ao justificar a proposta, Itaboraí mostrou-se dotado de seguro conhecimento a
respeito de instituições bancárias, dos princípios e cautelas ainda hoje aceitos. Assim,

11. Bancos de Emissão no Brasil, 1923, p. 38 e 39.

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detalhou as vantagens e também os riscos dessas entidades, a necessidade de regras


e controles e de um grau equilibrado de reserva de recursos, a magnitude da orga-
nização dos bancos, os proveitos da concentração bancária, evitando a dispersão de
capitais por diversos estabelecimentos de crédito e o impreterível preceito de mode-
ração nas emissões. Ao iniciar a implantação do novo banco, mostrou-se convicto do
efeito negativo da multiplicidade de instituições de créditos, partindo para a solução
de fundar um novo Banco do Brasil através da fusão do homônimo, criado por Mauá,
com o Banco Comercial.
Entretanto, numa posição que hoje se consideraria oposta à moderna tendência
de estatizar as atividades econômicas, Itaboraí não admitiu que o governo se encar-
regasse de dirigir operações comerciais. Agiu, assim, no sentido de que se procurasse
incorporar na capital do Império, através de ações, um banco de depósitos, descontos
e emissões, sujeito, porém, à supervisão governamental, através da nomeação, pelo
imperador, do presidente da nova instituição financeira, com poder de veto suspensivo
sobre qualquer deliberação contrária à lei ou aos estatutos.
A proposta ministerial foi apresentada, no Senado, sob forma de emenda a um
projeto existente e passou por extensos debates e críticas na Câmara iniciadora e na Câ-
mara dos Deputados, mas foi aprovada sem muita demora e sem alterações. Surgiram,
enquanto isso, dificuldades na praça do Rio de Janeiro que provocaram súbita elevação
da taxa de juros, o que levou o governo a prestar substancial auxílio aos dois bancos
então existentes – o Comercial e o do Brasil -, sob a forma de empréstimos em bilhetes
do Tesouro e sob a caução de apólices da dívida pública, até o limite de 4.000:000$000.
Procedendo sem prévia autorização legislativa, o governo teve de pedir ao Parlamento
a aprovação posterior do seu ato, o que só conseguiu depois de acaloradas discussões
nas duas casas do Parlamento.
Ficou claro que a ideia de Itaboraí era fundar um banco concentrador, dotado de
unidade do poder de emissão, para acabar, assim, com os males das últimas fontes. A
razão principal que o levou a fundir os Bancos Comercial e do Brasil, foi a necessidade
de instituição do princípio da unidade de emissão. Para evitar o risco de uma ruína
provocada pela perda de sua capacidade emissora, os dois bancos foram compelidos,
através de negociações e de justas compensações, a aceitarem a sua extinção através da
fusão. Da mesma forma, os bancos emissores das províncias aceitaram sua conversão
em caixas filiais do novo Banco do Brasil.
O plano de fusão foi consolidado nos estatutos do novo Banco, que o governo
aprovou através do decreto n.º 1.222, de 31 de agosto de 1853. O artigo 2.º dos estatutos
estabelecia “que o fundo capital do novo Banco do Brasil seria de 30.000:000$000, di-
vididos em 150 mil ações”, das quais, segundo o artigo 70, “80 mil seriam distribuídas
aos acionistas dos dois estabelecimentos existentes nesta Corte, a saber: 50 mil ao Ban-
co do Brasil e 30 mil ao Comercial”. O artigo 51 dispunha que os estatutos deveriam
ser adotados pelos acionistas e aprovados pelo governo e que, preenchidos esses dois
requisitos, o ministro da Fazenda faria abrir a subscrição “nesta Corte para distribuir
mais 30 mil ações, cujos possuidores seriam convocados, juntamente com os acionistas

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dos ditos estabelecimentos, para elegerem a diretoria, que deve instalar o novo Banco
e dar princípio às suas operações”.
Segundo os estatutos, o novo Banco do Brasil poderia realizar somente as seguin-
tes operações:

1. descontar, sem exceder a décima parte do seu fundo efetivo e o prazo de quatro
meses, letras de câmbio, da terra e outros títulos comerciais à ordem e com prazo
determinado – garantidos por duas assinaturas de pessoas notoriamente abonadas,
uma pelo menos residente no lugar em que se fizer o desconto -, e escritos das
alfândegas e bilhetes do Tesouro;
2. encarregar-se, por comissão de compra e venda de metais preciosos, de apólices da
dívida pública e de quaisquer outros títulos de valores, bem como de cobrança de
dividendos, letras e de outros títulos a prazo fixo;
3. receber em conta corrente as somas entregues por particulares ou estabelecimen-
tos públicos e pagar as quantias de que estes dispuserem, até a importância do que
houver recebido;
4. tomar dinheiro a prêmio por meio de conta corrente ou letras, a prazo superior a
60 dias;
5. comprar e vender, por conta própria, metais precisos;
6. fazer empréstimos, sob penhor de ouro, prata, diamantes, apólices da dívida públi-
ca, de ações de companhias acreditadas que tenham cotação real e na proporção da
importância realizada; de títulos particulares que representem legítimas transações
comerciais e de mercadorias não sujeitas à corrupção, depositadas nas alfândegas
ou armazéns alfandegados, mas não podendo emprestar sobre penhor de suas pró-
prias ações;
7. fazer movimentos de fundos de umas para outras praças do Império;
8. efetuar operações de câmbio para importar metais preciosos, ou impedir a exporta-
ção deles;
9. emitir notas, isto é, bilhetes pagáveis, à vista e ao portador, os quais terão privilé-
gios exclusivos de serem bem recebidos em pagamentos nas repartições públicas.

O artigo 14 autorizava o Banco a ter um cofre de depósitos voluntários para títu-


los de crédito, pedras preciosas, moedas, joias e ouro em barra, recebendo um prêmio
na proporção do valor dos objetos depositados, que seria estimado pela parte do acordo
com a direção do Banco.
Os artigos 16 e 19 refletiam a intenção de regular a autorização concedida ao
novo Banco do Brasil para emitir notas ou bilhetes, para evitar repetição dos abusos
cometidos anteriormente, através das seguintes regras:
1. a emissão do Banco não podia ser superior ao dobro do fundo disponível, isto é,
dos valores que o Banco tivesse efetivamente em caixa, representados por moedas

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correntes ou barras de ouro de 20 quilates, avaliados pelo preço legal, excetuado


o dinheiro recebido a prêmio ou em contas correntes, que era excluído do fundo
disponível; admitia-se, no entanto, aumento da emissão com soma igual à do papel-
moeda que o Banco tivesse efetivamente resgatado por conta dos 10.000:000$000
que teria que fornecer para esse resgate, não podendo esse aumento exceder em
caso nenhum o triplo do fundo disponível, nem o limite prescrito na regra seguinte;
2. a emissão também não podia exceder a importância dos descontos operacionais
que o Banco podia fazer e dos empréstimos sobre penhores de ouro, de prata e
títulos particulares representando legítimas transações comerciais;
3. se em qualquer tempo se reconhecesse que as duas regras antecedentes não da-
vam garantias eficazes ao pronto pagamento das notas do Banco, poderia o go-
verno, após ouvir a diretoria e consultando o Conselho de Estado, decretar que a
emissão nunca excedesse a soma dos títulos descontados pelo Banco;
4. além dos limites marcados nas regras 1 e 2, o Banco poderia fazer qualquer emissão
adicional, trocando notas por moeda corrente ou ouro em barra do toque de 22 qui-
lates, avaliado pelo preço legal, contando que conservasse em caixa não só o fundo
disponível correspondente àquele limite, mas ainda à moeda ou barras de ouro que
recebesse em troco da emissão adicional.

Estavam ainda contidas nos artigos 21 a 27 dos estatutos medidas destinadas a


proteger e garantir as operações do Banco. Eram, por exemplo, proibidos os descontos
de letras e outros títulos assinados por diretor que estivesse, na semana, como membro
da Comissão de Descontos ou que só tivesse duas firmas de diretores. Nos emprésti-
mos sobre penhor de ouro, prata e diamantes, de apólices da dívida pública, de ações
de companhias acreditadas, de títulos particulares que representassem legítimas tran-
sações comerciais e de mercadorias não sujeitas à correção, depositadas nas alfândegas
ou armazéns alfandegados, o Banco receberia, além do mesmo penhor, letras a prazo
não superior a quatro meses, as quais poderiam ser assinadas unicamente pelo mutuá-
rio notoriamente abonado.
Esses artigos determinavam, ainda, que no caso de penhor de apólices da dí-
vida pública ou ações de companhias, o mutuário deveria transferi-las previamente
ao Banco. Se o penhor consistisse em papéis de crédito negociáveis no comércio, ou
em ouro, prata e outras mercadorias, o Banco exigiria consentimento por escrito do
devedor, autorizando-o a negociar ou alhear o penhor se a dívida não fosse paga no seu
vencimento.
Um fato extraordinário marcou o lançamento à subscrição pública das primeiras
30 mil ações do Banco. Numa afluência espantosa, 3.087 pessoas apresentaram pedidos
de subscrição para 254.305 ações, ou seja, para mais de oito vezes o número oferecido
à subscrição. Diante da dificuldade em fazer um rateio para escolher os subscritores a
serem atendidos, o governo resolveu anular a primeira subscrição e abrir uma segunda,
mediante instruções em que se estipulou restrições e até mesmo a cobrança, aos novos
subscritores, de uma ágio de 10% sobre cada ação, “destinado ao melhoramento das

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calçadas do Rio de Janeiro”. Mas o ágio não conteve o enorme fluxo de pedidos. Quan-
do novamente se abriu a subscrição, no dia 17 de outubro de 1853, em apenas duas
horas os pedidos excediam o limite de 30 mil ações.
No início de 1853, o Ministério presidido por Itaboraí demitiu-se, mas deixou
nomeado o primeiro presidente do Banco, o deputado e conselheiro Lisboa Serra,
mantido pelo novo Ministério, presidido pelo visconde de Paraná. Em novembro, fi-
nalmente, foi eleita a diretoria do Banco – exageradamente composta de 15 diretores,
além do presidente – , que se reuniu pela primeira vez em 5 de dezembro. Sempre a
passos lentos, os preparativos para o Banco funcionar se estenderam por mais quatro
meses. E, somente no dia 10 de abril de 1854, sem qualquer comemoração ou registro
solene, o estabelecimento abriu suas portas.
No fim de maio de 1854, quando o Banco do Brasil ainda não tinha completa-
do dois meses de operação, comentava-se que o seu sucesso já era extraordinário e
especulava-se sobre as suas expectativas de crescimento e lucratividade, consideradas
auspiciosas, o que provocou alta na cotação de suas ações.
Mas o Jornal do Commercio publicou comentários mais realistas em sua edição
de 29 de maio de 1854, ao analisar o primeiro balancete do Banco, concluindo que os
lucros registrados não poderiam manter o mesmo nível.
Prematuramente, a diretoria do Banco instalou caixas filiais nas províncias. Em
sessões realizadas nos meses de setembro e outubro de 1854 decidiu-se que “a caixa
filial do extinto Banco da Província de São Paulo ficasse, na forma dos estatutos, con-
vertida em caixa filial deste Banco”, que se criasse uma agência na cidade de Ouro
Preto, em Minas Gerais, e se estipulassem regras para a conversão da caixa filial do Rio
Grande do Sul.
Alguns bancos aceitaram sua conversão em caixas filiais, como os de Pernambu-
co, Maranhão, Pará e o Banco Comercial da Bahia. Essas caixas não eram propriamente
agências, pois desfrutavam de certa autonomia, inclusive com estatutos e diretoria pró-
prios. O objetivo de sua implantação era suprir as necessidades geradas pela vastidão
territorial do Brasil e as dificuldades de comunicação, mas essas mesmas circunstâncias
impediam que a direção central exercesse o necessário controle e vigilância, para evitar
os abusos e desvios que mais tarde acabariam ocorrendo.
Enquanto isso, o ritmo de emissões crescia e o Tesouro dentro da eterna linha
de insaciabilidade dos governos, apresentava-se para pleitear empréstimos. O Banco
inicialmente resistiu, mas, em novembro de 1854, cedeu emprestando ao Tesouro 500
contos de réis à taxa de 6%. Em 31 de dezembro, foi concedido mais um empréstimo
de 200 contos de réis, ao prêmio de 5%.
Cogitou-se, nessa época, da aquisição de imóvel para sede do Banco. Instalado
em um edifício, que o Banco Comercial construíra na rua da Alfândega, esquina com a
rua da Candelária, o Banco, no entanto, ali continuou por mais de 72 anos, e somente
em 30 de abril de 1926 mudou-se para a rua Primeiro de Março, número 66, onde a
sede permaneceu até a transferência para Brasília. Segundo o historiador Fernando

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Monteiro, ao ser inaugurado, o prédio da rua da Alfândega constituía “belo exemplar


da arquitetura civil da época.” De linhas clássicas, severas, com três pavimentos, foi
projetado por Manuel de Araújo Porto Alegre, barão de Santo Ângelo12.
Em 1855, a diretoria do Banco convenceu-se de que o edifício não comportaria,
por muito mais tempo, todas as necessidades de serviço de suas diversas repartições
e decidiu adquirir, por precaução, três prédios contíguos, dois pelo lado da rua da
Alfândega e outro pelo lado da rua da Candelária. A compra foi justificada com os ar-
gumentos da valorização de preços, dada a localização privilegiada dos imóveis, e da
perspectiva da renda resultante do aluguel, enquanto não fosse necessário ocupá-los.
Segundo Fernando Monteiro, cerca de 20 anos depois ampliou-se o edifício-sede,
incorporando-se esses prédios laterais e dando-lhe a feição que manteve até quando
foi demolido pela Associação Comercial, que ergueu, em substituição, o atual Palácio
de Comércio.
A liquidação dos bancos extintos durou cerca de um ano. Na reunião da dire-
toria, de 9 de abril de 1855, constou a leitura de ofícios das duas comissões liquida-
doras, dando por terminadas as suas funções. Os ofícios registraram que, “na hora da
fusão dos ditos estabelecimentos, as carteiras de ambos tinham em letras descontadas
20.018:575#983 e caucionadas 8.671:909$504.”
No seu primeiro ano de funcionamento o Banco sofreu descontinuidade de di-
reção, pois em janeiro de 1855, seu primeiro presidente, o conselheiro João Duarte
Lisboa Serra, afastou-se por doença, não mais voltando ao cargo. Faleceu, em 16 de
abril seguinte, e foi substituído em caráter efetivo pelo visconde de Itaboraí, que assim
voltava a dirigir o Banco que tomou a iniciativa de fundar. Nessa fase, o Banco fun-
cionou com o pessoal das instituições extintas e, quando precisou de novos servidores
para atender à demanda dos serviços, promoveu seleção através de concurso.
Partidário da pluralidade bancária emissora, Irineu Evangelista de Souza, o
barão de Mauá, manifestou seu descontentamento com a fundação do novo Banco
do Brasil, demitindo-se do cargo de diretor para o qual havia sido eleito. Logo em se-
guida concretizou a sua dissensão criando um novo estabelecimento, sob a forma de
sociedade em comandita por ações — a Casa Mauá, cuja razão social era Banco Mauá,
Mac Gregor & Cia. Sob seu completo controle, a Casa Mauá começou a operar em
1º de agosto de 1854 e chegou a tentar fazer emissões, mas a diretoria do Banco do
Brasil solicitou providências do governo, que proibiu as sociedades em comandita de
dividir o seu capital em ações.
A tendência ao excesso de emissões não tardou a afetar o Banco do Brasil, pela
via da pressão de pedidos de créditos, especialmente das pessoas que se endividaram
ao tomar dinheiro emprestado para subscrever ações. Uma simples chamada de capi-
tal não daria muito bom resultado, porque provocaria atendimentos com as notas do
Banco. Inicialmente dentro do limite estatuário, o fluxo das emissões logo se acelerou
e, no fim de 1854, aproximava-se perigosamente do seu teto legal, que era o dobro
do fundo disponível. Em dezembro, já chegou à faixa de risco, pois a emissão subiu
12. Fernando Monteiro, A Velha Rua Direita, 1965, p. 71.

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a 14.564:230$000, enquanto o dobro do fundo disponível, que começou a diminuir,


estava em 15.821:303$514.
Durante o mês de janeiro de 1855 a situação agravou-se, provocando apreensão
na diretoria. Mas o próprio presidente do Banco do Brasil declarou que “não havia
motivo para receio, nem para se tomar qualquer providência extraordinária, pois que,
ainda dado o caso de alguma diminuição do fundo disponível, conhecida era a causa
dela, a qual, não sendo por depreciação, era uma circunstância transitória que qualquer
dia desapareceria pela marcha natural das coisas.”Entretanto, a retirada de moeda do
Banco prosseguiu durante os meses de fevereiro e março até chegar a 700 contos de
réis, baixando, assim, o fundo disponível, enquanto o volume de emissão acabou rom-
pendo o limite estatuário. Em março, esse limite era de 14.767:991$576, enquanto a
emissão se mantinha em 15.112:110$000.
Alegando a necessidade de regular esse processo, o presidente do Banco apelou
ao ministro da Fazenda, através de ofício em que se reportava às repetidas exigências
de emissão de metal para o Norte do país. O governo, atendendo à solicitação, assinou,
em 2 de abril, o decreto nº 10581, que autorizava elevar a emissão até o triplo do fundo
disponível, por espaço de um ano, mas lhe reservou o direito de cassar esta concessão
quando lhe aprouvesse. O processo de emissão manteve-se comedido entre os meses
de julho a dezembro de 1855 mas, em fevereiro de 1856, a pedido do Banco, o governo
novamente o autorizou a emitir até o triplo do seu fundo, já que a concessão anterior
havia perdido o prazo de validade.
Esse aumento da emissão, se considerado isolado do movimento global da ex-
pansão do meio circulante em todo o país, poderia dar a impressão de um excesso que,
em verdade, não chegou a ocorrer. É que o meio circulante nacional, que englobava o
conjunto de todas as emissões, não só do Estado, como dos bancos, que estava, de 1853
a 1854, no total de 62.223:505$000, subira de 1854 a 1855 para 67.755:675$000, o que
representou uma expansão de pouco menos de 9%13.
Pode-se considerar que o fluxo emissor do Banco do Brasil não foi tão excessivo,
especialmente porque se implantou à base de um princípio de unidade de emissão e
porque em parte, podia estar preenchendo atrasos ocorridos no início de seu movimento
operacional ou necessidades anteriormente acumuladas. É preciso levar em conta que,
a partir daí, o Banco desacelerou o processo emissionista. No período de um ano, por
exemplo — abril de 1855 a abril de 1856 —, subindo para 21.665:120$000, a emissão
cresceu com menor velocidade, não chegando a 40%.
O Banco sofreu muitas críticas nesse período. A seção do Conselho de Estado
deu parecer onde declarou que uma das causas da pressão do momento consistia na
“grande massa de transações, fruto de jogatina, sobre as ações do Banco do Brasil, a
liquidar-se em abril”. Mas a diretoria do Banco, no relatório aos acionistas apresentado
em 1855, dizia que, desde 15 de junho, foi restabelecida a relação normal dos estatutos,
“estando, desde então, a emissão em circulação aquém do duplo do fundo disponível,
com probabilidade de que nessa situação se conservará, a menos que sobrevenham
acontecimentos extraordinários”.
13. J. Pandiá Calógeras, A Política Monetária do Brasil, 1960, p. 105.

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A maior dificuldade com que o Banco do Brasil se defrontou nos primeiros


anos de suas atividades foi o constante vazamento de seu fundo disponível, causado
principalmente pela remessa de reservas para as províncias do Norte. Essas retiradas
eram justificadas pela necessidade de pagamentos de escravos vendidos e de aplica-
ções nas safras. De acordo com o relatório do Banco aos acionistas, relativo ao ano de
1857, por causa dessas retiradas foi necessário continuar importando ouro dos merca-
dos estrangeiros e comprando no mercado interno. Nesse ano, registrou o relatório,
o ouro comprado na Inglaterra totalizou 9.386:111$204 e, na praça do Rio de Janeiro,
761:717#700, mas, adicionadas outras verbas, o fundo disponível, que deveria ter-se
elevado a 22.119:338$271, atingiu somente 13.125:679$057.
Esse quadro motivou o barão de Mauá a apresentar na Câmara dos Deputados um
pedido de informações, exigindo que o Banco esclarecesse sobre o montante da emis-
são e do fundo disponível, na matriz e nas filiais, e sobre o movimento de fundos entre
si, além de outros itens. Esse requerimento levantou a discussão sobre a condição do
Banco — se era público ou particular — , e se tinha obrigação de informar a respeito de
suas transações. O próprio Banco prestou os esclarecimentos, mas ressaltou que, apesar
de suas ligações com o governo, era considerado estabelecimento privado e por isso nem
sempre devia prestar informações que expusesse o segredo das suas transações.
A situação do Banco no decorrer do ano de 1857 era, assim, de debilidade, resul-
tante do constante escoamento do seu fundo disponível e da dificuldade de recuperá-
lo, reforçada pela oposição de grupos que tinham voz no Parlamento.
Além disso, não estava devidamente preparado para enfrentar a depressão fi-
nanceira internacional que repercutiu no país a partir de 1857. Em meados desse ano
ocorreu mudança na presidência do Banco, com a substituição do Visconde de Itaboraí
pelo conselheiro Dias de Carvalho.
Logo em seguida, em agosto, ao dar execução à lei nº 906, o Banco contratou com
o Ministério da Fazenda o recebimento, em depósito, das somas disponíveis existen-
tes no Tesouro e nas tesourarias da Fazenda. Na certeza de que ia, assim, receber um
reforço de recursos, a diretoria do Banco preparou-se antecipadamente para aplicá-lo,
resolvendo baixar a taxa de descontos. Consequentemente, ampliaram-se as aplica-
ções, o que foi prejudicial na crise que se aproximava. De setembro a novembro, meses
que precederam a eclosão da crise, a rotina do Banco transcorreu normalmente, sem
transparecer prenúncios das dificuldades que em breve se desencadeariam.
Subitamente, na reunião de 27 de novembro de 1857, ao avaliar as notícias vin-
das da Europa e o estado do fundo disponível do Banco, a diretoria resolveu suspender
certos empréstimos, elevar as taxas dos empréstimos sobre títulos comerciais a 9% e
suspender o troco dos bilhetes do Banco por ouro amoedado. Logo depois chegaram
da Europa notícias de baixa do câmbio e de suspensão de compras de café. A diretoria,
em seguida, obteve do governo confirmação de que daria a garantia prevista na lei de
criação do Banco, para um empréstimo equivalente aos três mil contos de réis de notas
resgatadas e solicitou consentimento para elevar a emissão ao quádruplo durante a cri-
se e realizar saques sobre Londres, a fim de impedir a queda do câmbio.

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Em 12 de dezembro, o Banco decidiu não realizar operações novas e limitar-se


apenas às reformas. No dia 16, tomou conhecimento de ofício do ministro da Fazenda
dizendo que o Banco podia contar, como reserva, com o novo depósito de mil contos
de réis, que lhe seria entregue logo que o pedisse. Ainda em dezembro, foi aprovada a
elevação, para 11%, das taxas dos descontos. Com muitos reflexos na praça do Rio de
Janeiro, a crise, no entanto, teve efeitos atenuados sobre as províncias, pois todas as
providências de proteção só se referiram à capital do Império.
Em 11 de janeiro de 1858, a diretoria recebeu ofício do ministro da Fazenda comu-
nicando que, “tendo-se preferido saques sobre Londres como meio de coadjuvar o comér-
cio desta praça, uma vez que se sustentasse o fundo disponível com uma quantia suficiente
em notas do governo para não contrair-se a emissão, ordenou à Caixa de Amortização forne-
cer ao Banco a quantia de mil contos de réis para ser empregada na substituição das notas
amarelas de 20$000. Maiores quantias seriam fornecidas quando necessárias e requisitadas
pelo Banco. Com os saques procurava-se impedir a baixa do câmbio”.
Mas, logo depois, alegando que o Banco não agia prontamente ao fazer os saques
e que não tinha fundos em Londres, o governo preferiu sacar através da Casa Mauá, que
teria maior presteza de ação e dispunha de fundos no exterior. Mais adiante , no entanto,
revelou-se que esta Casa possuía apenas insignificantes parcelas de fundos em Londres
e que, se teve presteza em sacar, o fez com recursos fornecidos pelo governo.
O relatório apresentado aos acionistas pelo presidente do Banco do Brasil, em
julho de 1858, registrou a eclosão da crise e os esforços do estabelecimento para en-
frentá-la, frisando que ela havia começado nos Estados Unidos e depois ramificou-se
para as praças de Londres e Hamburgo. Como o Rio de Janeiro estava intimamente
relacionado com as duas praças europeias, a crise produziu “fortes abalos no comércio
de importação e exportação”, colocando o primeiro “ na posição crítica de avultadas
remessas” e o segundo “na impossibilidade de fazer transações convenientes nos seus
mercados consumidores”. A consequência foi o estremecimento do câmbio, termôme-
tro daquelas operações.
Revelou ainda o relatório descrevendo a difícil posição do Banco e os seus esfor-
ços de reação:

“O Banco do Brasil, sendo na praça o único reservatório de capital monetário para


a satisfação do comércio exterior, deveria ser o primeiro a sofrer os resultados
daqueles acontecimentos. O seu fundo disponível foi seriamente ameaçado, pois,
de fato dentro de dez meses este fundo sofrera o desfalque de 4.714:123$847,
que prometia aumentar rapidamente pelos pagamentos forçados de recâmbios e
pedidos de remessa por parte dos credores nas praças em crise”.

Em outubro de 1859, o governo nomeou comissão de inquérito para investigar


o meio circulante e “as origens e o roteiro da crise comercial”. Somente em 1860, a
comissão apresentou um vasto relatório, de mais de cem páginas, com algumas refe-
rências ao Banco do Brasil:

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“Não se pode deixar de atribuir grande parte da baixa do câmbio que se dera em
1857 e ainda persistia, em 1860, às emissões excessivas de notas do Banco do Bra-
sil; efetivamente, as emissões do Banco, auxiliando o espírito de empresa e de es-
peculação, foram além do que comportavam as condições em que nos achávamos;
a inconversibilidade dos bilhetes do Banco do Brasil era infringente do intento da
lei de 1853, ainda mais quando decidida por um simples ato de gestão ordinária do
estabelecimento, requerendo providências no sentido de se definirem terminan-
tes disposições para que de uma medida desta, tomada fora das condições e da lei
comercial, apenas se lançasse mão em caso extremo de salvação do Estado.”

Na verdade, essa crise representou, para o Banco do Brasil, uma das travessias
mais difíceis de sua história. A influência governamental e a pressão dos interesses pri-
vados sobre o Banco concorreram para que se tomassem medidas artificiais e precárias
de sustentação de câmbio, sem uma previsão de recursos e de apoio suficientes, ou
para o qual nem mesmo existisse, naquele tempo, todo o indispensável potencial eco-
nômico. Consequentemente, essas medidas trouxeram apenas correções efêmeras para
os malefícios da crise que, por sua própria natureza e contingência, eram passageiros e
de limitada gravidade.

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37
Capítulo 3
Foto: Acervo Arquivo Histórico do Banco do Brasil
A reforma bancária

Rua Direita. Litografia de P. Bertichen (1856).

O prédio da segunda praça do Comércio, na rua Direita, com dois pavimentos, tinha na frente o peristilo
saliente com oito colunas dóricas, que sustentavam uma varanda ou terraço orlado de grades de ferro
presas a pilares. Uma gradaria de ferro, entre as colunas, fechava o vestíbulo, cujo pavimento era de
mosaico de mármore. No segundo pavimento funcionou o Tribunal do Comércio, instalado em janeiro
de 1851, local onde também, no mesmo ano, foram realizadas as reuniões preliminares da instalação
do Banco do Brasil, do grupo Mauá. Em 1864, foi a praça do Comércio ligada à Fortaleza de Santa
Cruz, pelo telégrafo elétrico, para melhor recepção dos avisos marítimos, de interesse dos comerciantes. À
esquerda, vê-se a Casa dos Contos. A área ocupada por esta e pela praça do Comércio, corresponde à que
posteriormente ocupam o Banco do Brasil e o Correio Geral.
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Em 4 de maio de 1857, ao cair o Ministério de Conciliação que assumira em 6


de setembro de 1853 sob a presidência do visconde de Paraná, instalou-se no poder o
Ministério, também denominado de Conciliação, presidido pelo marquês de Olinda.
Assumiu como ministro da Fazenda, Bernardo de Sousa Franco, autor do livro Os Ban-
cos do Brasil, editado em 1848. Nesta obra, lançada nove anos antes de sua ascensão ao
poder, o novo titular da pasta da Fazenda deixou claras suas convicções a respeito da
organização bancária, apontando para a necessidade de implantação da pluralidade de
bancos emissores.
Argumentava Sousa Franco que era profundamente sentida por todo o Império
a necessidade de se estabelecerem novos bancos e que “tão forte convicção se vai for-
mando de suas vantagens em favor da indústria nacional”:

“O que não está suficientemente compreendido nem ainda pelas direções dos atu-
ais bancos, aliás compostas de pessoas habilitadas, é que a organização bancária se
liga tão estreitamente ao sistema monetário, que exige a maior conformidade de
vista. Sem emissões de papéis de crédito dificilmente se podem sustentar os bancos
e é muito fraco o auxílio que prestam à indústria: com a emissão, é preciso marcar-
lhe regras que a contenham nos justos limites e a conciliem com igual direito que
entre nós exerce o Tesouro na emissão de suas notas circulares. Entre nós, portanto,
ainda estão tão ligadas as questões de reforma do meio circulante e da organização
dos bancos, que indispensável é tratá-las juntas e combiná-las em um só plano”14.

A praça do Rio de Janeiro, argumentava Sousa Franco, era pródiga em capitais


desempregados, mais por falta de indústria e novos investimentos, que por limitação
no campo da produção, vastíssimo, mas ainda inexplorado. Assim, a implantação de
novos bancos que facilitassem o uso dos capitais por prazos mais longos e opções de
garantia teria a dupla vantagem de melhor atender aos interesses dos depositantes de
fundos e de impulsionar o crescimento da produção, tão limitado no Império.
Sousa Franco sugeriu também a criação de bancos em todas as províncias que
pudessem sustentar-se. Mas, ao assumir a pasta da Fazenda, apesar das reivindicações
da imprensa e das associações de classe para que fundasse mais bancos, mostrou-se
hesitante. A princípio, tentou que o Parlamento aprovasse lei autorizando o Tesouro
a depositar seus fundos disponíveis no Branco do Brasil. Depois, levantou a questão
sobre se a implantação de bancos dependia ou não de um novo ato do Legislativo, já
que a criação do Banco do Brasil se fizera por lei.
Apesar das críticas e acusações de inconstitucionalidade, Sousa Franco optou
por criar novos bancos de emissão através de simples decretos executivos. Assim, a seu
critério, aprovou a criação dos seguintes estabelecimentos emissores: Banco Comercial
e Agrícola, por decreto de 31 de agosto de 1857; Banco da Província do Rio Grande do
Sul, por decreto de 24 de outubro de 1857; Banco da Província de Pernambuco, por
decreto de 4 de novembro de 1857; Banco da Província do Maranhão, por decreto de 25

14. Bernardo de Sousa Franco, Os Bancos do Brasil, 1848, p. 49, 85, 86 e 87.

40
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de novembro de 1857; Banco Rural e Hipotecário, que já existia como de Descontos,


por decreto de 3 de abril de 1858. Quatro dessas autorizações foram dadas às vésperas
da crise de 1857, e as duas últimas quando os efeitos da crise já se abrandavam.
A reforma bancária executada por Sousa Franco foi limitada e imperfeita. Con-
tribuíram para esse medíocre resultado, além das hesitações iniciais do ministro, a vi-
gorosa oposição que a reforma sofreu no Parlamento e nos círculos financeiros e a in-
terferência da crise, que no Brasil eclodiu no final de 1857, provocando graves efeitos
durante quase todo o ano de 1858. Outro fator importante foi a posição do imperador
que, conforme Joaquim Nabuco revela, “era contrário às ideias financeiras de Sou-
sa Franco, divergia da política financeira do gabinete e até preferia ver encerrada a
fase das emissões discricionárias e continuando o ascendente do espírito moderado ou
conciliador”15.
Com a fundação dos seis novos bancos emissores, o Banco do Brasil perdia a sua
maior vantagem, que era a da exclusividade do seu poder de emissão. Continuando
obrigado ao recolhimento do papel que fazia funções de numerário e a manter na presi-
dência pessoas nomeadas pelo governo, conservava apenas o privilégio de recebimento
dos seus bilhetes nas estações públicas. Os novos bancos de emissões, enquanto isso,
não sofriam nenhum controle direto do Executivo. Implantada de forma inadequada, a
reforma não teve condições de durabilidade.
Destituído de seus privilégios, o Banco do Brasil entrou no processo comum de
competição com os outros bancos, mas conservou o prestígio, a capacidade monetária
e o patrimônio, realmente vantajoso, que adquirira nos anos em que funcionou com os
benefícios da sua posição monopolística.
Segundo assinalou mais tarde Sales Torres-Homem, sucessor de Sousa Franco
na pasta da Fazenda, o Banco do Brasil perdeu também o poder de sustentar o valor
do meio circulante, reduzindo a circulação de seus próprios bilhetes, quando isso fosse
necessário. Esse poder, para ser eficazmente exercido, pressupunha, como cláusula
indispensável, o privilégio da emissão, pois de outra maneira tudo o que o Banco fi-
zesse no sentido de alçar o valor da moeda pela redução da quantidade das notas seria
completamente anulado pelo procedimento em sentido inverso dos bancos indepen-
dentes. Quando ela se contraísse, os outros se expandiriam: o vazio deixado pela re-
tirada do seu papel seria preenchido pelos outros. Nenhum fio diretor ligava, pois, as
emissões dos diversos bancos; o governo não poderia controlar a circulação e o Banco
do Brasil também não16.
A 12 de dezembro de 1858, demitiu-se o Ministério presidido por Olinda e do
qual Sousa Franco fazia parte como ministro da Fazenda. O novo gabinete, trazendo
o visconde de Abaeté como presidente do Conselho e Sales Torres-Homem como
ministro da Fazenda, assumiu em 12 de dezembro de 1858, mas não completou um
ano no poder, afastando-se, em 10 de agosto de 1859. Contrário à multiplicidade dos
bancos emissores, Saltes Torres-Homem apresentou o seu programa em relatório à As-
15. Joaquim Nabuco, Um Estadista do Império, 2ª Edição, 1927, tomo II, p. 28 e 29.
16. Relatório do Ministério da Fazenda, de 7 de maio de 1859.

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sembleia Legislativa, em 7 de maio de 1859. Mas, com isso, expôs-se aos ataques dos
seus adversários, divulgados abundantemente pela imprensa. Assim, quando o apre-
sentou à Câmara dos Deputados, em 15 de julho de 1859, a oposição já estava cerrada
contra o programa.
A proposta de Torres-Homem obrigava o Banco do Brasil, suas caixas filiais,
criadas através da lei de 1853 e todos os bancos de circulação autorizados por decreto
do Poder Executivo, a “realizar suas notas em ouro à vontade do portador”. Pruden-
temente, projetava a entrada em vigor dessa obrigação para três anos depois, apenas
forçando a emissão dos bancos, enquanto suas notas não se tornassem conversíveis em
ouro, à vontade do portador, ao máximo do que a cada um tivesse emitido nos meses
de fevereiro, março, abril e maio precedentes.
Os bancos que tivessem excedido este último limite ficariam obrigados a reduzir
a emissão no período de cinco meses, sob pena de perderem a faculdade de emitir
notas à vista e ao portador e de não poderem continuar a funcionar por mais de um ano
como bancos de depósitos e de descontos, sem nova autorização do governo. Logo se
estipulava que a essa limitação ficavam sujeitos os bancos que não realizassem suas
notas em ouro nos termos da primeira obrigação exposta. O projeto previa, também,
a nomeação, pelo governo, de um fiscal para cada banco, remunerado por este, com
atribuições de vigiar as operações do estabelecimento e fazer cumprir religiosamente
as disposições dos estatutos e da lei em que o projeto se convertesse.
De acordo com o projeto, o Banco do Brasil, enquanto sua emissão estivesse
limitada, ficaria liberado da obrigação de resgatar anualmente 2.000:000$000 do papel
do governo, imposta pela lei de 5 de julho de 1853. Também era dada permissão às cai-
xas matriz e filiais do Banco do Brasil para receberem pagamentos em notas dos outros
bancos de emissão, criados no lugar em que cada uma dessas caixas funcionasse.
Finalmente, o projeto dava força de lei às anteriores arguições de inconstitucio-
nalidade da reforma de Sousa Franco, por dispositivo assim proposto:

“Só ao Poder Legislativo compete conceder autorização para se incorporarem no-


vos bancos de emissão ou prorrogarem os prazos dos que já existem, enquanto por
lei não forem marcadas as regras gerais a que o Poder Executivo deverá cingir-se
no exercício dessa mesma faculdade”.

Embora aprovado com parecer da maioria da Comissão, o projeto sofreu dura


oposição. Na votação decisiva, a Câmara o aprovou por pequena maioria. Assim, o Ga-
binete alcançou uma vitória mais numérica do que efetiva, com um sabor de derrota.
Se o governo contava com a maioria da Câmara para sua proposição, era evidente que
não dispunha de apoio sólido no círculo de atividades econômicas. Estava formada, no
país, uma nova classe de empresários e investidores, que já alcançava peso, acumulava
influências sobre a classe política e que, segundo todos os indícios e pronunciamentos,
estava em decisiva maioria contra o governo.

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Tudo indicava que o governo havia gastado força preciosa na difícil batalha que
tivera de travar na Câmara para fazer aprovar seu projeto de controle dos bancos emis-
sores. O dispêndio de força o teria exaurido ainda apenas na metade da luta. O projeto
aportou ao Senado, onde a batalha certamente recomeçaria, sem que o Gabinete tives-
se meios de se fortalecer, e tudo isso foi, sem dúvida, uma das causas mais importantes
da queda do Gabinete.
A questão bancária transformou-se em uma devoradora de governos. Primei-
ramente caiu o Ministério em que Sousa Franco atuava como ministro da Fazenda,
dedicando-se a destruir o trabalho iniciado por Itaboraí no sentido de constituir um
só grande banco de emissão, depósitos e descontos. Depois veio o Ministério presidi-
do por Abaeté, tendo Sales Torres-Homem como ministro da Fazenda, acionando a
contrarreforma, mas, desestabilizando-se e ruindo sob o impacto da poderosa corrente
de oposição que se levantou contra o seu programa. As opiniões dividiam-se em dois
grandes grupos, um defendendo a multiplicidade bancária e outro a favor da restaura-
ção da unidade.
O Banco do Brasil estava no centro dessa questão, era o foco principal de todos
os debates, o alvo de ataques e defesas. Além disto, sua posição era de constante em-
baraço, não só porque nem sempre coibia excessos emissionistas, como porque não
conseguia sustentar, de algum modo por um vício de origem, a suficiência do seu fundo
disponível, considerado lastro indeclinável de suas emissões.
O novo governo, cujo Gabinete era chefiado pelo senador Ângelo Muniz da Silva
Ferraz, assumiu em agosto de 1859, mantendo atitude de cautela em relação à questão
bancária. É o que denota o discurso, que pode ser considerado de estreia da investidura
governamental, pronunciado pelo presidente do Conselho, perante o Senado, na ses-
são de 11 de agosto de 1859. Depois de tratar do programa do seu governo em linhas
gerais, passando à margem de definições programáticas, aterrou na questão bancária
com precaução:

“A nossa situação financeira não é lisonjeira, nem será decerto enquanto diferen-
tes causas que são geralmente conhecidas atuarem para o desequilíbrio entre a
receita e a despesa do Estado. (...) A mais rigorosa e estrita economia é, portanto,
uma lei de necessidade para nós e para vós (...). No nosso sistema econômico se
têm suscitado grandes questões que requerem um exame sério e profundo estudo.
Ocuparemos sobre elas a atenção da Câmara Legislativa em tempo oportuno”.

Provocado, por um deputado, para que se definisse, o presidente do Conselho


saiu-se com a mesma cautela. Mas citou exemplos de abusos, como o da circulação de
moedas estrangeiras de diferentes países, o da emissão, pelo comércio, de vales de pe-
quenas quantias, inclusive no Maranhão e no Ceará, e o do lançamento em circulação,
por particulares e em diferentes províncias, de vales ou bilhetes ao portador.
Mas Ferraz era um homem decidido e começou a agir através do decreto nº.
2.457, de 5 de setembro de 1859, com o qual colocou os estabelecimentos bancários

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sob um regime de rigoroso controle governamental. A nova lei os obrigava a remeter


“no primeiro dia de cada semana, na Corte, à Secretaria dos Negócios da Fazenda e,
nas províncias, aos respectivos presidentes, demonstração das operações realizadas na
semana anterior, com minuciosa especificação do seu ativo, do estado de seu capital e
de sua reserva, do estado do seu fundo disponível e de sua composição, do movimento
de sua emissão e do movimento das contas correntes, depósitos, quantias recebidas por
empréstimos e quaisquer operações especiais”.
Assim, todos ficariam sob um rigoroso regime de transparência em suas opera-
ções, o que não deixava de ser um ato de unificação. No dia 30 do mesmo mês, Ferraz
acionou novas medidas, baixando um regulamento sobre os selos dos bilhetes e notas
promissórias, que atingia os bancos que não vinham pagando o selo proporcional. Esse
regulamento continha preceitos eficazes de controle e repressão às infrações. Provo-
cou, por isso, reações, chegando a levantar contra o governo as praças do Rio de Janeiro
e da Bahia, onde ocorreram, inclusive, demonstrações de hostilidade contra a presença
do imperador em Salvador, com a colocação, à sua passagem, de colchas pretas às ja-
nelas, além de outras demonstrações contra Ferraz na Cidade Baixa, que se refletiram
sobre as festas imperiais, segundo relatou Joaquim Nabuco17.
Referiu-se, também, especialmente ao Banco do Brasil:

“O Banco do Brasil, no Estado em que o colocou a facilidade com que até certa
época desenvolveu suas operações, sem atender à sua índole, natureza e fim, e
à necessidade, que depois lhe sobreveio de contraí-las, se viu quase reduzido a
operações de reformar títulos de seus devedores, sem poder auxiliar o comércio
nas próprias operações de efeitos essencialmente comerciais. É de se esperar que
a marcha cautelosa, que ora parece seguir, o habilite a conquistar a posição normal,
que lhe foi marcada pelos seus estatutos”.

Passo a passo, mas decididamente, Ferraz voltou a agir, em 10 de outubro de


1859, quando nomeou, como prometera, a comissão encarregada expressamente “de
proceder a um inquérito sobre vários pontos em relação ao meio circulante”. Em 30
de abril de 1860, a comissão apresentou relatório, com duas conclusões importantes:
houve excesso de emissões bancárias, transtornando a regularidade do volume da cir-
culação fiduciária e gerando especulação para além do que comportavam as condições
vigentes; seria necessária providência contra a inconversibilidade dos bilhetes do Ban-
co do Brasil, estabelecida por simples ato de gestão ordinária do estabelecimento, in-
fringindo a lei de 1853, fora das condições e da aplicação da lei comercial, embora fosse
uma medida de que só se devia lançar mão em caso extremo de salvação do Estado.
No seu relatório à Assembleia Legislativa, datado de 8 de maio de 1860, Ferraz
abordou profundamente a questão econômica, tanto do ponto de vista jurídico da regu-
lação legal das companhias e sociedades anônimas, como sob o aspecto financeiro dos
bancos e do meio circulante. E destacou o princípio de que a fundação ou incorporação
17. Joaquim Nabuco, Um Estadista do Império, 2ª edição, 1927, p. 55 e 56.

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de uma companhia, corporação ou, como modernamente se denominou, sociedade anô-


nima, não poderia ocorrer sem autorização e aprovação de seus estatutos, pelo governo.
Também exigiu providências legislativas de correção de sociedades que funcionaram
sem autorização, de outras que tiveram autorização mas extravasaram e daquelas que,
não tendo obtido aprovação para seus estatutos, funcionaram irregularmente.
Recapitulou diversas medidas que o Banco do Brasil solicitou ao governo, nos
anos de 1859 e 1860, como garantia para o empréstimo externo e faculdades para exce-
der o limite da sua emissão. Desferiu, ainda, impiedoso ataque aos demais bancos, por
várias irregularidades cometidas, como por exemplo: transações baseadas na falta de
pagamento de títulos; grande parte ou mesmo a totalidade dos devedores dos diversos
bancos do mesmo lugar tinham, em geral, nos respectivos cadastros, créditos muito
superiores aos seus haveres; o amor ao lucro obscurecia a razão dos seus gerentes; am-
pliavam a circulação de seus bilhetes enquanto o Banco do Brasil a reduzia.
O projeto de Torres-Homem, aprovado por apertada maioria da Câmara dos De-
putados, chegou ao Senado no momento em que ele deixava o Ministério da Fazenda.
Habilidosamente, Ferraz iniciou a sua ação sobre a questão bancária através da apre-
sentação de emendas a esse projeto, as quais, longas e minuciosas, eram um verdadeiro
projeto substitutivo, bem diferente, pela extensão e pela variedade dos assuntos, do
trabalho sintético e simples de Torres-Homem.
Entre as emendas, destacaram-se as seguintes propostas: organização e regime
das companhias e sociedade anônimas, civis e mercantis; necessidade de autorização
legislativa para a criação e organização ou incorporação, não só de bancos de circulação,
como de companhias de construção de estradas de ferro e canis de navegação; proibi-
ção a qualquer companhia ou sociedade anônima de emitir título, cautela, promessa ou
declaração, enquanto a sua constituição não estivesse autorizada pelo governo; fiscali-
zação permanente de todos os bancos; permissão ao Banco do Brasil para receber em
pagamento notas dos outros bancos de circulação; regulação de dividendos e fundos de
garantia dos bancos.
Propunha-se, ainda, a proibição da emissão bancária de quaisquer títulos de
quantia inferior a 40$000; resgate, pelo governo, do papel-moeda; regras de administra-
ção e funcionamento de caixas econômicas, montepios, sociedades de socorros mútuo
e casas de empréstimos sobre penhores; regulação das transações e transferências de
ações de companhias e sociedades anônimas, de títulos de dívida pública e quaisquer
outros suscetíveis de cotação; autorização ao governo para fazer as despesas necessárias
para a substituição da moeda de cobre; cunhagem de prata por particulares; e conces-
são de apólices da dívida pública a acionistas das estradas de ferro que gozassem de
garantia de juros.
Essas emendas entraram logo em segunda discussão no Senado, que foi longa
e agitada, com extraordinária atenção do plenário e do público que enchia as galerias,
tal como acontecera com as anteriores apreciações da questão bancária, especialmente
quando foi discutido o projeto Torres-Homem. Concorria agora, em parte, para o in-
teresse geral, a repercussão das medidas adotadas por Ferraz, que decepcionavam os

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partidários da solução de pluralidade de bancos emissores. Durante o debate, sobres-


saiu um longo discurso do senador Dias de Carvalho, membro da diretoria do Banco do
Brasil, que tomou a defesa do estabelecimento. Também se destacou Sousa Franco,
que combateu o projeto, sob a alegação de que teria “o efeito de acabar com a criação
de bancos de emissão e tornar impossível ou muito difícil a continuação dos existentes,
levando ao restabelecimento do monopólio bancário”.
Finalmente aprovado no Senado, o projeto voltou à Câmara, onde foi tranquila-
mente discutido e aprovado nas três sessões de 6, 7 e 8 de agosto de 1860. Por último,
foi promulgado como lei nº 1.083, de 22 de agosto de 1860. Louvada por uns, como
medida salvadora, condenada por outros, como obstáculo ao crédito e ao próprio pro-
gresso econômico, essa lei representava, na verdade, uma cautelosa reação, meramente
transacional, à proposta de pluralidade de fontes emissoras da reforma bancária em-
preendida por Sousa Franco. Um dos seus defensores foi Calógeras, enquanto Amaro
Cavalcanti foi um dos seus mais duros críticos.
Entre os seus dispositivos, os mais importantes eram os seguintes:

“Art. 1º - Nenhum dos bancos criados por decretos do Poder Executivo poderá
emitir, sob a forma de notas ou bilhetes ao portador, quantia superior ao termo
médio de sua emissão operada no decurso do primeiro semestre do corrente ano,
enquanto não estiver habilitado para realizar em ouro o pagamento de suas notas;
exceto se, além do fundo disponível ou de garantia e das outras condições estabe-
lecidas nos respectivos estatutos, tiver em caixa parte de seu capital equivalente
ao excesso do dito termo médio de emissão, e for esta parte representada por
moeda de ouro ou barras do mesmo metal do toque de 22 quilates, ou por barras
de prata de 11 dinheiros na relação fixada pelo art. 3º do decreto nº 1.721 de 5 de
fevereiro de 1856, contanto que o valor destas não exceda a quarta parte do da
moeda e barras de ouro.
Enquanto o Banco do Brasil não puder realizar também em ouro o pagamento
das respectivas notas, só poderá o governo conceder-lhe a faculdade de elevar a
emissão além do duplo do fundo disponível, nos termos do art. 1º § 7º da lei nº
683 de 5 de julho de 1853, e do art. 18 dos estatutos do mesmo Banco, quando
tal concessão não lhe der o direto de emitir quantia superior ao termo médio da
emissão por trimestre desde a sua instalação até o que se tiver completado em
março do corrente ano.
§ 1º - Se a emissão atual de qualquer banco exceder os limites fixados no princípio
deste artigo, será ele obrigado a reduzi-la a esses limites, dentro do prazo que o
governo determinar, nunca maior que o de seis meses.
§ 2º - Nenhum dos bancos criados por decretos do Poder Executivo poderá emitir
ou manter na circulação notas, bilhetes, e em geral escritos que contenham pro-
messa ou obrigação de valor recebido em depósito, ou de pagamento ao portador,
de quantia inferior a 50 mil réis na Corte e província do Rio de Janeiro, e a 25 mil
réis nas outras províncias.
Se dentro de seis meses, contados da publicação desta lei, o Banco do Brasil não se

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achar habilitado para realizar suas notas em ouro, não poderá daí em diante conser-
var na circulação mais de 25% da sua emissão total, representados pelos referidos
bilhetes de quantia inferior a 50 mil réis na Corte, e 25 mil réis nas províncias.
(.........................................................................................)
§ 5º - Será considerado falido o banco de circulação que não satisfizer à vista e em
moeda corrente, ou, verificadas as hipóteses do pagamento previstas pelo parágra-
fo antecedente, em moeda de ouro, à vontade do portador, a importância de seu
bilhete ou nota apresentada ao troco; e pelo tempo da mora o portador terá direito
ao juro corrente.

Ferraz iniciou de imediato a execução da lei de reforma bancária que fizera apro-
var, expedindo todos os atos governamentais necessários, entre os quais sete decretos
executivos, em rápida sucessão. Foi assim, intensa a sua atividade no trato da questão
bancária, desde a apresentação das suas emendas até a expedição imediata desses de-
cretos que, todavia, foram insuficientes. Foram necessárias novas medidas para com-
plementar os dispositivos legais e regulamentares.
Um exemplo foi o ofício que o Banco do Brasil encaminhou ao ministro da Fa-
zenda, em 22 de fevereiro de 1861, no qual explicava que somente a sua caixa matriz
estava habilitada a realizar em ouro o pagamento de suas notas, e por isso a diretoria
considerava inconveniente a abertura do troco unicamente no Rio de Janeiro, pois a
praça iria se ressentir com uma rápida e brusca mudança, que causaria a elevação exis-
tente. Assim, dizia o ofício, resolvera a diretoria do Banco não abrir o troco e solicitar ao
governo a expedição de ordens a respeito.
Ao responder, no dia 13 do mês seguinte, o ministro Ferraz ponderou que a
última parte do parágrafo 2º do artigo 1º da lei 1.083 determinava claramente que, se
dentro de seis meses o Banco do Brasil não se achasse habilitado a realizar as suas notas
em ouro, não poderia, daí em diante, conservar em circulação mais de 25% de sua emis-
são total, representados por bilhetes de quantia inferior a 50$000 na Corte e a 25$000
nas províncias, devendo sua substituição ou resgate ser operado dentro do prazo que o
governo marcasse. Sendo certo que os bilhetes de 25$000 das províncias não eram emi-
tidos pela caixa matriz, mas por suas filiais, nenhuma dúvida havia de que a expressão
Banco do Brasil referia-se a um complexo de todas as suas caixas, e que a diretoria não
cumpriria a disposição citada se abrisse o troco de suas notas por ouro no Rio de Janeiro
e não fizesse o mesmo nas províncias.
Ferraz não completou os atos de execução da lei. Embora se aponte uma causa
eleitoral para a mudança de gabinete, a questão bancária pode ter concorrido para a
queda do ministro, que acumulou descontentamentos da poderosa corrente que de-
fendia a pluralidade emissora. Em 2 de março de 1861, ele se demitiu, formando-se
um novo gabinete sob a presidência do Duque de Caxias, tendo como braço direito, na
pasta da Fazenda, José Maria da Silva Paranhos.
Assim, a execução da lei de 1860 ficou sob a responsabilidade de um novo
ministro da Fazenda, e Ferraz, nas sessões legislativas de 1861, alegou infidelidade

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à sua interpretação. Nas discussões a respeito merecem destaque as considerações


de Itaboraí:

“A lei de 22 de agosto fundava-se em duas disposições principais: marcava um


máximo, além do qual não podia ir a emissão dos bancos criados por decretos do
governo, deixando, todavia, ao Banco do Brasil, a faculdade de conservar a emis-
são que lhe permitiam seus estatutos; prescrevia mais que, no fim de um ano, os
bancos que ainda não tivessem restabelecido o valor das suas notas fossem obri-
gados a restringir a emissão que então tivessem, na razão de 3% no primeiro ano,
e de 6% em cada um dos seguintes. Eis as duas únicas disposições que se dizem
inaplicáveis ou de impossível execução. Quanto à primeira, é fora de dúvida que
não só ela tinha sido já executada de acordo com a lei, mas mesmo que alguns
bancos haviam restringido suas emissões além do que a lei exigira; e ninguém
dirá, portanto, com verdade, que foi ela quem os constrangeu a encurtarem os
seus descontos e a não darem maiores recursos ao comércio.
Se procederam assim, foi porque as circunstâncias do comércio e as do país, a
convicção de que não deviam descontar firmas que não lhes garantissem o de-
vido pagamento, e os inúmeros casos e fatos que lhes tinham provado quanto
haviam sido imprudentes a esse respeito, os determinaram a obrar com mais
circunspecção e cautela. Nem por isso quero negar o devido louvor aos bancos
que procederam desse modo: consultaram seus verdadeiros interesses e os dos
país; e sujeitaram-se às regras de semelhantes instituições; mas o que é de fato é
que a lei foi nesta parte executada sem nenhuma dificuldade, e a emissão mais
restringida do que ela exigia.
A outra disposição fundamental da lei de 22 de agosto é, como já disse, que se,
findo o prazo de um ano, os bancos não estivessem habilitados para restabelecer o
valor de suas notas, reduziriam, no primeiro ano, 3% da soma que tivessem a esse
tempo em circulação. Ora, poder-se-á, com efeito, acreditar que a redução de 3%
no decurso de um ano inteiro, seria impossível de realizar-se ou mesmo traria difi-
culdades ao comércio e aos próprios bancos? Apelo para os homens práticos; para
os diretores do Banco do Brasil, e para os de quaisquer dos outros bancos. Para que
eles satisfizessem a essa condição, bastaria que exigissem o pagamento anual de
5% ou 6% das letras que estão continuamente reformando”.

Em agosto de 1859, Itaboraí exonerou-se do cargo de presidente do Banco do


Brasil e foi substituído por Cândido Batista de Oliveira. Indícios de dificuldades de
posição do Banco, quanto à emissão e ao fundo disponível, surgiram nas reuniões da
diretoria a partir de setembro de 1859. Na sessão do dia 1º desse mês, foram apresen-
tadas propostas, sob o declarado objetivo de “melhorar as circunstâncias atuais do Ban-
co”, que sugeriam: solicitar ao governo a substituição de uma ou mais classes de suas
notas, para que pudesse satisfazer os seus deveres estatutários e aumentar o seu fundo
disponível; pedir ao governo uma garantia de mais de 3.000:000$000, correspondentes
a valores resgatados e a serem resgatados; exigir-se do correspondente em Londres
a continuação de remessas de metais, à razão de £ 50.000,00 por mês, por conta do

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empréstimo feito e até onde chegasse a soma disponível por parte do Banco; e, final-
mente, pedir autorização para elevar a emissão além do dobro, com certas restrições,
inclusive a de que seria esta uma faculdade de que só faria uso quando circunstâncias
imperiosas o aconselhassem para conservar o equilíbrio entre as suas emissões e o fun-
do disponível.
Em meados de 1860, foram verificadas diversas irregularidades, omissões e erros
nas caixas filiais da Bahia e de Pernambuco. A diretoria, entre outras medidas, resol-
veu que a direção dessas dependências devia ser mais concentrada nas mãos de seus
presidentes para que melhor se fizesse sentir a ação da caixa matriz e se conseguisse
mais ordem e harmonia no seu trabalho. Devia, ainda, ser baixado regimento interno,
definindo as atribuições dos diferentes níveis da administração.
Em janeiro de 1861, a diretoria considerou que, para prevenir as eventualidades,
devia o Banco do Brasil conservar sua emissão dentro dos convenientes limites e, além
de um forte fundo disponível em ouro, ter em carteira títulos de pagamento seguro no
dia do vencimento, para que assim pudesse, em qualquer emergência, recolher a emis-
são que excedesse. Em março, convenceu-se de que não era possível fugir ao regime
da lei de 1860 e tratou de adaptar os seus estatutos à nova regulamentação legal.
Admitiu, também, o Banco, a necessidade de levar ao conhecimento do Poder
Legislativo o fato de que, sobrecarregado de ônus tão pesados como os que resultavam
do contrato firmado com o governo, não podia continuar a desempenhar as obrigações
que contraíra. Afinal, as circunstâncias tinham variado, lutava-se com a concorrência de
outros estabelecimentos que gozavam das mesmas vantagens de emissões sem iguais
ônus e pesavam sacrifícios sobre os acionistas, que não eram compensados por vanta-
gens que deviam recair sobre os capitais.
A direção do Banco do Brasil chegou a considerar a hipótese da rescisão de seu
contrato com o governo, para continuar suas operações como simples banco de depósitos
e descontos, reavendo o valor do empréstimo que gratuitamente lhe fizera. Também foi
levantada outra hipótese, que era a da conveniência de um acordo com os bancos Agríco-
las e Rural, para constituir a unidade de emissão no distrito de circulação dessas duas ins-
tituições. A diretoria decidiu, então, pedir autorização à Assembleia Geral dos Acionistas
para efetuar um acordo com os bancos Agrícola e Rural, visando adquirir os seus direitos
de emitir notas à vista e ao portador e solicitar ao Legislativo a aprovação desse acordo e a
concessão do privilégio exclusivo ao Banco do Brasil de emitir notas à vista e ao portador
nas províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.
Mas a Assembleia Geral, reunida nos dias 1º e 2 de maio de 1861, não tomou co-
nhecimento do pedido, e resolveu nomear uma comissão para negociar diretamente com
o governo as novas condições de existência do Banco, autorizando-a até a propor rescisão
do contrato no caso de não serem as suas reclamações atendidas. Sentindo-se despresti-
giada, a diretoria renunciou coletivamente. Mas, ao se reunir, em 18 de maio, para eleger
os novos diretores, a Assembleia Geral reelegeu a maioria dos renunciantes.
A comissão nomeada pela assembleia para negociar com o governo apresentou
parecer retomando a fracassada pretensão de demonstrar que a lei de reforma bancária

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de 22 de agosto de 1860, ao formular condições a respeito dos bancos de emissão, não


podia ser aplicada ao Banco do Brasil “sem grave ofensa de direitos adquiridos, sem
atentar contra direitos individuais firmados na proteção de lei expressa e sem violar
um contrato bilateral que não podia ser alterado sem o indispensável acordo mútuo
das partes”. Alongou-se, também, em demonstrar que a obrigação do Banco do Brasil
pagar suas notas em ouro e assim manter o valor do papel-moeda ao par, não está na lei,
não foi discutida no Senado, nem na Câmara dos Deputados e nem havia passado pela
mente de nenhum dos membros da diretoria dos dois bancos que se fundiram. Essa
obrigação de pagamento, pelo Banco, de suas notas em ouro nunca foi confirmada na
prática nem poderia ser deduzida dos estatutos.
Na sessão de 21 de outubro do mesmo ano, a diretoria resolveu nomear uma
comissão para estudar a fusão do Banco do Brasil com o Banco Agrícola. Registrava-
se, internamente, no Banco do Brasil, uma divisão de opiniões entre as correntes con-
servadora e renovadora. A primeira, oriunda da diretoria que renunciou, preconizava
um acordo com os outros bancos emissores do Rio de Janeiro, para adquirir os seus
direitos de emissão e garantir ao Banco do Brasil o privilégio exclusivo de emitir no-
tas à vista e ao portador nas províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. A
outra corrente, apoiada pela Assembleia Geral, propunha uma completa transforma-
ção no Banco, que abriria mão dos seus direitos de emissão, mediante compensações
por parte do governo.
Na verdade, ambas representavam o inconformismo dos acionistas do Banco,
inclusive de seus diretores, ante o duro sistema de controle e da exigência de conversi-
bilidade que a lei de reforma bancária introduzira. O Banco do Brasil e outros bancos se
movimentavam para se livrar das malhas do novo sistema legal da organização bancária.
A imprensa do Rio de Janeiro, em outubro de 1861, registrava que o estado de espírito
dos acionistas do Banco do Brasil era de decepção e revolta, por entenderem que o seu
capital não estava sendo devidamente remunerado.
A solução que realmente ganhou corpo foi a da volta à unidade bancária. Propos-
tas com este objetivo vinham surgindo em sessões da diretoria do Banco do Brasil rea-
lizadas no fim de 1861 e no começo de 1862, ao mesmo tempo em que as negociações
corriam entre os três bancos do Rio de Janeiro. Quando, finalmente, se estabeleceu um
ajuste entre as direções bancárias, a Assembleia dos Acionistas do Banco do Brasil foi
convocada para o dia 2 de abril de 1862. Já, então, a ideia de um acordo entre os bancos
do Rio de Janeiro, para restituir ao Banco do Brasil, pelo menos nas províncias centrais,
a exclusividade do direito de emissão, tinha apoio geral.
Reunida efetivamente nos dias 2 e 4 de abril de 1862, a Assembleia dos Acio-
nistas, pacificamente e quase por unanimidade, aprovou o ajuste. O Parlamento, com
algumas discussões, mas sem maiores dificuldades, aprovou um projeto de resolução
legislativa sancionado no dia 28 de agosto de 1862, sob o número 1.172, regulamentado
pelo decreto nº 2.970, de 9 de setembro do mesmo ano. Assim, entraram em vigor as
seguintes disposições: o capital do Banco do Brasil foi elevado para 33.000:000$000,
dividido em 165 mil ações de 200$000 cada uma; o Banco do Brasil cedia ao Banco

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Comercial e Agrícola 24 mil ações ao par, para compensar desistência que este fazia
do seu direito de emissão; o Banco Comercial e Agrícola pagava ao Banco do Brasil o
valor real de 24 mil ações que recebesse na proporção das prestações realizadas, ou de
160$000 por ação, correspondentes ao capital de 3.840:000$000, ficando, além disso, os
possuidores das novas ações obrigados a completar o seu valor nominal quando fosse
exigido dos demais acionistas; o Banco do Brasil entregava ao Banco Rural e Hipotecá-
rio a soma de 400:000$000, para compensar a desistência que este fazia do seu direito
de emissão; logo que recebesse as 24 mil ações o Banco Comercial e Agrícola entraria
em liquidação, por sua conta e risco; após a entrega das 24 mil ações do Banco Comer-
cial e Agrícola e o pagamento ao Rural e Hipotecário de 400:000$000, nos termos do
acordo aprovado e dentro de um prazo inferior a 30 dias da data do decreto, começa-
riam a sair de circulação as notas dos dois bancos.
Em maio, ocorreram duas rápidas mudanças de governo. Saiu o Ministério presi-
dido pelo duque de Caxias, cujo ministro da Fazenda era José Maria da Silva Paranhos.
O líder da oposição, Zacarias Góes e Vasconcelos, foi chamado para compor o novo
Ministério, que durou apenas três dias, pois demitiu-se após ser derrotado por uma
votação na Câmara em questão de confiança. Em seu lugar tomou posse o Ministério
organizado pelo marquês de Olinda.
Em dezembro de 1862, surgiu o problema da insuficiência do fundo disponível
para a necessidade de emissão, levando a diretoria a solicitar ao governo a faculdade
de emissão ao triplo permitida pelo artigo 63 dos seus estatutos, conforme já havia
precedentes. O governo, inicialmente, recusou essa autorização, concedendo-a pos-
teriormente sob a condição de que, para usá-la, o Banco não podia elevar as taxas de
juros. O Banco não aceitou a condição e o governo acabou revogando a autorização.
Ocorreram, no período, alguns excessos na emissão, que o governo acabou tolerando,
confiante de que, prudentemente, a diretoria empregaria os meios necessários para
que não houvesse abusos.
Em outubro de 1863, o Banco do Brasil abriu o troco de suas notas. Ao mesmo
tempo, a diretoria esforçava-se para sustentar o fundo disponível da forma que deman-
dava a amplitude de suas operações. Para isso expedira ordens a Londres, a fim de im-
portar regularmente os metais de que precisava. Desse modo, foi feita uma importação
de 962.343 ½ soberanos, segundo os relatórios da época, “para fazer face ao troco das
notas do Banco”.

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Capítulo 4
Foto: Acervo Arquivo Histórico do Banco do Brasil
1864: A grande crise

Fac-símile de folha de cheque emitido pelo Banco do Brasil em 1921.


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Após adquirir os direitos de emissão do Banco Comercial e Agrícola e do Banco


Rural e Hipotecário, o Banco do Brasil transformou-se, em 1863, no único órgão emis-
sor da capital do Império e das províncias centrais e do Sul, bem como em parte do res-
to do território nacional. Os bancos emissores que ainda permaneceram na Bahia, em
Pernambuco e no Maranhão não conseguiram resistir ao regime da lei de 1860 e acaba-
ram reconhecendo sua incapacidade de continuar emitindo. Mas o Banco nunca sanou
o problema estrutural de insuficiência de fundo disponível para garantir o volume de
emissão necessário aos financiamentos exigidos pelo desenvolvimento econômico. E
foi em situação de enfraquecimento que se viu atingido pelo impacto devastador da
crise de 1864.
Os primeiros indícios da crise surgiram quando, na reunião da diretoria do Ban-
co do Brasil, realizada em 18 de maio de 1863, tomou-se conhecimento de que a casa
bancária de A.J.A. Souto & Cia. “tinha necessidade real e urgente de que o Banco
lhe prestasse auxílio, fornecendo-lhe quantia necessária para satisfazer os empenhos e
compromissos do dia, visto que à última hora lhe faltaram os recursos com que conta-
va”. A Comissão de Desconto havia se manifestado contra exceder o crédito já conce-
dido à casa, que se achava esgotado, mas acabou cedendo antes que a diretoria tivesse
tempo de se reunir.
Os diretores do Banco do Brasil discutiram demoradamente o problema, mani-
festando preocupação com as garantias e exigindo esclarecimentos sobre a real situação
da firma que, porém, nada informou. Apesar das divergências entre seus membros, a
diretoria, no entanto, continuou concedendo recursos e o débito chegou a 20 mil con-
tos de réis, embora a casa bancária tivesse informado que não tinha mais letras para
oferecer a descontos. Nessa época, a diretoria adotava o método de discutir, em suas
reuniões, quase todos os problemas do Banco, chegando ao conhecimento do plenário,
inclusive, assuntos meramente administrativos como disciplina, admissão, dispensas,
ou pretensões dos empregados do estabelecimento, sobre pedidos de pequenos cré-
ditos, ou ainda liquidações de toda natureza e até expedição ou alteração de segundas
vias de cautelas de ações, bem como locações de imóveis ou simples pedidos de aba-
timento de aluguel.
O capital efetivo do Banco tinha-se elevado, de 15 de janeiro de 1857, até então, a
26.400 contos de réis. Mas, dessa data até outubro de 1863, não se fez qualquer nova cha-
mada sobre a parcela do capital a integralizar, sob alegação de que isso podia causar difi-
culdades na praça. Só em julho de 1863 foi feita uma chamada de 20 mil réis por ações,
com a qual, finalmente, se completou o capital do Banco, no total de 33:000:000$000.
Chegavam constantemente à diretoria, nessa época, denúncias sobre irregularidades nas
caixas filiais, que apontaram para a necessidade de uma reforma nessas dependências.
Mas, em virtude de um dispositivo da lei de 22 de agosto de 1860, para isso seria neces-
sário autorização do Poder Legislativo, que não foi obtida. Pensou, então, a diretoria em
mandar liquidar as caixas filiais de Pernambuco e da Bahia.
Nos primeiros dias de setembro de 1864, as preocupações da diretoria volta-
vam-se apenas para a rotina administrativa e bancária, nada ocorrendo que pudesse

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ser considerado sinal de alguma crise iminente. Nessa ocasião, o clima de tranquilida-
de decorria do estado satisfatório em que se encontrava o fundo disponível, escorado
nas remessas de recursos recebidos da Inglaterra. A emissão circulante conservava-se
dentro do limite legal. O resgate do papel-moeda prosseguia normalmente; nas épocas
determinadas pelos estatutos, a diretoria do Banco retirava de circulação papel-moeda
na importância de 2.000:000$000, recebendo em pagamento do Tesouro Nacional o
valor equivalente. Nesse quadro destoavam, apenas, em junho de 1864, o aumento na
soma dos títulos em liquidação, a baixa das cotações das ações do Banco do Brasil e o
decréscimo dos respectivos dividendos.
Em janeiro desse ano, demitira-se o Ministério presidido pelo marquês de Olin-
da, após sofrer derrotas eleitorais. Assumiu em 15 de janeiro, mas saiu em agosto, antes
de completar oito meses, o Ministério presidido por Zacarias de Góes e Vasconcelos.
Em 31 de agosto, tomou posse o Ministério presidido por Francisco José Furtado. Es-
sas mudanças, no entanto, não representavam sinal de crise, pois a instabilidade dos
ministérios era tradicional no regime parlamentar do Império. Logo em seguida, no dia
10 de setembro, detonou-se o início da turbulência quando Antônio José Alves Souto,
o visconde de Souto, proprietário da Casa A.J.A. Souto & Cia., deu ordens para que
fosse encerrada a escrituração e suspenso o movimento de caixa e, assim, praticamente
se fechasse o seu estabelecimento, um ano e quatro meses depois de apelar ao Banco
do Brasil para que a salvasse do colapso. A esta altura, o seu débito nesse Banco subira
para mais de 20 mil contos.
O fechamento inesperado da Casa Souto espalhou o pânico por toda a cidade,
provocando a corrida de credores e depositantes aos estabelecimentos bancários. Os
estabelecimentos resistiram o quanto puderam. Durante todo o dia 10, noite aden-
tro, fizeram numerosos pagamentos. O Banco do Brasil não somente atendeu aos seus
clientes, como prestou socorro a diversos outros estabelecimentos.
A diretoria do Banco decidiu, em 11 de setembro, manter-se em sessão per-
manente, que durou até o dia 19. Resolveu, ainda, representar ao governo pedindo a
liquidação administrativa da Casa Souto, com a fiscalização dos maiores credores, mas
não foi atendida, sob a alegação de que esse ato seria de competência do Poder Legis-
lativo, que não estava reunido. Com a hesitação do governo, os fatos se agravaram e no
dia 13 ocorreu uma corrida extraordinária de portadores de notas ao balcão do Banco
do Brasil, exigindo que esses papéis fossem trocados por ouro. Casas bancárias e casas
comerciais já haviam fechado as suas portas. O tumulto crescia. O fundo metálico do
Banco do Brasil estava ameaçado de se esgotar.
No mesmo dia, o Banco solicitou medidas concretas ao governo, a começar pela
suspensão de todos os pagamentos na praça, pelo espaço de 30 dias. Pediu, também,
autorização para exceder o limite legal de emissão prescrito nos estatutos, alegando a
extraordinária demanda de descontos que tinha sido obrigado a fazer para auxiliar os
outros banqueiros e cobrir avultado troco de suas notas.
O governo decidiu então, por decreto, autorizar o aumento da emissão até o
triplo do fundo disponível e dar curso forçado, até posterior deliberação, aos bilhetes

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do Banco, que ficaria dispensado, transitoriamente, de trocá-los por ouro. No dia 17,
baixou novo decreto, mandando suspender e prorrogar por 60 dias, contados a partir de
9 de setembro, os vencimentos das letras, notas promissórias e quaisquer outros títulos
comerciais pagáveis na Corte e na província do Rio de Janeiro. Também suspendeu
e prorrogou, pelo mesmo período, os protestos, recursos em garantias e prescrições
desses títulos. A partir daí, a situação começou a acalmar. No dia 20, assinou decreto
regulando de modo especial as falências dos bancos e casas bancárias.
Muito se especulou sobre os efeitos e as causas da crise. As principais consequên-
cias foram as falências e concordatas que ocorreram na praça do Rio de Janeiro, no total
de 25, até o fim de março de 1865, de que resultaram perdas que se aproximaram de
70.000:000$000. Houve também queda do movimento comercial, baixa do câmbio e dos
valores dos imóveis, decesso das cotações das ações de companhias, inclusive das ações
do Branco do Brasil, elevação do preço da moeda de ouro e aumento extraordinário da
circulação fiduciária. A emissão do Banco do Brasil elevou-se quase ao quíntuplo do seu
fundo disponível.
Os efeitos da crise nas províncias foram moderados, exceto no Rio de Janeiro,
devido às suas estreitas ligações com a praça da Corte. As opiniões sobre as causas e os
efeitos da crise divergiam. Apontavam-se, entre as causas, a legislação econômica de
agosto de 1860; os efeitos remotos e mal curados da crise de 1857/1858; a decadência
econômica do país; a deficiência de colheitas; os abusos de crédito; os prejuízos de
longa data sofridos pelo comércio; a paralisação do comércio e o excesso de despesas
do Estado. Ao mesmo tempo, contestava-se a hipótese de decadência econômica, sob
o argumento de que havia muitos indícios de que o país progredia.
A causa mais frequentemente apontada foi o abuso do crédito, acusando-se o
Banco de dificuldades e má direção, citando-se como exemplo, a situação de exagerado
favorecimento da Casa Souto, que adotava procedimentos de operações e de contabi-
lidade bastante peculiares e insólitos. As opiniões de que a causa principal da crise de
1864 foi o abuso de crédito eram majoritárias. Mas é preciso reconhecer que, justamen-
te a partir de 1860, e acentuando-se em 1864, uma legislação rigorosa e uma decidida
execução governamental estavam produzindo efeitos no sentido de conter as emissões
bancárias, restringindo, consequentemente, o crédito. Restaurava-se no país o sistema
de unidade bancária de emissões, que decididamente apontava para o saneamento e
controle da circulação monetária e da irrigação creditícia. O Banco do Brasil, principal
provedor de crédito, vinha sendo contido no limite estatutário da sua emissão e manti-
do na rotina do troco de suas notas por ouro.
Com essas medidas não corriam propriamente abuso generalizado de crédito.
Existia, sim, uma conjuntura econômica que favorecia a eclosão de crise, agravada pela
falta de mecanismos administrativos de defesa. Ocorriam limitados extravasamentos
de créditos, praticados em menor escala por determinadas casas bancárias – entre as
quais se destacava, por sua crônica debilidade financeira, a firma A.J.A Souto & Cia. -,
escorados pela lacuna que existira na elaboração e na execução da lei bancária de 1860,
e que se refletia na própria ação de vigilância e inspeção das agências governamentais

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que lidavam com este setor de atividades. Com efeito, a lei nº 1.083 previu um rígido
controle das atividades dos bancos, mas deixou as casa bancárias fora de fiscalização,
livres de tutela governamental.
A posição do governo foi, inicialmente, de indecisão, dentro da preocupação de
não praticar atos exorbitantes. Mas houve firmeza no momento de tomar providências
para garantir a propriedade particular e a ordem. Desde o primeiro momento a força
pública compareceu para conter a multidão, mantendo guarda aos estabelecimentos
bancários, garantindo a integridade dos seus dirigentes, evitando distúrbios e excessos.
Nisso o governo agiu com eficiência e moderação.
Ao eclodir a crise, estava no poder, apenas há dez dias, o Ministério presidido por
Francisco José Furtado que, reconhecidamente, não era político de primeira linha, de
verdadeiro prestígio e experiência governamental. O posto mais importante que exer-
ceu foi o de presidente da Câmara dos Deputados, do qual saíra para a presidência do
Conselho. Era, assim, compreensível que não tivesse mostrado força de decisão.
Antes da crise, o Banco do Brasil estava devidamente enquadrado na sistemá-
tica da lei de reforma bancária de 1860, notadamente pelas duas medidas básicas de
contenção de suas emissões no limite estatutário e de rotineira troca por ouro de suas
notas, que assim ganhavam foros de conversibilidade. Desencadeada a crise, esse en-
quadramento foi interrompido com a autorização dada ao Banco para exceder o limite
da emissão e a decretação do curso forçado de suas notas, transgredindo a sistemática
da lei de reforma bancária. O governo adotou, então, posição contraditória em relação
ao Banco, de um lado exigindo sua volta à normalidade e de outro reclamando dele
recursos para cobrir os custos da guerra do Paraguai.
O próprio Banco, que tinha como novo presidente Francisco de Assis Vieira Bue-
no, nomeado em 8 de julho de 1865, admitia estar sob um regime de medidas excep-
cionais, entre as quais se destacavam a faculdade de elevar a emissão além do duplo
do fundo disponível e a suspensão do troco metálico das suas notas. Mas a diretoria
considerava essas providências indispensáveis, face à crise do ano anterior, e alegava
que não tinha sido prudente, passada apenas a intensidade visível da crise, retrair de
súbito a circulação.
Os dados estatísticos patenteavam a posição de anormalidade do Banco. O fundo
disponível que, em 30 de junho de 1864, se elevava a 14.212:729$637, embora refor-
çado com ouro importado, trocado no país, como moeda nacional e notas do governo,
reduzira-se a 10.676:931$175. O saldo da emissão que, em 31 de agosto de 1864, tinha
baixado para 25.167:150$000, já em 31 de outubro crescera para 45.790:870$000, total
mantido por muitos meses.
A soma das operações efetuadas pelo Banco durante o ano subira de
427.467:235$124 para 755.523:873$768. Isto não representava crescente prosperidade
dos diversos ramos de produção do país, e sim o resultado da profunda perturbação que
se operou em todas as transações, que convergiam para o Banco do Brasil, pois este,
como único emissor, é que era capaz de prestar socorro nos momentos de crise. A verba

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dos títulos em liquidação que, em 30 de junho de 1864, estava em 753:637$020 subira


espantosamente a 13.834:530$90018.
Naturalmente, o Banco chegou a ser detentor de uma grande soma de títulos
sem possibilidade de resgate a curto prazo ou de liquidação difícil e duvidosa. A sua si-
tuação de irregularidade dava ensejo a críticas e até gozações na imprensa, como aquela
em que se dizia que “desgraçadamente, nesta boa cidade do Rio de Janeiro, capital
do vasto Império brasileiro, o melhor modo de vida, depois do de negociante ou ban-
queiro quebrado, é o de diretor do Banco do Brasil”. Na realidade, o último balancete
publicado mostrava que havia tocado a cada um dos felizes diretores a alta soma de sete
contos e tanto em um semestre, o que representava um belo emprego, melhor do que
o de ministro do Estado, sobrando, por isso, candidatos.
Sob a mira de censuras, o Banco estava desacreditado. Temia-se quanto à sua es-
tabilidade e solvência. Nas áreas econômicas e, sobretudo, nos conselhos do governo,
crescia a convicção de que a instituição não podia continuar em uma situação anômala,
gozando os privilégios de uma emissão livre de limite e da inconversibilidade de suas
notas. Além do mais, registrava lucros que canalizavam vantagens para os seus acionis-
tas, o que era chocante numa época em que a guerra externa era sorvedouro insaciável
de recursos, especialmente da preciosa e sempre escassa moeda metálica.
Mas era evidente que cortar a regalia da emissão sem limite e de inconversibili-
dade de notas, de imediato, ou mesmo a curto prazo, poderia resultar na ruína do Ban-
co e no desencadeamento de uma nova crise de consequências funestas e dimensão
imprevisível. Era forte a convicção de que uma circulação meramente fiduciária era
inadmissível. Considerava-se que o Banco do Brasil, tendo dobrado a sua emissão des-
de 1864 e estando sem meios de retroagi-la, com a sua carteira abarrotada de títulos a
longo prazo, muitos de solvência incerta e remota, não mais podia cumprir a finalidade
para a qual foi criado, nem continuar como instrumento de emissão, de normalização e
saneamento do meio circulante.
Enquanto divergiam as opiniões sobre o caminho a tomar, os defensores do Ban-
co alegavam que era remota a possibilidade de sua falência ou insolvabilidade, pois ain-
da havia recursos ponderáveis, conservando, somente a matriz, mais de 20.000:000$000
em ouro e papel do governo. Alem disso, o Banco era credor do governo em cerca de
18.000:000$000 e dispunha de recursos sólidos no valor aproximado de 40.000:000$000,
enquanto a sua emissão total não chegava ao duplo desse valor. Retinha, portanto, ga-
rantia para mais de metade da emissão. A imprensa, em defesa do Banco, afirmava que
sua carteira representava a riqueza do país e que a sua emissão podia ser considerada
pequena para o movimento da praça.
Foram mencionados, ainda, os serviços que o Banco prestou ao comércio e à
lavoura, especialmente depois da crise de 1864, e a dedicação sem limites com que ser-
vira ao governo na guerra, pondo à sua disposição todo o dinheiro exigido, em ouro ou
papel. O próprio barão de Mauá defendeu o Banco, dizendo que parte das suas emis-
sões foram determinadas exclusivamente pelas necessidades da guerra, sendo certo e
18. Relatório do presidente do Banco do Brasil, apresentado em 18 de julho de 1865 à Assembleia dos Acionistas.

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inquestionável que, se não tivesse havido tão copiosa emissão adicional de notas, não
teria o Tesouro encontrado da parte da praça ou dos particulares o auxílio que obteve.
Fora, pois, o Banco, em todas as circunstâncias, o instrumento de apoio às necessidades
do Estado, e era essa a verdadeira origem dos seus problemas de emissão19.
Sugestões para solucionar o problema do Banco não faltaram, como por exemplo,
a de que continuasse como emissor, mas fazendo uso moderado desse poder, restrin-
gindo-o ao limite legal; convertê-lo em Banco de depósito, descontos e empréstimos
hipotecários, somente; entrar numa liquidação lenta, entregando ao governo todo o seu
fundo metálico disponível e renunciando ao seu direito de emissão. O governo, no en-
tanto, hesitava. Em janeiro de 1866, limitou-se a pedir um parecer ao Conselho de Es-
tado. Em 9 de abril, enviou mensagem com proposta à Assembleia Legislativa, em que
declarou a intenção de corrigir os inconvenientes das providências extraordinárias que
promulgaram sob a pressão da crise de 1864, notadamente as de autorização ao Banco
do Brasil para elevar a sua emissão e para suspender o troco de suas notas por ouro.
Em relatório apresentado à Assembleia Legislativa, em 8 de maio, o ministro da
Fazenda, João da Silva Carrão, professor de economia política em São Paulo, analisou a
situação do Banco do Brasil, dizendo que a suspensão do troco das suas notas por ouro,
decretada para existir enquanto durassem os efeitos da crise de 1864, perdurava por
mais de 19 meses sem que o Banco se achasse em condições de voltar à normalidade,
ao mesmo tempo em que se tornou uma fábrica de papel-moeda. E apontou como um
dos efeitos dessa situação a dificuldade de remessa do dinheiro de umas para outras
praças do Império, principalmente do Rio de Janeiro para as praças do Norte.
Enquanto o governo vacilava, a diretoria do Banco do Brasil tentava solucionar,
no dia a dia, os problemas de emissão e de reforma ou liquidações de débitos. Através
do barão de Mauá, que se encontrava na Europa, tentou obter crédito externo, mas as
gestões feitas em Londres fracassaram e a diretoria resolveu aguardar melhor oportuni-
dade, enquanto adotava uma orientação de rigor na concessão de créditos.
Em representação ao Parlamento, a diretoria lembrou os importantes serviços
prestados durante a crise e admitiu que, para eliminar as dificuldades, bastaria cruzar os
braços, suspender as operações de descontos e, deixando vencer os títulos de sua carteira,
satisfazer o pagamento das notas que se apresentassem ao troco. Mas, se houvesse assu-
mido essa posição negativa de omissão, teria sido considerado culpado de incalculáveis
desastres, sem ao menos resguardar seus próprios interesse, pois se tornaria vítima das
perdas que a crise necessariamente havia de causar aos seus devedores. Ademais, desa-
pareceriam os capitais e o comércio não resistiria e iria à falência, em sua maior parte.
Alegou o Banco, na representação, que suas dificuldades teriam desaparecido
se se restabelecesse a confiança na instituição. A garantia dos depósitos permitiria as
retiradas dos títulos descontados, a diminuição da emissão e, finalmente, restituiria ao
Banco as condições normais anteriores à crise. Com a guerra, o Tesouro passou a absor-
ver a maior soma do capital flutuante e disponível, que deveria ter sido destinado ao
Banco e aos outros estabelecimentos, para garantir a diminuição da emissão.
19. Jornal do Commercio, edição de 18 de julho de 1866.

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Não teria sido inferior a 40.000:000$000 a soma das importâncias que o Tesouro
retirou de circulação para cobrir as despesas com a guerra, para a qual teriam concor-
rido não só os capitais que se retiraram da praça, como grande parte dos que achavam
depositados no Banco do Brasil e outros estabelecimentos de crédito. Se a esse total
se acrescentassem os 8.000:000$000 emprestados pelo Banco diretamente ao Tesouro,
concluir-se-ia que a emissão não excederia o limite máximo de 50.000:000$000.
Enquanto se mostrava tímido nas medidas que deveria tomar pela via legislati-
va, o governo atuou mais decididamente pela via administrativa, ao nomear, em abril
de 1866, o visconde de Jequitinhonha para substituir Francisco de Assis Vieira Bueno
na presidência do Banco. Embora tomasse posse com manifestações de moderação,
o novo presidente não tardou a assumir uma atitude agressiva, procurando conter as
concessões de crédito e as emissões e até obrigar o Banco a fornecer ao governo a lista
dos seus devedores.
Ao mesmo tempo, contraditoriamente, o governo exercia pressão sobre o Banco
para obter recursos acentuadamente, em meados de 1866. Autorizou-o, por exemplo,
a exceder-se na emissão para auxiliar o London and Brazilian Bank, que havia entra-
do em dificuldades. É possível entender que a passividade da diretoria do Banco
diante das exigências do governo pudesse ser classificada como patriótica, dentro do
princípio de contribuir para aliviar as extremas dificuldades resultantes das grandes
despesas para custear a guerra contra o Paraguai. Mas chegou-se a temer que, ao
concentrar-se no atendimento das necessidades do governo, o Banco sacrificasse o
apoio às indústrias do país.
O Tesouro continuava sugando recursos e, em maio de 1866, a sua dívida junto
ao Banco já passava de 20 mil contos de réis, sem que cessassem as exigências de mais
fornecimentos. A partir daí, ao contrário, o governo começou a tirar ouro do Banco,
autorizando-o a fazer operações de crédito para importar metais, para reduzir a emissão,
mas logo depois se apoderou das cambiais que pagou com bilhetes do Tesouro. Em
várias ocasiões, o governo já não solicitava recursos ao Banco e sim mandava-lhe ofícios
determinando que fizesse entregas de recursos, inclusive metálicos, ao Tesouro.
Enquanto isso, acentuavam-se as reações, em vários setores do país, principal-
mente no próprio Parlamento, ante a incapacidade do governo para tomar medidas
positivas de solução dos problemas financeiros. As dificuldades agravaram-se quando
chegaram notícias de uma crise financeira que eclodira na Inglaterra e que, natural-
mente, provocaram apreensões na praça do Rio de Janeiro. O clima de contestação à
inatividade do governo contagiou um dos próprios membros do Ministério, Paula e
Souza, ministro da Agricultura, que tomou a iniciativa de apresentar à Câmara, em 11
de junho de 1866, um projeto de lei que divergia da proposta que o ministro da Fazen-
da apresentou no começo de abril.
O projeto continha duas autorizações ao governo: a primeira, para permitir ao
Banco do Brasil elevar a emissão de suas notas até 8.000:000$000 além do triplo do fun-
do disponível, para atender às necessidades da praça e descontar bilhetes do Tesouro,
devendo os lucros provenientes desta emissão adicional serem entregues ao próprio

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Tesouro; a segunda, para o próprio governo emitir até 4.000:000$000 em notas do Te-
souro, nos valores de 1$000, 2$000, 5$000 e 10$000, com carimbo especial, as quais
teriam curso unicamente na Corte e província do Rio de Janeiro e seriam recolhidas
dentro de um ano pela renda geral ou por emissão de apólices.
A segunda autorização tinha o objetivo de resolver ou atenuar o problema do
troco na praça do Rio de Janeiro, que se tornava mais premente. Por isso, mesmo a ma-
téria do projeto passou a figurar, nos registros parlamentares, sob o título de “Emissão
do Banco do Brasil e trocos miúdos”. Esse projeto, apoiado pelo ministro da Fazenda,
considerado como do próprio governo, discutido e combatido na Câmara – onde se
destacou na oposição, pelo brilho da palavra, poder de argumentação e revelação de co-
nhecimentos, o deputado José Bonifácio -, foi parcialmente aprovado. Antes da aprova-
ção definitiva, no entanto, o seu próprio autor, o ministro da Agricultura, alegando que
as últimas notícias vindas da Europa eram bastante esperançosas, pediu o adiamento
da votação do projeto por 48 horas, tirando-o de cena.
O Ministério não foi, assim, capaz de conceber e apresentar um plano de capta-
ção de recursos para o custeio da guerra externa, como a opinião pública e as próprias
câmaras desejavam e, certamente, aprovariam. Preferiu ficar no terreno movediço dos
artifícios financeiros. Mas, compreende-se esse quadro quando se constata que, a partir
do começo de 1866, o Ministério entrou, internamente, num verdadeiro processo de
dissolução, acentuado por divergências entre seus membros.
Com as hesitações do governo, acabou sendo aprovado um projeto de iniciativa
individual para solucionar os problemas do Banco. Na sessão de 3 de julho de 1866,
o senador Silveira da Mota apresentou e fundamentou um projeto de lei destinado a
“mudar a natureza do Banco do Brasil” e corrigir os inconvenientes acumulados como
banco emissor. Explicou Mota que o objetivo era, “ao mesmo tempo, substituir esse
banco de circulação, de descontos, de depósitos, por uma instituição que o país mais
altamente reclama, a de um banco hipotecário: o meu fim é melhorar a circulação e al-
terar a instituição desse banco de circulação, de modo que ele possa servir mais eficaz-
mente à indústria principal do país, que é a lavoura, oprimida pela falta de capitais que
a alimentem para o futuro, e sob pressão dos pagamentos das dívidas que a oneram”.
Mas o projeto, ressalvou o senador, não representava apenas a sua opinião pessoal, pois
ouvira diferentes especialistas, particularmente Torres-Homem e Itaboraí.
A Comissão de Fazenda do Senado, que o aprovou com poucas alterações, apre-
sentou substitutivo propondo que o governo ficasse autorizado a modificar o contrato
primitivo com o Banco do Brasil, mesmo alterando disposições de lei e de estatutos; o
Banco cessaria sua emissão e continuaria fazendo as operações autorizadas e os emprés-
timos hipotecários; o Banco ficaria dividido em duas repartições, que teriam a mesma
administração e fundos separados – uma delas, a de hipotecas, receberia, como fundo
exclusivamente destinado às suas operações, a soma de 35.000:000$000 em títulos da
carteira, para serem convertidos em títulos hipotecários; o governo pagaria ao Banco a
importância do papel-moeda resgatado na forma dos artigos 2º e 4º da lei de 5 de julho
de 1853 e dos bilhetes ou letras do Tesouro que existissem na carteira, mas essas duas

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parcelas e o produto dos metais que o Banco tivesse em caixa seriam integralmente
empregados para retirar da circulação igual valor de suas notas; para esses e outros pa-
gamentos o governo tinha de fazer emissão de papel-moeda.
As notas do Banco que restassem na circulação continuariam, de acordo com o
substitutivo, a ser recebidas nas estações públicas e seriam resgatadas, anualmente pelo
estabelecimento, na razão de 5% a 8% de sua importância primitiva, cabendo ao gover-
no, ouvida a administração do Banco, fixar anualmente a cota do resgate. O serviço de
emissão do Banco e da guarda do material que lhe pertencia seria entregue à Caixa de
Amortização, ficando punível com as penas do Código Criminal quem fosse responsável
por emissão ou saída de papel-moeda, a não ser para substituição ou entrega ao Tesouro
em virtude de lei autorizadora. Logo que cessasse o estado de guerra, a Assembleia Geral
Legislativa consignaria no orçamento quantia a ser aplicada no resgate do papel-moeda
em cada exercício. Se o Banco não concordasse, dentro do prazo de 30 dias, com a modi-
ficação de seu contrato com o governo nos termos prescritos, ficava revogado o decreto de
14 de setembro de 1864, que o autorizava a suspender os trocos de suas notas por ouro,
medida de coação suficiente para afastar qualquer hipótese de recusa.
O Ministério liderado pelo marquês de Olinda demitiu-se em julho de 1866 e foi
substituído por outro, presidido por Zacarias de Góes e Vasconcelos, que acumulou a
pasta da Fazenda. Torres-Homem foi nomeado para a presidência do Banco do Brasil.
Enquanto isso, o substitutivo, discutido na Câmara e no Senado, expressamente adota-
do pelo governo, contestado principalmente pelo visconde de Jequitinhonha e defen-
dido por Itaboraí e Zacarias, recebeu apenas leves alterações e foi finalmente aprovado
e sancionado, em 12 de setembro de 1866, como lei nº 1.349.
Entre as justificativas apresentadas para facilitar a sua aprovação, estavam as de
que permitira a melhoria do meio circulante, a correção dos abusos cometidos pelo
Banco do Brasil como instituto emissor, a provisão de recursos ao governo nas situações
de crise e de guerra e a reforma do Banco. O certo, porém, é que o verdadeiro motivo
foi a requisição insaciável de recursos, em espécies metálicas, para o custeio da guerra,
que colocava e por vários anos iria manter o Tesouro sob déficits orçamentários. Com
efeito, o governo precisava, pelo menos para avaliar os desequilíbrios financeiros, das
espécies metálicas que constituíam o fundo disponível do Banco do Brasil e que se
tornariam dispensáveis, até mesmo inúteis, com a cassação do direito à emissão a que
serviam de lastro.
Reunida em 20 de setembro de 1866, a Assembleia Geral dos Acionistas decidiu
aceitar a reforma estabelecida na lei. No dia 11 de outubro, foi assinado com o governo
o contrato da reforma. No mesmo mês, o governo baixou o decreto nº 3.720, que dispôs
sobre a execução da lei nº 1.349 em relação à emissão do Banco do Brasil e ao paga-
mento da dívida do Tesouro ao estabelecimento. No dia 30 do mesmo mês, o Banco
vendeu ao governo toda a sua reserva metálica, prevalecendo o câmbio de 24 ¼ para
a venda das libras esterlinas e de 25 para a venda do outro amoedado e em barras, no
prazo de seis meses. O valor total, que incluía 2.395:344$000 do ágio sobre o preço de
custo, foi de 25.766:781$248.

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Em 10 de dezembro, a Assembleia elegeu nova diretoria, indicando Torres-Ho-


mem para continuar na presidência. Em 27 de novembro, a diretoria do Banco aprovou
uma espécie de consolidação de todas as dívidas e responsabilidades, diretas ou indi-
retas, do barão de Mauá, dando início a uma série de providências e concessões que
duraram até a falência da Casa Mauá. Na sessão de 8 de janeiro de 1867, a diretoria
resolveu instalar um embrião do serviço jurídico ao aprovar proposta do presidente para
admitir o advogado Francisco de Paula Negreiros Sayão Lobato, com a incumbência
de tratar de todas as causas judiciais e atuar como consultor. A diretoria ainda se deti-
nha na discussão e solução de questões administrativas insignificantes e secundárias.
E nas suas reuniões ainda figuravam, com recomendação de sigilo, alguns pedidos de
empréstimo para o governo, assinados pelo ministro da Fazenda.
No relatório que apresentou à Assembleia Geral Legislativa, em 8 de maio de
1867, o presidente do Ministério, Zacarias de Góes, revelou, finalmente, o verdadeiro
motivo que levou o governo a comprar a reserva metálica do Banco do Brasil. Declarou,
a respeito, que “a necessidade de fazer consideráveis e frequentes remessas de moeda
metálica para as despesas do Exército e Esquadra em operações contra o Paraguai”, foi
que “levou o governo a aceitar a proposta que lhe fez o Banco do Brasil para comprar
a totalidade da reserva metálica que a lei de 12 de setembro o obrigava a vender, a fim
de resgatar as suas notas”.
Sobre a repartição de hipotecas, o Banco desde o começo tergiversou na sua ins-
talação e nunca comprovou verdadeiro propósito de dar-lhe eficiência. Assim, a prin-
cípio, procurou evitar que lhe fosse marcado um prazo para essa instalação. Não foi
consignado no projeto de estatutos submetido à aprovação do governo, mas o decreto
forçou o prazo de seis meses. Em junho de 1867, a diretoria aprovou o projeto de regu-
lamento para a repartição. O governo, por sua vez, o instituiu pelo decreto nº 3.912, de
22 de julho do mesmo ano.
Por esse regulamento, a circunscrição territorial para as operações da repartição
compreenderia somente o município da corte, a província do Rio de Janeiro e os muni-
cípios que com esta confinassem, as províncias de São Paulo, Minas Gerais e Espírito
Santo. Prescrevia ainda que, excepcionalmente, poderia o Banco admitir hipotecas de
imóveis situados em qualquer outro ponto do Império, mas somente se tivessem como
único fim reforçar garantias de títulos de dívidas existentes na sua carteira.
Os prazos dos empréstimos hipotecários deveriam ser de um a seis anos, até que
o Banco se julgasse habilitado para conceder empréstimos de longo prazo e emitir letras
hipotecárias. Eram de dez a 120 contos, respectivamente, os limites mínimo e máximo
dos valores dos empréstimos. Afluíram logo ao Banco numerosas propostas de financia-
mentos hipotecários, em diversas modalidades, como as de conversões de pré-existentes
débitos quirografários em títulos hipotecários, com vinculações de imóveis urbanos ou
rurais, com aumento de prazos, com exonerações de co-obrigados e também com aumen-
to dos débitos para que os devedores pudessem receber novos provimentos de recursos.
Ao analisar as propostas a diretoria fazia sempre a ressalva de que o seu de-
ferimento dependia da disponibilidade de fundos pela repartição. Adotou, também,

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orientação a restritiva no tocante às caixas filiais. Já estavam em liquidação as da Bahia


e Pernambuco, deficitárias. Foram mandadas liquidar as do Rio Grande do Sul, Pará
e Maranhão, embora tivessem dado lucro no ano bancário encerrado em 30 de junho
de 1867, mantendo-se apenas as de São Paulo e Ouro Preto. Esboçava-se a tendência,
devido à importância que assumia o café no movimento econômico do país, de dar pre-
ferência, para aplicações de recursos e produção de lucro, às áreas do Rio de Janeiro,
Minas Gerais e São Paulo.
O Banco do Brasil perdia, assim, o seu direito de emissão e passava a ser mero
banco de depósitos, descontos e operações hipotecárias, acentuando o seu caráter de
empresa privada e debilitando ao máximo a sua vinculação ao governo e a sua função
como delegado governamental. O direito de emissão foi para o Banco o meio seguro
de captação de recursos para a sua caixa e para aplicações que naturalmente lhe davam
maior capacidade de produção de lucros, mas acarretava-lhe deveres de moderação e
equilíbrio que nem sempre pôde cumprir.
Por outro lado, o direito de emissão trazia para o Banco um contrapeso de perda
de sua autonomia, pois o tornava vulnerável às interferência oficiais, inclusive à inter-
venção permanente representada pela entrega de sua presidência a um agente gover-
namental, que podia exercer um direito de veto decisivo sobre suas deliberações. Pelo
mesmo motivo, o Banco tinha de suportar ônus, como o da conversabilidade de suas
notas em ouro e o de constantes inversões para manter um fundo metálico que sempre
se revelou dispendioso, evasivo, e o de cumprir, a cada ano, uma obrigação de resgate
de papel-moeda do governo que, durante cerca de 14 anos, pôde desempenhar regular
e pontualmente. Assim, o grave dano da perda da emissão teve boas compensações
com o desencargo de todos esses ônus e difíceis obrigações.
Mas não se livrava o Banco totalmente de um certo vínculo com o governo, por-
que, na nova fase de maior privatização da sua atividade, ainda lhe restava a obriga-
ção do resgate do remanescente da sua emissão, na elevada soma de 45.600:000$000.
Segundo dispunha o artigo 5º da lei nº 1.349, que reformou o Banco, as notas desta
emissão continuavam com o privilégio de serem recebidas nas estações públicas e o
seu resgate feito a longo prazo, de 12 a 20 anos, na razão de 5% a 8% ao ano, condição
considerada vantajosa para o Banco.
Nessa nova fase, menos comprometido com o governo, o Banco do Brasil ia afas-
tar-se ponderavelmente, por um longo prazo, do foco das atenções em que estivera
desde a sua fundação. Passava, embora não completamente, porque ainda se mantinha
como o maior estabelecimento de crédito do país, a uma posição menos visada. Na ses-
são legislativa de 1867 já não foi, assim, o polo de atração dos debates, da mesma forma
como a questão econômica já não vinha influindo predominantemente no jogo das
mudanças de cena governamental. Agora, o que prevalecia era o problema financeiro
provocado pelo custeio da guerra, que consumia grande soma de recursos, na maior
parte em moeda metálica, provocando o aumento das emissões.
Em junho de 1867, Zacarias de Góes, presidente do Conselho e ministro da
Fazenda, apresentou à Câmara dos Deputados um projeto de lei que autorizava o

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governo “a realizar operações de crédito ou a emitir papel-moeda”, se as operações


do Tesouro o exigissem, até a importância de 30.925:371$217, bem como a emitir
em notas uma soma correspondente ao resto das autorizações concedidas por diver-
sas leis, “no caso de que seja indispensável esse expediente”. Ressalvava que essas
emissões, somadas, não deveriam exceder a importância dos bilhetes do Tesouro que
estivessem em circulação.
Argumentando que não havia outros meios de levantar recursos, Zacarias lem-
brou, no Parlamento, que era inútil falar em empréstimos estrangeiros quando se
estava sustentando uma guerra e os orçamentos estavam sendo votados com déficits.
E que a criação de impostos era um dever de honra, uma medida indispensável, mas
não atenderia às necessidades imediatas do Tesouro. Uma notícia estampada pelo
Jornal do Commercio, de 23 de julho de 1867, jocosamente resumiu os debates em
torno da proposta nestas poucas palavras: “Num arraial flutua a bandeira dos em-
préstimos, noutro a do papel-moeda: ambos caminham a salvar a honra nacional, que
pede socorro no déficit do orçamento. O Ministério pede o papel-moeda, a oposição
aconselha empréstimos”.
Na mesma ocasião, o governo foi acusado de falhar na execução da lei de reforma
do Banco do Brasil, pelo próprio autor do projeto, o senador Silveira da Mota. Ele disse
que a organização da repartição hipotecária havia ficado muito aquém do espírito do
dispositivo legal que a instituíra e exigiu do governo fiscalização e vigilância sobre a
maneira como se fizera essa organização. Silveira advertiu que muitas casas comerciais
que tinha débitos grandes, diretos ou indiretos, junto ao estabelecimento, estavam se
liquidando para poder pagar. Alegou, ainda, que a atitude do Banco, ao pagar 12% de
dividendo, contrariava a lei, que autorizava, quando muito, 10%.
Em 12 de julho de 1867, a diretoria aprovou uma gratificação extraordinária para
os empregados do Banco, “como reconhecimento dos seus bons serviços no semestre
que acabava de findar”. O sistema de gratificação aparece, assim, como uma antiga
concessão. O Tesouro continuava a pedir dinheiro emprestado ao Banco. Na sessão, de
7 de agosto, foi mencionada a reforma de várias letras de dívidas do Tesouro. Houve
até ocasião em que o próprio Banco ofereceu empréstimo ao governo: em 3 de dezem-
bro de 1867, o seu presidente informou à diretoria que tinha consultado o governo para
emprestar-lhe o dinheiro disponível no estabelecimento ao juro de 8% anuais e que o
ministro da Fazenda respondera afirmativamente, com a condição de ser o empréstimo
a longo prazo.
No mesmo dia 7, a diretoria, considerando que ainda não havia arrecadado na
Caixa Hipotecária soma suficiente para os empréstimos já pedidos, fez novas restrições.
Uma delas era que os devedores que quisessem converter seus débitos em emprésti-
mos hipotecários e pretendessem algum novo empréstimo, cuja importânica reunida
à dívida já existente alcançasse ao máximo 120:000$000, só poderiam ser atendidos
quando fosse de alta conveniência aos interesses do Banco.
Nas hipotecas de imóveis, oferecidas em garantia de dívidas da Carteira Hipote-
cária, sempre figuravam, como parte integrante da garantia, os escravos de propriedade

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do devedor, descritos e avaliados com a típica desumanidade do regime escravocrata.


Para o serviço de lavoura, cabia maior valor aos homens e menor às mulheres; as cota-
ções caíam e até desapareciam nos extremos das idades, pois pouco ou até nada vale-
riam os velhos que vinham perdendo ou já haviam perdido a capacidade de trabalho e
as crianças que ainda não a tivessem adquirido total ou parcialmente. A mesma perda
de valor ocorria em relação aos incapacitados por qualquer motivo, inclusive aos porta-
dores de doença grave, incurável, ou de cura difícil; também caía o valor dos rebeldes
ou fujões. Naquele tempo, o Banco recusava aposentadoria até a funcionários que
estivessem incapacitados por falta de visão ou outras moléstias graves.
Durante todo o primeiro semestre de 1868, principalmente de março a maio,
trafegou pelas sessões da diretoria grande quantidade de pedidos de liquidações ou re-
ajustes, com excesso de propostas de pagamento de dívidas remanescentes com gran-
des rebates, inclusive com pedidos de embolsos a prestações. Não faltavam apelos por
recomposições ou dilatação de prazo para compromissos que já tinham sido refundidos
em termos de prorrogações e abatimentos.
Houve casos em que os reajustes anteriores tinham sido adulterados por meio de
sonegações, de vinculações de imóveis artificialmente majorados ou até inexistentes
ou não pertencentes aos devedores. Em outros casos, os devedores pediam recursos ou
concessões para que, mediante pagamento de débitos a terceiros, ficasse o Banco como
único credor, o que levou a Comissão de Concordata a declarar que, se concordasse
com isso, seria “um nunca acabar” e o estabelecimento tornar-se-ia “um liquidador
geral dos bancos e até da praça”.
Em relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa, em maio de 1868, o
ministro Zacarias de Góes registrou censuras, divulgadas na imprensa, contra a gestão
da caixa matriz do Banco do Brasil, e reforçou a insistência dos jornais pela nomeação
de uma comissão de inquérito. O fato gerou ressentimentos entre a diretoria, provo-
cando uma resposta realmente áspera lançada no relatório que o então presidente do
Banco, Torres-Homem, apresentou à Assembleia Geral dos Acionistas, em 31 de julho
de 1868, quando Zacarias já tinha deixado o governo.
No mesmo documento, Torres-Homem relatou obstáculos, mas garantiu melho-
ria da situação do Banco, considerando até provados os salutares efeitos das reformas
operadas e das transformações por que passou o estabelecimento em virtude da lei de
12 de setembro de 1866, que lhe permitiria progredir, apesar das graves e numerosas
dificuldades que pareciam contribuir para sua ruína. Sobre a repartição de hipotecas,
o relatório afirmava que, em 30 de junho de 1868, o Banco realizou operações no total
de 8.155:335$767, tinha em letras e saldo de conta corrente 26.254:180$547 e, em di-
nheiro, 289:587$021.
O Ministério presidido por Zacarias retirou-se em julho de 1868, alegando não
poder concordar com a escolha, pelo imperador, de Torres-Homem para preencher
vaga de senador pelo Rio Grande do Norte, motivo considerado estranho, pois Zacarias
nomeou Torres-Homem para presidente do Banco do Brasil e o defendera de acusa-
ções no Parlamento. Para substituí-lo, o imperador chamou Itaboraí, então chefe do

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Partido Conservador. O Partido Liberal, que estava desgastado por dissidências, logo
se mostrou unido para se opor ao novo governo.
Um decreto imperial dissolveu a Câmara e fez-se nova eleição, manobrada pelo
poder de influências e pressão do governo. Elegeu-se maioria conservadora poderosa,
quase unânime. Dissolvida a Câmara antes que estivessem votadas as medidas orça-
mentárias e as autorizações financeiras indispensáveis para o custeio da guerra e para
a própria subsistência governamental, o novo Ministério encabeçado por Itaboraí teve
de lançar mão de um recurso arbitrário. Assim, o Executivo ultrapassou o limite de sua
competência baixando um ato de típica função legislativa, o decreto nº 4.232, de 5 de
agosto de 1868, que autorizou o ministro da Fazenda a emitir, no exercício de 1868-
1869, até a importância de 40 mil contos de réis de papel-moeda, “para acudir a urgen-
tes despesas da guerra contra o governo do Paraguai e às demais obrigações contraídas
pelo Tesouro”, e sob a condição de que seria solicitada a aprovação da Assembleia
Legislativa logo que se reunisse.
Prometeu o ministro, perante o imperador, que o Tesouro faria todos os es-
forços para se manter nos limites da emissão autorizada. Pouco depois, o decreto nº
4.244, de 15 de setembro de 1868, autorizou o ministro da Fazenda a contrair, por
subscrição pública, um empréstimo que não excedesse a 30 mil contos de réis. O
sucesso dessa operação surpreendeu o governo, pois apresentaram-se 4.146 subscri-
tos pleiteando a tomada de 105.836 apólices, quando 120.000:000$000 foram postos
à sua disposição. Realizou-se um rateio equitativo e o Banco do Brasil figurou entre
os subscritores, com uma proposta de 20 mil apólices. O empréstimo provou que o
país ainda mantinha sua vitalidade econômica e deu ao governo meios para evitar ao
máximo o apelo à emissão.

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Capítulo 5
Foto: Acervo Arquivo Histórico do Banco do Brasil
Guerra do Paraguai
abala economia

A agência Assunção, no Paraguai, foi a primeira dependência do Banco do Brasil no exterior.


Fotografia (1941).
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O ano de 1869 foi, inicialmente, de comemoração patriótica para todo o país. Em


dezembro do ano anterior, o exército paraguaio sofreu decisivas derrotas e, acuado,
fugira para o interior do país. A 5 de janeiro, o marechal Luís Alves de Lima e Silva, o
Duque de Caxias, à frente dos exércitos aliados, entrou em Assunção, e depois, alegan-
do motivos de saúde, demitira-se do comando, voltando para o Brasil. A obstinação dos
paraguaios e de Solano Lopes que, em vez de se renderem, procuraram se agrupar e se
recompor para uma nova e desesperada resistência, adiou o fim da guerra, provocando
novas lutas. O Exército brasileiro, então sob o comando do conde D’Eu, lançou-se em
operações de perseguição que só terminaram com a morte do ditador paraguaio.
Finda a guerra, ainda havia sacrifícios a fazer, com as despesas de transporte
e desmobilização do Exército e da Esquadra em seu regresso ao Brasil. O governo,
cumprindo a sua promessa, só emitiu, com efeito sobre o aumento do meio circulante,
pouco mais de 17 mil contos de réis.
O ano de 1869 marcou para o Banco do Brasil uma completa mudança de direção.
A diretoria, encabeçada por Torres-Homem, sofreu duras críticas, inclusive de que
fizera “operações desgraçadas”, e defendeu-se no relatório apresentado na reunião da
Assembleia dos Acionistas de 1869. Sentindo que crescia o descontentamento entre
os acionistas, Torres-Homem alegou motivo de saúde e renunciou, seguido por vários
diretores. Em outubro, a Assembleia dos Acionistas elegeu nova diretoria, presidida
por Militão Máximo de Sousa.
Estava sendo articulado, à época, um poderoso movimento de acionista com o pro-
pósito de mudar a administração do Banco. Reconhecia-se que a maior parte do capital
do estabelecimento se acumulou em mãos de alguns poucos devedores, dentre os quais
destacava a Casa Mauá, pela qual o ex-presidente Torres-Homem tinha interesse.
A nova diretoria, dando um primeiro passo no sentido de definir uma orientação
quanto às dívidas da Casa Mauá, que tinham-se elevado demasiadamente, tomou a ini-
ciativa de dirigir ao próprio barão de Mauá, que se achava em Montevidéu, uma carta
em que lhe pedia a regularização dos seus débitos. Através de longas negociações, foi
entabulado um plano de recomposição das dívidas de todo o grupo, englobando as do
próprio barão e as das duas firmas – Mauá, Mac Gregor & Cia. e Mauá & Cia. O total
do débito chegava a 11.753:766$060.
Posteriormente, a diretoria decidiu extinguir a caixa filial de Ouro Preto. Assim,
eliminando a sua ramificação de agências pelo território nacional, o Banco reduzia-se a
mero provedor de uma pequena região e seria apenas um estabelecimento da corte, se
não tivesse mantido a filial de São Paulo.
Em outubro de 1869, o Banco entrou mais decisivamente no financiamento ao
governo, com o qual contratou um empréstimo que consistia em comprar ao Tesouro
Nacional 20 mil contos de réis em apólices da dívida pública. Esta operação provocou
comentários contraditórios: aprovação, de um lado, à diretoria, por estar prestando ser-
viços aos acionistas, agindo para restaurar o capital do estabelecimento e consolidar o
seu crédito; mas, de outro lado, alegações de que a transação exorbitava os limites mar-
cados pelos estatutos e violava o dever do Banco de manter o maior volume possível de

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seus capitais no seu movimento operacional, ainda mais num momento em que havia
carência de recursos para financiamentos.
Outra decisão da diretoria que provocou censuras foi a de aplicar recursos da Car-
teira Hipotecária na compra de apólices. No Parlamento, na sessão legislativa de 1870, o
senador Silveira da Mota declarou que o Banco estava reduzido à função de comprar apó-
lices e bilhetes do Tesouro e que, se lhe aparecesse uma letra de lavoura ou do comércio,
não a descontaria. Segundo ele, “o Banco estava desnaturado, desvirtuado completamen-
te, pois não era de descontos, não era hipotecário. Era só banco para fazer transações com
o governo, não servindo à indústria comercial, cujos descontos eram muito limitados”.
Em 22 de abril de 1870, a Assembleia Geral dos Acionistas votou e aprovou
emendas aos estatutos, entre as quais as de facilitar as reuniões da Assembleia Geral e
compor a administração do Banco com um presidente e um Conselho de seis membros,
entre os quais se escolheria o vice-presidente. Pouco tempo depois, Militão Máximo
de Sousa renunciou à presidência, sendo eleito para substituí-lo José Machado Coelho
de Castro, que permaneceria muito tempo no cargo. Em setembro de 1870, demitiu-
se o Ministério presidido por Itaboraí, sob suspeitas de que se opunha às medidas de
abolição da escravatura preconizadas pelo imperador.
O Ministério formado para substituir o de Itaboraí, presidido pelo visconde de
São Vicente, foi mal organizado e durou pouco mais de cinco meses. Foi chamado o
visconde do Rio Branco para organizar um novo Ministério, onde atuou como presi-
dente e ministro da Fazenda, por um período extraordinário, pois só se retiraria em 25
de julho de 1875, com mais de quatro anos de trabalho. Um dos seus primeiros atos foi
contratar um empréstimo de três milhões de libras na praça de Londres, que já vinha
sendo tentado por seu predecessor, para cobrir o resgate da dívida flutuante, o custeio
do prolongamento da Estrada de Ferro D. Pedro II e a escassez de recursos normais
para despesas extraordinárias dos ministérios da Guerra e da Marinha.
Como primeiro resultado de reforma dos estatutos do Banco do Brasil, já a partir
do final de 1870, descongestionava-se a pauta das sessões da diretoria. Novo emprésti-
mo foi deferido à Casa Mauá e nova compra de apólices feita ao Tesouro, no valor de
18.300 contos de réis. O dividendo pago pelo Banco foi reduzido e fixado, no ano de
1871, em 8$000 por ação, sob o fundamento de “garantir o futuro do estabelecimento e
consolidar seu capital e os rendimentos que em alguns anos escassearam com o resgate
da emissão a que o Banco estava obrigado”.
Em relatório apresentado à Assembleia Geral dos Acionistas em 31 de julho de
1871, o presidente do Banco propôs a ampliação do crédito agrícola – antes a orientação
era de restrição das operações da Carteira de Hipotecas – e apresentou um programa
que se poderia considerar adiantado e precursor, pois continha ideias como as de prazos
longos, juros módicos, pauta moderada de amortização por parte dos lavradores e até
previsão das perdas de safras. Mas a este programa, quando aprovado pela Assembleia
dos Acionistas, acrescentaram-se alguns pedidos de compensações, inclusive a prorro-
gação do prazo de duração do estabelecimento por mais 14 anos e a redução da amorti-
zação das suas notas em circulação.

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Em fins de setembro de 1871, a Comissão de Exame e Contas do Banco do


Brasil publicou parecer otimista da situação do estabelecimento. Com o capital de
33.000:000$000, emissão circulante ainda no importe de 36.480:000$000, e devendo,
em saldo de contas correntes simples e em letras a prêmio, 9.710:044$278, além de
outras pequenas somas, havia, para fazer face a esse débito, “todas as garantias e segu-
ranças desejáveis”, a despeito dos grandes prejuízos resultantes da crise comercial de
1864. Dizia o parecer:

“Em letras do Tesouro e particulares comerciais, descontadas simplesmente, ou


por meio de cauções, soma o haver do Banco 12.845.172$652. Em contas corren-
tes com garantia 10.056:616$947. Em títulos em liquidação 16.993:533$586. Além
de outros haveres, se acrescentarmos a quantia de 25.725:194$800 em apólices
avaliadas pelo seu custo no momento de as receber, a importância das diversas
caixas matriz e filiais e bens de raiz, nenhuma dúvida pode restar no ânimo mais
prevenido de que o estabelecimento ofereça todas as condições de vitalidade,
continuando como o faz em uma liquidação regular do passado e fixando regras
salutares nas duas novas operações”.

O parecer da Comissão de Contas do Banco apresentado em outubro do ano se-


guinte abriu-se em elogios à administração do estabelecimento. Referindo-se à eleva-
ção do preço das suas ações, considerou, como causa principal e inquestionável, “o re-
conhecimento de sua solidez e boa administração”. Nessa época, a diretoria indeferiu
um pedido de empréstimo da Associação Comercial do Rio de Janeiro para construção
do edifício da praça do Comércio, alegando que a operação era ilegal, já que só podia
ser feita pela Carteira Hipotecária. Esta, por sua vez, somente emprestava até 120 con-
tos, e no prazo de seis anos. Além de tudo, eram duvidosas a segurança e a vantagem
da operação, dada a insuficiência das rendas previstas.
A ideia de impulsionar o crédito agrícola, manifestada no relatório apresentado
à Assembleia dos Acionistas em 1871, começou a ser agilizada em 10 de abril de 1872,
através de uma representação entregue ao governo federal, na qual a diretoria do Banco
do Brasil expôs os problemas enfrentados pela lavoura – a atividade econômica mais
importante do país -, sobrecarregada por dívidas e altos juros e ameaçada com liquida-
ções forçadas.
Se, para atender à questão agrícola, o Banco do Brasil precisava baixar juros e
aumentar o prazo para reembolso dos seus capitais, necessitaria, em contrapartida, das
compensações consistente em prorrogação de prazos, em redução do ônus do resgate
de suas notas circulantes e em modificações que alterassem, na legislação sobre hipo-
tecas em vigor, os dispositivos referentes à adjudicação forçada dos bens aos credores e
aos desmembramentos das propriedades em virtude das execuções.
A questão agrícola, analisada pelo ministro da Fazenda no relatório que apresen-
tou à Assembleia Legislativa em 8 de maio de 1872, foi tema de projeto encaminhado
ao Parlamento, onde suscitou longos e às vezes ásperos debates, nos quais, repeti-

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damente, manifestaram-se desconfianças em relação à sinceridade dos propósitos do


Banco do Brasil de ajudar a lavoura. Afirmou-se, por exemplo, durante as discussões,
que o Banco não tinha em vista apoiar a agricultura mas, sim, utilizar esse pretexto para
obter concessões que lhe trariam vantagens. A redução do resgate solicitada pelo Ban-
co produziria o lucro de 29 mil contos e os favores que reivindicava eram, de fato, muito
superiores e de muito maior importância do que as vantagens prometidas à lavoura.
Com essas concessões o Banco monopolizaria o crédito rural, eliminando a concorrên-
cia de outras associações de crédito, cuja criação acabava de ser autorizada.
O propósito de desenvolver os empréstimos à lavoura surgira nessa nova fase da
administração do Banco. Anteriormente, a própria diretoria chegou a declarar oficial-
mente, no relatório de 30 de julho de 1870, que foi fiel ao pensamento de abster-se
de fazer empréstimos hipotecários novos, preferindo empregar em apólices os saldos
da Carteira Hipotecária. A proposta de compensações da nova diretoria interessava, no
entanto, somente à província do Rio de Janeiro e talvez a mais duas vizinhas, enquanto
17 outras províncias não eram atingidas. Os benefícios eram, ainda, elitistas, já que,
mantido o mínimo de dez contos para os empréstimos, a pequena agricultura, não me-
nos importante, ficava inteiramente fora.
O Banco, segundo as críticas, visava mais seus interesses do que as necessida-
des da lavoura, e agia no sentido de salvar seus devedores de uma liquidação que lhe
pudesse ser desvantajosa. Separava, por exemplo, para a repartição hipotecária, os pio-
res títulos que possuía, deixando-a estacionária, enquanto reservava para a repartição
comercial os títulos de mais fácil realização. Outra acusação era de que o espírito mer-
cantil dominava, então, o Banco do Brasil, impedindo-o de agir como as sociedades de
crédito real de outros países, que abriam mão das cobranças judiciais para favorecer os
devedores da área agrícola.
As estatísticas mostravam que a dívida hipotecária da lavoura não se concentra-
va apenas na corte: havia, em todo o Império, uma grande dívida além daquela que
constava da Carteira do Banco. Num sistema injusto, dava-se moratória à custa do Es-
tado somente para lavradores que deviam ao Banco, deixando sem apoio aqueles que
deviam a outros estabelecimentos, na corte e nas províncias. Assim, a melhor solução
seria a fundação de um estabelecimento de crédito real, e talvez, como medida preli-
minar, uma moratória a favor da lavoura.
Em defesa do Banco alegou-se que o favor solicitado era insignificante, apenas
a prorrogação do prazo de sua duração, o que nenhum governo podia negar. E o único
benefício a ser concedido – a redução do resgate de suas notas -, era bem menor do
que parecia à primeira vista. Era preciso considerar, dizia-se, que em nenhum país da
Europa se conseguia a organização dos bancos territoriais que emprestassem a uma
taxa de juros inferior ao juro corrente, sem auxílio de capital estranho. Os próprios ad-
versários do projeto reconheciam que o governo devia entrar com recursos do Estado
para fundar o crédito real.
Aprovado no Parlamento, o projeto foi sancionado sob a forma da lei nº 2.400,
de 17 de setembro de 1873. Em síntese, reduzia a 2,5% anuais o resgate das notas, não

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só do Banco do Brasil como dos demais bancos de circulação; prorrogava a duração do


Banco do Brasil por mais de 14 anos; obrigava-o a empregar o capital de sua Cartei-
ra Hipotecária, nunca inferior a 25.000:000$000, em empréstimos à lavoura; mandava
estender o círculo de suas transações hipotecárias além do designado nos estatutos
vigentes; fixava em 6% e 5% anuais, respectivamente, os juros e amortizações dos em-
préstimos à lavoura; estendia esses favores aos empréstimos já realizados; e determi-
nava que o governo, no caso de recusa do Banco em ceder a qualquer das disposições
precedentes, fixasse em 8% a cota anual do resgate de suas notas.
Como se vê, a própria lei adotava mecanismos de pressão, apontando para o
seu cumprimento como saída mais vantajosa para o estabelecimento. Como o Banco,
segundo o relatório de 1873, aplicou em operações hipotecárias de financiamento à la-
voura a soma de 17.344:094$452, ainda investiria mais, conforme o artigo 2º que fixava
em 25.000:000$000 o mínimo do capital a ser empregado na Carteira Hipotecária e, nas
mesmas operações, fundos novos no importe de 7.655:905$548, que teria de transfe-
rir da sua Carteira Comercial. Do mesmo modo, preencheria qualquer desfalque que
ocorresse no capital depois de convertido em empréstimos hipotecários.
Reunida em 30 de setembro de 1873, a Assembleia Geral dos Acionistas autori-
zou o Conselho Diretor a inovar o acordo celebrado com o governo imperial, em 11 de
outubro de 1866, com poderes expressos para “aceitar a lei nº 2.400 de 17 de setembro
findo, em todas as suas partes”. Era a submissão do Banco a um novo ajuste. O novo
acordo entre o governo e o Banco, para execução dessa lei, foi assinado no dia 24 de
fevereiro de 1873.
Novas disposições figuraram nesse acordo: o fundo disponível da Caixa Hipo-
tecária, que não pudesse ser logo empregado em empréstimos à lavoura, poderia ser
aplicado provisoriamente em apólices da dívida pública, bilhetes do Tesouro e letras
hipotecárias do próprio Banco ou de outro estabelecimento de crédito real; a repartição
hipotecária operaria em empréstimos sobre hipotecas de imóveis rurais ou urbanos de
longo prazo, ou de dez a 25 anos em empréstimos sobre hipotecas de imóveis rurais ou
urbanos a curto prazo, ou pelo menos de dez anos, ou na emissão de negociações de
letras hipotecárias, fundadas sobre os empréstimos de longo prazo; a circunscrição ter-
ritorial dessas operações compreenderia o município da corte, as províncias do Rio de
Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Santa Catarina; foi abolido o
limite mínimo de dez contos e mantido o limite máximo de 120 contos para os emprés-
timos; foram estipuladas regras para emissão de letras hipotecárias pelo Banco.
O Banco, que pedira inicialmente algumas moderadas concessões em troca de
uma simples melhoria do crédito à agricultura, obteve realmente os favores pleiteados,
mas acabou obrigado a novas e carregadas condições de uma expansão do crédito rural,
para a qual não estava devidamente constituído e nem aparelhado. Ademais, a lavoura
ainda não reunia condições suficientes para o recebimento sistemático de financia-
mentos capazes de impulsionar o setor, em consequência de carência de infraestrutura,
especialmente no tocante a comunicações e transportes.

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Esperava-se que o Banco não alcançasse condições para desempenhar, satisfa-


toriamente, os novos deveres que contraíra. Mas a experiência podia ser válida e pelo
menos resultar na aferição dos obstáculos, das necessidades de adaptação e moderniza-
ção indispensáveis à introdução e desenvolvimento do crédito rural no Brasil. Inicial-
mente, o Banco revelou boa vontade no cumprimento de sua nova obrigação. Cuidou
de completar os fundos da Carteira Hipotecária no valor de 25.000:000$000 que, em 31
de dezembro de 1873, chegou a 24.152:873$950.
Em 1874, o Banco tratou do lançamento de letras hipotecárias. No início desse
ano, tornou extensivos aos devedores por hipoteca rural os benefícios da amortização
de 5% e dos juros de 6% pagos por semestre vencido, mandou restituir a diferença de
9% para 6% aos que, por força de contrato, pagaram adiantadamente e passou a conce-
der reforma dos contratos de curto para longo prazo. Em junho, tinha em andamento
256 propostas de empréstimos rurais, para as quais se previa uma aplicação de cerca de
12.000:000$000 e o emprego, até o fim do ano, de todo o fundo de 25.000:000$000.
Nesse mesmo ano, a Casa Mauá passou a apresentar pedidos de financiamento
ao Banco do Brasil, que prenunciavam a erosão de sua capacidade financeira e de suas
condições de solvência, e o Banco começou a recusá-los. O relatório do ministro da Fa-
zenda e o pronunciamento do imperador na abertura da Assembleia Geral Legislativa
focalizaram, também naquele ano, a difícil situação da área rural e a carência de esta-
belecimentos de crédito capazes de proporcionar aos lavradores, mediante condições
menos onerosas, os capitais de que necessitavam.
As dificuldades financeiras que já pairavam no ano de 1874, indicando pre-
núncios de crise, chegaram ao auge em maio de 1875. O governo forneceu reforço
ao Banco do Brasil para enfrentar a situação. Pediram concordata o Banco Alemão,
o Banco Nacional e a Casa Mauá. Os bancos, exceto o do Brasil, chegaram a sofrer
corridas de depositantes. No relatório apresentado pelo presidente do Banco do Bra-
sil à Assembleia Geral dos Acionistas, na reunião de 31 de julho de 1875, afirmou-se
que a situação econômica do estabelecimento era satisfatória, “apesar da perturbação
ultimamente trazida às relações comerciais desta praça pela suspensão de três esta-
belecimentos bancários”.
Graças à confiança que o Banco do Brasil já adquirira junto ao público, à soli-
dez de sua Carteira Comercial e, sobretudo, à eficaz interferência do governo fede-
ral, concedendo recursos de meio circulante, que essa perturbação não tomou maiores
proporções. Já à data do relatório, o Banco pudera restituir ao Tesouro as somas dele
recebidas. O mesmo relatório revelou franco pessimismo a respeito das operações da
repartição hipotecária, confirmando que o seu fundo estava esgotado e mencionando a
tentativa de angariar novos recursos por meio de emissão de letras hipotecárias.
O presidente do Ministério e ministro da Fazenda, visconde do Rio Branco, havia
apresentado na sessão de 14 de maio de 1875, na Câmara dos Deputados, uma proposta
destinada a obter autorização para emitir, em bilhetes ao portador ou em moeda corren-
te, até a soma de 25 mil contos, para reforçar os bancos de depósitos no combate à crise,
sob a garantia de títulos da dívida pública fundada, de bilhetes do Tesouro da então

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dívida flutuante, ou, na falta destes, de outros títulos considerados seguros. Transfor-
mada em projeto, a proposta foi debatida e aprovada, resultando na lei nº 2.565, de 29
de maio de 1875. Já então havia sido emprestada aos bancos a soma de 16.033:250$000,
sob garantias de apólices, paga com presteza.
A crise deve ter influído para que, em julho daquele ano, o visconde do Rio
Branco decidisse exonerar-se, como todo o Ministério, encerrando assim o seu longo
governo de quatro anos. Teriam mais decisivamente contribuído para sua demissão,
no entanto, as acusações de ter concedido exagerados favores ao visconde de Mauá,
causando elevado prejuízo ao Tesouro, entre os quais o de confiar à Casa Mauá 756 mil
libras esterlinas, por meio de cambiais negociáveis pelo Tesouro para serem pagas em
Londres. O pagamento não foi feito e houve o recâmbio.
Graças ao auxílio do governo, a maior parte dos bancos escapou à derrocada, mas
os seus depósitos continuaram reduzidos. O relatório do Banco aos acionistas, em junho
de 1877, observava que, embora tivesse ocorrido aumento dos depósitos a juros, tanto
em conta corrente, quanto por letras a prazo fixo, não houve correspondente acréscimo
de transações, em consequência “de causas gerais e locais que têm provocado liquida-
ções parciais em diversos ramos de negócios”. Moratórias foram concedidas a diversos
devedores de uma avultada soma de capital. Houve atraso de devedores da lavoura no
pagamento de juros vencidos. Tudo isso concorreu para que a conta de lucros deixasse
de apresentar resultado mais vantajoso.
O mesmo relatório assinalou movimento muito limitado na repartição hipote-
cária, devido à falta de capital próprio e à acanhada circulação da letra hipotecária. O
Banco do Brasil, por sua vez, despojado do poder de emissão, desobrigado de se trans-
formar na fonte de pronto-socorro a bancos e casas bancárias ameaçados de ruína, pôde
atravessar a crise sem se envolver com riscos de perda, embora tivesse se beneficiado
com suporte de recursos do governo, que logo conseguiu repor.
A 6 de novembro de 1875, foi sancionado o decreto legislativo nº 2.687, autori-
zando a fundação de bancos de crédito real, com base no plano traçado na lei nº 1.237,
de 24 de setembro de 1864, e engenhos centrais. Essa resolução resultou de um longo
parecer e de um projeto de lei, apresentados à Câmara dos Deputados e lidos na sessão
de 20 de julho de 1875 pela sua Comissão de Fazenda e por uma comissão especial
nomeada para estudar os meios de auxílio à lavoura.
O parecer levantava a tese de que a agricultura era a principal fonte de riqueza
nacional, sendo por isso indispensável à proteção dos poderes públicos para que lhe
fosse prestado o necessário apoio pois, desta forma, estaria se equipando o país dos
meios capazes de ampliar sua receita. Analisava ainda, com profundidade, as raízes
das causas que reduziram o setor agrícola ao estado de atraso e decadência em que se
achava, entre as quais relacionava a falta de conhecimentos profissionais e de estradas,
os elevados impostos de exportação, carência da mão de obra e escassez de capital.
O projeto passou por longas e acaloradas discussões e por profundas modificações
nas duas casas do Parlamento. Durante os debates surgiram referências ao Banco do
Brasil, que se comprometera a dar financiamento à lavoura, até 25 mil contos, a juros de

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6% compensando o prejuízo com o decesso do resgate de sua emissão. O Banco já dera


mais de 26 mil contos, cumprindo o seu contrato, e até procurou aumentar o seu capital
de crédito através da emissão de letras hipotecárias, as quais, porém, não tiveram curso
pelo seu valor, pois, emprestando a 6% só podia pagar 5% de juros. A diferença de 1%
era margem muito pequena para despesas e prejuízos. O Banco se viu obrigado a parar,
porque as letras hipotecárias refluíram sobre sua carteira.
O projeto foi criticado porque não dizia onde o Estado iria obter os 50 mil contos
com os quais concorreria para o capital de bancos de crédito real. Sugeriu-se, então, que
os bancos a serem organizados operassem, tanto no crédito agrícola, como no industrial
e no comercial, uma proposta que já preconizava o que modernamente prevaleceu no
Banco do Brasil, Banco do Nordeste e outros.
No Senado surgiu o projeto de se buscar capital estrangeiro para os futuros ban-
cos de crédito rural, mediante garantia do governo a juros e amortizações de letras
hipotecárias a serem emitidas nos países ricos da Europa. Alimentou-se então a es-
perança, considerada ingênua por muitos, de levantar na praça de Londres a soma de
400 mil contos de letras hipotecárias, ainda que a longo prazo. O projeto foi aprovado
e sancionado como decreto nº 2.687, de 6 de novembro de 1875. Mas foi de fato de-
cepcionante, depois, a tentativa de lançar letras hipotecárias no exterior, pois, apesar
de esforços dos nossos representantes diplomáticos, não apareceram interessados em
investir nesses empreendimentos.
As iniciativas para estabelecer crédito rural eram realmente de boa inspiração,
mas pareciam prematuras. Naquele tempo ainda era fraca e insuficiente a base de ga-
rantia indispensável a todo financiamento agrícola – a propriedade rural. Faltavam as
condições mínimas de estabilidade e definição, pois as terras ainda não eram precisa-
mente demarcadas, dificultando a sua avaliação. Uma das garantias mais seguras era o
escravo, considerado o ativo mais valioso, mas que já se desvalorizava rapidamente, não
só pela aplicação gradual da Lei do Ventre Livre, como porque o regime da escravidão
se enfraquecia com a conscientização da opinião pública, que conduziria, previsivel-
mente, à sua completa abolição.
Até meados de 1877, o Banco do Brasil registrou aumento de lucros, resultantes
do recrudescimento das operações e de melhores condições da praça, que pouco a
pouco se refazia dos efeitos da crise de 1875. O movimento da Carteira Hipotecária
continuava contido pela falta de recursos, em vista do resultado medíocre da colocação
de letras hipotecárias.
Nos anos de 1876 e 1877, foram publicamente criticadas as operações com apó-
lices da dívida pública, como uma vultuosa aquisição de 30 mil títulos em janeiro de
1877. Logo depois o Banco passou a comprar apólices. Esses fatos, aparentemente
contraditórios, não ficaram bem esclarecidos. As críticas apontavam uma versão pela
qual o governo, carente de recursos, teria lançado apólices ao preço do par, quando
elas se achavam cotadas um pouco acima. Por sua vez, o Banco, ao ver que o governo,
não fazendo o lançamento por seu intermédio, negava-lhe uma possibilidade de lu-
cros, teria, em represália, mandado vender apólices que já possuía por um preço abaixo

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do par. Naturalmente, os tomadores deixariam de comprar os títulos ao governo para


comprá-los ao Banco. Sentindo-se prejudicado, o governo teria suspendido sua venda
e, mais tarde, teria reagido, impondo ao Banco a compra por um preço pouco inferior
ao do par.
Mas convém podar nessa versão algum excesso. Documento oficial do Banco do
Brasil demonstrou que a venda de apólices que lhe pertenciam por preço abaixo do par
não teria sido autorizada. De qualquer modo, persiste crítica de que o Banco, ao aten-
der à absorção de recursos pelo governo, preteriu a assistência creditícia às atividades
econômicas, sobretudo porque o próprio relatório do seu presidente reconhece que não
se evitou o abalo, e apenas buscou-se atenuá-lo.
Examinando-se os fatos à luz de dados de relatório do Banco do Brasil, é possí-
vel concluir que a compra de apólices pouco prejudicou a sua assistência às atividades
privadas, dentro do propósito declarado de minimizar roturas neste setor. Além disso,
o Banco realizou a aquisição de apólices com a mínima inversão de seus próprios recur-
sos e com proveito de lucros seguros na percepção dos juros e no ganho dos ágios de
revenda dos títulos governamentais.
Em maio de 1877, o Banco pediu auxílio temporário ao Tesouro, alegando ante-
cipadamente a necessidade da expansão de recursos que sempre ocorria em fim de ano
e começo de ano novo, devido a causas como liquidação de contas que eram deixadas
para o fim dos semestres; provisões que faziam as companhias e sociedades anônimas
para o pagamento de seus dividendos; remessas para salários a trabalhadores nas diver-
sas vias férreas e outras obras em construção nas províncias do Rio, Minas Gerais e São
Paulo; a larga e sempre crescente soma que o Tesouro tinha de acautelar na Caixa de
Amortização para os juros das apólices; e remessa de capital calculado entre dez e 15
mil contos, às províncias do Norte.

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Capítulo 6
Foto: Acervo Arquivo Histórico do Banco do Brasil
A escravidão chega ao fim.
Novas crises

Antigo prédio da Associação Comercial (1906).


Mostra o aspecto original que tinha a fachada antes da aquisição do prédio pelo Banco do Brasil, que
o reformou para a instalação de sua sede em 30/04/1926. Prédio que abriga hoje o Centro Cultural
Banco do Brasil.
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Após passar pelas duras provações da crise de 1864, da Guerra do Paraguai e


conhecer um período áureo de 1850 a 1860, o segundo reinado ainda se manteve pres-
tigiado até meados da década de 1870. A questão religiosa, quando dois bispos foram
processados, condenados e presos, e a questão militar, que concorreria para a procla-
mação da República, marcaram o início da sua decadência, retratada na própria figura
do imperador, cuja saúde e força pessoal começavam a se abalar. O longo reinado se
tornou cansativo, para o imperador e para a comunidade. A expectativa de um terceiro
reinado, que seria o da princesa Isabel e que se supunha vulnerável à influência de um
príncipe consorte estrangeiro, não angariava simpatia nem levantava esperanças.
Com o declínio da instituição monárquica iria agravar-se, também, o mal crôni-
co da instabilidade ministerial e novas crises se prenunciavam. No começo de 1878,
demitiu-se o Ministério presidido pelo duque de Caxias, dando lugar à rotatividade de
partidos, ao assumir o novo Ministério presidido por Cansanção de Sinimbu, um dos
chefes do Partido Liberal, que, após a dissolução da Câmara, conseguiu grande maioria
através da eleição manipulada pelo governo.
Esse novo governo encontrou, de início, duas grandes dificuldades: a devasta-
dora seca de 1877, que assolou o Nordeste durante dois anos e o estado ruim das fi-
nanças, que procurou solucionar com o recurso fácil das emissões. Estando dissolvida
a Câmara, o imperador, como já fizera antes, usurpando função do Poder Legislativo,
baixou o decreto nº 6.882, de 15 de abril de 1878, autorizando, por dois exercícios, a
emissão de papel-moeda até a importância de 60 mil contos de réis. Não se procurou
adotar uma política de saneamento financeiro e para isso contribuiu a instabilidade
governamental, que fez com que, em pouco menos de 12 anos, dez gabinetes ondu-
lassem na cúpula da decadente instituição monárquica. Registrou-se, também, nessa
época, baixa do câmbio.
No ano de 1878, o Banco fez uma nova e limitada emissão de letras hipotecá-
rias e, como o capital da Carteira Hipotecária já estava em 24.954:513$150, resolveu
completá-lo com a transferência de fundos da Carteira Comercial. Na verdade, a Car-
teira Hipotecária limitava-se a repassar para as mãos de novos mutuários os capitais
que recebia em amortização. Em outubro, o parecer da Comissão de Contas do Banco
apresentado à Assembleia Geral dos Acionistas mantinha a linha de apoio aos atos
da administração. Embora admitindo que houvera pequena redução nas operações do
Banco, ressalvou que o estabelecimento não desmerecia a confiança dos capitalistas, já
que os saldos dos depósitos em conta corrente e as letras a pagar por dinheiro a prêmio
vinham aumentando substancialmente.
O ano de 1879 marcou a reaproximação e o reatamento de relações entre o gover-
no e o Banco do Brasil. Em 8 de fevereiro, Afonso Celso de Assis Figueiredo assumiu a
pasta da Fazenda e logo deu início ao processo de negociação com o Banco. Em 20 do
mesmo mês, o presidente do Banco informou ao Conselho que o ministro o havia pro-
curado para propor medidas “que pareceriam ser de conveniência mútua entre o Banco
e o governo”. O Banco forneceria ao governo o dinheiro necessário para concentrar no
estabelecimento toda a dívida flutuante, a prazos mais ou menos longos; encarregar-

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se-ia de fornecer as cambiais para os encargos do governo na Europa; incumbir-se-ia de


todo o serviço no momento a cargo da Caixa de Amortização.
Depois de alentadas negociações, foi assinado, no começo de março, um contrato
de conta corrente, pelo qual o Banco abria ao Tesouro um crédito até a quantia de dez
mil contos de réis, que podia ser retirada por meio de cheques ou de ordens assinadas
pelo Tesouro Geral e o governo, em contrapartida, depositaria no Banco todos os saldos
disponíveis na Tesouraria Geral, Alfândega da Corte e Recebedoria do Rio de Janeiro,
para serem levados a crédito nessa conta corrente. O Banco, por outro lado, procurou
conseguir créditos na Europa para operações de câmbio e a consequente reforma dos
estatutos, aprovada pela Assembleia Geral dos Acionistas e pelo governo. Começou a
realizar as operações de câmbio no começo de julho e colaborou com providências para
levantar a taxa sobre Londres.
Com a ajuda dos bancos, inclusive o Banco do Brasil, em meados de 1879, o go-
verno lançou um empréstimo destinado a saldar contas do Tesouro, cuja subscrição
foi bem sucedida. Em 30 de outubro do mesmo ano, o Conselho Diretor do Banco
do Brasil concordou em receber, pelo valor de 2.500:000$000 os bens da massa falida
de Mauá & Cia., ficando ainda com o saldo credor no valor de 3.075:000$000, a ser
qualificado como crédito quirografário. A lei nº 2.565, de 29 de maio de 1875, que
poderia dar elasticidade ao meio circulante na eventualidade de aperto financeiro, foi
revogada pela lei orçamentária de 31 de outubro de 1879. Mas persistiu a necessida-
de de autorização legal.
Logo no início de 1880, o Conselho Diretor anunciou uma decisão que gerou
expectativas animadoras. Considerando altos os lucros do último semestre, procedeu à
distribuição de dividendos na base de 10$000 a cada ação. Por vários anos o dividendo
vinha sendo pago, inicialmente na base de 8$000 e, por último, na base de 9$000.
Decorridos apenas dois meses do novo ano, exonerou-se o Ministério presidido
por Cansanção de Sinimbu, após encontrar dificuldades no Parlamento para aprovar
uma reforma eleitoral. Foi chamado para constituir um novo governo o conselheiro
José Antônio Saraiva.
De comum acordo com o ministro da Fazenda e com a aprovação do governo, o
Banco adotou medidas que, pelo menos parcialmente, levavam à sustentação do câm-
bio e a atenuação das suas habituais oscilações. Mas, na incerteza da orientação do novo
governo e devido à redução das suas disponibilidades no exterior, o Banco acabou se
retirando do mercado de câmbio, provocando uma baixa, apesar da boa safra de café e
da perspectiva de abundante produção algodoeira.
Paralelamente, o Banco começava a retroceder no limitado impulso que vinha
dando à Carteira Hipotecária, decidindo que o ano de 1880 não faria nova emissão de
letras hipotecárias. Entre os motivos, alegou-se que davam a insuficiente margem de
1% de lucro e que a campanha abolicionista, ao anunciar a libertação da mão de obra
escrava, não encorajava os empréstimos à agricultura. Mantendo a linha do retrocesso,
o Conselho Diretor mandou, em 29 de setembro de 1880, que a Carteira Hipotecária
quitasse junto à Carteira Comercial seu débito de 758:936$029 e que, a partir daí,

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pagasse, regularmente, tudo quanto entrasse em amortização de hipotecas urbanas.


Resolveu, no entanto, abrir, a contar de 1º de outubro, o recebimento de propostas
para empréstimos hipotecários à lavoura, até o limite de 2.500:000$000, provocando
uma demanda intensa com o registro de 124 propostas, num valor muito superior ao
previamente fixado.
Ainda em 1880, os funcionários do Banco reivindicaram a criação de uma previ-
dência em seu benefício. Apesar do apoio restrito do Conselho Diretor, foi implantada
uma Caixa de Montepio, sustentada por um dia de salário, em cada mês, dos funcioná-
rios. A participação do estabelecimento nessa iniciativa reduziu-se à decisão do Conse-
lho Diretor de obrigar todo empregado admitido a contribuir para a Caixa, e de mandar
reverter em favor do fundo os descontos impostos aos servidores por suas faltas. No dia
4 de outubro, a Assembleia Geral dos Acionistas novamente elegeu para a presidência
do Banco, José Machado Coelho de Castro.
No período de 1871 a 1880, os lucros do Banco se mantiveram entre 4 mil e pou-
co mais de 5 mil contos de réis. Assim, durante esses anos, não se registraram lucros
líquidos que indicassem prosperidade, podendo se classificar o período como de ate-
nuada estagnação. O comércio geral do país, representado pelas importações e exporta-
ções, também não marcou índices de expansão, mantendo-se, sem alterações, na faixa
de 300 mil a 350 mil contos. Foi somente no ano de 1880 que ocorreu uma elevação
mais acentuada, chegando a quase 400 mil contos.
A soma total das operações do Banco, no entanto, evoluiu, passando, em núme-
ros redondos, de 195 mil, em 1871, para 1.512.615 contos de réis, em 1880. A evolução
dos lucros não sintonizou com a expansão do movimento operacional, que cresceu
muito em toda a década. Comparativamente, o aumento do número de empregados foi
muito moderado. Com um pequeno quadro de servidores, que passou de apenas 30 em
1872 para 47 em 1880, o Banco podia movimentar sempre maiores fundos.
Saraiva, o novo presidente do Conselho, não só conseguiu aprovar rapidamente
uma reforma eleitoral, como presidiu, com imparcialidade, a eleição da Câmara rea-
lizada em outubro de 1881, que apresentou um resultado insólito: foram eleitos 68
deputados liberais e 50 conservadores, ao contrário das antigas esmagadoras maiorias
do partido do governo. Logo se formou uma dissidência no Partido Liberal, que ficou
como fiel de balança, aliando-se esporadicamente ao Partido Conservador para derru-
bar ministérios.
Assim foi que, após cair, em janeiro de 1882, o Ministério presidido por Saraiva,
assumiu e saiu, no mesmo ano, o Ministério chefiado por Martinho Campos. Ainda em
1882, tomou posse o Ministério presidido por Lafayete Rodrigues Pereira. Novo Mi-
nistério assumiu em junho de 1884, tendo à frente Manuel Pinto de Sousa Dantas. Em
maio de 1885 foi a vez, novamente, do Ministério presidido por José Antônio Saraiva
e, em outubro do mesmo ano, de novo Ministério comandado pelo barão de Cotegipe,
o qual, tendo manipulado a eleição e obtido esmagadora maioria para o seu partido,
conseguiu se manter até março de 1888, quando assumiu o Ministério presidido por
João Alfredo Correia de Oliveira. Em junho de 1889, toma posse novo Ministério, ten-

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do à frente o visconde de Ouro Preto, que logo em novembro sofreu a derrocada que
resultou na proclamação da República.
Em junho de 1881, admitindo que as operações de câmbio davam prejuízo, o
Banco retraiu-se no mercado. O fato repercutiu no Parlamento através de pedidos de
informações, apreciações e conjecturas que procuraram devassar as suas operações.
Respondendo, embora com relutância, a um pedido de informações do Parlamento, o
Banco esclareceu que, até 1880, tivera lucros nas operações de câmbio, mas sofrera pre-
juízo, em 1881, de 798:403$887. No Senado, Teixeira Júnior, utilizando até cálculos de
probabilidades, procurou demonstrar que esses prejuízos foram muito mais elevados.
No relatório apresentado à Assembleia Geral dos Acionistas, em 30 de julho de
1881, o Banco assinalou que, na Carteira Hipotecária, as concessões de créditos con-
tinuavam limitadas ao valor das amortizações recebidas, dentro do propósito de não
estender o círculo dessas operações, embora continuasse satisfatório o estado da repar-
tição hipotecária, com regulares serviços de juros e amortizações. O atraso, afirmou, era
meramente de rotina.
Em 1882, divulgou-se que a balança das transações do Brasil com o exterior apre-
sentava um desequilíbrio no valor de 49 mil contos de réis, disto resultando a lenta,
mas constante baixa do câmbio. Em 1883, o governo autorizou emendas nos estatutos
do Banco que haviam sido aprovadas pela Assembleia Geral dos Acionistas, e que am-
pliaram algumas operações autorizadas e liberaram outras.
O relatório do presidente do Banco aos acionistas, em 20 de agosto de 1883,
registrou reduções no movimento operacional e reconheceu que a má situação da la-
voura se acentuou no ano bancário que terminava. Enquanto, no ano anterior, 70%
dos contratos hipotecários estavam sendo pagos em dia, no final do ano seguinte essa
proporção baixou a 65% para os contratos de agricultura, mantendo-se em 50% para os
urbanos. Na Assembleia dos Acionistas, realizada em 9 de outubro de 1883, reclamou-
se que a soma confiada pelo estabelecimento ao governo era muito alta, pois chegava a
um total de 45 mil contos, superior ao do capital. Esta aplicação, defendeu-se a direto-
ria, não levava o Banco a regatear créditos ao comércio e à indústria.
No período de 1883 a 1884, o movimento do Banco do Brasil, que se recuperava
da depressão ocorrida no ano anterior, voltou ao normal. Registraram-se, então, altas
cotações das suas ações, em torno de 300$000, e elevações no movimento de caixa,
nos pagamentos de cheques, nos lucros, nos descontos de letras, nas contas correntes
garantidas e nas contas correntes credoras. As perspectivas de uma abolição da escra-
vatura próxima geraram incertezas na economia do país e, sem a necessária segurança
para a realização de empréstimos à lavoura, o Banco decidiu manter uma atitude de vi-
gilância, sustentando os contratos. Nessa altura, somente 54% dos devedores estavam
pagando pontualmente as suas prestações.
Pouco tempo depois a situação agravou-se. No segundo semestre de 1884, cresceu
o número de pedidos de moratória e de liquidações com abatimentos por parte dos clien-
tes. O capital da Carteira Comercial estagnou, sob o peso dos protestos, falências e mora-
tórias. Lucros e fundos de reserva foram afetados. Os dividendos baixaram de 10% para

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8,5%. As cotações das ações caíram até 220%. O lucro líquido, que no ano anterior chegou
a mais de 5 mil contos, declinou para pouco menos de 4 mil contos. O fundo de reserva,
que deveria elevar-se para pouco mais de dez mil contos, desceu a 7.775:777$635. O
saldo da conta de títulos em liquidação, que em julho de 1884, estava em quase 1.600
contos, subiu no ano seguinte para pouco mais de 5 mil contos. Os índices numéricos do
movimento do Banco acusavam baixa generalizada. Registrava-se uma depressão, embo-
ra leve e passageira, que já no ano seguinte cederia aos indícios de recuperação.
Os governos sucediam-se a pequenos intervalos, abalados pelas dificuldades fi-
nanceiras e pelo movimento abolicionista, que já tinha apoio da Casa Imperial e mar-
chava para uma vitória. Não o abrandou a aprovação, pelo Parlamento, de um projeto
que tentava atenuar a escravidão, inclusive com a emancipação dos sexagenários. Não
existiam propriamente adversários da abolição, mas sim, duas correntes de abolicionis-
tas: uma que a queria logo e total e outra que a preconizava progressiva, para amortecer
o abalo que sofreria a lavoura com a súbita escassez de mão de obra escrava.
O imperador tentou manter o Partido Liberal no poder, mas suas lideranças já
não mais tinham condições de organizar ministérios. Chamou, então, ao governo, em
agosto de 1885, o Partido Conservador, conferindo ao barão de Cotegipe a missão de
organizar e presidir o Ministério. No mesmo mês, a Assembleia dos Acionistas apro-
vou uma reforma dos estatutos – sancionada pelo governo somente dois anos depois,
por decreto de 4 de agosto de 1887 -, que prorrogava o prazo de duração do Banco
até o ano de 1910 e admitia o voto de acionistas na Assembleia por procuração com
poderes especiais.
Em 1886, o Banco, finalmente, mudou de presidente. Coelho de Castro, que du-
rante muitos anos vinha exercendo o cargo, demitiu-se e deu lugar ao visconde de To-
cantins. No mesmo ano, entre março e abril, o Banco entrou em acordo com o ministro
da Fazenda para encarregar-se de abrir, por conta do Tesouro, subscrição pública “para
o empréstimo de 50 mil contos de réis nominais”, percebendo a comissão de 0,5% so-
bre o valor nominal subscrito. Foi também contratado um empréstimo no exterior, de 6
milhões de libras. Um dos motivos apresentados foi a consolidação da dívida flutuante
do Tesouro, já em torno de 100 mil contos de réis.
O ministro Francisco Belisário Soares de Sousa, da Fazenda, apontou na Câmara,
nesse ano, a gravidade de situação das finanças do país e lembrou que “o déficit orça-
mentário foi quase uma constante por todo o Império, desde 1826 até 1886, pois, em
60 anos, somente registraram-se saldos em sete exercícios”. No final desse ano cresce-
ram, na imprensa, as críticas à administração do Banco do Brasil, ao qual se atribuíram
prejuízos de até 8.830:681$000.
Segundo documentos do próprio Banco, ocorreu, no começo de 1887, o aumento
de 9% dos dividendos relativos ao segundo semestre de 1886, base mantida no ano de
1887. No começo do segundo semestre de 1887, o Banco envolveu-se com vários casos
de liquidações e falências, inclusive de firmas importantes na cidade do Rio de Janeiro.
O movimento abolicionista também contribuía para as dificuldades do Banco,
principalmente nos casos de proprietários que resolviam dar espontaneamente eman-

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cipação a escravos que figuravam como garantia de empréstimos. O Banco chegou a


protestar, adotando posição realmente impopular. Em 27 de agosto de 1887, registrou-
se em ata que a suspensão dos empréstimos à lavoura havia sido executada com ex-
tremo rigor, negando atendimento até mesmo a proponentes que já tinham avaliações
feitas. Para sua própria conveniência, o Banco havia concedido empréstimos que visa-
vam exclusivamente garantir dívidas em más condições.
No ano de 1887, o Banco continuava com os lucros líquidos estagnados em
4.325:557$875 e a cotação de suas ações entre 278$000 e 265$000. A Carteira Hipo-
tecária mantinha-se em sua rotina de liquidação, pois realizou, em 1877, apenas 13
contratos, todos provenientes de novas ações ou vendas de propriedades adjudicadas
ao Banco ou para garantia de títulos em liquidação. Por isso, sofria críticas no Parlamen-
to, onde Silveira da Mota acusou o Banco de instituição fatal ao país, que embaraçava
todos os empreendimentos. Calculando que o Banco chegava a ter mais de 40 mil
escravos hipotecados, Silveira disse que a instituição cometeu o abuso de suspender,
há quatro anos, os seus empréstimos à lavoura, mas ainda desfrutava dos favores da
emissão, em razão da qual ainda possuía 15 ou 16 mil contos de réis.
Houve uma denúncia, na Câmara, de que o Banco não estava cumprindo o con-
trato pelo qual se comprometeu a manter a quantia de 25 mil contos de réis empregada
em hipotecas de longo prazo à agricultura. Exigiu-se, então, que o governo o punisse
através de aumento do percentual que reduzisse sua emissão, mas não se tomou qual-
quer providência efetiva.
Em 1888, já se ponderava que a abolição não traria as consequências que se
imaginava, pois o escravo não era mais julgado fator indispensável da produção e as
estatísticas, principalmente das safras abundantes de algodão, açúcar e borracha nas
províncias do Norte, estavam provando de modo incontestável a superioridade do tra-
balho livre. A transição não se faria, certamente, sem sacrifícios de interesses individu-
ais, mas tudo parecia indicar que os cofres públicos não sofreriam o grande abalo que
se receava20.
Os números mostravam que a situação econômica e financeira do país era re-
almente próspera em meados desse ano, com abundância de ouro. O câmbio subiu
para mais de 27, o dinheiro estava acessível, as taxas de descontos regulares, os fundos
públicos mantiveram posição relativamente firme, os títulos comerciais e industriais
foram negociados sem dificuldades e, até em alguns casos, com movimento avultado.
Realizaram-se, de modo eficaz, empréstimos no exterior e na praça21.
O Banco do Brasil liderava o movimento bancário, conforme assegurou o minis-
tro Francisco Belisário em discurso pronunciado no Senado, em 23 de julho:

“Só um dos dois bancos são obrigados sempre a operar, qualquer que seja a taxa
dos descontos. No dia em que sustassem as operações, dar-se-ia uma crise. Na
praça do Rio de Janeiro esta função é principalmente exercida pelo Banco do Bra-
20. Retrospecto do Jornal do Commercio, publicado em 9 de janeiro de 1888.
21. Antônio Carlos, Os Bancos de Emissão no Brasil, 1923, p. 201 e 202.

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sil. Todos os outros bancos podem restringir seus negócios. O do Brasil é obrigado
a fazê-lo sempre; no dia em que parasse as suas operações haveria uma crise.”

Se a situação econômica e financeira era satisfatória, a evolução social e política


trazia as marcas da desagregação. O grande movimento da abolição era irreversível.
Reivindicava-se a extinção imediata e total da escravatura, desprezando-se as propos-
tas para um processo gradual apresentadas no Parlamento. Muitos senhores de escra-
vos começaram a aderir e a abrir mão de seus direitos, concedendo espontaneamente
a alforria. Segundo levantamento feito, em 1883, havia no Brasil 1.584.974 escravos.
Quatro anos depois, de acordo com estatística realizada por força da lei de emancipação
dos sexagenários, revelou-se que o número de escravos havia baixado para 723.419.
A supressão do castigo corporal, a debandada dos escravos que abandonavam o
trabalho, a impotência e até o desinteresse da força pública em fazê-los retornar aos
“donos” fizeram com que a abolição já estivesse realizada de fato quando, afinal, foi
proclamada em lei. A Casa Imperial já tinha aderido ao movimento e a princesa Isabel,
que atuava como regente durante as viagens do imperador à Europa para tratamen-
to de saúde, pressionou a demissão do Ministério presidido pelo barão de Cotegipe,
nomeando para o cargo o senador João Alfredo Correia de Oliveira, que tomou posse
em 10 de março de 1888. Em 8 de maio, o ministro Rodrigues Silva, da Agricultura,
apresentou, na Câmara dos Deputados, o projeto que simplesmente declarava extinta
a escravidão no Brasil, sancionado em 13 de maio.
Muitos dias transcorreram de comemorações, durante quase todo o mês de maio.
O governo mostrou-se incapaz de prevenir as consequências sociais e econômicas da
abolição. Coube ao Banco do Brasil, que havia suspenso seus empréstimos à agricultu-
ra, tomar providências, agindo sobretudo em defesa de seus interesses, afetados pela
abolição, que provocou uma baixa geral nas garantias das operações bancárias. Ainda
em maio, o Conselho Diretor do Banco começou a discutir propostas, considerando, in-
clusive, a hipótese de pleitear junto ao governo maior prazo para amortizar sua emissão
e, assim, conceder maior folga aos devedores da Carteira Hipotecária. Iniciou, também,
entendimentos com o próprio presidente do Ministério e ministro da Fazenda, João
Alfredo, combinando as bases de um acordo.
Em discurso de 25 de julho, o ministro relatou à Câmara dos Deputados os seus
entendimentos com o Banco e pediu uma deliberação a respeito. Explicou que deu
preferência ao Banco do Brasil porque já existia desde 1873 um acordo entre este e
o governo para apoio à agricultura, no qual o primeiro se obrigou a constituir uma
Carteira Hipotecária com 25 mil contos de réis. Como esta carteira estava com as suas
aplicações reduzidas a 19 mil contos de réis, o Banco foi convencido a completá-la, fi-
cando então sujeito à multa em que incorrera por não ter empregado em empréstimos
à agricultura o máximo fixado.
O próprio governo havia reforçado a carteira com seis mil novos contos de réis, a
fim de que o Banco pudesse emprestar até 12 mil contos de réis à lavoura, a juros de 6%
ao ano, para as necessidades do momento. Além das operações de hipoteca, podiam ser

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feitos empréstimos com penhor agrícola, sob caução de títulos da dívida pública, ou de
ações de companhias garantidas pelo Estado e por letras com duas firmas, pelo menos,
de lavradores abonados, ou de mutuário lavrador e de outra pessoa abonada, vigorando,
nesta parte, a arbítrio do Banco, por um a dois anos.
Foi aprovada, por 70 votos contra 40, na sessão de 26 de julho, uma simples
moção dizendo que a Câmara concordava com a solicitude do governo em acudir às
urgências da agricultura. Com isso, em agosto e outubro, foram assinados contratos
entre o Banco e o governo para conceder auxílios ao campo e estendê-los a agricultores
de Pernambuco, Alagoas, Rio Grande do Norte e Sergipe, com um capital de três mil
contos de réis, entrando cada parte com a metade. Não faltaram críticas a esses acordos,
sob alegação de que o governo tinha tirado recursos do Tesouro a fim de entregá-los a
um estabelecimento bancário, para conceder pequenos créditos que serviriam a alguns
lavradores, com o agravante da preferência por estabelecimento que não tinha cum-
prido o seu contrato anterior. O governo, argumentava-se, iria fazer muitos favores ao
Banco para que cumprisse o que já era claramente sua obrigação.
Na realidade, o auxílio à área rural foi prestado, embora deficiente. A utilização
dos empréstimos não foi grande e isto permitiu que se publicasse que a abolição não
causou, como antes se temia, a perda total da atividade agrícola e nem a ruína das for-
tunas. Pelo contrário: as colheitas cresceram. Divulgou-se, também, que o produtor en-
frentou a nova situação com coragem e dignidade, tornando atrativo o trabalho agrícola
para o trabalhador livre e nacional, empregando o emigrante europeu e comprovando
as vantagens do trabalho remunerado22.
Ao assumir o poder, presidindo o Ministério, de 7 de junho de 1889, e ocupando
a pasta da Fazenda, o visconde de Ouro Preto alertou sobre a insuficiência dos auxí-
lios prestados à agricultura e resolveu intensificá-los, não somente com o aumento do
valor de recursos fornecidos pelo Tesouro, como pela maior disseminação territorial
dos financiamentos, empenhando-se em ampliá-los a um número maior de estabeleci-
mentos bancários. Em alguns casos também foram celebrados acordos, estendendo-se
empréstimos aos engenhos centrais, indústrias ligadas à agricultura, províncias, mu-
nicipalidades e empresas de viação, fábricas centrais e outras. Não faltaram críticas,
entre as quais de que o governo fugiu ao seu dever de indenizar a lavoura, preferindo
oferecer-lhe o auxílio oneroso do crédito.
Para apoiar a agricultura a longo prazo, o Ministério apresentou à Câmara um
projeto de concessão de garantia governamental para a fundação de banco de crédito
real, pelo qual o governo era autorizado a conceder a garantia de juros de 5% e amorti-
zação de letras hipotecárias, emitidas por bancos que se fundassem sob o plano da lei
nº 1.237. Aprovado, não chegou a ser discutido no Senado. Outra proposta de reforma
bancária foi apresentada na sessão do Senado, de 19 de junho de 1887, pelo senador
Teixeira Júnior, visando à reimplantação dos bancos de emissão. Sua ideia central era
de que, com base em autorização do Poder Executivo, poderiam emitir bilhetes ao
portador e à vista, conversíveis em moeda corrente do Império, os bancos de depósitos
22. Jornal do Commercio, edição de 24 de abril de 1889.

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e descontos que, em garantia do pagamento desses bilhetes, depositassem na Caixa de


Amortização o valor de 90% em apólices da dívida pública interna.
Na esteira desse projeto o governo concedeu facilidades para que se fundasse
um banco de grande estatura, denominado Banco Nacional do Brasil, que teve autori-
zação para funcionar em estatutos aprovados pelo decreto nº 10.369, de 28 de setem-
bro de 1889. Este banco, fundado sob a direção do visconde de Figueiredo, figura de
reconhecida competência e prestígio nos meios econômicos, fundiu-se com o Banco
Internacional, também criado por ele, e foi lançado com um capital de 90 mil contos de
réis. Em 2 de outubro, celebrou-se o contrato para o resgate do papel-moeda entre esse
Banco Nacional e o Tesouro.
O visconde de Ouro Preto tomou a iniciativa de criar no Rio de Janeiro uma
câmara de compensação para a “liquidação das operações diárias por meio da permuta
ou encontro de cheques, cartas ou letras sem dependência da tradição do numerário”.
Com a denominação de Clearing House, funcionou eficientemente, mas foi dissolvida
em 1º de fevereiro de 1889, em consequência de discordância entre seus sócios.
Intensificando as iniciativas na área econômica, Ouro Preto realizou empréstimo
interno, na praça do Rio de Janeiro, no valor de 100.000:000$000, a juros de 4% ao ano,
o qual, com muito sucesso teve uma cobertura excedente do dobro. Outra operação de
crédito de igual êxito foi feita na praça de Londres, representada pela conversão dos
títulos da dívida pública externa.
Ao mesmo tempo, crescia na Bolsa a febre de negociações e especulações. Ati-
vou-se o mercado de ações, mediante copiosos lançamentos de novas companhias de
comércio e indústria, que logo saíam com o capital elevado ou, se já existente, aumen-
tado. O mesmo fizeram os bancos, já em preparativos para pleitear o poder de emissão.
Iniciava-se, assim, um movimento desastroso, que alimentaria a grande crise que iria
eclodir nos primeiros anos do regime republicano, ao final do século.
No período de 1887 a 1888, a Assembleia Geral dos Acionistas do Banco do
Brasil aprovou três reformas dos estatutos. Entre as alterações estavam a redução para
quatro, do número de diretores, que passaram a ter funções de gerentes; o aumento do
capital para 100 mil contos de réis; a permissão para o Banco emitir bilhetes ao portador
e à vista, conversíveis à sua apresentação em moeda metálica; a elevação do mandato
da diretoria para seis anos e a continuidade das operações de crédito agrícola.
Em dezembro de 1888, o barão de Cotegipe, que deixou a presidência do Minis-
tério, foi eleito presidente do Banco, mas faleceu em 13 de fevereiro do ano seguinte.
Seu substituto, visconde de São Francisco, em 12 de outubro de 1889, cedeu lugar ao
senador, conselheiro e também antigo presidente do Conselho de Ministros, Manuel
Pinto de Sousa Dantas.
Em 16 de abril de 1889, a diretoria resolveu desativar a Carteira Hipotecária,
mandando aplicar nas outras operações do Banco os saldos nela existentes e os que
estivessem liquidando, sem prejuízo do fundo estabelecido para seção de crédito agrí-
cola. O Banco, como informou seu presidente na reunião da diretoria, realizada em 31

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de agosto de 1889, havia sido convidado para tomar parte, com outros bancos, em um
empréstimo de 100 mil contos a ser lançado pelo governo, e já tinha assinado contrato
garantindo, por sua parte, a soma de 25 mil contos de réis.
A abolição da escravatura provocou retrocesso nas operações do Banco do Brasil.
No período de 1887-1888, caiu o movimento de caixa. A administração, embora sem
recusar a assistência creditícia, dirigiu as operações de modo cauteloso, procurando
garantir a sua segurança. Caiu o movimento dos descontos, embora aumentasse o das
contas correntes com garantia. O resultado inevitável foi a diminuição dos lucros líqui-
dos, que se situaram em 3.889:265$283, ainda assim permitindo a distribuição de um
dividendo de 9% e o reforço do fundo de reserva com o valor de 845:150$283. No ano
bancário de 1888 a 1889, os lucros líquidos baixaram a 3.551:607$502 e os dividendos
foram pagos à razão de 8$000.
Em 1889, a imprensa advertiu que o Banco do Brasil estava se expondo a riscos,
pois não era um só banco, mas dois, sob uma só denominação – um hipotecário e agrí-
cola e o outro de depósitos e descontos. Não era possível, argumentava-se, conciliar
as exigências dos negócios hipotecários, que eram operações de longo fôlego que re-
clamavam empates permanentes de capital, com as exigências das operações de des-
contos e depósitos, que só podiam ser feitas com recursos de pronta mobilização. Em
novembro, o Exército conquistou o poder, proclamando a República, que representou
um ato de intervencionismo militar, recebido sem resistência pela coletividade e pela
cúpula monárquica. O novo governo pôs em prática o regime federal de Estado, dando
ao país o nome oficial de República dos Estados Unidos do Brasil, adotou nova bandei-
ra, estabeleceu a liberdade de cultos, a separação entre o Estado e a Igreja e o sufrágio
universal, e eliminou o Conselho de Estado.
Convocou, também, a Assembleia Constituinte que, reunida, em 15 de novembro
de 1890, elaborou, com base num projeto apresentado pelo governo provisório, a nova
Constituição, promulgada em 25 de fevereiro de 1891. Por pequena maioria, o Congresso
elegeu primeiro presidente da República o marechal Deodoro da Fonseca, que procla-
mou o novo regime e chefiou o governo provisório. Para vice-presidente foi eleito o
marechal Floriano Peixoto, que não era o candidato da preferência de Deodoro.
Os primeiros anos do regime republicano foram de discórdias políticas e difíceis
ajustes. O presidente da República chegou a dissolver o Congresso, numa atitude ti-
picamente monárquica. Fortes resistências levaram o presidente a renunciar, sendo
substituído pelo vice, Floriano Peixoto, que permaneceu no cargo até o fim do manda-
to, embora devesse, antes, convocar nova eleição.
Na área econômica, a República estreou com a atuação de Rui Barbosa na pasta
da Fazenda. Ele manteve, inicialmente, com prudência, a execução da política finan-
ceira conduzida pelo último Ministério imperial. A faculdade de emitir foi concedida
a novos bancos e mantidos os compromissos de auxílio à agricultura. Mas, criticando
a política agrícola e financeira dos governos anteriores, o novo ministro desencadeou,
posteriormente, várias mudanças, até que, em 17 de janeiro de 1890, promoveu a sua
reforma financeira, através de quatro decretos que foram baixados no mesmo dia.

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Sob o nº 175, um deles tratava da organização de bancos de emissão, com as


seguintes disposições: poderiam emitir bilhetes ao portador os bancos que, fundados
com autorização do governo, tivessem o seu fundo social constituído de apólices da
dívida pública, moeda corrente ou ouro; o país ficava dividido em três zonas – Norte,
Centro e Sul -, cada uma dotada de um banco; a emissão de bilhetes ao portador, que
gozaria das regalias conferidas às notas do Estado, não podia exceder a importância das
apólices que constituíssem o fundo social do banco, sob pena de severas sanções.
De acordo com a reforma desencadeada por Rui Barbosa, os bancos poderiam
emitir letras hipotecárias, operar em empréstimos, descontos, câmbio, hipotecas, pe-
nhor agrícola, em empréstimos industriais para construções de edifícios, obras públi-
cas, compra e venda de terras, colonização. Poderiam incumbir-se, por conta própria ou
alheia, de drenagem e irrigação de solos, abertura de estradas e caminhos rurais, cana-
lização e direção de correntes, lagoas e rios e de dar meios a qualquer cultura pecuária
e de exploração de minas.
Além disso, os bancos poderiam contrair, em favor do Estado, as seguintes obri-
gações: reduzir 2% dos juros das apólices, que constituíssem o seu fundo social, e au-
mentar essa porcentagem 0,5% anualmente, até a completa extinção dos juros; cons-
tituir, com uma cota nunca inferior a 10% dos lucros, sobre a qual seriam contados
semestralmente juros na razão mínima de 6% ao ano, um fundo cuja formação cessaria
logo que sua importância atingisse o respectivo limite para representar o capital em
apólices, que ficariam anuladas, para todos os efeitos, no fim do prazo de duração dos
bancos, que era de cinquenta anos, prorrogáveis; converter em espécie metálica, à von-
tade do portador e à vista, apenas as notas que emitissem, um ano depois de o câmbio
atingir e manter a taxa de 27% ou mais, tomando igual compromisso quanto às notas do
governo em circulação, sem direito à indenização.
Essas disposições foram depois alteradas por sucessivos decretos que aumen-
taram o número de bancos e o limite de suas emissões. Assim, os planos de reforma
bancária de Rui Barbosa sofreram variações. Para isso teria concorrido, principalmente,
o fato de que Rui Barbosa havia lançado as reformas apenas com a aprovação do pre-
sidente da República, sem informar aos outros membros do Ministério, que reagiram,
forçando novos entendimentos, que resultaram nas alterações do projeto inicial.
As críticas estenderam-se a outros setores, obrigando Rui Barbosa a utilizar toda
a extraordinária força de seu poder verbal para se defender. Pandiá Calógeras, por
exemplo, argumentou, em um de seus pronunciamentos:

“Como se vê, esse mecanismo por demais complicado para poder funcionar com
segurança era, sobremodo, delicado para ser posto em prática, por conter os ger-
mes das mais perigosas aventuras financeiras, como a imobilidade de fundos em
empresas a longo prazo e de êxito pouco seguro, comprometendo, assim, a pers-
pectiva do reembolso eventual da dívida contraída com o público pela emissão dos
bilhetes. Isso era tanto mais arriscado porquanto as ideias financeiras do momen-
to, voltadas inteiramente para a especulação, estimularam de maneira irresistível

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o pulular de sociedades que tinham por finalidade aparente o aproveitamento


dos recursos naturais do país, mas que não passavam, na realidade, de pretexto
para um jogo e as apostas sobre títulos. A sucessão dos acontecimentos bem o
comprovou” 23.

A execução dos planos devia ocorrer durante um longo tempo e, assim, dependia
vitalmente da continuidade da ação governamental. Mas a gestão de Rui Barbosa na
pasta da Fazenda foi breve, pois ele demitiu-se em janeiro de 1891. Julgou, Rui Bar-
bosa, que o plano de suas reformas foi uma obra de conjunto, “um sistema cheio de
correspondências complexas e sutis, onde não poderia tocar em qualquer parte sem
modificar a ação das outras e que então foi fácil destruir este plano, o que se fez a gol-
pes cegos, pela introdução de enxertos bastardos” 24.
Entretanto, bem diferente dessa ideia de um conjunto harmonioso, o que se
viu na execução das reformas de Rui Barbosa foram desajustes e desafinações, que
exigiram o constante recurso de remendos e correções. Assim, foram desencadeadas
medidas sucessivas, que ora significavam avanço, ora retrocesso, ora tomavam uma
ou outra direção, de tal modo que a reforma foi criticada por não obedecer a qualquer
princípio, justapondo bancos, uns emitindo à base de apólices, outros sobre base de
moeda corrente e ainda outros sobre base metálica. Dessa forma acabaram proliferan-
do, na massa do papel flutuante, vários tipos de moedas de menor compatibilidade,
como o papel-moeda do Estado, o resto do papel inconversível do Banco do Brasil, o
papel conversível do Banco Nacional, o do Banco de São Paulo e o papel inconversível
de outros bancos.
Naturalmente, tudo isso contribuiu para afetar as atividades econômicas. A cor-
rente emissora resultante das reformas financeiras propostas pelo ministro Rui Barbosa
não foi o ponto de partida da turbulenta fase de especulações, principalmente da Bolsa,
que surgiu nos primeiros anos da República. Esse processo teve início no último ano
do Império, quando o visconde de Ouro Preto, à frente do Ministério da Fazenda,
procurou coibí-la. No entanto, Pandiá Calógeras, ao mesmo tempo em que descreveu
o grau de delírio a que chegaram as especulações, carregou nas acusações de responsa-
bilidade a Rui Barbosa 25.
Apesar de manter cautela perante esse quadro, o Banco do Brasil mostrou-se dis-
posto a cooperar na gestão financeira do primeiro governo republicano, realizando, com
este fim, entendimentos bastantes cordiais com o ministro da Fazenda que, em fins de
abril de 1890, ofereceu-lhe a incumbência de auxiliar o crédito público. Era uma volta
ao antigo recurso de sustentação do câmbio, que o Banco não rejeitou.
Em junho de 1890, o Conselho Fiscal do Banco proclamava que a sua situa-
ção econômica e financeira era próspera e segura, apesar de ter passado por grande
transformação e de ter precisado se reorganizar. A nova emissão sobre base metálica,

23. A Política Monetária do Brasil, 1960, p. 227 a 229.


24. Finanças e Políticas de República, 1812, p. 222 e 223.
25. A Política Monetária do Brasil, 1960, p. 227 a 229.

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prudentemente escoada, elevava-se a 17.439:600$000. As operações registraram largo


desenvolvimento, o ativo quase duplicou em um ano. Os lucros apurados, em 1889, no
total de 6.454:486$001, subiram, em 1890, para 9.237:018$623. Ocorrera redução dos
títulos em liquidação. O Banco voltou a operar em câmbio por conta própria.
Foi de bom proveito a providência de cobrar, ao lançar no último aumento de
capital, um prêmio de 40$000 sobre o valor de cada uma das novas ações, para reforço
do fundo de garantia, que subiu para 18.081:975$106, portanto, mais de 27% do valor
do capital e excedendo o percentual apresentado por grandes bancos estrangeiros. Em
setembro de 1890, o presidente do Banco do Brasil fez objeções ao ministro da Fa-
zenda contra um novo aumento de emissão que o governo ia conceder ao Banco dos
Estados Unidos, considerando-o erro econômico e político, capaz de agravar mais ainda
o estado da praça, e alertando que esse banco vinha alimentando um jogo especulativo.
Em novembro de 1890, alguns bancos ingleses, inclusive o correspondente do Banco
do Brasil, entraram em liquidação, mas depois se recuperaram. O Banco do Brasil re-
solveu, então, fundar em Londres uma agência, escolhendo o barão de Ladário para
instalá-la e dirigi-la.
Nessa época, o Banco do Brasil ocupava-se com a administração e custeio de
cerca de 40 fazendas, que adquiriu através das execuções de empréstimos hipotecários
e que tinha dificuldades de vender, pois encontravam-se sob fiscalização. No começo
de 1891, o Banco vendeu a sua filial de São Paulo, com a intenção de limitar-se a um só
centro de operações, no Rio de Janeiro.
O Banco concedia então, aos seus empregados, em cada semestre, gratificações
especiais que variavam de 20% a 25% do vencimento anual. Em 25 de março, trans-
feriu ao Banco da República dos Estados Unidos do Brasil os direitos e privilégios de
emissão que havia adquirido no ano anterior, cedendo também a propriedade da soma
de 25 mil contos que possuía em ouro, depositada no Tesouro Nacional, para servir de
lastro à emissão.
O relatório apresentado aos acionistas, em 1891, mostrava que o Banco conse-
guiu do governo a rescisão do seu contrato para auxílios aos lavradores, obtendo longos
prazos para devolver ao Estado os recursos recebidos. Manifestou, também, propósito
de liquidar o débito desses lavradores com prudência e critério, sem exercer pressão.
Deste modo, livrava-se dos sacrifícios que fizera para manter a Carteira Hipotecária e
garantia recursos para movimento mais lucrativo na Carteira comercial. O mesmo do-
cumento argumentava que, apesar das dificuldades com que lutava a praça do Rio de
Janeiro, o Banco achava-se , como nunca, em condições de maior prosperidade, sem ter
jamais recusado os recursos de crédito ao comércio legítimo, nem deixado de amparar
as empresas e indústrias.
O relatório, de junho de 1892, já refletia preocupação com o estado da praça,
considerado delicado. Rui Barbosa pediu demissão da pasta da Fazenda, sendo subs-
tituído por Rodrigues Alves, com quem o Banco continuou a manter boas relações. O
documento assinalava que a liquidação da Carteira Hipotecária continuava sem pres-
são contra os devedores e com possíveis vantagens para o Banco.

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Em setembro de 1892, Serzedelo Correia, substituto de Rodrigues Alves no Mi-


nistério da Fazenda, sugeriu a fusão dos bancos do Brasil e da República dos Estados
Unidos do Brasil. Os entendimentos nesse sentido foram difíceis, sobretudo porque a
direção do Banco do Brasil resistia, porque entendia que o seu estabelecimento teria
posição desvantajosa nessa fusão. Quanto ao Banco da República, revelou-se que suas
administrações anteriores tinham cometido muitas erros, que o seu capital não estava
integralizado e que devia ser reduzido para a sua admissão no novo estabelecimento.
O Banco do Brasil, conforme revelou o seu próprio presidente em sessão da dire-
toria, enfrentava dificuldade, dado o grande vulto dos negócios inseguros. A sua cartei-
ra não continha títulos de pronta e imediata liquidação para oferecer recursos capazes
de suprir a emergência de uma corrida de depositantes. A sua caixa decrescia progres-
sivamente. A liquidação de muitos títulos de sua carteira só se realizaria com grandes e
inevitáveis prejuízos. Tinha imobilizado grande volume de capitais e não eram poucos
os devedores que nem ao menos pagavam juros de suas dívidas.
Todo o país foi envolvido pelo crescimento das emissões bancárias e pelo desre-
gramento do crédito, aos quais não escapou o Banco do Brasil que, em 1889, começou
a trilhar o perigoso caminho dos excessos de financiamentos. Um dos maiores erros na
atuação do Banco durante os anos da crise foi o da prioridade dada aos interesses dos
acionistas, principalmente na distribuição de dividendos relativos a lucros fictícios. A
soma das contas correntes garantidas subiu de pouco mais de 26 mil contos em junho
de 1889 para mais de 182 mil contos em fevereiro de 1893. Em muitos casos as garan-
tias eram insuficientes. No balanço de 1890, os depósitos exigíveis importavam em
mais de 91 mil contos.
A situação do Banco da República era ainda pior, pois tinha apenas um insu-
ficiente equilíbrio, que resultava da avaliação favorável dos depósitos em ouro que
serviam de lastro às emissões. Em discurso que pronunciou na Câmara dos Deputados,
em setembro de 1896, quando já não ocupava a pasta da Fazenda, Serzedelo Correia
chegou a dizer que tinha em seu poder o documento da falência do Banco do Brasil, o
qual lhe foi dado pelo seu próprio presidente, conselheiro Dantas. Diariamente ocor-
riam maiores saídas de dinheiro que as entradas. Capitais, depósitos, fundos de garan-
tia, tudo havia sido comprometido em títulos, alguns sem valor.
Como em novembro o Parlamento encerrou as suas sessões sem votar solução
alguma para o problema financeiro, o governo, invadindo atribuições do Poder Legisla-
tivo, baixou o decreto nº 1.167, autorizando a fusão dos dois bancos, por maioria de voto
nas respectivas Assembleias dos Acionistas. A nova instituição foi denominada Banco
da República do Brasil. O seu capital era de 190 mil contos de réis, reduzido, dentro de
seis meses, para 150 mil contos de réis, pelo recebimento e amortização de suas novas
ações em pagamento de dívidas.
O novo Banco foi autorizado, para suprir as necessidades das indústrias nacionais
em condições de crescimento, a emitir, até a quantia de 100 mil contos de réis, bônus
ao portador nos valores de 200$000 a 1:000$000. Foi encarregado, ainda, do serviço da
dívida interna nacional. Ficou estipulado que o governo entraria em acordo com o novo

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Banco para o resgate ou substituição do papel-moeda do Estado. Ao Banco coube, tam-


bém, o direito exclusivo de emissão de notas ao portador e à vista, na razão do dobro do
depósito em ouro, as quais seriam conversíveis em moeda metálica.
A diretoria do novo Banco compunha-se de nove membros, dos quais o presi-
dente, o vice-presidente e mais um diretor eram nomeados pelo governo, competindo
ao presidente o direito de veto a todas as deliberações da diretoria que se referissem
ao serviço de emissão e com as quais não concordasse, com recurso para o Ministério
da Fazenda. O decreto dependia da aprovação do Congresso Nacional em sua primeira
sessão. O Banco da República do Brasil tinha, assim, muita semelhança com o Banco
do Brasil, fundado por Itaboraí, em 1853.
A Assembleia dos Acionistas do Banco do Brasil, reunida em 7 de janeiro de
1893, aprovou a fusão, mas com relutância, em face dos argumentos de que qualquer
outra opção seria desastrosa. Pesou nessa ocasião, como antes, a esperança de que o
sacrifício feito pelos bancos ao se fundirem seria compensado pelas vantagens que teria
o novo estabelecimento, fundado sobre base sólidas, capaz de inspirar confiança dentro
e fora do país. Nasceria o novo banco, assim, solidamente amparado nos recursos do
governo. Suas ações seriam altamente cotadas, a ele convergiriam todos os depósitos e
seu crédito seria amplo.

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Capítulo 7
Foto: Acervo Arquivo Histórico do Banco do Brasil
O difícil resgate
do papel-moeda

Bolsa de Fundos Públicos do Rio de Janeiro, instalada na rotunda da terceira Praça do Comércio.
Desenho de Bryan de Grineau para La Nación de Buenos Aires (1922).
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Os primeiros tempos da República foram marcados, no Congresso, pelo distan-


ciamento do governo em relação à gravidade da situação econômico-financeira do país,
que já assumia contornos críticos. Os poderes Executivo e Legislativo permaneciam
estanques, contrastando com sua atuação na Monarquia, quando os ministros constan-
temente participavam e interferiam nas sessões do Parlamento. Eram os congressistas
ou comissões do Congresso, preocupados com a situação, que tomavam iniciativas.
Na Câmara, em julho de 1891, a Comissão de Fazenda e Indústria, encabeçada
por Francisco de Paula Leite e Oiticica, que se revelava um parlamentar atuante, apre-
sentou um projeto que, entre outros objetivos, procurava limitar e regular a circulação
de bilhetes de bancos e do Tesouro. Como justificativa, argumentava que a situação da
praça era insuportável, em virtude da baixa extraordinária do câmbio e da desconfiança
reinante, que abalava profundamente as relações comerciais.
Posteriormente, o deputado Demétrio Ribeiro propôs que se nomeasse uma
comissão especial para estudar detidamente o assunto e apontar as medidas necessá-
rias para o resgate do papel-moeda e a revisão dos contratos com os bancos de emis-
são, visando unificar o padrão da moeda fiduciária, limitar as emissões e valorizar o
papel-moeda.
Em setembro de 1891, já havia cinco projetos diferentes em discussão nas duas
casas do Congresso, todos com o mesmo objetivo – a reorganização do principal banco
emissor, que teria abusado dos privilégios excessivos concedidos por uma lei bancária
defeituosa. Chegou, então, ao Senado, no dia 19 do mesmo mês, uma exposição de
motivos do ministro da Fazenda, o barão de Lucena – monarquista que assumiu o go-
verno no começo do ano, com força de primeiro-ministro -, propondo reformas através
da reorganização e fortalecimento do Banco da República.
A Comissão de Finanças do Senado formulou com presteza um projeto de lei
que, assinado pela maioria dos seus membros, incorporava as ideias do ministro, já
encampadas pelo presidente da República. Mas a minoria restante preferiu apresentar
outro projeto, que reproduzia as mesmas ideias, com mais fidelidade. Dispersavam-se,
assim, os esforços e cada uma das câmaras propunha, elaborava, discutia, sem a neces-
sária articulação em torno dos projetos.
A Câmara, afinal, decidiu reunir todos os trabalhos e propostas sobre o assunto
dentro de uma comissão mista de deputados e senadores, que apresentou, em 7 de
outubro, um novo projeto destinado a regular as emissões bancárias. Corriam, então,
opiniões de que as emissões deviam cessar, por que o próprio papel bancário já era ex-
cessivo, tinha sido mal aplicado e gerou a crise financeira e econômica, que não poupou
a Bolsa nem o câmbio – em depressão - até um limite ruinoso.
O golpe de Estado desferido pelo marechal Deodoro, já citado no capítulo ante-
rior, dissolvendo o Congresso, paralisou todos esses trabalhos legislativos. Rodrigues
Alves assumiu o Ministério da Fazenda e inspirou um novo projeto, apresentado por
senadores governistas, que inicialmente colocava sob a responsabilidade direta do Es-
tado as emissões de notas bancárias e passava à propriedade do governo os depósitos
feitos em apólices da dívida pública e moeda metálica. Nada disso vingou, nem foi

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votado, porque começaram a eclodir as revoltas armadas, levando o Congresso, em 21


de janeiro, a encerrar precipitadamente as suas sessões.
Enquanto isso, caiu a cotação dos títulos do governo em Londres e do câmbio.
Pressionado, o ministro da Fazenda resolveu adotar a sugestão da Associação Comer-
cial, no sentido de aplicar uma antiga lei monárquica, de 29 de maio de 1875, que
autorizava a emissão para fornecer recursos aos bancos. O Banco da República valeu-se
dessa concessão, no modesto total de 8.500:500$000.
O ano de 1892 avançou atrelado à crise. Foi um período de falências com ele-
vados passivos, de ruína geral do comércio e das indústrias, arrastando boas empresas,
destruindo as fortunas fáceis, mas também afetando os capitais sólidos. O governo re-
velava-se impotente para adotar medidas eficazes de salvação. Os bancos retraíam-se,
limitando e até mesmo suspendendo operações, concorrendo, assim, para o clima de
instabilidade. Embora muito criticado, o Banco do Brasil foi apontado na imprensa
como o único que não pressionava os seus devedores, facilitando, ao contrário, a liqui-
dação e a reforma das operações.
Em 30 de maio, o governo contratou uma operação em Londres, no valor de 2
milhões de libras, mas o câmbio manteve-se em baixa. Em 17 de dezembro, aprovou
um decreto de apoio à indústria. No Congresso, Leopoldo de Bulhões alertou sobre
os riscos dos compromissos do governo em ouro, que já tinham chegado ao total de
133.204:608$000 por ano – mais de três quintos da receita pública. Em 25 de outubro
de 1892, ele advertiu que aquela era a crise mais grave que já tinha ocorrido desde
1832, porque era ao mesmo tempo política, econômica e monetária. E atribuiu grande
parte da culpa às desregradas emissões dos bancos.
Finalmente, o Congresso aprovou um projeto, sancionado apenas em setembro
de 1893, que consolidou o decreto de 17 de dezembro e introduziu as seguintes provi-
dências: a emissão de bônus destinar-se-ia especialmente ao apoio a empresas indus-
triais de qualquer natureza, em boas condições de crédito e desenvolvimento; um terço
da mesma emissão ficaria reservado às empresas que funcionassem na capital federal
e os dois terços restantes àquelas que, tendo ou não a sua sede na capital, estivessem
estabelecidas e funcionassem nos estados; o novo banco ficaria encarregado do serviço
da dívida internacional e não da dívida interna.
Enquanto isso, os recursos monetários, já bastante escassos, que deveriam estar
voltados para garantir o saneamento financeiro, foram desviados para custear ações
governamentais de repressão às revoltas, que logo absorveram os lastros de apólices-
ouro e de apólices-papel, no total de pouco menos de 30 mil contos de réis. Assim, foi
necessária nova emissão do papel-moeda do Tesouro, autorizada por decreto de 23 de
dezembro de 1893, e que totalizou 82.000:000$000.
Segundo o relatório do presidente do Banco do Brasil relativo a 1893, o entrosa-
mento entre o governo e o Banco tinha resultado “num jogo isócrono de oscilações”,
no qual o crédito público, nas épocas de retração, vinha em auxílio do Banco para que
pudesse prover as justas necessidades de sua clientela, ou então, ao contrário, era o
Banco que, nos períodos mais férteis, reforçava o Tesouro com as suas reservas.

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O primeiro grande problema que o Banco da República do Brasil, herdeiro das


dificuldades dos dois bancos que lhe deram origem, enfrentou, logo no início do seu
funcionamento, foi o da deficiência de caixa. Para tentar solucioná-lo, a diretoria resol-
veu que os bônus, emitidos para auxílio às indústrias, deveriam formar caixa uma vez
recolhidos, e solicitou ao ministro da Fazenda remessa de saldos do Tesouro. Mas a
dificuldade ainda iria persistir, pois a caixa do Banco tornou-se insaciável.
Ao mesmo tempo, a diretoria tomou uma decisão arriscada, estendendo aos agri-
cultores os benefícios dos financiamentos através de emissão de bônus concedidos à
indústria. Ocorreu, inevitavelmente, um acúmulo de pedidos de empréstimos, cujo
valor chegou a 170 mil contos, excedendo as possibilidades de atendimento. Verificou-
se, também, que os bônus não estavam tendo boa aceitação, não inspiravam confiança,
nem alcançavam valorização satisfatória.
A distribuição dos empréstimos às indústrias foi lenta e difícil, devido aos cui-
dados necessários com o processo de seleção. Não tardou a se esgotar o limite para
a emissão de bônus e a se registrarem atrasos dos devedores no pagamento de juros
e amortizações. O maior prejudicado com essa emissão foi o próprio Tesouro, pois
as empresas financiadas procuravam imediatamente livrar-se deles, devido, à grande
desvalorização que sofriam. Os bônus eram revendidos, com abatimento, àqueles que
tinham pressa de quitar seus impostos junto às repartições fiscais. Desta forma, ao saí-
rem do Banco faziam, em sua maioria, apenas o curto percurso de volta para o Tesouro
através das estações fiscais.
Analisava-se, na pauta das reuniões da diretoria, grande volume de propostas
de devedores, entre os quais bancos e importantes empresas, para liquidações com
abatimentos, prorrogações, conversões e outros tipos de recomposição de seus débitos.
A maioria desses reajustes foi feita na forma de auxílio às indústrias através de bônus,
dos quais o Banco se valia mais para defesa de seus interesses e recuperação de seus
capitais do que para salvar os meios de produção. Muitas liquidações haviam se consu-
mado desde 1893 e permaneciam ocorrendo, em índices alarmantes em 1895. Nessas
circunstâncias, o Banco foi obrigado a receber em pagamentos bens de diversas espé-
cies, desvalorizados, e de difícil vendagem, administração e manutenção.
Apesar de tantas dificuldades e do alto índice de liquidações com abatimentos,
o Banco anunciou que havia produzido lucros líquidos durante o ano de 1893, no valor
de 12.729:339$823, aplicados em dividendos, fundo de reserva e lucros suspensos. No
começo de 1894, faleceu o presidente do Banco, Manuel Pinto de Sousa Dantas. Fran-
cisco Pestana o substituiu.
Em maio, o barão de Ladário, alegando doença, pediu exoneração da gerência
do Banco de Londres, e a diretoria resolveu suprimir essa agência. No mesmo ano, o
Banco negociou e contratou, de maio a agosto, a transferência para o Banco Hipotecá-
rio do Brasil, com aprovação e até estímulo do governo, das Carteiras Hipotecárias dos
extintos Banco do Brasil e da República dos Estados Unidos do Brasil.
Em 21 de julho, a Câmara dos Deputados recebeu um requerimento para que se
nomeasse comissão destinada a examinar a aplicação que o Banco da República fez dos

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bônus emitidos e a eficiência das garantias oferecidas em cada empréstimo. Isto ali-
mentou novas críticas ao Banco, com acusações de irregularidades cometidas à sombra
desses auxílios. Os deputados Francisco Glicério e Sebastião de Lacerda defenderam
o Banco, que acabou enviando à Câmara relação das empresas beneficiadas e a especi-
ficação das somas emprestadas a cada uma delas.
O ano de 1894 marcou, também, mudança no governo federal. O vice-presidente
Floriano Peixoto, já sem saúde, não contou com apoio suficiente para continuar no
poder. Sem concorrentes, Prudente de Morais foi eleito presidente da República. A
partir de agosto, a diretoria do Banco, com vistas a tratar de uma revisão do acordo so-
bre o débito do estabelecimento com o governo, fez uma investigação interna, na qual
verificou que o capital estava reduzido a 12.000:000$000. O novo ministro da Fazenda,
Rodrigues Alves, realizou entendimentos com o Banco para analisar a possibilidade
de obter recursos para o Tesouro. Foi atendido, com restrições e condições. O lucro
líquido do Banco, durante o ano, baixou para 11.938:397$220. Ainda assim, foi mantido
o dividendo de 6% por semestre.
No princípio de 1895, o governo realizou com sucesso um empréstimo externo,
no valor de 100.000:000$000, com a colaboração do Banco da República, em parte com
o objetivo de resgate de papel-moeda. Preocupado com a baixa do câmbio, o ministro
Rodrigues Alves conseguiu dois empréstimos no exterior, mas o problema persistiu. O
ministro solicitou, então, a intervenção do Banco da República, que, embora relutante,
decidiu agir, impedindo que a taxa cambial descesse a menos de nove.
Em setembro do mesmo ano, Rangel Pestana renunciou ao cargo de presidente,
em caráter irrevogável e foi acompanhado por alguns diretores, sob motivos que não
ficaram bem esclarecidos. Por propostas do ministro Rodrigues Alves, foi nomeado
Afonso Pena para a presidência, tomando posse em 19 de outubro.
Logo, o novo presidente mostrou capacidade e segurança no desempenho das
suas funções, mantendo na diretoria um ambiente de bom entendimento, sem discri-
minações de caráter pessoal ou funcional, mesmo em relação aos dois grupos de dire-
tores – os nomeados pelo governo e os eleitos pelos acionistas. No dia 28 do mesmo
mês, a diretoria resolveu restaurar, em nova tentativa, a Câmara de Compensação, ou
Clearing House, dissolvida em 25 de fevereiro de 1890.
O governo mostrou-se omisso e indeciso na execução de vários dispositivos da
lei de fusão dos bancos, como no caso da conversão dos lastros das emissões bancárias
e da indenização, aos bancos emissores, das vantagens e direitos que lhes foram cassa-
dos. O ministro da Fazenda havia adiado essas medidas, primeiro por falta de verbas
e depois para permitir uma decisão do Congresso que, no entanto, discutiu o assunto
sem chegar a nenhuma conclusão. Terminava o ano de 1895 sem que o decreto e a lei
sobre a fusão tivessem sido adequadamente executados. A fusão foi realizada, mas as
disposições reguladoras do meio circulante não foram cumpridas.
No relatório apresentado à Assembleia dos Acionistas, reunida em abril de 1898,
o presidente do Banco da República, Afonso Pena, argumentou que seria mais con-
veniente atribuir exclusivamente ao Estado a responsabilidade pelas emissões bancá-

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rias, passando a pertencer ao Tesouro os lastros que lhes serviriam de base. O Banco
mantinha, então, a preferência e os privilégios, assegurados por lei, no caso de futuras
emissões em notas ao portador, conversíveis em ouro e resgate do papel-moeda. Os
acionistas aprovaram moção de apoio à ideia.
Era de se presumir que Afonso Pena e o ministro da Fazenda agiriam de comum
acordo, pois Rodrigues Alves, logo em seguida, pronunciou-se a favor da ideia em re-
latório ao presidente da República. No documento, destacou que a União dispunha de
um forte direito creditório sobre o Banco da República – dívida que o estabelecimento
não podia solver rapidamente sem comprometer a sua própria existência -, e que se
encontravam aí os recursos adequados ao resgate do papel-moeda, sem necessidade
de aumentar as responsabilidades do Tesouro e provocar abalos na circulação. Encam-
padas as emissões bancárias pela transferência ao Tesouro das apólices e do ouro que
lhes serviram de base, o primeiro efeito, explicou Alves, seria a redução do quantum da
dívida consolidada atribuída à nação.
Mensagem apresentada pelo presidente da República ao Congresso, em maio de
1896, também apoiava a ideia de encampação das emissões bancárias pelo Estado, que
habilitava o Tesouro a acelerar o resgate, no momento oportuno, por meio das apólices
tiradas da circulação. Em 31 de julho de 1896, a Comissão de Finanças do Senado,
em sintonia com essa orientação, apresentou projeto de lei. Durante discussões do
projeto revelou-se que a dívida do Banco da República ao Tesouro chegava à soma de
184.000:000$000, maior, portanto, do que o seu capital e a sua capacidade de pagar.
Aprovado e transformado em lei, o projeto foi logo executado através de uma
série de decretos do Poder Executivo. Merece destaque a disposição que autorizou a
substituição do bônus por notas do Tesouro Nacional. Regularizando e uniformizando
o meio circulante, essa providência contribuiu eficazmente para diminuir as dificul-
dades com que lutava a praça. Também foi determinando o resgate gradual do papel-
moeda, reservando-se recursos para isso.
Aprovada pela Assembleia dos Acionistas em abril e pelo governo, em decreto de
maio de 1897, realizou-se uma reforma nos estatutos do Banco da República, que intro-
duziu, entre outras, as seguintes alterações: redução do capital social, em três anos, para
100 mil contos; supressão das disposições estatutárias que autorizavam e regulavam o
direito de emissão do Banco e as incumbências relativas ao resgate ou substituição do
papel-moeda da União ao serviço da dívida interna nacional, ficando expresso que o
Banco passaria a operar somente como de depósitos e de descontos; redução, para cin-
co, do número de membros da diretoria, que ficaria com um presidente nomeado pelo
governo e quatro diretores eleitos pelos acionistas.
Durante 1896 e no começo de 1897, acentuou-se a preocupação da diretoria a
respeito de um reajuste dos débitos ao Tesouro. Com base no artigo 2º da lei nº 427, de
9 de dezembro de 1896, foram realizados entendimentos entre o Banco e o Tesouro.
Afinal, foi formalizado um acordo, em 18 de maio de 1897, com essas disposições: o
Banco desistiu de qualquer direito a reclamar contra a extinção da sua faculdade emis-
sora e dos demais favores de suas concessões; o remanescente da dívida foi apurado

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em 159.190:537$010 em papel e 547.621.71 em libras-ouro; o governo recebeu bens


imóveis, títulos e direitos creditórios do Banco, como pagamento. Ficou estipulado que
outros bens ainda seriam recebidos pelo preço combinado, depois de avaliados e que o
restante da dívida seria pago a longo prazo.
Esse ajuste foi considerado vantajoso pela diretoria do Banco, mas foi criticado
em diversos setores da opinião pública. O governo fez acordos para resolver, também,
a questão das indenizações aos bancos regionais, comprometendo-se a pagar em di-
nheiro. Continuavam a surgir indícios de agravamento da crise e prosseguia a baixa
do câmbio que, em 1897, chegou à mínima de cinco e cinco oitavos. As consequências
desse desmoronamento manifestavam-se não só no encarecimento de todos os produ-
tos, como principalmente sobre os orçamentos, cujos destaques para as diferenças de
câmbio beiraram um terço da despesa pública. A caixa do Banco da República tornava-
se cada vez mais fraca.
Enquanto isso, ocorria a luta fratricida da campanha de Canudos, onde, comba-
tendo os fanáticos jagunços de Antônio Conselheiro, o governo sofreu humilhantes re-
veses. Foram grandes as despesas, até que se conseguiu extirpar o foco da sublevação.
Como se agravasse o déficit do orçamento para 1897, o governo novamente recorreu ao
crédito, lançando um empréstimo interno com a colaboração do Banco da República e
conseguiu um empréstimo em Londres, no montante de dois milhões de libras.
Os estados, por sua vez, também em arrocho financeiro, realizavam emissões
particulares de apólices, concorrendo para ampliar a crise do meio circulante. Para coi-
bir esses abusos, que chegavam a extremos insuportáveis, o Congresso aprovou e o
presidente da República sancionou o decreto nº 561, de 31 de dezembro de 1898,
que vetou o recebimento como moeda ou a circulação, nessa qualidade, de quaisquer
títulos de crédito ao portador, emitidos pelos governos dos estados ou dos municípios,
fossem apólices ou outros documentos de denominação diferente.
A crise chegou ao extremo no fim de 1897. O déficit crescia, agravado com a
queda constante do câmbio. A gestão de Prudente de Morais chegou ao seu último
ano, marcada pela ruína. Fracassaram não só as tentativas de arrecadamento das es-
tradas de ferro, como outras medidas destinadas a sanear a situação financeira. Não
se podia cogitar em aumento de impostos, pois os contribuintes não suportariam uma
nova carga tributária.
Em 1º de março de 1898, Campos Sales foi eleito presidente da República. Já
era, então, evidente a impossibilidade de o país manter em dia os serviços da sua dívi-
da externa. O próprio ministro da Fazenda, Bernardino Campos, enviou relatório aos
agentes brasileiros em Londres, explicando a gravidade da situação.
Campos Sales seguiu para a Europa a fim de tentar uma solução junto aos cre-
dores. Ao mesmo tempo, no entanto, vinha para o Rio de Janeiro um representante de
grande grupo de portadores de títulos brasileiros, que, apoiado por banqueiros ingle-
ses, trazia uma proposta de acordo sobre a dívida externa. Discutida entre as partes,
adaptada, a proposta transformou-se em contrato celebrado em Londres, a 15 de junho
de 1898, com a presença de Sales.

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Por este ajuste, o governo pagaria aos seus credores, durante três anos, os juros a
vencer da dívida externa e mais as garantias de juros prestadas às estradas de ferro, com
títulos de um novo empréstimo, até o total de dez milhões de libras esterlinas. Esti-
pulou-se, ainda, que a amortização das dívidas ficaria suspensa durante três anos. Este
acordo, o primeiro dessa espécie a ser firmado pelo Brasil, foi denominado de funding
loan. Aqui e no exterior o acordo foi recebido, com poucas exceções, de modo favorá-
vel. Defendendo-o das violentas críticas feitas no Senado por Oiticica, Rodrigues Alves
expôs as vantagens do contrato, mas, cautelosamente, declarou que o acordo atendia
realmente às grandes necessidades do momento, mas não resolvia a crise financeira.
O próprio governo estava convencido disso. O momento exigia que o governo e
o Congresso unissem seus esforços, de forma que o ajuste celebrado tornasse possível
seguir, segundo Alves, o “bom caminho de uma perfeita reconstituição financeira”.
Também defendendo o acordo, Serzedelo Correia advertiu, na Câmara:

“A crise é de ordem econômica e financeira, a crise é vasta, profunda: já ganhou


raízes, afetou a mais de um ponto do nosso organismo nacional e o acordo é apenas
o armistício dentro do qual devemos executar as medidas que nos salvem.”

Realmente, o acordo seria apenas o primeiro passo do longo caminho de auste-


ridade que deveria ser percorrido. O governo de Prudente de Morais conquistou certo
alívio, com o qual podia resistir às pressões do momento. Mas ao governo de Campos
Sales é que caberia o difícil e demorado trabalho de restauração financeira, com o qual
o novo presidente estava comprometido desde sua interferência nas negociações e na
efetivação do contrato celebrado em Londres, assessorado pelo seu ministro da Fazen-
da, Joaquim Murtinho.
Em mensagem ao Congresso Nacional, apresentada em 3 de maio de 1899, o
presidente da República anunciou que o meio de agir, de forma definitiva e com efi-
cácia, contra o excesso de emissão de papel-moeda de curso forçado, seria uma contra-
ação pelo resgate, para cujo serviço deveria ser constituído um fundo especial. Com
isso quis dizer que o resgate constituía um dos pontos capitais da política financeira
do governo. Acrescentou que, além desse processo indireto, pelo qual a parte do papel
que se retirava valorizaria a que ficava em circulação, podia-se também realizar a valori-
zação direta, instituindo-se em fundo de garantia para esse papel, o que era outro ponto
capital da mesma política financeira.
Apontou, então, os meios para compor os dois fundos: o de resgate poderia ser
constituído pelo produto do arrendamento das estradas de ferro, pelos saldos orçamen-
tários, pela quantia proveniente do pagamento de dívidas de diversos bancos e por to-
das as rendas eventuais. O de garantia poderia ser constituído pelo produto da taxa de
mais de 5%, ouro, sobre a produção e sobre o saldo do produto de todas as arrecadações
em ouro. O Congresso procurou colaborar e aprovou, rapidamente, proposta no sentido
de pagamento em ouro de 10% dos direitos de importação.

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Também foi aprovado pelo Congresso um projeto que criava os fundos de res-
gate e garantia de papel-moeda, com a cláusula de flexibilidade pela qual, sempre que
a situação cambial e o estado de circulação aconselhassem recursos de um dos fundos,
poderiam ser empregados no aumento do outro, até metade dos seus importes. A exe-
cução desse programa de contenção foi lenta e difícil e os primeiros sinais de melhoria
surgiram a partir do ano de 1899.
A mensagem apresentada pelo presidente da República ao Congresso Nacio-
nal, em maio de 1900, abriu-se em previsões otimistas, chegando a firmar que eram
evidentes e incontestáveis os sinais de redução da intensidade de crise financeira e
econômica. O relatório do ministro da Fazenda, em 1901, anunciava bons resultados na
execução do programa governamental, como o restante de 100.000:000$000 de papel-
moeda; dotação ao fundo de garantia no valor de um milhão e meio de esterlinos; ele-
vação da taxa cambial a 10,5%; acumulação de recursos de Londres, da ordem de mais
de dois milhões de esterlinos; pagamento de dívidas do Tesouro e aperfeiçoamento da
arrecadação das rendas federais.
O governo conseguiu algum resultado no esforço para arrendar estradas de ferro
e encampar ferrovias, visando acabar com o sistema adotado no Império e seguido pela
República, segundo o qual o Estado concedia garantia de juros de 7% sobre o capital ne-
las empregado. O artigo 5º da lei nº 741, de 26 de dezembro de 1900, que orçou a receita
geral para o exercício de 1901, apresentou uma disposição elevando de 15% para 25% a
cobrança em ouro dos direitos de importação, reservados 5% ao fundo de garantia.
Em 1898, as atividades do Banco da República transcorreram num clima de se-
gurança e otimismo, como se deduz do parecer do Conselho Fiscal e do relatório do
presidente do Banco à Assembleia dos Acionistas, em 1899. De acordo com esses do-
cumentos, o Banco, auxiliando o comércio, obteve um lucro líquido de 7.657:826$000,
o que permitiu dividendo ainda maior do que o proposto pela diretoria. Assim, tão
estável, o Banco decidiu propor um acordo ao governo para liquidar a sua dívida de
186.000:000$000 com o Tesouro, pagando à vista a quantia de 50.000:000$000. Lavrou-
se, então, o acordo, em 10 de março de 1900, com prévia autorização de decreto presi-
dencial. Dele constou que o Banco da República pagaria à vista metade daquela impor-
tância de 50 mil contos de réis e em quatro prestações semestrais a outra metade.
O acordo foi duramente criticado, sobretudo devido ao grande abatimento, mas
o próprio ministro da Fazenda, na sua exposição de motivos, explicou que o desconto
era vantajoso e a operação constituía uma verdadeira antecipação de pagamento, sem
prejuízo algum para o Tesouro. Além de outras vantagens, a operação libertava o Ban-
co dos seus vínculos com o governo. Em 26 de abril do mesmo ano, a Assembleia dos
Acionistas reuniu-se e aprovou as modificações estatutárias que adaptavam o estabele-
cimento ao regime comum das sociedades anônimas, passando a sua administração a ser
exercida por uma diretoria composta de um presidente e quatro diretores, todos eleitos
pela Assembleia. Assim, deixavam de existir diretores nomeados pelo governo.
Ganharam corpo, novamente, as acusações de que o governo lesava o Tesou-
ro, liquidando uma dívida de 186 mil contos por 50 mil. E, novamente, o governo

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defendeu-se, alegando que a dívida só teria aquele alto valor ao fim de 18 anos. Não se
tratava, na versão oficial, de uma dívida de 186 mil contos, mas de uma dívida que, no
fim de 18 anos atingiria essa importância. Para atualizar o valor e fazer a liquidação, o
governo empregou os mesmos processos de descontos que eram realizados em milha-
res de transações diárias entre o comércio e os bancos.
A desvantagem do acordo veio à tona posteriormente quando o Banco entrou em
colapso e então se verificou que foram desembolsados, para antecipar pagamentos ao
Tesouro, recursos de que o Banco não podia abrir mão para manter-se estável e justa-
mente numa ocasião em que os bancos estrangeiros ganhavam a preferência dos depó-
sitos do público, já decrescentes nos bancos nacionais. De acordo com documentos in-
ternos do Banco, o declínio da instituição tinha raízes nos anos de 1898 e 1899, quando
a diretoria ocupava-se em apreciar propostas de liquidações nas múltiplas modalidades.
Era baixo o volume de decisões sobre propostas de novos empréstimos, denotando que
o Banco perdia a capacidade ou retraia a sua disposição para distribuir o crédito.
Em novembro de 1898, Afonso Pena pedira demissão do cargo de presidente
do Banco, sendo substituído por Luiz Martins do Amaral. Na mesma ocasião, Campos
Sales tomou posse como presidente da República.
Até 6 de setembro de 1900, as atas da diretoria não abordavam as grandes difi-
culdades que assoberbavam o Banco e que o levariam a um verdadeiro colapso. Subi-
tamente, na ata da sessão de 10 de setembro, o presidente Luiz Martins do Amaral
relatou um quadro de verdadeira derrocada. Explicou que diversas retiradas enfraque-
ceram a caixa do Banco, obrigando-o a apelar ao governo por recursos de reforço. No
entanto, estes só viriam através de cambiais, que o Banco ainda teria de vender, para
obter o numerário em moeda nacional.
As dificuldades de caixa continuavam. O Banco apelou ao governo para que fi-
zesse emissão e lhe fornecesse até 50 mil contos de réis. O governo alegou que o seu
programa e a própria lei vedavam emitir. Os entendimentos se processaram no mais
alto nível, até com a presença do presidente da República. Cogitou-se, então, em en-
tregar a direção do Banco ao próprio governo, e foi admitido, como diretor, Otto Peter-
sen, designado pelo governo e ligado a um banco estrangeiro.
A divulgação das notícias de que o Banco e o governo não chegavam a um
acordo sobre o apoio que deveria ser dado à instituição acabou provocando uma cor-
rida de depositantes. Finalmente, o governo assumiu a direção do estabelecimento,
com a intenção de organizá-lo com duas carteiras, a antiga liquidação e a nova em
operações de depósitos e descontos. Precisou, no entanto, solicitar provimento ao
Congresso. Coube ao deputado Serzedelo Correia apresentar na sessão da Câmara,
em 18 de setembro de 1900, em nome da Comissão de Orçamento, um projeto de
lei que, simplesmente, autorizava o governo a recolher em conta corrente do Banco
da República até a soma de um milhão de esterlinos, retirados do fundo de garantia
criado pela lei nº 581, de 20 de julho de 1899.
Em 14 de setembro, o deputado apresentou um aditivo ao projeto. Foi incluída
uma autorização ao governo para emitir até 100.000:000$000 em apólices nomina-

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tivas destinadas a pagar os credores do Banco e abrir, ao mesmo Banco, uma conta
corrente de até 25.000:000$000, para auxiliar operações de descontos ao comércio.
Apesar das críticas, o projeto foi finalmente aprovado e sancionado como lei nº 689,
de 20 de setembro de 1900.
Por exigência dessa lei, reuniu-se a Assembleia dos Acionistas para aprovar o
novo regime do Banco. Com poucos votos contrários, decidiu-se que a administração
do estabelecimento seria confiada ao governo, com faculdade de dar-lhe a organização
que julgasse mais conveniente. Também ficou expresso que a Assembleia Geral Ordi-
nária seria convocada anualmente, mas apenas para que a administração fornecesse aos
acionistas informações sobre a situação do Banco.
Em 16 de outubro de 1900, acordo firmado entre o governo e o Banco consolidou
a transferência, ao primeiro, da administração e de todo o patrimônio social do segun-
do, e estipulou que os acionistas não teriam direito a reclamar do Tesouro qualquer in-
denização pelo resultado da liquidação. O governo baixou decreto dispondo que a nova
administração seria exercida por dois diretores nomeados pelo ministro da Fazenda, ao
qual competiria também demiti-los e decidir nos casos de desacordo entre os dois.
Otto Petersen e Custódio de Almeida Magalhães foram os primeiros diretores
nomeados pelo governo para dirigir o Banco da República na sua nova fase. Petersen,
cuja inclusão na diretoria havia sido muito criticada por ser estrangeiro e com uma
administração classificada de infeliz, pediu exoneração, alegando motivos de saúde,
em setembro de 1901. Foi substituído por Raimundo de Castro Maia, que se manteve
até julho de 1906. Em novembro de 1902, o governo aumentou o número de diretores
para três. Serviram como diretores, em sequência de substituições, Carlos Augusto de
Carvalho, Custódio José Coelho de Almeida, Duque Estrada, Ubaldino do Amaral,
Bulhões de Carvalho e José Inácio Everton de Almeida.
Os primeiros diretores do Banco sentiram-se forçados pelas circunstâncias a par-
tirem para uma decisão drástica de sacrificar, pelos preços de um mercado em crise,
bens ou títulos que em épocas normais alcançariam melhores cotações. Durante esta
gestão a rotina do Banco transcorreu em quase completa obscuridade. Não se divulga-
ram relatórios, nem balanços, não se reuniu a Assembleia dos Acionistas, não se distri-
buíram dividendos e nem se lavraram atas de sessões dos órgãos dirigentes. Nem se
cumpriu o mínimo dever de prestar contas aos acionistas e à opinião pública.
É de se reconhecer, no entanto, que não houve excesso de crédito, mas alegou-
se que, no início, muitas irregularidades foram cometidas nas operações de câmbio. Ao
longo de uma linha restritiva de financiamentos, os lucros foram muito reduzidos. No
período de 5 de novembro de 1900 a 31 de dezembro de 1901, por exemplo, o lucro
líquido da nova Carteira Comercial chegou a apenas 724:926$964.

109
Capítulo 8
Foto: Acervo Arquivo Histórico do Banco do Brasil
Reforma de estatuto
ampliou a ação do Banco

Agência Manaus (AM). Fotografia sem data.


Prédio onde funcionava a Agência Manaus, segunda agência do Banco do Brasil em funcionamento no
país, inaugurada em 14/01/1908.

Em 1908, quando a Amazônia vivia o ciclo da borracha, o Banco do Brasil instalou em Manaus sua
primeira filial - a Sede e Agência Central eram no Rio de Janeiro -, materializando a vocação para
dinamizar o interior e apoiar no processo de integração nacional.
Nesse mesmo ano, eram também inauguradas sucursais em Belém e Santos, esta última pioneira na
assistência financeira ao café.
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Em 1º de março de 1902, Rodrigues Alves foi eleito presidente da República,


sem concorrentes. Tudo indicava, por sua atuação anterior, que estava comprometido
a dar continuidade à política financeira do seu antecessor, com a grande vantagem de
pegar o programa de restauração financeira em sua fase mais flexível, pois Campos
Sales já havia implantado a etapa mais dura. Ao assumir, Alves dispunha, assim, de
base estável implantada por Sales e da restauração de crédito, com as quais pôde partir
para a realização de um programa de reformas e obras de grande porte, beneficiando,
sobretudo, a cidade do Rio de Janeiro com serviços de embelezamento, urbanização,
saneamento e instalação portuária.
Servindo-se de autorizações legais já existentes para investimentos em obras, o
novo governo contraiu em Londres um empréstimo externo, no valor de 8,5 milhões
de esterlinos, através de contrato, celebrado em 20 de maio de 1903, com a Casa Ro-
thschild. Ajustou também um empréstimo interno, mediante emissão, até a quantia de
17.300:000$000, de apólices especiais ao portador, para aplicação em melhoramentos
do porto do Rio de Janeiro. No plano financeiro, destacou-se pela reorganização do
Banco da República, destinando-o a atuar como regulador de câmbio e a oferecer ao
comércio meios mais abundantes de descontos de letras. O governo vinha gerindo o
Banco e dele se servia como valioso auxiliar de sua política financeira.
Em 29 de julho de 1905, os acionistas do Banco foram convocados a se reu-
nir em Assembleia, na qual o ministro da Fazenda expôs os objetivos do governo e
propôs que fosse nomeada uma comissão para avaliar as reivindicações de todos e
elaborar um plano de reorganização. Sugeriu, ainda, que se mantivesse a situação
vigente até 31 de dezembro do ano corrente ou 31 de janeiro do ano seguinte, já que
qualquer reforma teria de ser submetida ao voto do Congresso Nacional. Os acionis-
tas haviam sido privados, por um longo período, de receber dividendos e do acesso
às informações sobre as atividades do Banco. Luiz A. da Silva Porto, que por muitos
anos participou da diretoria, sustentou que o governo deveria prestar contas do seu
mandato e indenizar os acionistas.
Em nova reunião da Assembleia, realizada em 28 de agosto do mesmo ano,
a comissão apresentou o seu parecer, aceitando a ideia de reorganização. Mas Luiz
Porto apresentou proposta no sentido de que a Assembleia nomeasse uma nova co-
missão de três acionistas para tratar diretamente com o governo sobre medidas que
sanassem os grandes prejuízos causados ao Banco pelos representantes governamen-
tais. Essa proposta foi aprovada, ficando a Assembleia suspensa até que se chegasse
a um resultado.
Reiniciada a reunião em 9 de setembro, Porto relatou que, após entendimentos
com o presidente da República e o ministro da Fazenda, foi decida a inserção de diver-
sas alterações no projeto, entre as quais, ao conceder aos acionistas – para compensação
dos prejuízos na liquidação da conta antiga -, uma parte nos lucros da conta nova do
Banco, o governo entraria com 2.500 contos para valorizar as ações. Desse modo, seu
ativo, fixado no projeto em 20 mil contos, a ser convertido em ações destinadas aos
seus acionistas, ficaria elevado a 22.5 mil contos. A Assembleia aprovou, por grande

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maioria, o parecer de primeira comissão e as emendas apresentadas pelo segundo. Foi


elaborado, então, um projeto que aprovava os estatutos do Banco do Brasil e autorizava
o Poder Executivo a abrir os créditos necessários para as medidas de execução.
Após extensos debates, com críticas contundentes aos fatos ocorridos desde
que o Banco passou à administração do governo, o projeto, finalmente, foi aprova-
do e sancionado como decreto nº 1.455, de 30 de dezembro de 1905. Entre outras
disposições, aprovava os estatutos do Banco do Brasil tal como foram propostos pela
Assembleia dos Acionistas; considerava prescritas todas as ações judiciais que não
fossem intentadas contra o extinto Banco da República do Brasil até o dia 15 de ju-
nho de 1906; e mandava aplicar ao restante do papel-moeda os dividendos das ações
que pertencessem ao Tesouro.
Os estatutos consideravam liquidado o Banco da República e incorporados e
sub-rogados os seus bens, direitos e ações ao Banco do Brasil que ia ser criado. O
governo, pagando, nos termos da lei de 20 de setembro de 1900 e do acordo de 16 de
outubro do mesmo ano, as inscrições ainda não resgatadas, transferia o ativo do Banco
da República ao Banco do Brasil, que o recebia pelo valor de 20 mil contos em ações.
O Banco do Brasil ficou responsável, junto ao Tesouro Federal, pela restituição
da soma adiantada pelo pagamento das inscrições não resgatadas. Dava em caução os
bens, direitos e ações do ativo do Banco da República, que, por esse motivo, ficavam
sob a gestão exclusiva do presidente do novo estabelecimento, até que fosse completa-
mente realizada a restituição. Cessava, porém, esse regime provisório, logo que entre o
governo e a diretoria fosse convencionada outra garantia para o débito.
Com prazo de duração de 30 anos, o Banco do Brasil poderia estabelecer filiais
em qualquer ponto do país ou fora dele. O seu capital, no valor de 70.000:000$000,
dividido em 350 mil ações de 200$000 cada uma, era assim distribuído: 112.500
ações, representando 22.500:000$000 nominais, para serem entregues aos acionistas
em troca de suas ações do Banco da República; 112.500 ações do mesmo valor, para
serem tomadas pelo Tesouro Federal e 125.000 ações no valor de 25.000:000$000,
destinadas à subscrição pública mediante pagamento parcelado, com preferência aos
mesmos acionistas.
O presidente e o diretor do câmbio, nomeados pelo governo, e mais três diretores
eleitos por três anos pelos acionistas, compunham a administração. Havia um Conselho
Fiscal formado de cinco membros e respectivos suplentes, eleitos anualmente pelos
acionistas. Determinou-se que o governo daria ao Banco o direito exclusivo de emitir
vales-ouro para movimentação dos impostos aduaneiros em toda República. Quando
fosse possível a circulação metálica em ouro e se tivesse instituído o regime bancário, o
Banco teria o privilégio exclusivo de emissão.
Ressurgira, assim, o Banco do Brasil, com o aproveitamento das instalações e do
acervo do Banco da República. Mas esse renascimento à base de uma arruinada estru-
tura não permitia, segundo os críticos, boas previsões. Na realidade, certamente havia
apreciáveis vantagens para o Banco do Brasil ao optar por uma linha de continuidade,
assumindo o que já havia de estrutura, de tradição, de clientela, no Banco da Repúbli-

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ca. E o destino de grandeza que o Banco conseguiu realizar, apesar das dificuldades,
tropeços e até retrocessos, provou que não houve erro em simplesmente dar continui-
dade ao que estava feito, em lugar de se fazer tudo de novo.
Vale ressaltar que o Banco do Brasil reatou suas atividades, em 1906, com uma
participação que o renovava e que ia manter-se e ampliar-se para o futuro: era o ingresso
do governo como acionista, com metade do capital, o que reforçava o seu poder de inter-
ferência nas Assembleias Gerais, às quais os acionistas particulares compareciam, geral-
mente dispersos, com limitado poder de voto. O controle do governo reforçava-se com a
faculdade que lhe cabia de nomear o presidente e o diretor da Carteira de Câmbio.
Consolidando os dispositivos dos estatutos, o presidente da República baixou o
decreto nº 6.169, de 31 de outubro de 1906, concedendo autorização ao Banco do Brasil
para receber depósitos de ouro e em moeda legal, entregando aos depositantes quantia
equivalente em notas conversíveis à vista, fornecidas pelo Caixa de Amortização. O
Banco podia, também, emitir cheques-ouro, pagáveis à vista, ou requisitar da Caixa de
Amortização notas conversíveis à vista, desde que provasse ao ministro da Fazenda a
existência, em seus cofres, de depósitos de ouro de sua propriedade, que garantissem
o valor da emissão. A providência tinha o objetivo de facilitar o manejo do numerário
metálico e de retê-lo em circulação. As notas eram um instrumento mais útil do que os
vales, que vinham sendo empiricamente utilizados.
Apesar de sua pouca ligação com a história do Banco do Brasil, duas providências
governamentais da época merecem ser destacadas: o Convênio de Taubaté e a Caixa
de Conversão. Os preços do café estavam, há tempo, em baixa, e o problema carecia de
solução, através de medidas estáveis que provocassem a valorização do produto. Mas o
governo de Rodrigues Alves conservava-se inativo, sem romper a política de contenção
rigidamente executada por Campos Sales.
A interpretação, então, era de que a baixa cotação do café resultava da superpro-
dução, cuja solução só podia estar na contenção ou mesmo na redução das colheitas.
Mas, nas regiões cafeeiras e, sobretudo, no estado de São Paulo, levantou-se um mo-
vimento de reivindicações de uma política de valorização, encabeçado pelo presidente
do Estado, Jorge Tibiriçá, e com base na lei da receita orçamentária para 1906. Essa lei
deu autorização ao governo federal para entrar em acordo com os governos dos estados
produtores para regular o comércio do café, promover a sua valorização, organizar e
manter serviço de propaganda do produto, a fim de aumentar o seu consumo e, ainda,
para endossar as operações de crédito.
Reunidos em 25 de fevereiro na cidade de Taubaté, já ao final do governo de
Rodrigues Alves, os presidentes Jorge Tibiriçá, de São Paulo, Nilo Peçanha, do Rio
de Janeiro e Francisco Sales, de Minas Gerais, convocados por Peçanha, resolveram
solicitar ao presidente da República que convocasse o Congresso Nacional, em sessão
extraordinária e urgente, para a decretação de uma lei criando um órgão destinado à
emissão de papel-moeda conversível em ouro, a uma taxa prefixada, ao qual se deno-
minaria Caixa de Conversão. O lastro seria a importância do empréstimo contratado
pelos estados com o endosso da União.

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Nessa mesma ocasião foi aprovado um convênio, mais tarde aditado por outro
em Belo Horizonte, reunindo um elenco de medidas de intervenção governamental
no mercado de café, e cuja execução coincidiu com uma grande safra, nos anos de 1906
a 1907. O plano consistia em retirar do mercado a produção excedente, o que requeria
recursos para adquiri-la. Mas não foi possível obter logo um empréstimo externo pre-
visto no acordo. O governo de São Paulo, com insuficiente cooperação dos governos
dos dois outros estados, procurou sustentar os preços, através da compra do produto
no mercado de Santos e, depois, no mercado do Rio de Janeiro. Empréstimos parciais
obtidos no exterior e no Banco do Brasil foram empregados para comprar e afastar do
mercado uma parte da produção, conseguindo-se atenuar a depressão de preços, cuja
tendência era se agravar.
O Convênio de Taubaté visou também a criação da Caixa de Conversão, que
concorreria para a estabilidade do câmbio, evitando principalmente as elevações das
respectivas taxas, que reduziriam internamente os rendimentos dos produtos em pa-
pel-moeda. Sancionado como decreto nº 1.575, de 6 de dezembro de 1906, instituiu a
Caixa, especialmente destinada a receber moedas de ouro de curso legal, entregando-
se, em troca, bilhetes ao portador, com valor igual aos das moedas de ouro recebidas,
fixado em 15 esterlinos por mil réis.
De acordo com o decreto, os bilhetes teriam curso legal, possuindo, assim, efeito
liberatório para contratos de pagamentos que seriam resgatados e pagos à vista, a quem
os entregasse, para serem trocados por moeda de ouro na Caixa. O ouro recebido pela
Caixa, em troca dos bilhetes que emitisse, seria conservado em depósito e não poderia
ser destinado, em caso algum, a outro fim que não fosse o de converter os bilhetes ao
tipo de câmbio fixado. Cessariam as emissões da Caixa quando os bilhetes emitidos por
ela atingissem o valor de 320.000:000$000. Seriam transferidos, sem mudança de apli-
cação, para a Caixa de Conversão, os fundos de resgate e de garantia do papel-moeda.
Inicialmente, a Caixa funcionou com grande êxito. Houve até fluxo de capitais
estrangeiros. Mas a situação mudou quando o dinheiro inconversível do Tesouro alcan-
çou melhor câmbio, e piorou com a guerra europeia de 1914. A Caixa sofreu um duro
golpe, que provocou sua extinção, quando, entre as medidas governamentais para fazer
face à crise provocada pela deflagração da guerra, foram suspensas as suas operações.
Como era de se prever, o novo Banco do Brasil enfrentou dificuldades, pois o
sistema de continuidade ao Banco da República transmitia-lhe o legado de uma crise
prolongada, que obrigou a diretoria a ocupar-se, por longo tempo, em avaliar uma va-
riada gama de propostas de liquidações e de compras de bens adquiridos em muitas
liquidações anteriores. Decorridos quatro anos da transformação, em julho de 1910,
ainda assinalavam-se em ata da diretoria liquidações diárias de contas com abatimentos
de 80% a 90%.
Em março de 1908, o presidente do Banco, João Ribeiro de Oliveira e Souza,
apresentou à diretoria os resultados medíocres dos dois semestres do ano anterior,
confessando-se apreensivo. Com dificuldade, foram distribuídos escassos dividendos,
em meados de 1907 e no começo de 1908. Em 45 falências abertas, coubera ao Banco,

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largo quinhão de prejuízos. Assim, só era possível prever pequenos lucros líquidos. As
cotações das ações do Banco subiram de 114$000 para 197$000.
No relatório que apresentou, em 1909, o ministro da Fazenda disse que a esta-
bilidade do câmbio, então verificada, devia-se “a ação conjugada da Caixa de Conver-
são e do Banco do Brasil, que em todos os tempos contou com o auxílio do governo”.
Nesse ano, o presidente do Banco, João Ribeiro, exonerou-se e foi substituído por
Ubaldino do Amaral Fonseca.
Em agosto de 1910, o presidente da República, Nilo Peçanha, que sucedeu
Afonso Pena, falecido em 1909, enviou mensagem ao Congresso, pedindo permissão
para subscrever mais 62.500 ações do Banco, ou seja, metade da emissão de 125.000
ações que, pelos estatutos, deviam ser lançadas à subscrição pública. Assim, o governo
iria manter-se como detentor definitivo da metade do capital do estabelecimento.
O país foi sacudido, em 1910, pela campanha da eleição presidencial, quando, pela
primeira vez, defrontaram-se dois fortes candidatos à Presidência: Rui Barbosa e o mare-
chal Hermes da Fonseca. Rui Barbosa levantou a bandeira da preservação civilista, en-
quanto o seu adversário era acusado de ser um candidato militarista. Apoiado pela grande
maioria da classe dominante nos estados, Hermes da Fonseca foi eleito e empossado.
Em abril de 1911, foi nomeado presidente do Banco do Brasil, João Alfredo Cor-
rea de Oliveira, o estadista, já então com 75 anos de idade, que se distinguira politi-
camente no regime monárquico, especialmente por sua participação como presidente
do Conselho de Ministros, na abolição da escravatura. Oliveira anunciou que havia
anormalidades a corrigir, especialmente quanto à quebra da antiga tradição pela qual
o Banco esmerava-se em sua função essencial de fazer circular rapidamente o dinheiro
por todo comércio.
Nada menos de dois terços do capital formado pelo Banco tinham sido, até en-
tão, colocados em poucas mãos e nelas ficaram represados pelas contínuas reformas e
prorrogações de prazos. O novo presidente preconizou a volta à disseminação de cré-
dito. Como se verificaram graves desvios nas agências do Pará e de Manaus, para elas
foi mandado o próprio advogado do Banco, para tomar medidas corretivas. Naquele
tempo, o Banco ainda não aproveitava como gerente de suas filiais os seus próprios
funcionários. Em 1913, a diretoria aprovou um regulamento para as agências e a criação
de um órgão central destinado a fiscalizá-las.
Na sessão de abril de 1913, da Assembleia Geral dos Acionistas, foi aprovada,
embora sem o apoio do representante do Tesouro, uma proposta de Pedro Betim Paes
Leme destinada a beneficiar os funcionários através das seguintes medidas: aquele
que fosse considerado inválido por uma junta médica, se contasse mais de dez anos de
serviço ativo teria direito à aposentadoria com tantas trigésimas partes dos vencimentos
do seu cargo quantos fossem os anos de serviços apurados; para esse fim o cálculo seria
sobre o vencimento do trabalho exercido durante dois anos, pelo menos, ou sobre o
do ano anterior quando o tempo não tivesse sido preenchido; quem contasse mais de
30 anos de serviço efetivo teria direito a ser aposentado com todos os vencimentos do
cargo que exercesse, se provasse invalidez.

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Divulgou-se, naquele ano, que a situação bancária apresentava estabilidade dos


saldos em caixa, aumento dos depósitos em mais de quatro mil contos, dos descontos
em mais de nove mil contos e regularidade dos empréstimos. A indústria e o comércio
tiveram forte impulso, decorrente de incentivos oficiais. As fábricas, favorecidas pela
oferta de crédito, desenvolveram seus meios de produção e aumentaram consideravel-
mente a sua capacidade de operação. O comércio crescera em decorrência do aumento
da capacidade aquisitiva e de consumo do público.
Em discursos na Câmara, a 26 de novembro de 1913, Pandiá Calógeras chegou
a conclusões otimistas sobre a evolução do país, mas outros observadores, no final do
ano, começaram a apontar sinais da crise que se avizinhava. Passou-se, de súbito, a falar
na redução dos depósitos bancários, na alta das taxas dos descontos, na escassez e em
dificuldades cada vez maiores das operações de crédito e do comércio. Registraram-se
previsões de uma derrocada e advertências em relação ao extraordinário aumento dos
encargos do serviço da dívida externa.
A guerra balcânica, que aconteceu na Europa, em 1912, levou o mercado europeu
ao retraimento, tornando difícil ao Brasil importar dinheiro. Ao mesmo tempo, registrou-
se, no segundo semestre de 1913, tremenda baixa dos preços do café e da borracha. O
Brasil, nesse ano, teve redução de cerca de dez milhões de esterlinos em sua exportação,
e a questão, em 1914, era como o Brasil poderia pagar as grandes obras em construção e
as importações encomendadas, bem como os juros de sua dívida26. Cresciam, também,
protestos contra o custo de vida, que vinha aumentando desde 1912.
O déficit orçamentário disparou. Em 1910, chegou a quase 100 mil contos de
réis. Retrocedeu, em 1911, para 72.150 contos de réis, mas logo voltou a se elevar para
140.758 contos, em 1912. A receita crescia, mas a despesa aumentava em proporção
maior. Em 1912, por exemplo, a receita chegou a 613.043 contos de réis, mas a despesa
subiu a 753.801 contos. Segundo o parlamentar Homero Batista, ao discursar em 15 de
junho de 1914, desde meados do ano anterior já estavam em crise o comércio e a indús-
tria, a população em geral e o Tesouro da União – este em falência -, com os agravantes
do aumento do custo de vida e da escassez de recursos para realização dos pagamentos.
Os funcionários recebiam seus vencimentos com atraso.
A despeito de tudo isso, continuava como antes, conforme o parecer da Comis-
são de Finanças da Câmara dos Deputados, levado a plenário no dia 12 de agosto de
1913. De acordo com o documento, prosseguiam o mesmo gastar sem conta, com ou
sem autorização legal, o mesmo abuso do crédito em emissões e empréstimos de so-
mas avultadas, o mesmo desmando e a mesma desordem, mantendo-se o governo na
execução febril de empreendimentos de todo o tipo, construindo estradas, vilas, hotéis
suntuosos, oficinas, quartéis, palácios, portos, fábricas, colônias, indústrias novas, cen-
tros magnificentes de diversões e até de tavolagem.
Ao mesmo tempo, os mercados monetários da Europa, sob a pressão da situação
de emergência que a guerra balcânica gerou, começaram a dificultar o movimento de
dinheiro para o exterior, por melhores que fossem as operações propostas. E revelava-
26. Jornal do Commercio, edição de 27 de março de 1914.

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se, no Congresso, que o Tesouro devia em letras, em setembro de 1914, à praça de


Londres, 1.400.000 libras; ao fundo de garantia, 13 milhões de esterlinos; à Caixa de
Rescision Poundes mais de 1 milhão, somando 15.400.000 libras; ao fundo de resgate,
30 mil contos e à Caixa de Conversão cerca de 20 mil contos, o que totalizava 50 mil
contos em papel. E que não tinha com o que pagar.
Completava-se, assim, o círculo de ferro da crise, com o governo como que em
posição de sítio, ante a insolvência, a carência completa de recursos para pagar débitos
e até para o custeio rotineiro da administração. Tratou, então, o governo de se benefi-
ciar de moratória em relação às suas dívidas externas, negociando e contratando com os
credores estrangeiros o segundo funding loan. As gestões começaram quando já estavam
vencidas e não pagas diversas prestações no exterior. Mas foi em 7 de setembro de
1914 que a Casa Rothschild dirigiu aos credores do Brasil uma circular em que comuni-
cou que ia efetuar-se um novo funding. O fato de o Brasil ter faltado ao cumprimento de
encargos no exterior e o discurso das negociações para esse funding ficaram ignorados
no país até 1º de outubro.
Não deixaram de ocorrer, na época, referências desfavoráveis ao Banco do Bra-
sil, acusado de não realizar operações de amparo ao comércio. Mas em sua defesa
argumentou-se que o estabelecimento, desde o começo da crise, se portara do modo
mais correto possível. E que, se não fosse a ação patriótica e clarividente do seu pre-
sidente, conselheiro João Alfredo, e de seus companheiros de diretoria, a praça não
teria como se sustentar.
No início do último trimestre de 1914, o clima era de pessimismo e as previsões
sombrias. Esperava-se maior desvalorização dos produtos de exportação, pelo estreita-
mento da faixa de compradores no estrangeiro, consequência da guerra. Esperava-se,
também, a baixa do câmbio, com o agravamento do desequilíbrio no comércio interna-
cional. E era de se prever a incapacidade dos poderes públicos para solver compromis-
sos externos com dinheiro desvalorizado.
Contribuía para agravar a situação o problema da dívida flutuante do Tesouro,
que a princípio dizia-se ser de 100 mil contos e depois passou a ser sucessivamente
estimada em 150 mil e 200 mil contos, havendo quem a calculasse em 300 ou 400 mil
contos, sem que se conhecesse o montante de tão grandes encargos. A crise genera-
lizada assolou o país inteiro e foi diferente de outras anteriores, como a de 1864, que
abalou o Rio de Janeiro e só se refletiu em algumas outras praças do país.
A situação de desespero do governo em face da falta de numerário apontou no-
vamente para a ideia de que o único remédio seria a emissão de papel-moeda pelo
Tesouro. Descartadas as possibilidades de empréstimos internos ou externos, conside-
rados inviáveis, o governo voltou a apelar, em 1914, para as emissões de papel-moeda,
interrompidas desde 1898. A prática foi acionada, dessa vez, com novo poder de per-
manência, fortalecida pelo exemplo das principais nações europeias, que, envolvidas
diretamente na primeira grande guerra, precisaram abrir os fluxos emissionistas.
Dessa vez, associações de classes conservadoras e figuras de destaque do Con-
gresso, unidas ao grupo numeroso dos credores do Estado, reivindicaram as emissões.

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Políticos e economistas contrários à medida baixaram as armas e admitiram essa ne-


cessidade, principalmente depois que o Brasil entrou na guerra. Pelo caminho assim
aberto, logo ampliado, o processo de emissão foi abundante: em 1914, foram emitidos
250 mil contos; em 1915, 350 mil contos; em 1916, 300 mil contos; em 1918, 130 mil
contos e, em 1919, 50 mil contos, totalizando 1.080 mil contos.
Esse processo durou além de 1919, quando a emissão governamental sucedeu
a emissão bancária, e foi facilitado e até estimulado pela baixa moderada do câmbio,
a qual, por incrível que pareça, contrariou as sombrias previsões de excessos inflacio-
nário e de desvalorização da moeda. O primeiro pedido de autorização ao Congresso
para emitir foi feito ainda no governo do marechal Hermes da Fonseca, em agosto de
1914. Em apenas 14 dias o projeto foi aprovado e sancionado, como decreto legislativo
nº 2.863, de 24 de agosto de 1914, que autorizava a emissão, em notas do Tesouro, até
a quantia de 300.000:000$000, destinando 200.000:000$000 para a solução de compro-
missos do Tesouro e 100.000:000$000 para empréstimos a bancos.
Em fins de 1914, o Banco continuava realizando concursos para reforçar seu qua-
dro de pessoal, já com o objetivo de melhorar o nível de servidores e aperfeiçoamento
interno dos serviços. Em 27 de novembro, em consequência da mudança do governo,
quando Venceslau Brás sucedeu a Hermes da Fonseca na Presidência da República,
foi empossado como presidente do Banco do Brasil, Homero Batista, que se destacou
no Congresso pela inteligência e pelos sólidos conhecimentos de ciência econômica.
A diretoria aumentou os descontos e redescontos para 181.584:172$541 em 1913,
o que representou um esforço supremo para manter o Banco no seu papel de suporte
creditício da atividade comercial e industrial. Concedeu, também, aos seus clientes o
maior benefício possível, mantendo as taxas de 6% para redescontos, 8% para os des-
contos e 9% para os casos de reforma. Não houve corrida aos seus depósitos e, segundo
o relatório apresentado à Assembleia, em 1915, foi possível apurar o lucro líquido, no
primeiro semestre, de 3.631:820$969 e, no segundo, de 1.165:034$089, distribuindo no
ano dividendos de 18%.
Durante os anos de 1915 e 1916, respaldado pelas emissões, o governo pagou
dívidas e cobriu deficiências de receitas. Assim, as emissões foram mais úteis para de-
sembaraçar os encargos do Tesouro, do que propriamente para incentivar a produção.
Uma parte delas, no valor de 150.000:000$000, foi passada ao governo de São Paulo,
para que adquirisse uma fração da safra de café. A medida evitou que as cotações do
produto descessem abaixo do nível em que deixariam de ser retribuidoras. Atendendo
às reivindicações dos produtores amazônicos, o governo, através do Banco do Brasil, in-
terveio também no mercado da borracha, realizando operações de compras do produto
em Belém e Manaus, numa faixa de aplicações de até 15 mil contos de réis.
Em 24 de maio de 1916, os acionistas, reunidos em Assembleia Geral Extraor-
dinária, aprovaram uma limitada reforma dos estatutos, na qual se criou mais um cargo
de diretor, eleito pelos acionistas, tendo como competência a direção das agências e
deu-se abertura para ampliar o prazo para as operações de descontos e outras, a critério
da diretoria, de quatro até seis meses.

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A criação de agências acelerou-se a partir de 1915, apoiada na lei nº 2.986, de 28 de


agosto de 1915, que autorizava providências para que o Banco abrisse suas portas em todos
os estados da República e no território do Acre. Assim, ao despedir-se da presidência, em
3 de janeiro de 1919, Homero Batista anunciou que já estavam instaladas e funcionando
regularmente novas agências em Corumbá, Maceió, Aracaju, Três Corações, Uberaba,
São Paulo, Florianópolis, Natal, Ilhéus, Vitória, São Luís do Maranhão, Parnaíba, Juiz de
Fora, Cataguases, Santa Luzia de Carangola, Ponta Grossa, Barretos, Ribeirão Preto, Var-
ginha, Pelotas, Belo Horizonte, Jaú, Rio Grande, Bagé, Joinville e Livramento.
Para breve já estavam previstas, então, inaugurações das agências de Mossoró,
Camocim, Feira de Santana, São Félix, Bauru, Guaxupé e Cachoeira. E já estavam
criadas, para serem oportunamente instaladas, as de Própria, Limoeiro, Barbacena,
Ponte Nova, Uruguaiana, Monte Santo, Teófilo Otoni e Miracema. Mas, em 1918,
num ligeiro retrocesso, a diretoria optou pela criação de escritórios, reduzindo a esta
condição as agências de Três Corações, Vitória e Parnaíba. Ainda instalou, na mesma
condição, as agências já criadas de Mossoró, Barretos e Bauru e abriu novos escritórios
em Camocim, Cachoeira, Cabo Frio, Carangola, Jaú, Ponta Grossa, Laguna, Itajaí, Pe-
lotas, Livramento e Uruguaiana.
A criação das primeiras agências levantou acusações de que seriam núcleos de
absorção e drenagem de capitais do interior para o centro, ou para outras regiões, e de
que fariam concorrência a estabelecimentos congêneres. Homero Batista, em relatório
apresentado à Assembleia dos Acionistas, em 1916, explicou que o regulamento das
agências estabelecia a aplicação de dois terços do valor dos depósitos em operações
de empréstimos, mantido rigorosamente o encaixe do restante, enquanto elevava-se a
milhares de contos de réis o suprimento anual feito às filiais.
À nova estrutura de filiais, foram necessárias algumas providências de instalação,
organização e controle. Em 1916, a diretoria chegou à conclusão de que era conveniente
para o Banco colocá-las em edifícios próprios. Promoveu-se, também, uma incipiente
descentralização de alçadas, introduzindo-se a fiscalização permanente, mediante ins-
petores efetivos, incumbidos de realizar esse serviço, alternadamente, em cada filial.
Em 3 de janeiro de 1919, Homero Batista deixou a presidência do Banco e pres-
tou contas à diretoria. Destacou-se, em sua exposição, o confronto dos resultados da
matriz, relativos ao primeiro semestre de 1914, com os do primeiro semestre de 1919,
que exprimiam a expansão, o vigor e a prosperidade do Banco: as contas correntes
garantidas subiram de 36.534 contos a 58.502 contos; os valores caucionados, a elas cor-
respondentes, ascenderam de 58.860 contos a 118.360 contos; as letras descontadas, de
39.990 a 66.267 contos; as letras a receber, de 4.678 a 30.902 contos; as contas correntes
com juros, de 39.560 a 71.491 contos; as letras a prêmio, de 7.207 a 10.299 contos; as
reservas do Banco, consistentes do fundo de reserva e do crédito na conta de lucros e
perdas, de 8.319 a 16.484 contos, acrescidas dos fundos de previsão e de liquidação; os
totais do ativo e passivo, de 713.967 a 1.187.260 contos; as ações, que se cotavam, em
março e setembro de 1914, a 154$300 e 178$570, respectivamente, alcançaram, nos
mesmos períodos de 1918, 220$000 e 235$000.

120
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Disse Homero Batista que, com a intenção de normalizar os compromissos, o


Banco liquidou, com o Tesouro Nacional, contas na importância de 88.728:326$587,
efetuando pagamentos a diversos banqueiros da Europa, no valor de 17.725:589$864 e
aplicando 31.276:017$000 em compra de cambiais para cobrir necessidade urgente do
Tesouro Nacional. Explicou ainda que o saldo devedor da conta de certificados-ouro,
que em novembro de 1914 subia a £ 5.329.811.21, equivalentes a 80.510:782$550, fi-
cou reduzido, no decurso de 1915, a 17.159:225$753, depois inteiramente liquidados
mediante cambiais a favor do Tesouro.
Em virtude das disposições legislativas, o Banco assinou com o governo dois
contratos em que recebeu, a título de empréstimo, a quantia total de 100 mil contos,
para operações de descontos, redescontos etc., e para animar a produção nacional. Esse
dinheiro e mais algum aditamento foi empregado, por conta e ordem do Tesouro, em
empréstimos a governos estaduais, em adiantamento a órgãos e empresas do governo,
ao Jornal do Commercio, a empresas do Estado de São Paulo, à Companhia de Minas de
Carvão do Jacuí e à Companhia Carbonífera Rio-grandense.
O Banco fez consideráveis adiantamentos, que subiram a milhares de contos,
para a compra de notas conversíveis de café e borracha e para pagar contas do convênio
com o governo da França. Essas operações, às vezes, excederam muito a importância
recebida dos dois empréstimos e, na parte dependente de prazos fixados, atingiram
perto de dois terços dessa quantia, provocando retração do movimento normal do Ban-
co, restringindo-lhe as possibilidades e entravando-lhe a ação que lhe cumpria exercer
no meio econômico-financeiro do país.
Homero Batista se queixou de que o Poder Executivo não apoiou, apesar de
estar autorizado pelo Congresso Nacional, a sua iniciativa de reforma dos estatutos do
Banco, que visava erguê-lo às proporções de grande intuito central de emissão e redes-
contos, sem perda do seu cunho comercial, a despeito do apoio dado pelos órgãos mais
representativos dos grandes interesses do país. Com efeito, Homero Batista lançou
essa ideia, que grandes setores de opinião pública apoiaram, nos relatórios que apre-
sentou aos acionistas em abril de 1917 e de 1918. Tomando como exemplos bancos
estrangeiros, não só Homero Batista, como também os seus seguidores alongaram-se
em apresentar todas as vantagens da expansão do Banco do Brasil como órgão emissor
de redescontos.
No Congresso Nacional surgiram propostas com esse objetivo, sob oposição de
Leopoldo Bulhões. Segundo Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, a emissão bancária
só não se instalou logo ao impulso de tantas pressões e apoios porque encontrou obs-
táculo poderoso no próprio presidente da República, Venceslau Brás, “que com as
emissões inconversíveis só transigiu ao peso da guerra”, mas sempre com certo cons-
trangimento. Também os ministros da Fazenda de Venceslau Brás, Sabino Barroso,
Calógeras e o próprio Antônio Carlos, “jamais ocultaram opiniões radicais em contrário
a novas experiências de bancos emitindo bilhetes inconversíveis, vivendo só e só do
curso forçado”27.
27. Banco de Emissão do Brasil, 1923, p. 363.

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Durante os anos de 1915 a 1918, os lucros do Banco do Brasil evoluíram adequa-


damente, com as previsíveis oscilações resultantes da crise. Em 1915, importaram em
2.799:474$391 no primeiro semestre e em 2.151:801$615 no segundo. O decréscimo
ainda foi acentuado no primeiro semestre de 1916, quando o valor dos lucros líquidos
ficou em 1.710:943$629, mas já no segundo semestre ocorreu auspiciosa recuperação,
pois subiu a 4.430:155$718. Em 1917, chegaram a 4.240:788$767 no primeiro semestre,
baixando para 2.053:224$477 no segundo. Em 1918, deu-se melhoria segura, pois o
lucro líquido, que no primeiro semestre já havia se elevado a 5.729:836$729, subiu no
segundo semestre para 6.741:723$490. Mas essas importâncias eram modestas, pois nas
duas últimas décadas do século anterior registraram-se valores que iam de mais de seis
mil a pouco menos de dez mil contos por ano.
A saída de Homero Batista da presidência do Banco resultou da mudança de go-
verno, em 15 de novembro de 1918, quando terminou o mandato de Venceslau Brás e
Rodrigues Alves, que no dia da posse estava muito doente e logo faleceu. Assumiu o
vice-presidente Delfim Moreira. Foi nomeado presidente do Banco do Brasil Milcíades
Mário de Sá Freire, que adotou um programa de recessão e cautela, considerando, sobre-
tudo, a crise por que estava passando o comércio e a indústria, provocada pelos efeitos da
guerra, pela baixa de preços das mercadorias e pelo decréscimo da exportação.
Assim, a nova administração do Banco não implantou outras agências. Suspen-
deu a instalação de algumas já criadas e reiterou a recomendação de se imprimir maior
cautela às novas operações. Enquanto isso, procurava diminuir as despesas gerais, pro-
videnciava liquidação de operações em êxito, inspecionava com rigor as agências e
impulsionava a ação do contencioso. Ao longo dessa evolução, que não deixava de ser
acidentada, mas ainda colhendo os frutos do ousado impulso que lhe deu Homero Ba-
tista, o Banco do Brasil predominava em importância e influência, tanto na posição de
apoio cada vez mais poderoso à política econômico-financeira do governo, como pela
reputação que se consolidava junto à classe política e à classe produtora.
Durante todos esses anos, especialmente em 1917 e 1918, realizaram-se ten-
tativas para restabelecer o crédito agrícola no país. O Banco do Brasil chegou a ser
cogitado, graças às suas agências no interior, para se encarregar dessa atividade. An-
tecipava-se o que realmente viria a ocorrer anos depois com a criação da Carteira
de Crédito Agrícola e Industrial. O assunto foi também discutido em reuniões de
fazendeiros, outros interessados e associações de classe. Entretanto, nada se con-
cluiu, atribuindo-se esse fracasso a juros e amortizações elevados, a administrações
incapazes, ou à desorganização, distanciamento, difícil acesso, valor insuficiente ou
incipiência da propriedade rural que devia servir de garantia aos financiamentos.
Entretanto, continuava geral o entendimento de que a fundação do crédito agrícola
representava a maior necessidade da área rural.
Em 19 de julho de 1918, o governo baixou o decreto nº 13.110, em que estabe-
leceu discriminadamente proibições e restrições à remessa de valores para o exterior
e a vigilância sobre o câmbio internacional. Coube ao Banco do Brasil coadjuvar na
execução desse ato, que resultou no desaparecimento quase completo da especulação

122
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e na satisfatória estabilidade de taxas. O Banco, apesar da crise, mantinha, então, uma


posição de solidez, firmando-o cada vez mais como grande estabelecimento de crédito
e caminhando para se equiparar a outros bancos no exterior.

123
Capítulo 9
Foto: Acervo Arquivo Histórico do Banco do Brasil
O esforço de produção
e a crise do café

Saguão na entrada principal do prédio do atual Centro Cultural


Banco do Brasil, no Rio de Janeiro. Ao fundo, vista parcial da rotunda (1926).
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Os historiadores atribuem ao governo de Venceslau Brás inegáveis melhorias


na situação econômico-financeira do país. Ele próprio relatou essa transformação em
mensagem que apresentou ao Congresso, em 1917. O documento afirmava que todos
os pagamentos do Tesouro estavam em dia e os quadros da evolução do câmbio não
eram sombrios, mantendo-se as taxas moderadamente oscilando entre mais de 12 até
mais de 13.
A retrospectiva do Jornal do Commercio sobre 1917, publicada em 2 de novem-
bro de 1918, assinalou que em pouco tempo a vida comercial renasceu, o número de
falências e concordatas decresceu, o capital de novas sociedades comerciais aumentou
e, apesar de todos os desequilíbrios provocados pela Primeira Guerra Mundial e pela
crise de transportes, a situação tendeu para uma relativa normalidade.
A guerra acabou contribuindo para estimular o desenvolvimento industrial do
país, pois o esforço de produzir para as Forças Armadas resultou no crescimento e
diversificação da produção. A economia, com o aumento das forças de produção, ca-
minhou para o equilíbrio e a prosperidade. Venceslau Brás deu importante contri-
buição, promovendo o apaziguamento político, mostrando-se persistente em normas
de prudência e de poupança e restabelecendo na administração a prática da razão e
da moderação.
Para completar o mandato de Rodrigues Alves na Presidência da República, foi
eleito, após acirrada competição com Rui Barbosa, o nordestino Epitácio Pessoa, que
assumiu em 27 de julho de 1919. Seu governo foi marcado pelo reinício das revoltas mi-
litares, pelo crescimento dos déficits orçamentários e pela baixa do câmbio, agravando
a situação financeira. Mas, ainda nesse ano, surgiram indícios de que se poderia iniciar
uma nova era de prosperidade para o Brasil. Enquanto as importações ainda não se
desenvolviam, já que ainda não havia recuperado a produção dos países da Europa, a
exportação teve um período de grande expansão, quando foram expedidas para o exte-
rior 1.908.009 toneladas de café, no valor de 130.085.000 libras esterlinas. A importação
atingiu somente 78.177 libras esterlinas.
Houve, assim, um grande saldo no comércio exterior e isso logo se refletiu sobre
o câmbio, que em novembro de 1919 passou de 18. Mas foi uma alta passageira. En-
quanto melhorava a situação econômica, mantinha-se delicada a situação financeira,
assolada pelos déficits orçamentários. Como antes, a receita subia, mas a despesa crescia
em proporção maior. Nos exercícios de 1915 a 1918, o déficit chegou a 29:599$450 em
ouro e a 1.022:326$007 em papel.
Assim desequilibrada, próspera no câmbio, mas em contínua deterioração no
plano financeiro, a situação evoluiu para a crise. Caíram as saídas de couros, conservas
e carnes congeladas e baixaram também os preços da borracha e do cacau. O açúcar
estava em alta, com boa produção, mas o governo, visando proteger o consumo interno,
proibiu a sua exportação. Caíram as cotações do café e o câmbio logo baixou de 18 para
menos de 17.
O relatório apresentado pelo presidente do Banco aos acionistas, em 1920, assi-
nalou dificuldades já no começo do segundo semestre de 1919. O grande surto nos

126
H ist ó r i a d o B a nc o d o B r a s i l

negócios conduziu a praça do Rio de Janeiro a uma relativa escassez de numerário, que
se propagou a todas as outras, com elevação das taxas de desconto e uma diminuição
geral de depósitos. Com isso, o Banco foi levado a diminuir as operações. O relatório
apresentado no ano de 1921 foi mais incisivo, ao assinalar que a depressão financeira
universal, a fraqueza dos mercados consumidores e a hostilidade dos respectivos go-
vernos a qualquer incremento de importação burlaram as esperanças de instauração de
uma fase de prosperidade.
Manifestou-se, assim, no fim de 1920, crise que se acentuou ainda mais, em 1921
e 1922. O governo procurava manter o propósito de não emitir e, com isso, segundo se
informou no Congresso, estava desaparelhado para acudir às necessidades do Tesouro,
cuja situação se tornou delicada, faltando numerário para pagamento de contas de for-
necimento e até mesmo de pessoal, principalmente nas delegacias fiscais dos Estados.
Em dezembro, José Maria Whitaker assumiu a presidência do Banco.
Em 1922, a diretoria do Banco do Brasil preocupava-se com a baixa cambial,
considerada alarmante e para a qual estariam contribuindo, entre outras coisas, a falta
de letras de exportação, a baixa das cotações dos produtos brasileiros e o desequilíbrio
orçamentário e na balança exterior. Também o governo foi apontado como culpado
da crise cambial, porque encampou estradas de ferro e porto no Rio Grande do Sul,
pagando em francos, empregou um milhão de libras esterlinas equivalente ao resgate
antecipado de títulos da nossa dívida externa e proibiu a exportação de açúcar.
O governo não deixou de intervir contra a baixa de câmbio, embora cautelosa-
mente. Nomeado para a direção da Carteira de Câmbio, Custódio Coelho assim des-
creveu a atuação desse órgão:

“A direção atual da Carteira de Câmbio do Banco do Brasil, agindo de acordo com


a administração geral desse Banco e obedecendo às inspirações do governo, em
visar especulações, sem manter artificialmente taxas de câmbio, tem procurado,
com a maior firmeza e prudência, atender às necessidades do comércio legítimo e
esforçar-se em estabelecer pontos de referência na marcha depressiva do câmbio,
ora provocada por liquidação de vendas realizadas a descoberto na esperança de
empréstimos externos, ora determinada pela deficiência de letras de exportação,
como nesta época do ano (junho de 1921), ora, finalmente, pelo acentuado déficit
na nossa balança comercial, conjugado com os efeitos perniciosos do papel-moeda
de curso forçado”28.

Com base em autorização legislativa pré-existente, o governo contraiu em Nova


Iorque um empréstimo no valor de 50 milhões de dólares, que foi lançado com êxito.
Interferiu, também, no mercado de câmbio, através do Banco do Brasil, no segundo
semestre de 1922, quando Custódio Coelho ainda era diretor. Correram versões de que
dessa interferência resultaram prejuízos para o Tesouro, de mais de 20.000:000$000 e
de que o Banco do Brasil exorbitou na execução das ordens recebidas do governo. Fa-

28. Jornal do Commercio, edição de 29 de junho de 1921.

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lando na Assembleia dos Acionistas, realizada bem mais tarde, em 28 de abril de 1924,
Coelho refutou as acusações, explicando que, de julho de 1922 ao começo de 1923, o
Tesouro Nacional, nas suas relações com o Banco do Brasil, só usufruiu de benefícios
e reais vantagens.
Em 13 de novembro de 1920, foi aprovada pelo Congresso e sancionada, sob o
nº 4.128, uma lei que, entre outras providências, instituiu no Banco do Brasil a Car-
teira de Emissão e Redescontos, cujo limite de operações, no valor de 100 mil contos
de réis, não podia ser excedido, salvo por ato do presidente da República. Figuraram
outras disposições restritivas: só iam ser admitidos a redescontos efeitos do comércio,
letras de câmbio e saque emitidos em moeda nacional, à ordem de valor não inferior a
5:000$000, garantidos, pelo menos, por duas firmas comerciais ou bancárias, plenamen-
te idôneas; os prazos dos títulos redescontados não deviam exceder quatro meses e a
taxa de redescontos de 6% ao ano; só seriam admitidos a redescontos papéis emitidos
para fins agrícolas e industriais.
A Assembleia dos Acionistas, de 10 de dezembro de 1920, aprovou reforma dos
estatutos, que tratava das bases para ajustar com o governo as condições de organiza-
ção e funcionamento da carteira, inclusive um dispositivo que a constituía como seção
autônoma, para funcionar sob a inspeção direta do governo, de acordo com as leis,
regulamentos ou avisos, instruções ou ordens do Ministério da Fazenda. O contrato
entre o governo e o Banco para a instalação e organização da carteira foi assinado a 11
de dezembro de 1920.
Figuraram, finalmente, na lei do orçamento da receita para 1921, novas dispo-
sições, entre as quais merecem destaque estas duas: a emissão, autorizada no artigo 9º
do decreto nº 4.182, deveria ser feita diretamente pelo Tesouro Nacional, mediante
requisição fundamentada do presidente do Banco do Brasil, ficando todo o ativo da
carteira para responder integral e principalmente pela restituição ao Tesouro das
importâncias deste recebidas; só deveriam ser aceitos para redescontos títulos que
não resultassem de negócios de mera especulação e cuja importância tivesse sido ou
devesse ser aplicada em legítima transação de movimento, relativa à agricultura, à
indústria e ao comércio.
Depois que começou efetivamente a funcionar a partir de sua instalação, em 1º
de fevereiro de 1921, a carteira foi bastante elogiada. Com ela, implantou-se a tran-
quilidade na vida econômica; dotou-se de maior elasticidade o sistema monetário; tor-
nou-se possível restituir à circulação uma soma calculada em mais de 400 mil contos,
que se conservava improdutiva nas caixas do Banco, aumentou a eficiência do capital,
preparando-se para mais tarde uma redução considerável na taxa de juros. Conferiu-se,
por fim, ao governo federal, o poder de influir diretamente na economia nacional, fo-
mentando a produção ou reprimindo a especulação através de modificações oportunas
na taxa de juros das quantias que fornecesse.
Por outro lado, a carteira deu ao Banco do Brasil uma posição de prestígio e a fa-
culdade para operações de rendimento considerável, que logo se refletiriam nos lucros,
elevados a uma soma nunca anteriormente atingida. Segundo relatório apresentado,

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em 1923, pelo presidente do Banco à Assembleia dos Acionistas, em 1922, a carteira


redescontou títulos no valor de 720.246:315$627, pagou ao Tesouro Nacional juros na
importância de 2.314:250$740 e apurou de lucro 400 mil contos o limite das emissões
que a carteira tinha o direito de requisitar.
O sucesso da carteira, no entanto, começou a ser ofuscado pelas acusações de
que abria uma nova via de escoamento ao fluxo de emissões, que tinha sido tempo-
rariamente bloqueado. A requisição mais poderosa de recursos vinha do Tesouro, por
força do crescimento novamente acelerado das despesas públicas. Nesse terreno era
mais difícil a resistência, porque o Banco, ao atender o governo, auferia lucros com a
cobrança de juros ao erário público. Assim, o Tesouro, inconsequentemente, pagava
elevados juros ao Banco pelo dinheiro que a ele fornecia gratuitamente, quando podia
se poupar desse prejuízo promovendo, ele próprio, as emissões.
No segundo semestre de 1921, a emissão foi quase totalmente paralisada, bai-
xando a pouco menos de 20 mil contos de réis. Mas, como o Banco precisava recompor
os seus encaixes, e também por força de outras necessidades, o processo foi retomado,
passando do limite de 100 mil contos de réis, enquanto a dívida do governo, no Banco,
ultrapassava a marca de 500 mil contos de réis.
Era uma situação irregular e até ilegal, porque a carteira não estava autorizada a emi-
tir para redescontos em favor do Tesouro. Para regularizar esta situação, obteve-se do Con-
gresso um preceito de lei que equiparava os títulos do empréstimo contratado pelo Tesouro
com o Banco do Brasil, em 31 de julho de 1922, a letras e notas promissórias redescontáveis.
Assim, a carteira, que só devia redescontar títulos comerciais ou industriais apresentados e
garantidos pelo Banco, passou a ter um canal de vazamento pelo qual se transformava em
provedora de recursos ao Tesouro. Em abril de 1923, quase todo o caudal das emissões –
perto de 400 mil contos -, reverteu ao Tesouro, pois apenas cerca de um oitavo desse valor
estava empregado no redesconto de títulos concedidos aos bancos.
Surgiu, no Congresso Nacional, a iniciativa de estabelecer o crédito agrícola,
através do Banco do Brasil, que figurou como disposição na lei nº 4.567, de 24 de agosto
de 1922. Os recursos resultariam de um empréstimo de 400.000:000$000 em apólices
da dívida pública e na emissão de letras hipotecárias. A iniciativa mereceu a acolhida
da direção do Banco, que providenciou a criação de uma Carteira de Crédito Agrícola,
depois de aprovada a reforma dos estatutos. Foi eleito, para seu primeiro diretor, Da-
niel de Mendonça.
Mas a carteira não chegou a funcionar. A diretoria do Banco, sempre muito sen-
sível às condições do mercado financeiro, não dimensionou, porém, os obstáculos, a
nível de recursos. Nem previu o fracasso do lançamento, num mercado já superlotado
de títulos de dívida pública, de mais de 400 mil contos de apólices.
Em 1922, cresceu a agitação política em torno da escolha do novo presidente da
República. Os concorrentes dominantes apoiaram a candidatura do governo de Minas
Gerais, Artur Bernardes, enquanto as forças populares congregaram-se em torno da
candidatura de Rui Barbosa. Artur Bernardes foi eleito e empossado. O seu governo
transcorreu inteiramente sob o signo da intransigência, em permanente estado de sítio.

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Estouraram revoltas, principalmente em São Paulo e no Rio Grande do Sul, que ter-
minaram, em 1926, na formação da “Coluna Prestes”, que percorreu grande parte do
interior do país em movimento de agitação e rebeldia.
Ao assumir, Artur Bernardes enviou ao Congresso uma exposição que lhe fizera o
ministro da Fazenda, e que descrevia em cores sombrias a situação financeira, abalada
pelo endividamento do Tesouro e pelos déficits orçamentários. Preconizou um progra-
ma de reforma, saneamento e austeridade, vinculado à colaboração de todas as classes e
à dedicação patriótica de todos os habitantes do país, o que lhe faltou em grande parte,
pois defrontou-se todo o tempo com a campanha oposicionista e revoltas.
Enquanto criava agências na Argentina e no Uruguai, o Banco continuou abrindo
suas filiais no interior do país. Só no ano de 1923 foram inauguradas 22. Outras estavam
em trabalhos de instalação definitiva ou em fases preliminares. No início de maio de
1924, o número chegava a 74. Havia, ainda, deficiências em algumas agências, que a
diretoria procurava sanar sem retardar o progresso do Banco.
As relações da instituição com o governo mantinham-se no maior grau de cor-
dialidade. Como lhe cumpria e lhe convinha, o estabelecimento punha à disposição
do poder público todas as vantagens que estivessem ao seu alcance, entre as quais,
rotineiramente, as transferências de fundos, as operações de emissão e resgate de che-
ques-ouro e os pagamentos do exterior, principalmente Londres, Paris e Nova Iorque,
onde transações avultadas eram realizadas com correção e pontualidade.
O Banco elevou o seu capital para 100 mil contos de réis e o fundo de reserva para
50 mil contos de réis. Registrou extraordinário aumento no percentual dos dividendos,
que pagos à base de 10% no primeiro semestre de 1919, subiram a 12% no primeiro e
a 18% no segundo semestre de 1921. No ano de 1922, os lucros líquidos elevaram-se a
43.979:804$777. Distribuiu-se o dividendo de 20%.
Os índices do crescimento das operações do banco foram realmente expressivos,
como se vê através da comparação entre os totais verificados em 31 de dezembro de
1920 e em igual data de 1922: depósitos – 288.698:429$196 e 1.089.986:665$757; letras
descontadas – 139.157:735$305 e 802.499:640$000; operações de câmbio – 38.431.381
e 140.544.95 libras esterlinas.
No fim de junho de 1921, o Banco fundou a Câmara de Compensação de Che-
ques, que logo começou a funcionar no Rio de Janeiro e depois em São Paulo, Santos,
Porto Alegre, Bahia e Recife. Para estimular a dedicação dos funcionários, a diretoria
estabeleceu, em 1921, uma tabela de participação nos lucros, que contemplou inspeto-
res de agências, gerentes, contadores, chefes de seção e ajudantes de seção.
Atribuiu-se a José Maria Whitaker, como presidente do Banco, a elevação do
nível dos salários dos funcionários, com a introdução do sistema de gratificações semes-
trais. Coube-lhe, também, a iniciativa de fornecer recursos para estudo e aperfeiçoa-
mento do pessoal. Em 10 de março de 1922, a diretoria resolveu criar o cargo de con-
sultor jurídico, de confiança do presidente, com a atribuição de dirigir todo o serviço do
litígio. O jurista Carvalho de Mendonça recebeu convite para exercê-lo.

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A posição do Banco do Brasil era de supremacia, pois detinha aproximadamente


40% do movimento total dos bancos. O Banco continuava no mesmo ritmo de prosperi-
dade como regulador do mercado de câmbio, mantendo a taxa em relativa estabilidade,
com razoável sucesso. Cincinato Braga tomou posse como seu novo presidente em
fevereiro de 1923, sendo substituído por James Darcy, que serviu até o fim do governo
de Artur Bernardes.
Em 1922, o Banco adquiriu um novo edifício para ampliar as suas instalações, já
que o antigo prédio da rua da Alfândega, onde permaneceu durante 72 anos, se tornou
insuficiente. Pagando diferença, permutou o velho imóvel pelo edifício da rua 1º de
Março, 66, que serviu de sede até a transferência da presidência para Brasília e hoje
abriga os serviços de preservação da memória da instituição.
Transformado em lei, o plano financeiro de Artur Bernardes situou o Banco do
Brasil como instituto de emissão de papel-moeda, sem perder a sua condição de banco
comercial. Foi o que constou da lei nº 4.635, de 8 de janeiro de 1923, cujo artigo 1º
autorizava o governo a liquidar e consolidar a dívida flutuante do Tesouro através da
contratação de operações de créditos, internas ou externas e da transferência, para o
Banco do Brasil, da propriedade de dez milhões de esterlinos do estoque em ouro do
fundo de garantia do papel-moeda, pelo preço de 300.000:000$000 em papel, por conta
da dívida do Tesouro Nacional com o Banco.
Obrigava-se o Banco, para este fim, a assumir a responsabilidade de resgatar todo
o papel-moeda em circulação, emitido pelo Tesouro, observadas as seguintes condi-
ções: o Banco contratava com o governo a regulamentação da faculdade emissora, ces-
sando então, para o Tesouro Nacional, o direito de emitir papel-moeda durante o prazo
de contrato de dez anos; as emissões do Banco deviam ser feitas sobre o lastro metálico
de ouro, à taxa de 12 dinheiros por mil réis e sobre efeitos comerciais que satisfizessem
as condições estipuladas no contrato, sendo a parte-ouro correspondente, no mínimo, a
um terço do valor da emissão, salvo em caso de necessidade extrema, reconhecido por
decreto do Poder Executivo; logo que o fundo de reserva do Banco tivesse atingido a
importância de 100.000:000$000 em papel, devia-se iniciar o resgate do papel-moeda
do Tesouro Nacional, empregando nessa operação todos os elementos de um fundo
especial de garantia e de conversão a ser formado com recursos declarados; as notas
emitidas pelo Banco tinham curso legal e poder liberatório em todo o país e eram
conversíveis em ouro e à vista; dentro de determinadas condições cessava o funciona-
mento da Carteira de Redescontos; o Banco conservava em depósito o ouro que lhe
fosse transferido em virtude da mesma lei, para os fins nela mencionados, não podendo
aliená-lo, caucioná-lo ou removê-lo para fora do país.
Foram realizados, logo a seguir, os contratos e reforma dos estatutos necessários
à execução do plano. Essa verdadeira reforma financeira foi bastante criticada, espe-
cialmente quanto à transferência do estoque de ouro do Tesouro para o Banco, em
pagamento de dívidas, o que se considerou como uma espécie de alienação de algo
que vinha sendo considerado inalienável. No entanto, o que mais se criticou foi a volta

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à emissão, agora do tipo bancário, com tendência a excessos, pois após abril de 1924
elevou-se a 709.900:000$000.
Quando o processo relativo à reforma foi submetido ao Congresso, comissões da
Câmara e do Senado, reunidas, deram parecer e apresentaram um projeto de restrição
dos privilégios e isenções e aumento dos encargos estabelecidos em relação ao Banco
do Brasil, na lei e no contrato de sua transformação em banco emissor. Isto refletia
uma nova posição do presidente da República, decidido a mudar a sua orientação e,
para isto, afastar os responsáveis pela política financeira. Com efeito, logo depois, Artur
Bernardes demitiu o ministro da Fazenda e o presidente do Banco do Brasil, nomeado
para substituí-los Aníbal Freire e James Darcy, respectivamente.
Em seguida, em mensagem apresentada ao Congresso Nacional, em 3 de março
de 1925, Bernardes não hesitou em afirmar que houve excessos na emissão do Banco
do Brasil. Mencionou também a ocorrência da baixa do câmbio, elevação de preços e
encarecimento da vida, relacionando-as às emissões e aos créditos facilitados pela ins-
tituição. Em vez do desejado incremento da produção, faltaram várias mercadorias e,
para suprir o consumo interno, o governo precisou importar. Deu-se uma valorização
de produtos com alta enorme nos preços de gêneros de alimentação, provocada pela
inflação do papel-moeda e pela facilidade do crédito.
Acrescentou que, contra a expectativa e as metas do governo, as emissões atingi-
ram, em 6 de outubro de 1924, excessivo valor, provocando providências para que o Ban-
co retrocedesse e deflacionasse o meio circulante, até o limite de uma elevação razoável
no valor da nossa moeda. Esse trabalho foi iniciado com bons resultados e a perseverança
nessa política traria, segundo o presidente, inestimáveis benefícios ao país.
Cincinato Braga defendeu-se da acusação de abuso de emissões, contestando
as palavras do presidente da República, argumentando que o Banco tinha sofrido
grandes apertos em sua caixa, devido ao aumento constante da conta do Tesouro
por antecipação de receita e pela diminuição dos depósitos no primeiro semestre de
1923. Portanto, não teria sido avolumando as suas operações de crédito comercial que
abusou da faculdade emissora. Inverteu-se uma antiga situação: antes, o Banco devia
ao Tesouro; agora, o Tesouro devia ao Banco, sendo apontado como “o freguês mais
pesado que o Banco tinha”.
Transformado, o Banco do Brasil, em emissor, naturalmente extinguiu-se a sua
Carteira de Redescontos, nessa ocasião apontada como benéfica, mesmo porque as
suas emissões que teriam dado ótimos resultados e incrementado a produção foram
honestamente restituídas às fornalhas da Alfândega para serem incineradas29.
Em 31 de dezembro de 1925, a dívida pública externa chegava a 102.529.944
libras esterlinas, 336.548.500 francos franceses e 63.717.167 dólares. A dívida inter-
na fundada importava em 2.137.424:300$000. Concorria a dívida externa, com grande
parcela, para as necessidades de remessas de dinheiro para o exterior que, segundo
calculou o deputado Bento de Miranda, estavam em 30 milhões de libras no ano de
1925. Embora Artur Bernardes se declarasse avesso a essa prática, em junho de 1926, o
29. Carta de Afonso Viseu, publicada no Jornal do Commercio, edição de 11 de outubro de 1925.

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seu governo contraiu um empréstimo externo na praça de Nova Iorque, no valor de 60


milhões de dólares. Como sempre, as negociações correram sigilosamente, divulgando-
se apenas o fato consumado.
Em 1926, Washington Luís foi eleito presidente da República, após fazer carrei-
ra política em São Paulo e chegar ao cargo de governador do Estado. Conhecido como
administrador zeloso e competente, honesto, enérgico, por vezes duro e obstinado, era,
assim como Artur Bernardes, tido como um homem forte. Foi na véspera de sua posse,
realizada, em 15 de novembro de 1926, que eclodiu a revolta que se tornou conhecida
como “Coluna Prestes”.
Vencida a Coluna, o estado de sítio, vigente durante todo governo de Artur Ber-
nardes, foi suspenso nas diversas partes do território nacional entre o último dia de
1926 e 10 de fevereiro de 1927. Assim, Washington Luís pode desfrutar, durante quase
todo seu governo, de um clima de paz, embora os estopins de revolta continuassem
latentes para finalmente deflagarem, com novos reforços, no fim do seu mandato.
Como candidato, Washington Luís prometeu implantar um novo plano financei-
ro de governo, visando à estabilização do câmbio, como primeira etapa. Com efeito, logo
que se reuniu, em princípio de dezembro, a Comissão de Finanças da Câmara, o líder
da maioria e porta-voz do presidente da República, deputado Júlio Prestes, apresentou
projeto para a execução do novo plano financeiro. Em longa justificativa, Júlio Prestes
afirmou que o grande mal que abalava o país, gerando as crises econômico-financeiras,
estava na oscilação do valor da moeda, inerente ao papel-moeda que constituía o meio
circulante. Primeiro, proclamou, era preciso “estabilizar o câmbio, depois converter e,
pela conversão do nosso meio circulante, atingir a circulação metálica”.
A estabilidade do câmbio em uma taxa definida se faria com o funcionamento da
Caixa de Estabilização, um órgão destinado a receber ouro, dando em troca bilhetes do
Tesouro. Todo o ouro que entrasse no país para a compra de produtos ou em virtude
de empréstimos seria trocado por determinada quantia em réis - da taxa adotada -, e
voltaria na mesma espécie, desde que as notas fossem apresentadas na Caixa de Esta-
bilização. A Caixa manteria a taxa adotada, evitando, com segurança, a alta.
Concorrendo a produção nacional para levantar o câmbio e funcionando a Caixa
de Estabilização como válvula de segurança para mantê-lo, seria atingida a primeira
etapa do programa, que era a estabilização. Viria, em seguida, a segunda etapa, da
alteração, que seria o troco da massa de papel-moeda em circulação representado a
conversão, que só seria iniciada depois de um certo prazo, em data marcada por decreto
do Executivo, com a antecedência de seis meses.
Na última etapa do plano, o país cunharia em ouro a sua moeda, dando-lhe valor,
módulo e peso conforme a taxa estabelecida na lei. Seria, finalmente, introduzida a
nova moeda de ouro, denominada cruzeiro, equivalente a quatro mil réis, tendo peso
de 0,8000 centigramas e valendo 24 pence. Esse projeto, que anexava a Caixa de Esta-
bilização ao Banco do Brasil, foi rapidamente aprovado no Congresso, quase com una-
nimidade de votos. Porém, alguns congressistas, como Armando Burlamaqui, Bento
de Miranda e os senadores Luis Adolfo e Epitácio Pessoa, criticaram, especialmente, a
baixa taxa cambial de cinco e sete oitavos, estabelecida no plano.

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Sancionada a lei que determinava essa reforma, o governo acionou sua execução e
cedo começou a anunciar os seus bons resultados. O próprio Washington Luís não tardou
em afirmar que a estabilização se fez completa e natural. Nenhum empréstimo externo
contraído, em 1927, destinou-se a pagamento da dívida flutuante. O país já possuía mais
de 30 milhões de libras esterlinas em depósito e na Caixa de Estabilização.
Em relatório apresentado à Assembleia dos Acionistas, em 1928, o presidente
do Banco do Brasil disse que a primeira parte do programa do governo foi cumprida
integralmente, pois a taxa cambial se manteve estável, sem sacrifício para o Tesouro
ou para o Banco. A dívida flutuante já estava em vias de ser completamente resgata-
da. Faltava, para completar o programa, apenas a reforma do Banco do Brasil, visando
aparelhá-lo para a futura conversão, em ouro, do papel em circulação. Para esse fim, os
acionistas seriam convocados em Assembleia Geral.
Entretanto, os críticos do programa advertiam que a reforma ignorava as vanta-
gens da existência de um banco central para normalizar a circulação, afastando o Banco
do Brasil do seu papel de banco central emissor. A execução da reforma, argumentava-
se, era dispendiosa e gerava sacrifícios, inclusive com perda para a economia. Acusava-
se, ainda, que, em meados de 1927, o governo havia desviado metade do fundo de
garantia constituído pelos dez milhões de libras, mas pressionado pelas críticas, repôs
o valor; que a taxa do câmbio, fixada para a estabilização, e mantida à custa de emprés-
timos onerosos, que não foram empregados no fomento à produção e no aumento das
riquezas do país, mas para cobrir déficits orçamentários e na balança de pagamentos.
Dizia-se, também, que a reforma foi parcial, pois não foi feita a alteração dos es-
tatutos do Banco do Brasil e o governo não executou os artigos que mandavam adotar o
cruzeiro; que a reforma deixou ao Banco do Brasil apenas o papel de realizar a política
de contraespeculação no mercado cambial; que a própria indústria, ao pedir aumento
de tarifas alfandegárias, demonstrou que havia perdido com o câmbio baixo e que tam-
bém a lavoura sofria com a elevação dos seus custos de produção.
Os quatro últimos meses do ano de 1929 foram marcados pela derrocada da Bolsa
de Nova Iorque, que gerou uma crise profunda e prolongada no mundo inteiro. No
Brasil, a baixa do câmbio foi atenuada devido ao programa de estabilização do gover-
no, ou, segundo outras interpretações, às reservas de moeda forte, num total de 31,5
milhões de libras. A circulação de notas conversíveis da Caixa de Estabilização girava
em torno de 860.000:000$000. Nunca a reserva do país esteve tão forte, capaz de com-
pensar a temporária falta de letras de exportação.
Uma das primeiras consequências da crise foi a marginalização do Banco do Bra-
sil, que deixou de vender cambiais, exceto para o governo federal e para suas cobranças,
abandonando, assim, a política de estabilização. Os adversários de Washington Luís
proclamavam que, tanto a política de estabilização, como a de defesa do café tinham
fracassado completamente, desabando sob o grande impacto da depressão mundial.
O Banco do Brasil era acusado de sempre usufruir privilégios, com os quais pro-
duziu grandes lucros, mas de proceder de modo reprovável em casos de emergência.
De outubro até dezembro, o estabelecimento se manteve na defesa do câmbio, mas

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nesse último mês abandonou injustificavelmente a taxa de estabilização, não utilizan-


do os dez milhões de libras que detinha e os depósitos na Caixa de Estabilização, cujas
notas estavam em seu poder. Com isso, os bancos estrangeiros dominaram o mercado
de cambiais, comprando letras aos exportadores a baixo preço e vendendo-as com pre-
juízo para a estabilidade do câmbio.
A queda violenta dos preços do café abalou a economia do país, principalmente
em São Paulo, onde, na praça de Santos, a situação chegou ao pânico. O Banco do Bra-
sil, por ordem do presidente da República, acudiu com presteza a todas as solicitações
legítimas de crédito e compareceu a Santos, no momento em que ninguém empresta-
va dinheiro sobre café, para fornecer livremente qualquer quantia, com a garantia de
conhecimentos, na base de 40$000 por saca. De outubro de 1929 a março de 1930, o
Banco liberou, no Estado, empréstimos que atingiram a soma de 158 mil contos. Com
isso a confiança se restabeleceu rapidamente em Santos e todos os bancos de São Paulo
voltaram a operar.
O Banco do Brasil, afastado da sua posição de principal instrumento da política
governamental no plano econômico-financeiro, sofreu baixa de lucros que, em 1926,
somaram 126.807:783$689; em 1927, 111.368:886$183; em 1928, 82.614:822$387; em
1929, 71.105:109$313 e, em 1930, 59.480:515$817. Essa queda foi atribuída ao de-
cesso de rendimentos da Carteira de Câmbio, resultante da estabilidade das taxas e à
perda da emissão consequente à reforma monetária, mesmo porque os valores do mo-
vimento operacional, notadamente de depósitos, descontos, empréstimos em contas
correntes e letras a receber, continuaram em progressão ascendente, pelo menos nos
anos de 1927 e 1928.
Do final de 1926 até fins de 1930, o Banco não foi favorecido pela continui-
dade administrativa. Ocorreram substituições constantes na presidência, na qual se
sucederam Mostardeiro Filho, Henrique Carneiro Leão Teixeira, José da Silva Gordo,
Manuel Guilherme da Silveira Filho, José Joaquim Monteiro de Andrade e Augusto
Mário Caldeira Brant. Os três últimos atuaram depois da vitória da Revolução de 1930.
O Banco foi ainda prejudicado, no mesmo período, pelas acusações de operações irre-
gulares, de favoritismo e de parcialidade. Falou-se em excesso de desordem de crédito
na presidência de Antônio Mostardeiro Filho. Durante a campanha eleitoral, o Banco
foi acusado de ter concedido operações de favor a partidários do governo, o que abalou
o seu prestígio e sua fama de isenção e imparcialidade.
Falando a 7 de janeiro de 1930, em reunião da diretoria do Centro Industrial
do Brasil, Mário de Andrade Ramos, estudioso dos problemas econômico-financeiros
brasileiros, assinalou que o ano de 1929 mostrou “por parte do Banco do Brasil a praxe,
exercida há alguns anos, de conceder vultuosos créditos e empréstimos a determinadas
pessoas, elevando-se a cifras em muitos milhares de contos – cerca de 20 mil contos de
réis – a esses indivíduos, em pequeno número. Justamente esses, assim favorecidos em
altas cifras, foram os que constituíram o mais elevado rol das falências”.
A emissão do Banco, no começo de 1929, permanecia em 592.000:000$000. A
expansão territorial através da criação de agências mantinha-se praticamente estagna-

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da. Em 25 de janeiro, a diretoria resolveu regular o funcionamento do fundo de bene-


ficência dos funcionários, adotando, entre outras medidas: assistência aos funcionários
licenciados por doença, mediante auxílios não superiores à redução verificada em seus
vencimentos, gratificações e outras vantagens inerentes ao cargo; idêntico auxílio aos
funcionários aposentados por invalidez ou moléstia contagiosa; contribuição, com as
quantias necessárias, para tratamentos dos funcionários que, a critério de médico da
confiança do Banco, necessitassem de intervenção cirúrgica ou de internamento em
hospital; concessão de empréstimos aos funcionários que, em virtude de moléstia grave
em pessoas de sua família, ou por qualquer outro motivo justo, tivessem sido obrigados
a despesas extraordinárias, os quais não poderiam exceder a metade dos vencimentos
semestrais dos beneficiados e seriam repostos mediante descontos em folha e presta-
ções mensais em número não superior a 24.
Em 1930, fugindo à tradição de revezamento de representantes de São Paulo e
Minas Gerais na Presidência da República, Washington Luís pretendeu eleger Júlio
Prestes, governador de São Paulo. Preterido, Antônio Carlos, governador de Minas Ge-
rais, levantou uma dissidência, indicando Getúlio Vargas, governador do Rio Grande
do Sul, para a Presidência, e João Pessoa, governador da Paraíba, para vice.
A campanha eleitoral transcorreu em clima de grande agitação, com comícios por
todo o país, principalmente dos oposicionistas. Finalmente, entre acusações de fraudes
e sob pressão, como sempre ocorria nas eleições do país, Júlio Prestes foi proclamado
eleito. Os oposicionistas protestaram, pois o governo federal promoveu a cassação de
diplomas de seus candidatos eleitos ao Senado e à Câmara e decretou intervenção
federal na Paraíba, culminando toda a agitação com o assassinato de João Pessoa, em
Recife. Em outubro, com o apoio das polícias militares de Minas Gerais, Rio Grande
do Sul e Paraíba e parte do Exército, desencadeou-se o movimento revolucionário, que
rapidamente se propagou por grande parte do país e culminou com o golpe militar que
depôs Washington Luís.
No Rio de Janeiro tomou posse, sob a chefia de Getúlio Vargas, o governo pro-
visório. Getúlio nomeou delegados, com função de interventores, para os governos de
todos os estados, com exceção de Minas Gerais. O governo provisório revelou eficiên-
cia para baixar atos de mudança, como aqueles em que se autoinstituiu, dissolveu o
Congresso, assembleias e câmaras e determinou a suspensão da reforma estabilizadora
de Washington Luís.
Nos dias da revolução, o governo de Washington Luís decretou a reforma do
contrato do Tesouro com o Banco do Brasil, celebrada em 11 de outubro. O Te-
souro devia ao Banco 372.044:534$631, a título de antecipação de receita e mais
145.518:660$070 por letras vencidas e não pagas. Essa reforma de contrato, que por
tanto tempo havia sido protelada, fez-se na forma prevista pela lei de 18 de dezembro
de 1926 e, com base nela o Tesouro foi creditado pela emissão do Banco, no valor de
592.000:000$000, em mais 114.394:982$952, que representavam metade do fundo de
resgate do papel e que, pela cláusula 21ª do contrato de abril de 1923, teria de devol-
ver ao governo, no prazo de dez anos.

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Assim, o Tesouro teve crédito para pagar ao Banco aquele débito e ainda para
ficar com um saldo no valor de 188.831:848$203. Para o Banco, cessou a obrigação de
revender ao Tesouro dez milhões de libras esterlinas pelo preço de 300 mil contos de
réis, conforme estipulou o mesmo contrato. Sendo definitiva a sua propriedade sobre
essa quantia em libras, o Banco passou a utilizá-la para remessas ao estrangeiro, em
cobertura dos seus saques, eliminando desse modo a escassez de letras de exportação.
O governo de Washington Luís baixou, ainda, o decreto nº 19.372, de 17 de
outubro de 1930, que reconhecia o caso de necessidade extrema para a emissão de
emergência de notas do Banco do Brasil, nos termos do contrato de 24 de abril de 1923,
e o autorizava a emitir 300.000:000$000, pré-fixando a importância de um milhão de
libras para o lastro ouro e completando o restante com títulos de crédito. Dessa quantia
o Banco lançou mão de 120 mil contos de réis.
Já a junta de governo, composta de militares, que dirigiu o país desde a deposição
de Washington Luís até a posse de Getúlio Vargas, baixou um decreto que ratificou,
por 30 dias, a disposição que mantinha a cargo exclusivo do Banco do Brasil a compra
de letras de exportação e o fornecimento de coberturas aos demais bancos.
O governo provisório, através do decreto nº 19.423, de 22 de novembro de 1930,
extinguiu a Caixa de Estabilização e transferiu as funções que lhe restavam ao Banco
do Brasil. Manteve suspensa a troca de suas notas e autorizou o governo a utilizar o
ouro existente apenas para pagamento de prestações da dívida externa, sempre que
houvesse absoluta escassez de letras de exportação e uma vez que ficassem reservados,
no Banco do Brasil, recursos correspondentes para o resgate das notas em circulação.
Outro decreto assinado em 20 de novembro, sob o nº 19.416, para atender à
necessidade de mobilizar ouro suficiente para suprir as deficiências temporárias de ex-
portação, decorrentes da situação revolucionária, liberou o lastro ouro de um milhão de
libras, que garantia a emissão de 300 mil contos réis. Essa emissão seria integralmente
resgatada pelo Banco do Brasil no prazo de seis anos, em cotas semestrais de 25 mil
contos cada. Sobre as importâncias emitidas, o Banco do Brasil pagaria ao Tesouro juros
à taxa de 6% ao ano.
De outubro a novembro, não foram lavradas atas das reuniões da diretoria, embo-
ra se praticassem atos importantes, como a reforma do contrato com o Tesouro, emissão
de papel-moeda e mudanças na Presidência. Em 28 de novembro, a Assembleia Geral
dos Acionistas reuniu-se em sessão extraordinária, embora com quorum insuficiente,
pois não chegou a dois terços, aprovou reforma dos estatutos, que reduziu de sete para
cinco o número de diretores e determinou que o mandato dos diretores em função
cessasse de imediato.
O governo provisório acusou o governo deposto de ter elevado a dívida interna
e externa do país em 1.338.439:943$277 e aumentado a circulação e papel-moeda em
170.000:000$000. Advertiu, ainda, que a responsabilidade do Tesouro na circulação
total cresceu 592.000:000$000 pela encampação das notas do Banco do Brasil. Argu-
mentando que o Tesouro estava completamente sem recursos e reconhecendo os in-
convenientes do pagamento mais ou menos compulsório de dívidas com títulos que

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invariavelmente se depreciavam, recorreu a duas medidas de emergência: a emissão


de bônus de 300 mil contos e a utilização do ouro da Caixa de Estabilização, que foi
aplicado no pagamento da dívida externa.
Segundo José Maria Whitaker, ministro da Fazenda no primeiro ano do governo
provisório, a situação do Banco era gravíssima nessa época. Havia câmbio vendido a
descoberto, débitos vencidos em banqueiros do exterior e outros a vencer. O crédito
do Banco do Brasil estava completamente abalado no exterior, pela emissão de saques
contra banqueiros além dos limites concedidos e falta de pagamento de compromissos
vencidos. Para remediar esta situação foi preciso exportar o ouro de propriedade do
Banco para obter crédito sobre o seu valor.
Visando recolocar o Banco do Brasil no centro da vida bancária e permitir aos
outros bancos a liberação dos seus encaixes, o governo restabeleceu a Carteira de Re-
descontos. Para solucionar o problema da dívida flutuante criou uma comissão incum-
bida de apurar a questão, mas, decorridos quatro anos, nada foi feito e a comissão foi
substituída por outra, que também não cumpriu a missão.
A receita pública era, então, insuficiente e estavam esgotadas as possibilidades de
recorrer a empréstimos internos e externos. Em 1932, irromperam duas adversidades
de ordem interna – a revolução constitucionalista em São Paulo e uma seca devastadora
no Nordeste, provocando pesados dispêndios. Em consequência, o déficit ultrapassou
um milhão de contos de réis e para cobri-lo o governo, admitindo que nessa situação as
operações de crédito eram preferíveis à emissão de papel-moeda, mas tinham o incon-
veniente da demora, decidiu associar os dois recursos.
Assim, autorizou o ministro da Fazenda a emitir papel-moeda do Tesouro Na-
cional, até o limite de 400 mil contos e, até igual quantia, obrigações especiais do
Tesouro Nacional, isentas de impostos, ao prazo de dez anos e juros anuais de 7%,
cujo produto, em papel-moeda resultante da colocação a ser feita gradativamente nos
mercados nacionais pelo Banco do Brasil, foi destinado à Caixa de Amortização para
incineração imediata.
Além disso, o Tesouro emitiu obrigações no valor de 88 mil contos de réis e ob-
teve a elevada importância de 600 mil, através de um contrato com o Banco do Brasil,
para abertura de um crédito, pelo prazo de três anos, autorizado pelo decreto nº 22.263,
de 28 de dezembro de 1932. A utilização do crédito fez-se por meio de promissórias
do Tesouro, descontáveis pelo Banco à taxa de 6% e redescontáveis pela Carteira de
Redescontos, independente do seu limite de operações.
Em 1931, ocorreu o terceiro funding. Em reunião do Ministério, o presidente
Getúlio Vargas confessou que, em relação aos débitos no exterior, havia chegado a uma
situação cambial irresistível, que impediria por completo a continuação do serviço da
dívida externa. Realizaram-se negociações difíceis e demoradas com os credores es-
trangeiros até que, em 2 de março de 1932, o governo publicou nota oficial anunciando
que estavam concretizados os entendimentos para a realização de um novo funding. Na
mesma data foi publicado o decreto nº 21.113, que habilitava o Ministério da Fazenda
a efetivar essa operação.

138
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Mas, em 16 de fevereiro de 1934, em discurso na Câmara dos Deputados, o


então ministro da Fazenda, Osvaldo Aranha, explicou as razões pelas quais, quando
foi assinado o terceiro funding, já se sabia da impossibilidade da retomada integral dos
pagamentos, exemplificando, ainda, que, segundo o estudo da nossa própria história, o
Brasil sempre pagou dívidas velhas com dívidas novas. Positivamente, as possibilida-
des do país estavam muito aquém das obrigações que assumiu com relação a pagamen-
tos externos. Com isso, o governo precisou partir para a obtenção de um novo acordo,
mais amplo, abrangendo todas as dívidas brasileiras.
A despeito da resistência dos credores, estabeleceu-se então um projeto, cujas
vantagens Osvaldo Aranha assim explicou:

“Em primeiro lugar, pagaremos, tomando por base o valor dos nossos títulos, um
juro que corresponde ao próprio juro do contrato, considerando o desvalor atual
desses títulos e, daí, a aceitação geral do esquema; em segundo, os credores, em
virtude desse pagamento, dão a quitação integral, uma vez que, recebendo 1%
onde tinham de pagar 5% eles entregam um cupom inteiro, que venceria 5%. O
país recebe a quitação integral durante esses quatro anos”.

Em relatório apresentado ao chefe do governo provisório, em 1936, Osvaldo Ara-


nha mencionou que o seu projeto importava no cancelamento de todos os cupons es-
taduais e municipais atrasados, que totalizavam cerca de 500 mil contos e na redução,
durante quatro anos, de mais de 80% dos juros. Informou também que a União liberou
os depósitos que vinha fazendo em virtude do funding e poderia, assim, equilibrar com
o saldo os ônus do Tesouro e os déficits orçamentários.
Além disso, o Tesouro entrou na posse de 475 mil contos, pertencentes às firmas
importadoras, que depositaram esse dinheiro para obter moedas estrangeiras com as
quais pagariam seus débitos de importação no exterior. O governo fez um acordo para
saldar esses débitos, então chamados de “congelados”, obtendo mais prazo para fazer
os pagamentos. O decreto nº 24.457, de 25 de junho de 1934, referente aos mesmos
depósitos, continha uma disposição que mandava reservar a importância de 100 mil
contos de réis para formar o capital de um banco nacional de crédito rural.
Tanto a União quanto os estados e os municípios, em grande parte pela retra-
ção dos capitais estrangeiros, impontualidades nos pagamentos ou impossibilidade
de satisfazê-los, devido ao decréscimo de receitas e à baixa do câmbio, deixaram de
contrair empréstimos externos e tiveram controladas as suas emissões de títulos. No
entanto, não puderam prescindir do crédito necessário à sua recuperação financeira e
aos empreendimentos indispensáveis, coberto, então, pelo Banco do Brasil, frequen-
temente com garantia do Tesouro Nacional. No começo de 1932, os estados deviam
587.409 contos e os municípios 93.515 contos ao Banco do Brasil. Esses empréstimos
eram considerados de recuperação duvidosa, pondo em risco o patrimônio do Banco,
o que levou o governo revolucionário, no decreto conhecido por Código dos Inter-
ventores, a proibi-los.

139
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Um dos maiores problemas do governo provisório foram os chamados “atrasa-


dos comerciais” ou “congelados”. Eram os débitos das firmas importadoras brasileiras
junto às estrangeiras, acrescidos de retenção de remessas, inclusive de lucros de firmas
estrangeiras estabelecidas no Brasil, que surgiram e se acumularam ao início do período
revolucionário. Estes e outros problemas brasileiros, naquele tempo, originavam-se de
fatores internos de retração, agravados pela Primeira Guerra Mundial. Na verdade, o
nosso comércio exterior começou a declinar, em 1928, de tal modo que já, em 1932, as
importações tinham caído 76% e as exportações, 63%.
O controle cambial era constantemente apontado como uma das causas dos
“atrasados comerciais”, cujos valores em cruzeiros o Banco do Brasil retinha, e que
acumulavam-se cada vez mais, preocupando, inclusive, os estrangeiros. O governo re-
solveu entrar em entendimentos diretos com os credores no exterior, firmando acordos
com os americanos e europeus, em junho de 1933.
Pelo contrato com os credores americanos, o Banco do Brasil obrigou-se a trans-
ferir, em 90 dias, à taxa oficial do câmbio, os créditos congelados até os limites de
665:000$000 por crédito e de US$ 1.000.000 para o total dessas transferências; a con-
verter em dólares, à taxa de 13$965 por dólar, os saldos restantes; acrescentar-lhes
juros de 12% (4% em três anos) e emitir promissórias de igual valor, endossadas pelo
governo federal e pagáveis mensalmente, a partir de agosto de 1933, num período
de seis anos.
O contrato com os credores europeus foi idêntico a esse em suas linhas gerais.
A taxa para a conversão dos valores a liquidar por meio de promissórias foi de 61$557
por libra; e o máximo para as transferências dentro de 90 dias, fixado em £ 250.000. O
total das promissórias emitidas pelo Banco do Brasil, de acordo com esses convênios,
foi de 492.663 contos, importância que foi creditada ao Tesouro Nacional na conta da
receita da União.
Segundo o presidente do Banco do Brasil, os decretos nº 22.870, de 28 de junho
de 1933 e 22.905, de 8 de julho de 1933, deviam ao Banco autorização para a emissão
dos títulos referidos, assegurando-lhe o privilégio de reservar preferencialmente, do
câmbio proveniente da exportação, as cambiais necessárias à solução dos compromissos
assumidos com a emissão dessas letras. Estabeleciam, ainda, a plena responsabilidade
de governo federal pela operação30.
Em 7 de abril do mesmo ano, o governo provisório baixou o decreto nº 22.626,
proibindo, em quaisquer contratos, taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal,
portanto, a 12% ao ano, estabelecendo ainda taxas menores para contratos sob garantias
reais, especialmente os rurais. Enquanto não se institucionalizou o crédito rural, com
destinação objetiva e obrigatória de recursos, o estabelecimento de taxas inferiores
para todos os financiamentos classificáveis como rurais provocou o retraimento dos ca-
pitais nesse importante setor do crédito. Assim, as atividades da produção agrícola em
geral definhavam à falta de suporte creditício.

30. Relatório apresentado à Assembleia Geral dos Acionistas pelo presidente do Banco do Brasil, em abril de 1934,
p. 16 e 17.

140
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O governo provisório, admitindo que as medidas de controle ou defesa cambial


impunham sacrifícios à produção agrícola, baixou o decreto nº 23.533, de 1º de dezem-
bro de 1933, que reduziu em 50% o valor dos débitos dos agricultores. Entre outras
medidas de reajustamento econômico, o decreto mandava que o devedor fosse indeni-
zado pelo governo federal, por meio de apólices com juros de 5% ao ano, resgatáveis no
prazo de 30 anos. Ao mesmo tempo, foi criada a Câmara de Reajustamento Econômico,
com a atribuição de executar essas disposições, e cujo funcionamento devia ser contra-
tado com o Banco do Brasil.
O decreto nº 24.429, de 20 de junho de 1934, deu origem ao Conselho Federal
do Comércio Exterior, sob a justificativa de que a solução dos problemas do comércio
internacional exigia combinações, acordos, favores, trocas e operações da iniciativa ou
da alçada do poder público. Era oportuna e urgente a criação, para esse fim, de um
órgão coordenador de todos os departamentos federais e estaduais de produção do país
e de suas classes produtoras.
As pressões pelo restabelecimento do regime constitucional levaram à convo-
cação e eleição de uma Assembleia Constituinte, que se instalou no Rio de Janeiro,
em 15 de novembro de 1933. Após longo período de debates, a Assembleia elaborou e
promulgou, em 16 de junho de 1934, uma nova Constituição, que mantinha o sistema
federativo e o regime presidencialista.

141
Capítulo 10
Foto: Acervo Arquivo Histórico do Banco do Brasil
Carteira de Crédito Consolidada.
Apoio à produção

Detalhe da rotunda, no atual Centro Cultural Banco do Brasil do


Rio de Janeiro. Nesta imagem, o espaço é ocupado pelo setor de
atendimento ao público no ano de 1943.
H ist ó r i a d o B a nc o d o B r a s i l

Apesar das dificuldades passageiras de caixa, ocorridas durante a Revolução de 1930,


mas sanadas no mesmo ano – o que revelou sua poderosa capacidade de recuperação -, o
Banco mantinha consolidado, no início da década de 1930, o seu conceito de instituição for-
te, essencial à economia brasileira. Esta posição já vinha sendo reconhecida anteriormente,
por leis sucessivas que lhe atribuíram o caráter de serviço público e lhe concederam isen-
ções de tributos, a partir da lei federal nº 6.213, de 30 de dezembro de 1916, e dos decretos
nº 21.968, de 17 de outubro de 1932, e 24.094, de 7 de abril de 1934.
Afetado pela instabilidade administrativa que marcou a instituição a partir de
1926, o Banco teve quatro presidentes entre o final de 1930 e início de 1932: Augusto
Mário Caldeira Brant, de 4 de novembro de 1930 a 5 de setembro de 1931; Pedro Luiz
Correia e Castro, de 5 a 14 de setembro de 1931; Vicente de Paula de Almeida Prado,
de 14 de setembro a 16 de novembro de 1931, e Carlos de Figueiredo, de 16 de novem-
bro de 1931 a 16 de janeiro de 1932. Após Figueiredo, presidiram o Banco: Artur de
Sousa Costa, de 16 de janeiro de 1932 a 27 de julho de 1934, e Francisco de Leonardo
Truda, que permaneceu desta data até 30 de novembro de 1937, inaugurando novo pe-
ríodo de estabilidade. Truda deu lugar a João Marques dos Reis, que presidiu o Banco
durante quase oito anos, até 6 de novembro de 1945.
Os lucros do Banco que, em 1931, baixaram para 51.488:000$000, voltaram a cres-
cer no ano seguinte. Assim, em 1932 atingiram 67.277:000$000; em 1933, 78.137:000$000
e, em 1934, 87.710:000$000. No mesmo período cresceram, também, os saldos médios
anuais dos empréstimos: 1.557.336:000$000, em 1931; 2.017.000:000$000, em 1932;
2.840.631:000$000, em 1933 e 2.845.559:000$000, em 1934. Os saldos médios dos depó-
sitos subiram de 1.512.411:000$000, em 1931, para 2.920.545:000$000, em 1934. Entre-
tanto, a cotação das ações caiu, passando de 452$214, em 1928, para 396$227, em 1934.
Em 4 de dezembro de 1933, o governo provisório assinou o decreto nº 23.535,
que estabeleceu e regulou o monopólio do Banco do Brasil para compras de ouro bruto
ou nativo. Esse sistema foi, durante muitos anos, contestado, mas o Banco do Brasil,
continuou fazendo a operação e, em 1936, elevou-se a 387.710 contos de réis o custo
global do estoque.
Em 1935, a direção do Banco concluiu que o estabelecimento reclamava uma
reforma de vulto, pois a distribuição de funções que vigorava desde 1921 apresenta-
va inconvenientes e não acompanhava as modernas técnicas de organização. A antiga
gerência da matriz exercia funções de administração local, mas também tinha sob sua
dependência diversos serviços da alçada de gestão global do Banco. Em fevereiro, en-
tão, foi posto em execução um plano de reforma que, basicamente, compreendeu a
criação de uma superintendência geral e a limitação das atribuições da antiga gerência
da matriz aos negócios locais do Rio de Janeiro.
Uma reforma de grande importância foi proposta à Assembleia Extraordinária dos
Acionistas, reunida em 14 de novembro de 1936. O presidente do Banco reivindicou
alterações dos estatutos, para permitir o aumento do capital social e a criação de uma
nova carteira, a de Crédito Agrícola e Industrial, que atenderia uma das mais antigas e

144
H ist ó r i a d o B a nc o d o B r a s i l

importantes aspirações dos produtores e industriais brasileiros. A proposta foi aprovada


por unanimidade de votos, justamente com uma redação definitiva dos estatutos.
Assim, o capital do Banco foi aumentado para 200 mil contos de réis, dividido
em um milhão de ações nominativas, no valor de 200 mil réis cada uma, com a cláusula
de que a metade delas, pelo menos, seria subscrita pela União. Por uma disposição
transitória, a abertura da inscrição para esse aumento de capital ficou na dependência
de autorização do governo da União. Aos acionistas assegurou-se preferência para subs-
crever ações em quantidade equivalente às que possuíssem.
Na gestão financeira, contratada com o Tesouro Nacional, couberam ao Banco as
atribuições de receber as importâncias provenientes da arrecadação das rendas federais
ou de depósito; de efetuar pagamentos autorizados pelo Ministério da Fazenda ou em
virtude de disposições legais; de fazer ao Tesouro, a título de antecipação de receita,
suprimentos de fundos até o máximo de 300 mil contos de réis, a serem liquidados
dentro do mesmo exercício; de servir, em igualdade de condições, de agente do gover-
no federal para as operações de câmbio e quaisquer outras de natureza bancária; e de
operar em redescontos nos termos das leis em vigor.
O Banco ficou, também, autorizado, mas ad referendum do Legislativo, a prestar
assistência financeira direta à agricultura e às indústrias. Em 30 de novembro de 1936,
o presidente da República solicitou ao Congresso Nacional providências legislativas
para tornar efetiva a criação da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do
Brasil e pediu autorização para a subscrição das ações destinadas à União, mediante
recursos, no total de 100 mil contos de réis, provenientes do fundo especial.
A instituição do crédito rural através do Banco do Brasil foi criticada pelos par-
tidários da criação de um banco especial para esse tipo de operações, que já havia, in-
clusive, sido prometida por Getúlio Vargas. Argumentou-se, por exemplo, que o Banco
do Brasil já tinha demasiadas atribuições e era, sobretudo, um banco de depósitos e
descontos, que não sintonizava com a feição peculiar do crédito agrícola e industrial.
Objetava-se, porém, que era justamente a amplitude de suas operações que lhe garan-
tia estabilidade, capacidade de desenvolvimento e fontes de custeio para arcar com os
requisitos do crédito rural.
Aprovada pelo Congresso, a lei que efetivava a criação da carteira foi sancio-
nada em 9 de junho de 1937, sob o número 454. Eram suas principais disposições:
subscrição pelo Tesouro Nacional de um máximo de 100 mil contos de réis de ações
do Banco do Brasil, relativas à elevação de seu capital de 100 para 200 mil contos;
concessão ao Banco do Brasil de autorização para prestar assistência financeira à
agricultura, à pecuária e às indústrias; obtenção dos recursos necessários a essa as-
sistência financeira através de bônus pelo Instituto Nacional da Previdência, pelas
caixas e pelos institutos de aposentadoria e pensões, dentro de uma percentagem de
seus depósitos ou fundos, a ser fixada pelo governo da União, com a anuência das
respectivas juntas e conselhos administrativos.
Depois que o ministro da Fazenda aprovou, em 2 de outubro de 1937, o regula-
mento das operações de crédito agrícola e industrial, o Banco do Brasil começou a agir

145
H ist ó r i a d o B a nc o d o B r a s i l

cautelosamente na concessão do novo título de crédito. Como os recursos eram escas-


sos, adotou uma pauta de desenvolvimento gradual, em que atendeu principalmente
às necessidades do crédito de custeio. De início, a diretoria estabeleceu as bases para o
financiamento das entressafras do café, do açúcar, do arroz e do algodão. No princípio
de 1938, o Banco já recebia e estudava propostas. E, em 31 de dezembro desse ano, o
número de empréstimos subiu para 1.050 e seu valor a 98.316 contos.
Efetivaram-se, nesse ano, financiamentos à fruticultura, feijão, milho, trigo, bata-
ta, tomate, mamona, à pecuária e, finalmente, às indústrias, na modalidade de emprés-
timos para aquisição de matérias-primas, aperfeiçoamento de aparelhagem e obras de
irrigação de núcleos agroindustriais. A emissão dos bônus foi iniciada somente no final
de 1938; a primeira no valor de 25 mil contos de réis, que se elevou depois para 50 mil,
após o ministro da Fazenda esclarecer que as entidades de assistência social poderiam
tomar bônus até a importância de 80 mil contos de réis. Pelo decreto nº 1.002, de 29 de
dezembro de 1938, o governo autorizou o Banco do Brasil a emitir, pela carteira, letras
hipotecárias, a fim de efetuar empréstimos a agricultores, para pagamento de dívidas
contraídas até 31 de dezembro de 1937 e garantidas por hipoteca.
O banco já se tornava responsável pela execução de serviços de interesse público
mas, segundo a diretoria, devia-se considerar o especial cuidado com que se organi-
zavam as suas novas funções oficiais, não só no sentido de dar-lhe estabilidade, como
de preservar o seu patrimônio. Esse cuidado já interferia na organização da Carteira
de Redescontos, que possuía regulamento próprio, estava entregue a um dirigente de
confiança do governo e gozava de característica de órgão autônomo, eximindo o Banco
de novas responsabilidades e canalizando para o governo os proventos líquidos resul-
tantes de suas operações.
Nas mesmas condições estavam a Caixa de Mobilização Bancária e a Carteira de
Câmbio. Esta última, absorvendo as funções de fiscalização do mercado de câmbio,
teve sua autonomia reconhecida pelo decreto nº 97 e por um contrato formal. Aí esta-
va o caminho certo para que se conservasse a distinção das funções oficiais do Banco,
preservando-se o seu patrimônio e definindo-se a quota da sua responsabilidade nos
altos interesses do governo.
Na mesma ocasião, a diretoria do Banco chegou a aprovar uma proposta de mo-
dificação dos estatutos, no sentido de dar autonomia administrativa, financeira e eco-
nômica à Carteira de Crédito Agrícola e Industrial. A carteira, no entanto, foi mantida
como departamento. Uma das consequências da criação da Carteira de Crédito Agrí-
cola e Industrial foi a necessidade de se destacar uma Carteira de Crédito Geral, com
diretores próprios. Logo depois, os estatutos do Banco passaram a relacionar quatro car-
teiras distintas: Câmbio, Redescontos, Crédito Geral e Crédito Agrícola e Industrial.
Entre 1935 e 1937, o governo emitiu diversas leis dispondo sobre a Carteira de
Redescontos. A última delas, de nº 449, de 14 de julho de 1937, determinava, entre
outras medidas, que, para as operações de redesconto, o presidente do Banco do Brasil
requisitaria do Ministério da Fazenda as importâncias que se fizessem necessárias, jus-
tificando cada uma das requisições; para o fim exclusivo de atender a essas requisições,

146
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o governo ficaria autorizado a emitir papel-moeda até a importância correspondente ao


direito dos bancos, inclusive o do Brasil, de redescontar títulos até o valor de metade do
seu capital mais os fundos de reserva realizados no país; o presidente da República po-
deria, quando julgasse conveniente, restringir as operações de Carteira de Redescon-
tos, sem direito, ao Banco, de reclamar indenizações de qualquer espécie; dos lucros da
Carteira de Redescontos, 50% seriam atribuídos ao Tesouro Nacional – sem prejuízo
da parte que caberia ao governo como acionista -, 25% ao Banco do Brasil e o restante
ao fundo de reserva da carteira; os lucros atribuídos ao Tesouro Nacional destinar-se-
iam à aplicação na compra de ouro.
Em 1935, os limites legais estabelecidos para operações da Carteira de Redes-
contos na aplicação de recursos resultantes de emissão de papel-moeda proporcionados
pelo Tesouro eram os seguintes: 100 mil contos de réis para efeitos comerciais, 300 mil
para letras do Departamento do Café, 100 mil para títulos agrícolas e 650 mil para letras
do Tesouro. Segundo balancete publicado pela imprensa, em novembro de 1935, os
títulos então redescontados figuravam no ativo por 414.925:160$700, sem que se divul-
gasse a natureza do lastro dessa importância tão elevada. Contestou-se que houvesse
inflação provocada pela carteira e ainda se divulgou que 93% dos 300 mil contos emiti-
dos estavam lastreados com títulos do Tesouro e do Departamento Nacional do Café.
Eventualmente, revelavam-se elevados valores de emissões da Carteira de Re-
descontos. Em janeiro de 1936, por exemplo, publicou-se que havia subido a 700 mil
contos de réis. E, em abril de 1937, assinalou-se que as emissões da carteira, iniciadas
em dezembro de 1931, no limite de 100 mil contos de réis, passaram, em seis anos, por
força da lei nº 60, de 31 de dezembro de 1935, a um total de 1.450:000$00031.
O movimento da Carteira de Redescontos intensificou-se no ano de 1935, quan-
do um aumento acentuado das solicitações de crédito para operações do comércio, da
indústria e da agricultura, levou os bancos, inclusive o do Brasil, à busca de recursos
para atender às necessidades do mercado de crédito. Essa tendência continuou em
1936, quando o saldo médio dos títulos redescontados subiu a 531.000 contos de réis,
registrando, assim, um aumento de 63%32.
No ano de 1937, acentuou-se grande queda de depósitos, iniciada em outubro de
1936. Para atenuar o impacto dessa redução no mercado de crédito, o Banco recorreu
à Carteira de Redescontos. Assim, cresceu, do final de 1936 até setembro de 1937, o
volume de títulos redescontados, cujo saldo médio registrou um incremento de 21%.
Em 1938, coincidindo com a queda dos preços de produtos de exportação, inverteu-
se o ritmo de movimento da carteira, que baixou para 174.323:184$60033. Enquanto
isso, o movimento da Caixa de Mobilização Bancária chegou à quase paralisação. Não
registrava qualquer empréstimo e restringia-se somente à amortização daqueles reali-
zados anteriormente. Durante o ano de 1935, amortizaram-se débitos no valor de 3.638
31. Jornal do Commercio, edições de 9 de janeiro de 1936 e 28 de abril de 1937.
32.Relatórios do presidente do Banco do Brasil à Assembleia dos Acionistas, em 18 de abril de 1936, p. 24 , e em 22 de
abril de 1937, p. 30.
33.Relatórios do presidente do Banco do Brasil à Assembleia dos Acionistas, em 30 de abril de 1938 e em 22 de abril
de 1939.

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contos de réis, tendo o saldo baixado para 43.024 contos de réis, em 31 de dezembro.
Dizia-se, a respeito, que a contenção de empréstimos pouco significava, já que a ação
do órgão era, principalmente, de assegurar a estabilidade do sistema bancário.
Durante muito tempo circulou a ideia de criação do Banco Central, através da
transformação do Banco do Brasil ou da criação de uma nova instituição. O deputado
Mário Ramos apresentou na Câmara uma série de projetos sobre a matéria monetária,
inclusive bancária, sobre seguros e sobre a criação do Banco Central, propondo a trans-
formação do Banco do Brasil. Queixou-se, então, que os ministros da Fazenda não lhe
deram ouvidos, criticou as péssimas bases da nossa circulação fiduciária e as perdas de
substância da nossa economia, e acusou o Banco de ser uma repartição oficial, marcada
pelo excesso de oficialismo e burocracia.
O ministro da Fazenda, Sousa Costa, em reunião da Comissão de Finanças da
Câmara dos Deputados, realizada a 9 de setembro de 1937, também apresentou pro-
posta, com o plano denominado “Banco Central de Reserva do Brasil”. A solução dos
problemas do país passava, necessariamente, pela prévia solução da questão financeira.
Na sua proposta, o “Banco Central” teria a capacidade de regularizar o meio circulante
e defender o valor dos mil réis, assegurando o poder aquisitivo ajustado economica-
mente e permitindo que os produtos brasileiros competissem nos mercados interna-
cionais. O seu projeto mantinha o Banco do Brasil, em ação paralela, mas diversa à do
Banco Central, o qual teria maiores poderes e atuaria como aparelho disciplinador das
emissões do papel-moeda.
Na imprensa e no Congresso essa proposta do ministro da Fazenda foi bastante
criticada, principalmente por Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, que advertiu que o
Banco do Brasil, ao perder as vantagens da Carteira de Emissão e Redescontos, per-
deria os benefícios decorrentes da sua Carteira de Câmbio. Ele destacou que se devia
manter o Banco do Brasil no centro do regime bancário enquanto o clima monetário,
financeiro e econômico estivesse dentro do mesmo quadro, a moeda em declínio, as
contas financeiras em déficits, a altíssima dívida flutuante e com a situação econômica
sangrando no mais importante dos seus produtos.
O presidente do Banco do Brasil manifestou sua preocupação com os prejuízos
que a instituição iria ter ao ministro da Fazenda, que prometeu poupar o Banco. Havia,
também, o problema dos elevados débitos do Tesouro junto ao Banco, resultantes de
cobertura de necessidades orçamentárias. O Banco retirava de sua caixa importantes
somas que, ao invés de fomentar o crescimento com a aplicação nas atividades produ-
tivas e do comércio, eram entregues ao Tesouro. Anualmente, esses débitos cresciam
conforme as necessidades do governo e depois diminuíam através de manejos, em
grande parte, somente contábeis.
No começo do ano de 1938, o total da dívida do Tesouro junto ao Banco subia
a 934.774 contos, devido, principalmente, às contas de arrecadação de 1937, que se
elevaram a 853.997 contos, sendo necessário, para encerrar o ano fiscal, que o Tesouro
emitisse, em favor do Banco, promissórias no mesmo valor. O Tesouro adotava, assim,

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a técnica astuciosa de pagar dívidas com novas dívidas, inclusive com emissões, que
deixavam de ser dívidas.
Depois de sofrer uma queda de lucros, de cerca de 21%, em 1937, o movimento do
Banco do Brasil expandiu-se, em 1938. Os depósitos alcançaram a média de 3.622.000
contos de réis, aumentando 62,1% em relação ao ano anterior. Os empréstimos subiram
à média de 3.288.000 contos de réis, com um aumento de 15,2%. Os empréstimos ao
público cresceram de 694 mil para 758 mil contos de réis e, ao Tesouro, de 794 mil para
1.466.000 contos de réis. O lucro líquido chegou a 71.554 contos de réis34.
O número de funcionários do Banco também subiu de 3.156, em 1935, para
3.642, em 1938. A diretoria preocupava-se em proporcionar aos servidores não só remu-
neração satisfatória, como condições de segurança e tranquilidade no trabalho. Decidiu
ampliar, em 1935, os serviços de assistência médica direta, que já beneficiavam o pes-
soal do Rio de Janeiro, para as agências de São Paulo, Porto Alegre, Salvador, Recife,
Santos, Belo Horizonte e Vitória. A Caixa de Empréstimos aos funcionários, instituída
em 1934, iniciou operações no começo de 1935, e, em 1937, efetuou 1.107 emprésti-
mos, no valor de 5.208 contos de réis.
Em 8 de maio de 1935, uma portaria apresentada pelo presidente do Banco do
Brasil e aprovada pela diretoria havia instituído, como órgão consultivo, a Comissão de
Promoções. O grupo deveria estudar documentos que exprimissem o grau de mere-
cimento de cada funcionário e admitir recursos ou apresentações na reivindicação de
direitos à promoção. Em 15 de julho de 1937, a diretoria resolveu estabelecer cursos
de aperfeiçoamento, a nível superior, para os funcionários. Nessa época, o Banco ainda
não se dispusera a expandir a implantação de agências no interior do país. O número
das filiais era de 90 no ano de 1938.
Na terceira década do século XX, o comércio exterior do Brasil ainda permanecia
numa posição de atraso e desequilíbrio. A exportação reduzia-se a produtos primários
e agrícolas e a importação a manufaturados e matérias-primas como carvão, trigo, ferro,
combustíveis e óleo. A reduzida entrada de capital para empréstimos ou investimentos
subordinava a economia brasileira essencialmente à exportação, da qual dependia para
a importação, para os serviços de juros e amortização da dívida externa e para o custeio
de serviços no exterior.
Na área de exportação ainda predominava, embora declinante, a produção do
café; notava-se o crescimento quase constante da tonelagem e decréscimo do valor
em libra-ouro. A arrecadação crescia e, com isso, o governo, apesar das adversidades,
alegava que ali estava um indicativo da firmeza e do acerto de suas manipulações finan-
ceiras. Mas, também, as despesas cresciam e o déficit mantinha-se alto.
Já nesse tempo, dizia-se que o esforço do ministro da Fazenda em favor do equi-
líbrio orçamentário era prejudicado pela falta de uniformidade, neste propósito, de
todos os ministérios. Nos anos de 1937 e 1938, a situação agravou-se com a queda
brusca dos preços do café e de quase todos os outros produtos de exportação. O fato
foi apontado como decorrência da depressão mundial dos preços dos produtos de base.
34. Relatório do presidente do Banco do Brasil à Assembleia dos Acionistas, em 22 de abril de 1939, p. 10 a 13.

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A exportação que, em 1937, chegou a 42.500.000 libras ouro, baixou, em 1938, para
39.900.000 libras ouro. Também a importação decresceu.
O valor do mil réis voltou a cair ao final de 1937. O dólar, que baixara para 15$000,
subiu, no último trimestre de 1937, para 17$510. A alta deveu-se, na área internacional,
à grande procura da moeda americana, em virtude de migração de capitais europeus
em busca de maior segurança e, na área brasileira, à redução do valor das exportações.
Falou-se até em nova depressão econômica mundial. Em face dessa situação, o gover-
no federal mais uma vez decretou o monopólio cambial, em dezembro de 1937.
Os atrasados comerciais aumentaram, depois do acordo de 1933, avolumando-se
mais durante os anos de 1934 e 1935. Certo de que representavam uma fonte de per-
turbações para as relações internacionais, o governo buscou acordos no exterior. O pró-
prio ministro da Fazenda foi aos Estados Unidos e à Inglaterra, onde firmou contratos
pelos quais o Brasil pagaria uma parte dos débitos à vista e o restante em prestações.
Coube ao Banco do Brasil executá-los. Ao serem submetidos à aprovação do Congres-
so, os acordos foram criticados. Argumentava-se, então, que o representante brasileiro
não defendeu devidamente os interesses do país.
Na versão do governo, a carência de recursos internos não podia ser suprida pela
antiga manobra de contrair empréstimos externos. Assumindo no exterior a responsabi-
lidade pelas dívidas dos nosso importadores e outros que precisavam remeter cambiais
para fora, lançou mão, então, dos respectivos depósitos congelados, mas o fez com preju-
ízo para o Tesouro. Houve, assim, modalidade de empréstimo, e bastante onerosa.
O governo já havia admitido que o controle de câmbio era uma das causas dos
atrasados comerciais, cuja liquidação foi necessária para aliviar a pressão do merca-
do, para desfazer repercussão desfavorável no estrangeiro e até para afastar o risco de
confisco de valores brasileiros no exterior. Por isso, o Conselho Federal do Comércio
Exterior reformou o sistema de câmbio, em fevereiro de 1935. Decidiu-se, assim, a
venda compulsória ao Banco do Brasil, à taxa oficial de 30%, do valor das cambiais
das mercadorias exportadas, cujo produto destinou-se exclusivamente aos serviços da
dívida pública e externa e à liquidação dos atrasados comerciais; e que todas as outras
operações de câmbio reverteriam ao mercado livre.
Na década de 1930, fazia-se exportação pelo regime de compensação. A Alema-
nha, assim como outros países industrializados, naquele tempo desprovidos de capi-
tais e reservas, possuía estoques de carvão e de artigos manufaturados de que o Brasil
precisava, mas não podia importar por falta de divisas necessárias. Por sua vez, o Brasil
dispunha de café, borracha, couro, lãs, peles, algodão, minerais, carnes e outras mer-
cadorias, de que a Alemanha necessitava ou podia re-exportar, mas não tinha dinheiro
para pagá-las. Assim, o Brasil mandava as suas mercadorias e em pagamento recebia
uma moeda especial, só aceita para comprar na Alemanha.
Considerada isoladamente, a comercialização do café foi difícil. O país manti-
nha um sistema de pesadas taxas internas para os produtores e de valorização artifi-
cial dos preços no exterior. Apenas os concorrentes eram beneficiados e recusavam
qualquer acordo que lhes transferisse parte dos encargos dessa política sustentados

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exclusivamente pelo Brasil. Incapazes de suportar as taxas, os produtores brasileiros


apelaram para a prática de queima do café quando havia superprodução. Com amarga
ironia diziam que, no momento de lançar o produto às fornalhas, ainda pagavam o
seguro contra fogo.
O problema da superprodução do café ocorria porque o consumo oscilava entre
pouco mais de 14 e pouco menos de 16 milhões de sacas anualmente, ao passo que a
produção variava muito, de pouco mais de 16 a pouco menos de 29 milhões de sacas, no
mesmo período. Com as sobras formavam-se estoques, que desestimulavam os preços,
gerando providências impróprias, como a da queima e taxação captada no trânsito do
produto para o embarque ao exterior, a título de custear a defesa dos preços.
Reconhecia-se que era indispensável e urgente a mudança da política brasilei-
ra do café. Nos debates, manifestavam-se os dilemas entre continuar eliminando as
sobras dos produtos, plano que se executava com dificuldade e grande dispêndio, ou
reintroduzir o comércio livre, de imediato, abrindo mão da defesa do mercado, com a
liberação dos pesados encargos e com medidas para ampliar mercados no exterior.
A opção recaiu na mudança para uma política competitiva, anunciada pelo gover-
no, em novembro de 1937. No dia 13 do mesmo mês, armado de poderes ditatoriais,
o governo baixou o decreto-lei nº 2, pondo em vigor o novo programa cafeeiro, com as
seguintes medidas: cancelamento e liquidação de responsabilidades do Departamento
Nacional do Café, em grande parte assumidas pelo Tesouro Nacional; abertura, pelo
Banco do Brasil, de uma conta especial, com o limite de 300 mil contos de réis e a co-
obrigação solidária do Tesouro Nacional, a débito do qual deviam ser levados o saldo
remanescente dos créditos do próprio Banco contra o departamento e os pagamentos
que o Banco fosse autorizado a fazer a estados, bancos e particulares, de ordem do mes-
mo departamento: modificações de taxas, que incidiam sobre a exportação do café; re-
dução automática e progressiva do limite para redescontos de títulos do departamento;
autorização ao ministro da Fazenda para promover entendimento visando regularizar a
situação de responsabilidades e forma de liquidação do saldo do empréstimo externo
de 20 milhões de libras contraído pelo Estado de São Paulo, para defesa do mercado
de café, devendo-se computar, na apreciação desse saldo, os depósitos vinculados aos
serviços do empréstimos.
Os resultados da nova política cafeeira foram anunciados por Getúlio Vargas,
antes de se completar o primeiro ano da sua implantação. Na entrevista coletiva que
concedeu a 10 de novembro de 1938, no primeiro aniversário do seu golpe de Estado,
disse que os resultados estavam de perfeito acordo com as previsões mais otimistas,
pois nos dez primeiros meses de 1937 o Brasil teria exportado 9 milhões e 800 mil
sacas de café, enquanto em igual período de 1938 atingiu 14 milhões e meio, ou seja,
mais de 48%. Também a contribuição para o mercado mundial aumentou 33%, em
comparação com 1937. “Nada mais”, destacou, “devíamos temer, pois tínhamos afas-
tado dos mercados a concorrência, garantindo o escoamento da produção de modo
a não haver sobras na safra próxima e melhorado os preços de venda, internamen-
te. Enquanto nos últimos anos da valorização o lavrador recebia preços médios de

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45$000 a 70$000, recentemente prevaleciam cotações de 55$000 a 120$000 por saca,


de acordo com a qualidade”.
O presidente assim se justificou:

“Tentávamos, com êxito, a ampliação dos mercados. Esse era, aliás, um ponto
básico. Não era preciso acentuar muito que havia enormes mercados potenciais
ainda não trabalhados e que, se verificássemos a extensão das áreas e o consu-
mo per capita, encontraríamos margens para colocar toda produção no nível em
que se encontrava. A questão era de propaganda bem dirigida nos países que já
consumiam o nosso produto, por forma a aumentar-lhes o consumo, de comércio
direto com os países que recebiam a nossa mercadoria por intermédio de outros
e de obtenção de tarifas convenientes dos que sobretaxavam. De tudo isto co-
gitava o governo”35.

Nas dotações para o exercício de 1937, segundo exposição do deputado João


Cleofas, ao discursar na Câmara no final de outubro de 1936, a verba de pessoal
consumia 68,5%, o serviço da dívida externa, interna e flutuante, 20,36%, e os com-
promissos por intermédio do Banco do Brasil, 8,97%, num total de 98,43% só para
pessoal e dívidas. Em parecer lido perante a Comissão de Finanças e Orçamento da
Câmara dos Deputados, em 5 de agosto de 1936, o deputado Daniel de Carvalho,
ao apontar para os rumos que tomava o país com o regime dos déficits crônicos, das
sucessivas emissões de papel-moeda para suprir o Tesouro, das reivindicações contra
a insuficiência de financiamento das safras, advertiu que havia, em 1934, uma circu-
lação monetária de 2.260.000 contos de réis, para uma exportação de 95.103 mil libras
ouro e uma importação de 68.336 mil libras ouro.
Em novembro de 1937, o governo suspendeu o serviço da dívida externa, alegan-
do que as dificuldades do momento tornavam impossível a continuidade das remessas.
O período de 1935 a 1937 havia sido fértil em revoltas e agitações. Movimentos sub-
versivos prontamente dominados rebentaram em Natal, no dia 23 de novembro, e em
Recife, no dia 24 do mesmo mês. No dia 27 de novembro, eclodiu no Rio de Janeiro a
revolta do Terceiro Regimento de Infantaria e na Escola de Aviação Militar. Do final
de 1935 até 1937, o governo assumiu gradual endurecimento.
Em 1937, deveria ser escolhido o novo presidente da República, pelo voto dire-
to. Formaram-se duas correntes políticas, uma apoiando a candidatura de José Américo
de Almeida e outra a de Armando Sales de Oliveira, que se destacou como governador
de São Paulo. Surgiu, ainda, a candidatura de Plínio Salgado. Getúlio Vargas chegou
a participar da escolha de José Américo. Mas, na verdade, desejava continuar no po-
der. As medidas de repressão, que culminaram com a decretação do estado de guerra,
já faziam parte dos preparativos do golpe que Vargas, afinal, desfechou no dia 10 de
novembro, quando aboliu a Constituição, dissolveu o Congresso Nacional e outorgou
uma nova carta, com poderes ditatoriais.

35. Jornal do Commercio, edição de 10 de novembro de 1938.

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Na área econômica, no entanto, o país desenvolveu-se, no período de 1930 a


1937, sob um surto industrial realmente vigoroso. Com a retração do capital estrangeiro
e as dificuldades para a importação, a industria pôde ampliar-se para atender o merca-
do interno consumidor. Expandiu-se, assim, em quase 50% ao passo que a produção
primária cresceu em cerca de 40%. No mesmo período, foram criados mais de 12 mil
estabelecimentos industriais.
Em setembro de 1939, irrompeu na Europa a Segunda Guerra Mundial, último
efeito da implacável tentativa de expansão da ditadura nazista alemã. Quase toda a
Europa submergiu no torvelinho da guerra. Enquanto isso, do outro lado do mundo,
no Extremo Oriente, o imperialismo japonês expandiu-se através de guerras contra a
China. Em fins de 1941, o Japão atacou a esquadra americana ancorada em suas bases
do Havaí. Os Estados Unidos e, depois, o Brasil, também entraram na guerra.
Já sob os efeitos da repressão política da ditadura, o Brasil teve a economia abala-
da pela guerra, que provocou a perda do mercado consumidor da Alemanha, para onde
seguia boa parte da exportação, fechada pelo bloqueio marítimo estabelecido pelas
esquadras da França e da Inglaterra. Gradativamente, foi perdendo também os centros
importadores de países que, anexados, invadidos ou atacados pela Alemanha foram
também atingidos pelo bloqueio, que restringia drasticamente a circulação marítima
das riquezas, tornando difícil para todos os países a manutenção das suas atividades de
produção e comércio.
Para o Brasil, a primeira consequência da guerra sobre o seu comércio exterior
foi a queda da cotação dos produtos dispensáveis para os consumidores, como o café.
Entretanto, subiram as cotações de produtos indispensáveis à alimentação ou ao apa-
relhamento bélico, como óleo, couro, carne, frutas, madeira e minerais. A importação,
por sua vez, caiu. O problema atingia também outros países americanos produtores de
café, e foi dentro desse contexto que todos se voltaram para os Estados Unidos, com os
quais firmaram o acordo de 28 de novembro de 1940, pelo qual o governo americano
comprometia-se a fazer uma distribuição equitativa das suas importações entre todos
os produtores. Cresceu, assim, a exportação brasileira de café para as Américas, embora
persistisse a queda com a perda dos mercados europeus e do norte da África.
Mas houve outros acordos com os Estados Unidos, dando ao Brasil os benefícios
da lei de empréstimos e arrendamento, na base de transferência de armamentos e mu-
nições e outros incentivos, além da exportação de outros produtos, inclusive de seus
saldos já retidos, como os do café. Também foram beneficiados o cacau, a castanha e a
borracha, exportada para mercados sul-americanos.
O fato mais importante na área do comércio exterior foi a reversão dos resultados
expressos pela evolução dos saldos da respectiva balança. O superávit vinha caindo até
que, no primeiro semestre de 1938, chegou a atravessar um período deficitário. Em
1939, melhorou mas, arruinou-se, em 1940. Foi, em 1941, que se deu a reversão ao re-
gime de saldos. A exportação subira, então, para 6.729.000, a importação para 5.514.000
e o saldo para 1.215.000 contos de réis.

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O Brasil, assim, passava das adversidades de acumulação de atrasados comer-


ciais para uma nova situação, em que seriam acumulados saldos e reservas. Em 1939,
anunciou-se que esses atrasados estavam pagos integralmente: uma parte por meios
próprios e a outra, a dos norte-americanos, por força da obtenção de um empréstimo,
nos Estados Unidos, de 19.200.000 dólares. Em 1940, o governo dispunha-se a arcar
com o ônus da liquidação dos atrasados, que incluíam juros, dividendos e lucros de
companhias ou empresas, também acumulados em virtude da carência cambial. Mas,
para isso, teve de firmar acordo com credores americanos e ingleses, obtendo recursos
em dólares e libras, pagáveis em prestações mensais.
Em junho de 1940, o Brasil trocou ajuda com a Inglaterra, duramente atingida
pela guerra. Segundo o acordo entre os dois países, executado entre o Banco do Brasil e
o Banco da Inglaterra, enquanto as compras de mercadorias brasileiras efetuadas pelos
residentes na chamada “área-esterlina” seriam feitas em libras bloqueadas, os paga-
mentos a essa área comercial e financeira seriam realizados na mesma moeda.
O primeiro semestre de 1941 registrou melhoria. O intercâmbio entre o Brasil e
os Estados Unidos resultou, nesse período, no superávit de 295.786 contos de réis. O
ministro da Fazenda destacou a pontualidade com que o Brasil vinha cumprindo obri-
gações assumidas em moeda estrangeira e, em fins de 1941, admitia-se que a exporta-
ção brasileira era excelente, aumentando em volume e conseguindo melhores preços.
O relatório do presidente do Banco aos acionistas; em abril de 1943, confirmava
o crescimento da produção industrial brasileira com os seguintes dados:

“O número de fábricas e oficinas, em todo o país, que, em 1940, já atingia 64.108


estabelecimentos, com 825.314 empregados e a cifra de 12.500 milhões de cruzeiros,
somente no que se refere à produção sujeita a imposto de consumo avultou, em 1942
até novembro, a 78.012 organizações tendo mais de 900 mil empregados e alcançando
uma produção que, embora sem dados completados, se poderia estimar em 15 bilhões
de cruzeiros, ponderada a considerável elevação do número de fábricas”.

A exportação do café, que, em 1937, foi de 13.095.000 sacas e, em 1938, chegou a


17.210.000, baixou, em 1941, para 11.054.566 sacas. Também os preços caíram: em 1938,
estavam em 2.269.010 contos de réis; em 1939, 16.645.093 sacas renderam 2.254.115 con-
tos de réis; em 1940, 12.053.499 sacas totalizaram 956 contos de réis. Em 1941, os preços
subiram, quando 11.054.566 sacas renderam 2.017.544 contos de réis, já por influência do
Convênio Interamericano do Café, assinado em 28 de novembro de 194036.
Do segundo semestre de 1940 para o primeiro de 1941, a produção de café em
São Paulo foi atingida por uma seca prolongada, caindo a safra para quatro milhões de
sacas, contra a média de quatro milhões e 500 mil dos três anos anteriores. O governo
federal acionou, então, as medidas previstas no decreto-lei nº 3.049, de 13 de feve-
reiro de 1941, autorizando o Banco do Brasil a realizar, através da Carteira de Crédito
Agrícola e Industrial, financiamento de café para o Estado de São Paulo, relativo ao
36. Jornal do Commercio, edição de 10 de maio de 1942.

154
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período de 1º de novembro de 1940 a 31 de outubro de 1943, abrangendo três safras,


cujo custeio, devido à redução da produtividade, não se enquadrasse nas disposições
do regulamento da carteira.

155
Capítulo 11
Foto: Acervo Arquivo Histórico do Banco do Brasil
A herança da inflação

Veículo militar em foto de 1944.


Emissões descontroladas durante o esforço de guerra resultaram em inflação.
H ist ó r i a d o B a nc o d o B r a s i l

No início da Segunda Guerra Mundial, o meio circulante brasileiro mantinha-se


estável, em torno de cinco milhões de contos de réis. O processo de emissão começou
a disparar em 1941, no início sob alegação da necessidade de fomento e apoio à eco-
nomia nacional. Assim, naquele ano, o meio circulante foi acrescido, rapidamente, em
1.461.000 contos de réis. Das emissões, pelo menos uma, no valor de 90 mil contos
de réis, foi destinada à amortização do débito do Tesouro com o Banco do Brasil, pela
compra de ouro. O mesmo ritmo foi mantido, em 1942, quando o meio circulante che-
gou a 8.238 milhões de contos de réis. Já então não se podia mais recorrer à desculpa do
apoio à produção, pois 900 mil contos destinaram-se ao resgate, no Banco do Brasil, de
obrigações do Tesouro Nacional, e 864 mil ao pagamento de promissórias do Tesouro
descontadas pelo Banco.
A ditadura facilitava as emissões: sem o controle de uma assembleia repre-
sentativa, o Poder Executivo exercia a função de legislar e assim, de 1939 a 1942,
expediu uma extensa série de decretos-leis autorizando as emissões. As finanças pú-
blicas continuavam sob a marca dos déficits: em 1940, 593.176:671$600; em 1941,
794.080:577$200 e em 1942, Cr$ 1.271.433.601,40. Alegava-se que a guerra tornava
impossível o equilíbrio orçamentário, não só no Brasil, como nos outros países. E
que, com a crise, não seria justo cortar despesas, nem mesmo as de pessoal, para não
agravar o risco de desemprego.
Com a entrada do Brasil na guerra, em 22 de agosto de 1942, o governo elaborou
um plano financeiro, destinado a angariar os recursos necessários para cobrir o esforço
bélico e o déficit orçamentário. O primeiro ato do plano financeiro foi a criação do cru-
zeiro, através do decreto-lei nº 4.791, de 5 de outubro de 1942. Imitando padrões mo-
netários de nações adiantadas, a nova unidade possuía divisibilidade centesimal, com a
denominação de centavo para a centésima parte. O cruzeiro correspondia a mil réis.
Outras medidas seguiram-se: autorização para emitir em obrigações de guerra
a importância de três milhões de contos de réis e letras do Tesouro no valor de um
milhão de contos; restrição da faculdade emissora do Tesouro e ampliação de Defesa
Econômica. As obrigações de guerra eram voluntárias, facultadas à subscrição pública.
Mas havia a subscrição compulsória, obrigatória, a partir de janeiro de 1943, para todos
os contribuintes do imposto de renda, em importância igual ao do imposto a que esti-
veram sujeitos no último exercício.
Para beneficiar a lavoura, o governo estabeleceu, entre outras medidas, a suspen-
são de execuções judiciais contra os agricultores e o pagamento, em letras hipotecárias,
de quaisquer dívidas de agricultores, proprietários de imóveis, contraídas até 31 de
dezembro de 1937, desde que devidamente comprovadas por escritura pública, ins-
trumento particular constante de registro público ou de livros comerciais autenticados,
títulos protestados, decisões judiciais, ou qualquer outro meio de prova julgado idôneo
pelo Banco do Brasil.
O sistema bancário brasileiro funcionava, em 1941, através de 1.637 matrizes e
filiais, assim discriminadas: bancos nacionais – 156 sedes, 310 agências e 623 filiais;
bancos estrangeiros – 22 filiais e 34 agências; Banco do Brasil – uma agência central,

158
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92 agências e 118 subagências; casas bancárias – 235 sedes, 45 filiais e uma agência. O
crescimento do número de instalações bancárias, no entanto, não correspondia às reais
necessidades do país, resultavam de depósitos especiais de fundos de entidades da
administração indireta, como a Caixa Econômica e os institutos de previdência, que
concediam esses favores sob pretexto de alcançar juros mais altos como depositantes.
O Banco do Brasil não era considerado um banco especializado pois, além de
fazer todos os tipos de operações inerentes à atividade bancária, como o crédito comer-
cial, industrial e agrícola, realizava a compra do ouro e atendia, com assistência credi-
tícia, o Tesouro Nacional, os estados da federação, os municípios, o Departamento do
Café. Funcionava, ainda, como emissor, através de sua Carteira de Redescontos, que
conferia elasticidade ao meio circulante. Regia, também, o câmbio.
Na verdade, o Tesouro Nacional era não só o maior cliente do Banco do Brasil,
mas um cliente privilegiado. Mais de dois terços de todas as suas aplicações eram ab-
sorvidas pelas entidades públicas. Houve até quem afirmasse que o Banco do Brasil já
havia se transformado em Banco Central, característica que se acentuou com a criação
da Carteira de Exportação e Importação, em 1941. Sua ação como organismo de apoio
ao desenvolvimento já era tamanha que, em sete anos, se duplicaram os saldos totais
dos seus empréstimos para o crescimento dos meios de produção.
O movimento operacional do Banco, tal como ocorreu, em 1938, continuou em
expansão no período de 1939 a 1942. O volume dos recursos globais, em milhares de
contos de réis, estava em 5.625 no ano de 1939. Em 1943, subiu para 9.794. Os em-
préstimos cresceram, passando de 3.834 contos de réis, em 1939, para 6,325 milhões de
cruzeiros, em 1942. Mas os resultados financeiros não foram obtidos da mesma linha de
expansão. O lucro líquido que, em 1939, foi de 89.730 contos de réis, em 1941, chegou
a 102.146 contos, mas diminuiu, em 1942, para 97.031.
A justificativa para a retração variava, fundando-se, segundo a diretoria, “no au-
mento das reservas especiais de segurança, representativas de fundos livres utilizáveis
pelo Banco em situações de emergência; na liquidação de créditos que se tornassem
inseguros e, ainda, no aumento constante do campo de ação do Banco, que o deixou
sujeito a maiores e naturais riscos, razão pela qual se mantinha a norma, vigente nos
anos anteriores, de conservar o ativo ininterruptamente em situação de perfeita auto-
liquidez”. Além disso, mais atento às necessidades nacionais do que às suas próprias
conveniências, o Banco mantinha a preocupação de baratear as taxas de seus emprésti-
mos. Recorria, frequentemente, à Carteira de Redescontos, com o fim de incrementar
o volume de seus recursos37.
O débito do Tesouro com o Banco chegou a 1.795.338 contos de réis ao en-
cerrar-se o ano de 1939, mas foi baixando nos anos seguintes, até atingir, em 31 de
dezembro de 1942, Cr$ 1.458.042.000,00. Cresceram também os débitos dos estados e
municípios para com o Banco, elevando-se de 566.059 contos de réis, em 1939, a Cr$
1.081.688.000,00 em 31 de dezembro de 1942. O Departamento Nacional do Café, que

37. Relatório apresentado à Assembleia dos Acionistas pelo presidente do Banco do Brasil, em 30 de abril de 1943, p.
117 e 118.

159
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no final de 1939 devia ao Banco 198.204 contos de réis, em 31 de dezembro de 1942


estava devendo Cr$ 446.479.000,0038.
O movimento de instalação de filiais, que estava estagnado, acelerou-se depois
de 1939, sob a presidência de Marques dos Reis. Em 31 de dezembro de 1940, o núme-
ro de agências e subagências subiu a 139. No final de 1941, já havia em funcionamento
ou em instalação 261 agências e subagências. Em 1942, entraram em operação mais de
62 subagências e uma agência. A cotação das ações do Banco na Bolsa subiu, em fins
de 1942, para Cr$ 588,0039. O número de funcionários, que cresceu moderadamente
até chegar a 3.866, em 1940, daí por diante aumentou mais rapidamente, chegando a
6.396, em 1942.
A Carteira de Crédito Agrícola e Industrial progredia e se consolidava. Em 1939,
os empréstimos à agricultura e à indústria chegaram a 189.000 contos, registrando um
aumento de 152.000 em relação ao ano anterior. Os pequenos e médios produtores fo-
ram contemplados com 3.645 empréstimos, equivalentes a 85% do total de operações.
A carteira financiava uma variedade cada vez maior de produtos e oferecia recursos
para mecanização das lavouras – sobretudo as de arroz no Sul do país -, adubação e
obras de irrigação.
O apoio à pecuária também cresceu, com a ampliação dos limites dos financiamentos
para um terço do rendimento provável para criação, no período do empréstimo, e com a
elevação de um para dois anos do prazo das operações destinadas à aquisição de animais de
cria. A indústria beneficiou-se com a concessão de fundos para o aperfeiçoamento de apa-
relhagem e aquisição de matérias-primas, para vários ramos de atividades. Foram também
tomadas medidas, através da carteira, para facilitar o desenvolvimento da mineração.
Os financiamentos concedidos, no entanto, ainda eram insuficientes, em relação
às necessidades das áreas rurais e industriais. Para levantar os recursos necessários foi
autorizada, com fundamento no artigo 4º da lei nº 454, de 9 de julho de 1937, a emissão
de bônus até o total de 100 mil contos de réis. Novo reforço foi dado em 20 de setem-
bro de 1940, quando o governo, através do decreto-lei nº 2.611, providenciou recursos
para a carteira, inicialmente fixando a parcela com que institutos e caixas de aposen-
tadoria e pensões obrigatoriamente deveriam concorrer, de seus depósitos ou fundos,
para a tomada de bônus.
Estabeleceu, ainda, o recolhimento obrigatório, ao banco, das consignações em
pagamento e, em geral, das importâncias em dinheiro, cujo levantamento ou utilização
dependesse de autorização judicial e dos depósitos em dinheiro, para garantir a execu-
ção dos contratos firmados pelas empresas de utilidade pública. Ao mesmo tempo, os
contratos de financiamento da carteira, representativos de dívidas com prazo de ven-
cimento não superior a um ano, contraída por pessoas que exerciam, de modo efetivo,
atividades na agricultura ou na pecuária e garantidas por penhor rural, passaram a ser,
como as cédulas rurais pignoratícias, redescontáveis pela Carteira de Redescontos.
38. Relatórios do presidente do Banco do Brasil à Assembleia dos Acionistas, apresentados em 26 de abril de 1940, p.
22 a 26, e 30 de abril de 1943, p. 98 a 103;
39. Relatórios apresentados à Assembleia dos Acionistas pelo presidente do Banco do Brasil, em 28 de abril de 1941, p.
50 a 52 e em 30 de abril de 1942, p. 39 a 102, 120 a 123 e p. 48 e 49.

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Lenta e parcialmente, o governo atendeu às seguintes sugestões encaminhadas


pela diretoria do Banco, em 11 de julho de 1939: fixação da percentagem que, em ca-
ráter obrigatório, os institutos e caixas de aposentadoria e pensões deviam aplicar em
bônus emitidos pelo Banco; recolhimento obrigatório de 20% da massa dos depósitos
das caixas econômicas federais e estaduais, dos fundos de reserva das companhias de
capitalização e das reservas das companhias de seguro. Em 1942, a carteira já servia a
todas as regiões do país, desde o Acre ao Rio Grande do Sul.
O decreto-lei nº 3.032, de 7 de fevereiro de 1941, introduziu o regime de licença-
prévia para a exportação, beneficiando numerosos produtos manufaturados e matérias-
primas. Logo em seguida, a 21 de maio de 1941, o decreto-lei 3.293 criou a Carteira de
Exportação e Importação do Banco do Brasil, destinada especialmente a estimular e
amparar a exportação de produtos nacionais e assegurar condições favoráveis à impor-
tação de produtos estrangeiros. A nomeação do diretor seria da competência exclusiva
do presidente da República. A carteira recebeu recursos especiais.
Nesse ano e no seguinte, sucederam-se atos governamentais que cumulavam
à carteira com novas atribuições e encargos na área econômica. Preconizava-se a sua
posição de “órgão central das transações mercantis com o exterior, apto a proteger o ex-
portador com o adiantamento de numerário sobre mercadorias cujas remessas lutassem
com dificuldades transitórias”. O Banco do Brasil registrava, então, um progresso sur-
preendente em seu campo de atividades, capacitando-se a realizar qualquer operação
de interesse do desenvolvimento econômico do país40.
Enfrentando as naturais dificuldades do seu curto período de existência, a cartei-
ra era reconhecida, no final de 1941, pelas medidas de amparo a produtores e consumi-
dores nacionais de borracha e pelo serviço às importações de origem americana. Assim,
sua ação destacava-se em dois estritos setores – o de importação de um só país e o de
exportação de um só produto.
Foi somente em 1942, que a carteira pôde melhor definir suas operações de fi-
nanciamento, tornando-as mais abrangentes, não só pelo aumento de valor como pela
variedade de produtos. A expansão da guerra não permitiu, no entanto, que atingisse
sua finalidade de proporcionar condições favoráveis à exportação e à importação, pois
os mercados externos continuavam bloqueados.
A Carteira de Câmbio, por sua vez, também passava por dificuldades. O re-
latório apresentado ao ministro da Fazenda, em 30 de junho de 1939, mencionava
esgotamento de recursos próprios, coberturas de saldos vendidos do monopólio pelos
fundos do mercado oficial, lucro apreciável desse monopólio e resultado reduzido da-
quele mercado oficial. Registrava a situação instável do mercado, que se apresentava
com taxas elevadas sem justificativa, obrigando a carteira, para trazê-las ao nível real,
a operar a taxas calculadas com o único objetivo de cobrir as despesas, o que impedia
os lucros imediatos.
Em outubro de 1941, novo informe da Carteira de Câmbio ao ministro da Fa-
zenda esclarecia que a situação era tranquilizadora, mas devia-se permanecer atento
40. Jornal do Commercio, edição de 26 de maio de 1941.

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aos seguintes fatos: a posição do câmbio, nos dois últimos meses, registrava sensível
declínio, baixando mais de 10% em 60 dias; metade, aproximadamente, dessa posição,
estava em “libras aéreas”, só utilizáveis para os pagamentos na área britânica. Em fun-
ção desses fatos, solicitou-se ao ministro que, na medida do possível, se diminuísse a
utilização de dólares até o restabelecimento normal do comércio de café para os Esta-
dos Unidos. O país matinha, intactos, os depósitos em ouro no estrangeiro e ainda não
estava utilizando o crédito rotativo de 25 milhões de dólares.
Após chegar ao auge de 1943, com a ocupação da Europa, Ásia e parte da África,
o poder de fogo das potências totalitárias não resistiu à reação das nações aliadas e, a
partir da batalha de Stalingrado, foi cedendo a novas derrotas, até a rendição incondi-
cional, em 1945.
No Brasil, a ditadura de Getúlio Vargas, que utilizava o pretexto da guerra para
ampliar o seu poder totalitário, perdeu também a capacidade de sustentação e foi de-
posta, em 1945, abrindo espaço para a eleição de uma Assembleia Constituinte, de um
novo presidente da República – o general Eurico Dutra – e para a elaboração de outra
Constituição. A ditadura deixou, no Brasil, a herança da inflação, que se acentuou a
partir de 1943, e chegou a ser encarada como sinal de desenvolvimento.
O governo ditatorial tomou providências de contenção do meio circulante, de
efeito parcialmente anti-inflacionário, através de dois decretos, expedidos em 24 de ja-
neiro de 1944. O primeiro, criando um imposto sobre lucros extraordinários e o segun-
do instituindo “certificados de equipamentos” e “depósitos de garantias”. Conforme
alterações constantes de um novo decreto, os certificados seriam emitidos pelo Banco
do Brasil, com garantia do governo federal, na data em que fosse possível ao portador
adquirir máquinas e utensílios para o reaparelhamento de sua empresa. Os depósitos
deveriam também ser feitos no Banco do Brasil, sob a responsabilidade do governo.
Tinham objetivos como o de cobrir prejuízos de depositantes caso comprometessem
profundamente a situação da empresa, podendo também ser liberados total e parcial-
mente desde que o seu titular destinasse a respectiva importância a melhorar ou am-
pliar a produção, aperfeiçoar o acondicionamento de gêneros alimentícios, atender ao
problema de transportes em geral ou a qualquer outro fim de utilidade comprovada.
O imposto sobre lucros extraordinários foi criticado por manter um sistema com-
plexo e de difícil fiscalização. Assinou-se, então, o decreto-lei nº 9.159, de 10 de abril
de 1946, que estabeleceu o imposto adicional de renda em substituição ao anterior, em
um depósito compulsório. Oficialmente, confirmou-se que esses decretos-leis objeti-
vavam conservar congelados os recursos auferidos na exportação e no comércio interno,
formando reservas para aplicação depois da guerra e evitando que engrossassem os
meios de pagamento.
No ano de 1945, o meio circulante elevou-se para Cr$ 17.538.269.000,00 e, em
1946, para Cr$ 20.494.000.000,00. A compra de ouro pelo Banco do Brasil foi refreada,
em 1945, ainda no regime ditatorial, quando a Superintendência da Moeda e do Cré-
dito baixou instruções suspendendo temporariamente a obrigatoriedade da venda de
ouro de produção nacional ao Banco do Brasil e permitindo compras diretas dos consu-

162
H ist ó r i a d o B a nc o d o B r a s i l

midores nas fontes de produção. Autorizou, ainda, a venda ao público, até o limite de
Cr$ 300 milhões, da parcela do ouro que o Tesouro Nacional depositou no Banco do
Brasil. Com essas providências, o governo de Getúlio Vargas tentava presumivelmente
impedir a expansão inflacionária.
Com a queda da ditadura, em outubro de 1945, Marques dos Reis deixou a pre-
sidência do Banco do Brasil, assumindo em seu lugar Manuel Guilherme da Silveira
Filho. O relatório apresentado aos acionistas, em 1946, atacou agressivamente a po-
lítica econômico-financeira do governo ditatorial e apontou, como causa principal da
inflação, o aumento das emissões. A Carteira de Redescontos foi acusada de fugir às
suas verdadeiras finalidades e de ter funcionado como mais um acelerador do desregra-
mento do crédito que potencializou, por sua vez, o surto inflacionário.
Ao assumir a Presidência da República, após a queda de Getúlio, em 1945, o pre-
sidente do Supremo Tribunal Federal, ministro José Linhares, revelou-se comprome-
tido com as forças contrárias ao regime abolido e que, constituídas de civis e militares,
haviam contribuído para apressar o fim da ditadura. Mesmo transitório, o novo governo
tomou providências para remover os escombros do sistema que foi denominado “Esta-
do Novo”, procurando, assim, abrir caminho para a democracia.
Com a liberação dos meios de comunicação, a opinião pública manifestava o
descontentamento com a política econômico-financeira do governo deposto e a expec-
tativa de que o novo governo pusesse em prática medidas corretivas, sobretudo quanto
às despesas e investimentos governamentais. Mas o governo não resistiu à pressão das
reivindicações e, em novembro de 1945, baixou um decreto-lei concedendo a todos os
servidores federais um abono de emergência, logo incorporado às suas remunerações.
O presidente Linhares autorizou vendas de ouro, que chegaram a ser feitas por
mais de três mil quilos, num valor de mais de Cr$ 80 milhões41. Como essa venda não
fosse suficiente, teve o governo de recuar: em dezembro emitiu Cr$ 630 milhões e,
no final de janeiro, outros Cr$ 170 milhões. Em 31 de janeiro de 1946, o general Eu-
rico Gaspar Dutra assumiu a Presidência da República, recebendo o difícil legado da
inflação e do acréscimo das despesas públicas, que agravaria ainda mais a questão dos
déficits orçamentários.
Os propósitos de austeridade do novo presidente não conseguiram sustar a forte
pressão dos fatores inflacionistas durante todo o ano de 1946. As emissões não podiam
ser estancadas rapidamente. Em 1945, tinham-se elevado a Cr$ 3.073 milhões. Em
1946, apesar de reduzidos, ainda chegaram a Cr$ 2.959 milhões. Concorreram para for-
çar emissões, especialmente, a compra de letras de exportação e a impossibilidade de
contrabalancear esta compra com a venda de divisas para pagamentos de importações.
O saldo positivo do balança do comércio exterior, em 1946, atingia Cr$ 5.214 milhões,
excedendo em Cr$ 1.663 milhões o saldo de 1945. Prudentemente, o Banco do Brasil
se empenhou no combate à inflação.
A política do governo não visava a deflação de créditos para as legítimas ativida-
des econômicas, mas, sim, e com todo empenho, o fim das especulações. O combate
41. Relatório apresentado à Assembleia dos Acionistas pelo presidente do Banco do Brasil, em 30 de abril de 1946, p.
56 e 57.

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à inflação já produzia, em 1946, bons resultados. Em 15 de março daquele ano, o de-


creto-lei nº 9.06 desencadeou uma operação financeira de grande importância, visando
amortização da dívida flutuante, representada pela transferência, ao Tesouro Nacional,
da responsabilidade direta das emissões de papel-moeda requisitadas pela Carteira
de Redescontos para atender aos redescontos de “Letras do Tesouro”, tomadas pelo
Banco do Brasil, da série relacionada com obrigações de guerra.
Consequentemente, o Tesouro Nacional ficou desobrigado do pagamento ao
Banco e, este, à Carteira de Redescontos, da importância de Cr$ 4.531.000,00. Pos-
teriormente, foi reduzido, de Cr$ 8.000.000,00 para Cr$ 4.500.000,00, o limite da
emissão das “obrigações de guerra”, e suspensa a sua subscrição compulsória. Essa
providência, além de aliviar o orçamento de pessoas menos favorecidas, evitou que
os títulos se depreciassem42.
Continuavam os grandes saldos na balança comercial com o exterior e o acúmulo
de substâncias reservas de moeda estrangeira. Tudo isso podia realmente favorecer o
crescimento econômico mas, na realidade, naquele tempo e notadamente no ano de
1946, esses resultados positivos refletiam-se de forma prejudicial na economia interna,
pois exigiam novas emissões, que produziam a expansão dos meios de pagamentos,
justamente quando se tornava necessário reduzi-los.
Além dos saldos na balança de pagamentos, verificava-se a diminuição nos pe-
didos de transferência para o exterior, o que revelava maior confiança na moeda bra-
sileira. O próprio ministro da Fazenda, em seu relatório ao presidente da República,
apresentado, em 1946, observou:

“A guerra afetou enormemente a vida do Brasil, em consequência de dificulda-


des às vezes quase insuperáveis sobrevindas à importação. Carecíamos de equi-
pamento em quantidade e qualidade que só os povos eminentemente industriais
se encontravam em condições de fornecer-nos. Apesar de sermos um país essen-
cialmente agrícola, a nossa capacidade de produção alimentar não bastava, por um
lado, para suprir o consumo interno, e por outro, para suprir o consumo interno,
dependíamos de gêneros alimentícios de procedência preponderantemente es-
trangeira, conforme o caso do trigo.”

Havia quem sugerisse a valorização do cruzeiro, mas a isto resistiu o governo dita-
torial. O ministro da Fazenda, Souza Costa, em 27 de junho de 1945, explicava porquê:

“Pelos fins de 1939 e durante 1940, o dólar alcançou a casa dos Cr$ 20,00 e, nessa
época, a oferta e a procura eram de modo a permitir o encontro da realidade das
cotações. Hoje, com as reservas que possuímos e apto o Banco do Brasil a atender
qualquer necessidade, só no sentido de valorização do cruzeiro se apresenta o
mercado. A política do governo no setor cambial foi sempre serena, mas segura e

42. Relatório do presidente do Banco do Brasil, à Assembleia dos Acionistas, em 30 de abril de 1947, p. 26, 29, 53, 54
e 56 a 58.

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enérgica. Não faltaram conselhos no sentido de que elevasse o valor do cruzeiro.


Esqueciam-se, contudo, que, com a alta do cruzeiro, relativamente ao dólar, nas
condições predominantes da economia mundial, seria difícil o desenvolvimento
da exportação e, consequentemente, a formação de reservas.”43.

Entre os anos de 1943 e 1945, a exportação do café evoluiu bem na qualidade


e moderadamente em preços. O país exportou em total de sacas, valor em mil réis e
valor médio das sacas, respectivamente: 1943 – 10.111.817, 2.802.734 e 277,17; 1944 –
13.555.484, 3.879.343 e 286,18; 1945 – 14.172.003, 4.260.340 e 300,62. Em 1946, o país
exportou 15.610.129 sacas, no valor de Cr$ 6.463.675.582,56.
O principal problema do café era o preço do produto no mercado internacional,
que nos Estados Unidos estava congelado desde 8 de dezembro de 1941, na base de 13
e três oitavos cents para o tipo 4 Santos, então considerada satisfatória. A inflação trouxe,
entretanto, uma situação de desequilíbrio, pois subiam internamente os preços de to-
das as utilidades, inclusive da mão de obra e de tudo que era necessário para a lavoura
cafeeira. Caía a produção, notadamente em São Paulo. Ao fim do primeiro semestre de
1944, ninguém mais podia vender café pelos preços vigentes.
Os produtores reivindicavam a remoção dessa barreira de preços. Já dentro da
meta de restabelecer o sistema da lei da oferta e da procura, foi firmado com o governo
dos Estados Unidos, em 26 de junho de 1946, acordo para elevação de preços, median-
te garantia brasileira de um suprimento mínimo de três milhões de sacas, à base de 500
mil sacas mensais. Esta garantia não chegou a entrar em execução porque o café foi
excluído do controle de preços, a partir de 17 de outubro de 1946. Ocorreu, também, a
extinção do Departamento Nacional do Café, pleiteada pelos produtores desde 1944,
sob alegação de que o órgão era desnecessário.
O regime de liberdade restrita do câmbio, que havia sido estabelecido pelo de-
creto-lei nº 1.201, de 9 de abril de 1939, durou quase sete anos. A improvisação voltou a
reger a política cambial, em 27 de fevereiro de 1946, quando, pelo decreto-lei nº 9.025,
o governo do general Dutra, no artigo 1º, determinou que ficava “assegurada a liberda-
de de compra e venda de cambiais e moedas estrangeiras”, mas observadas determina-
ções do próprio decreto e de instruções a serem baixadas pela Carteira de Câmbio do
Banco do Brasil, sob a orientação da Superintendência da Moeda e do Crédito.
O relatório do presidente do Banco aos acionistas, em 1947, destacou que es-
sas alterações, que classificou de radicais, na política cambial do país, tinham sido
determinadas pelo movimento de recuperação do pós-guerra, acrescentando que “a
cessação das hostilidades, os ajustes tendentes a restaurar a economia mundial e as
condições favoráveis de nosso mercado cambial, permitiram a supressão das restri-
ções que ainda restavam do período de guerra. Considerou ainda que, com essas
disposições, o Brasil voltava ao “regime de liberdade nas transações comerciais e
financeiras com o exterior”44.
43. Jornal do Commercio de 28 de julho de 1945, p. 2.
44. Relatório apresentado pelo presidente do Banco do Brasil à Assembleia dos Acionistas, em 30 de abril de 1947, p. 41 e 42.

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Com a reforma, o governo realmente avançou mais no caminho que levantaria à


plena liberdade cambial, mas não chegou a alcançá-la e nem a se aproximar suficien-
temente desse alvo. Setores interessados e o próprio governo reconheceram a defici-
ência, pois ainda persistiam entraves e restrições. Basta ver que o decreto-lei nº 9.025
dera à Superintendência da Moeda e do Crédito autorização para reduzir ou mesmo
abolir a cota de 30% imposta às leis de exportação. Mas o órgão passou vários meses
sem tomar deliberação nesse sentido, continuando, assim, a vigorar a taxa, reduzida em
27 de fevereiro para 20% e só mais tarde extinta.
Em 1943, a produção industrial do Brasil aproximou-se de Cr$ 25 bilhões. A des-
peito das dificuldades de transporte e de escassez de combustíveis, provocada pela guer-
ra, a produção global não sofreu solução de continuidade, mas também não registrou
progresso, já que nos anos anteriores oscilou entre Cr$ 40 bilhões e Cr$ 45 bilhões.
Como parte do plano de ativação de recursos econômicos, em face da guerra, foi
criada, pelo decreto nº 5.212, de 31 de janeiro de 1943, a Comissão de Financiamento da
Produção. Competia-lhe planejar e executar, depois de aprovados pelo governo, o apoio
financeiro à produção, de acordo com as metas de crescimento econômico do país.
Pelo decreto-lei nº 7.774, de 24 de julho de 1945, o governo autorizou o Banco
do Brasil a financiar, através da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial, os cereais e
outros gêneros da safra de 1945-46, na base de preços mínimos, fixados no mesmo ato
e com referência à Comissão de Financiamento da Produção. Foram contemplados o
arroz, o feijão, o milho, o amendoim, a soja e o girassol.
Segundo relatório do presidente do Banco do Brasil, dados levantados à época
comprovavam que o valor de produção industrial brasileira ultrapassou, desde 1942,
o da produção primária. O fato era de grande importância, pois inscrevia o Brasil no
grupo das estruturas econômicas mistas, as que melhor resistiam às crises eventuais. O
mercado interno, esteio da economia nacional, novamente se expandia. Com a alta dos
preços industriais, a produção aumentou45.
Com o fim da Segunda Guerra, fazia-se necessário o reajustamento da economia
do país às grandes transformações que certamente ocorreriam no mundo ao passar da
economia de guerra para a rotina da paz, após o necessário estágio de reconstrução nos
países abalados pelo conflito. O Brasil havia implantado, durante a guerra, uma indús-
tria em grande parte improvisada, inflacionada, de limitada capacidade de expansão. A
infraestrutura era deficiente, principalmente nas áreas dos equipamentos industriais,
transportes e comunicações. Além disso, não havia tecnologia, ou sistema de pesquisa,
ou organização didática capazes de dar suporte ao aperfeiçoamento e crescimento da
produção agrícola e industrial.
A produção atendia a um consumo sedento e sem meios de saturação. Assim,
absorviam-se produtos com deficiência de qualidade e serventia, além de outros desa-
justes de um mercado marcado pela conjuntura do pós-guerra, em que predominavam
a ampliação da procura e a insuficiência da oferta. O quadro das finanças continuava
45. Relatório apresentado à Assembleia dos Acionistas pelo presidente do Banco do Brasil, em 27 de abril de 1945, p.
23 a 27.

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caracterizado pela constância do déficit. Atingir o equilíbrio e reter a inflação eram me-
tas somente viáveis em tempos normais.
Embora o governo apregoasse medidas visando o equilíbrio, o déficit orçamen-
tário registrou-se, em 1941, em 673.305 mil cruzeiros; 1942 – 1.355.478 mil cruzeiros;
1943 – 501.363 mil cruzeiros; 1944 – 88.115 mil cruzeiros; 1945 – 994.169 mil cru-
zeiros e 1946 – 2.632.968.265,50 mil cruzeiros. Ao encerrar-se o exercício de 1946,
a dívida consolidada da União expressava-se nos seguintes totais: externa – Cr$
1.124.182.817,50; e interna, compreendendo apólices da dívida pública, obrigações do
Tesouro Nacional, obrigações rodoviárias, obrigações ferroviárias, obrigações de guerra
e portadores de comprovantes de recolhimento da conta de obrigações de guerra – Cr$
11.089.641.351,50, o que representava notável incremento sobre o mesmo total no en-
cerramento de 194546.
De 1943 a 1944, o governo realizou entendimentos e um novo acordo com os
credores estrangeiros e, conforme o decreto-lei nº 6.019, de 23 de novembro de 1943,
fixou normas definitivas para o pagamento do serviço da dívida externa. Para arrecadar
os recursos necessários ao pagamento, o governo, pelo decreto-lei nº 7.253, de 18 de
janeiro de 1945, autorizou o ministro da Fazenda a contrair um empréstimo interno,
denominado “empréstimo de conversão da dívida externa”, até a importância de Cr$
1.800.000.000,00.
Deposto o governo ditatorial, o Estado Novo passou a ser descrito, nos meios
da imprensa, agora livre da censura, como incompetente, perdulário e improdutivo.
Apontava-se, ainda, o antigo desequilíbrio entre os preços agrícolas, sempre crescendo
menos, e os industriais, sempre mais favorecidos pelas medidas governamentais.
É creditada ao governo de Getúlio Vargas orientação frequentemente favorável
ao Banco do Brasil, ao qual poupou restrições, seja da prematura instalação de um ban-
co central, seja da criação de bancos especializados de crédito à atividade rural e o co-
mércio exterior. Desse modo, o crédito rural e o crédito destinado ao comércio exterior
ficaram inseridos na estrutura já bem solidificada, desenvolvida e altamente lucrativa
do Banco do Brasil.

46. Relatório do ministro da Fazenda ao presidente da República, relativo ao exercício de 1946, p. 124 a 126.

167
Capítulo 12
Foto: Acervo Arquivo Histórico do Banco do Brasil
O esforço de guerra.
Redescontos superam limites

Rotunda, interior do prédio do Banco do Brasil, ainda conservado, na rua Primeiro de Março.
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Consolidava-se, em 1943, o reconhecimento da importância do Banco do Brasil


no processo de desenvolvimento do país. Foi acrescida, às diversas atribuições de ca-
ráter oficial que lhe haviam sido transferidas pelo governo federal, o apoio às relações
com países estrangeiros, através de agências abertas no exterior. Em 12 de julho, pelo
decreto-lei nº 5.661, o Banco recebeu, como agente especial do governo federal, as atri-
buições que, pelo decreto-lei 4.807, de 7 de outubro de 1942, pertenciam à Comissão
de Defesa Econômica.
Mas constatou-se a nível interno, que o Banco não estava atendendo à sua finali-
dade principal quando, na reunião de diretoria de 29 de maio de 1945, o diretor Souza
Melo revelou, ao examinar o último balancete, que a Carteira de Crédito Geral tinha
empregado em todo o Brasil apenas a importância de Cr$ 1.660.000.000,00. Também
não se estava mantendo a prioridade na ordem bancária, pois o movimento da Carteira
de Crédito Geral evidenciava enfraquecimento no setor comercial. O confronto com o
movimento de empréstimos dos grandes bancos nacionais comprovava, com nitidez,
segundo Souza Melo, uma “desoladora situação”.
Proporcionalmente, os bancos que formavam o grupo dos grandes encontravam-
se em situação incomparavelmente melhor, apresentando movimento comercial muito
acima do Banco do Brasil, porque exerciam a sua função em limitada fração do territó-
rio nacional, no máximo três Estados. Ainda segundo Souza Melo, era imprescindível
e urgente a apreciação do assunto para que, verificadas as causas do problema, pudesse
o Banco do Brasil, pela sua Carteira de Crédito Geral, colocar-se no lugar de líder que
lhe competia no comércio bancário nacional.
Embora o assunto fosse adiado, para que se aguardassem estatísticas e levan-
tamento de dados que o presidente do Banco mandou preparar, o certo é que, ao
final do ano de 1945, as aplicações da Carteira de Crédito Geral marcaram uma baixa
acentuada de 42% nos empréstimos a entidades públicas. Mas registraram alta de
34% nos empréstimos à produção, ao comércio e a particulares, percentual conside-
rado satisfatório.
Em 1946, os empréstimos às entidades públicas voltaram a se expandir, crescen-
do moderados 19%. Os empréstimos à produção, ao comércio e a particulares eleva-
ram-se em 27%. Não se compreenderia, porém, que pudesse ser dada, em caráter de
urgência, uma solução para o pequeno volume das aplicações do Banco na Carteira de
Crédito Geral, que importassem em rápida expansão do crédito, pois justamente esta
expansão era apontada como uma das causas da inflação.
Pode-se avaliar o desenvolvimento do Banco, em todas as suas atividades, pelo
confronto das médias registradas, em milhões de cruzeiros, nos anos de 1943 a 1946.
Em 1943, o Banco tinha à sua disposição recursos no montante de Cr$ 13.425 enquanto
em 1946 o total foi de Cr$ 24.985. Os empréstimos a entidades públicas totalizaram
Cr$ 5.106, em 1943, e Cr$ 4.771, em 1946. Os empréstimos a bancos, Cr$ 152, em 1943,
e Cr$ 349, em 1946. Já os empréstimos à produção, comércio e particulares, totalizaram
Cr$ 2.912 em 1943 e caíram para Cr$ 8.488 em 1946, enquanto os depósitos, que em
1943 estavam em Cr$ 9.620, em 1946, subiram para Cr$ 17.635.

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A opinião geral sobre expansão de depósitos e empréstimos era de que esse


quadro influía decisivamente para acelerar a circulação, ampliando os efeitos das exa-
geradas emissões. Os empréstimos cresceram mais que os depósitos, contribuindo para
a especulação e o desequilíbrio econômico. Os débitos do Tesouro junto ao Banco do
Brasil, por sua vez, decorriam de um tipo de fornecimento de recursos que não fluía
sem riscos. Na reunião da diretoria em 8 de junho de 1943, foram levantadas as difi-
culdades provocas e agravadas pela falta de recursos quando o Banco, para atender às
carências do governo federal, necessitava suprir também o seu movimento normal.
Para solucionar esse problema o presidente do Banco vinha mantendo entendi-
mentos com o ministro da Fazenda, propondo que, para conciliar os mútuos interesses,
o Banco aceitaria letras do Tesouro em cobertura dos seus saques, desde que ficasse
assegurado o direito de redescontá-las na carteira respectiva e de ser indenizado da
diferença de taxa que, porventura, houvesse entre aquela paga pelo Tesouro e a que
fosse estabelecida pela carteira. A diretoria aprovou a providência.
Os débitos do Tesouro com o Banco do Brasil somaram, em 31 de dezem-
bro de 1943, Cr$ 4.194.585.000,00 e, ao terminar o ano de 1946, atingiram Cr$
2.734.000.000,00. A redução do débito não significava melhoria da situação finan-
ceira, que continuava marcada pelo excesso de despesas e insuficiência da receita.
O abatimento resultava, simplesmente, de emissões de papel-moeda, pelo fácil ex-
pediente da encampação, pelo Tesouro, das emissões feitas pela Carteira de Redes-
contos e entregues ao Banco do Brasil. Era uma manobra perigosa, porque o Tesouro
tinha facilidade de obter recursos para gastar além das suas possibilidades e o meio
circulante continuava aumentando, com os consequentes efeitos inflacionários. Já o
endividamento dos estados e municípios junto ao Banco do Brasil mantinha-se esta-
cionário, pois as operações eram modestas.
Em sintonia com a expansão do movimento operacional, os lucros líquidos do
Banco do Brasil aumentavam: em 1943, já registrado um acréscimo de 39% sobre
o ano anterior – Cr$ 134.847.000,00; em 1944 – Cr$ 147.877.000,00; em 1945 – Cr$
170.418.000,00. Em 1946, no entanto, baixaram para Cr$ 121.775.000,00.
Em 1944, as operações da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial eram consi-
deradas normais, destacando-se que os seus benefícios sempre foram proporcionados
indistintamente, sem preferência, a todos aqueles que, preenchendo as condições ne-
cessárias, a ela recorreram. O pequeno produtor era beneficiado com facilidades para a
instrução e a contratação de empréstimos. A carteira, ciente das vantagens, procurava
estimular as cooperativas a atender às suas solicitações.
Em 9 de novembro de 1945, quando já havia se instalado no país um governo
com propósitos de restauração democrática e estava na presidência do Banco Guilher-
me Guinle, expediu-se um telegrama às agências estabelecendo-se que, salvo autori-
zação expressa da sede, os gerentes das filiais não podiam deferir empréstimos acima
de determinados limites. Recomendou-se que se aplicasse essa instrução às propostas
ainda em estudo. E mais: os gerentes deviam empenhar-se no sentido da melhor distri-
buição dos empréstimos, evitando grandes aplicações em mãos de pequeno número de

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pessoas; foram proibidos quaisquer empréstimos para aquisição de gado fino e adiados
os financiamentos a industrias, com recomendação de que os gerentes se esforçassem
no sentido de reduzir o máximo possível o montante geral dessas operações.
Ficaram excluídos dos limites os empréstimos determinados por lei, como os
financiamentos do algodão em pluma, o custeio para recuperação econômica das la-
vouras de café, do arroz, das cooperativas produtoras de lã do Rio Grande do Sul e o
financiamento de cereais, dentro dos objetivos do plano governamental estabelecido
pelo decreto-lei nº 7.774, que dispôs sobre o financiamento da produção de gêneros de
primeira necessidade.
Ao fim de 1945, o ciclo dos empréstimos pecuários alcançou extraordinário de-
senvolvimento, que atingiu o seu clímax em 31 de dezembro, quando chegou ao alto
nível de Cr$ 3.329.024.412,00, correspondente a quase 60% do total das aplicações da
carteira. Foi, então, que se registraram os elevados preços do gado indiano, especial-
mente em Minas Gerais e Goiás. A carteira expediu circular às agências, chamando a
atenção para o problema que se aproximava e recomendando medidas de prudência.
No início de 1946, quando os empréstimos pecuários baixaram para apenas Cr$
3.250 milhões, a influente classe dos pecuaristas protestou. A administração do Banco
explicou, então, que não houve deflação do crédito à pecuária, e sim a simples estagna-
ção, decorrente de um conjuntural imperativo de prudência. E tomou medidas desti-
nadas a evitar que a limitação ao crédito pudesse concorrer para gerar alarmes. Entre as
ações estava a autorização, às agências, para prorrogar contratos, independentemente
das amortizações vencidas, dos criadores de gado zebu, pelo prazo de um ano.
O Banco do Brasil concluiu nessa época que continuavam insuficientes os recur-
sos concedidos à carteira, que já aplicava Cr$ 5.015.041.015,70. Para cobrir esse total,
recorreu à Carteira de Redescontos, com a soma de Cr$ 2.392.187.293,50, e teve de
entrar com suprimentos do seu encaixe geral, no valor de Cr$ 1.205.908.195,00.
No relatório que apresentou ao presidente da República, relativo ao exercício
de 1943, o ministro da Fazenda informou que a Carteira de Redescontos vinha regis-
trando crescimento em suas operações. O redesconto ganhava terreno no comércio
bancário, passando a ser operação indispensável e de apoio direto aos estabelecimentos
que, através desse recurso, se habilitavam a dispensar maior assistência creditória ao
comércio e à indústria47.
Em 1944, sob justificativa da necessidade de ampliar os empréstimos de natu-
reza econômica e da sua obrigação de financiar as necessidades do governo, o Banco
do Brasil recorreu, com mais frequência, à Carteira de Redescontos, movimentando
títulos no valor de Cr$ 4.459 milhões. Além disso, o decreto-lei nº 6.634, de 27 de
junho, aumentou o limite de redescontos a que tinham direito os bancos, inclusive o
Banco do Brasil.
Em 1945, os redescontos, que em grande parte avolumavam-se para atender às
necessidades do Tesouro, sofreram uma forte redução limitando-se ao montante de

47. Relatório apresentado à Assembleia dos Acionistas pelo presidente do Banco do Brasil, em 30 de abril de 1946, p. 103.

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Cr$ 2.821 milhões. No decorrer de 1946, a carteira, em suas operações habituais de


empréstimo, redescontou títulos no total de Cr$ 6.734 milhões, com grande acréscimo
sobre o movimento do ano anterior. Mas houve decréscimo no tocante aos emprésti-
mos a bancos, que importam em Cr$ 1.030 milhões, quando no ano anterior chegaram
a Cr$ 9.998 milhões.
As criticas às atividades da carteira permaneciam. Comentários do Jornal do Com-
mercio referiram-se ao último relatório do Banco do Brasil e à desordem ocorrida nas
atividades do crédito, sem a qual “teria sido impossível a irresponsável proliferação
de bancos e casas bancárias, registrada de tal modo que, em cinco anos, o número dos
estabelecimentos existentes quase duplicou, crescendo seu capital em proporção ain-
da mais considerável”. A Carteira de Redescontos operou então, “como instrumento
especificamente utilizado para o fim de avolumar a inflação monetária e de provocar a
inflação de crédito”48.
Na medida em que as nações aliadas se firmavam no seu esforço de guerra e
por isso melhoravam as condições do transporte marítimo, a Carteira de Exportação
e Importação do Banco do Brasil foi tendo possibilidade de dar apoio mais efetivo
ao comércio exterior. Assim, as operações de financiamento de crédito sobre o exte-
rior, adiantamento sobre contratos de câmbio e penhor mercantil elevaram-se a Cr$
257.488.000,00, em 1943; a Cr$ 495.144.000,00, em abril de 1944; a Cr$ 654.005.000,00,
em 1945, e a Cr$ 770.050.000,00, em 1946.
O número de funcionários do Banco era de 7.162 em dezembro de 1943 e chegou,
em 1946, a 9.814. Em 27 de janeiro de 1944, foi constituída a Caixa de Assistência aos
Funcionários, destinada a conceder auxílios para cobrir despesas como intervenções ci-
rúrgicas, internações ou doenças graves dos associados ou suas esposas, filhos menores
ou inválidos, filhas solteiras, pais ou parentes que vivessem sob sua dependência eco-
nômica. Em 1946, a Caixa já contava com 5.295 associados, aos quais concedeu auxílios
no montante de Cr$ 2.503.723,30.
Todas as subagências, em funcionamento a 1º de julho de 1943, foram transfor-
madas em agências, para que se tornassem melhor aparelhadas para apoio completo
às economias locais. Em fins de 1943, além da agência de Assunção, no Paraguai, fun-
cionavam, no território nacional, 246 agências. O número veio aumentando. Em 31 de
dezembro de 1946, já operava a agência de Montevidéu, no Uruguai, e estavam em ati-
vidade, no território nacional, 267 agências, enquanto 19 se encontravam em processo
de instalação, além de uma filial em La Paz, na Bolívia.
Concorreram para a proliferação de estabelecimentos bancários os fartos recur-
sos das caixas econômicas e dos institutos de previdência, que atingiam mais de um
terço do papel-moeda circulante e que, espalhados em depósitos por muitos bancos
e casas bancárias, acabaram abundantemente investidos na desenfreada especulação
de imóveis. Em abril de 1946, uma crise bancária obrigou a Carteira de Redescontos
e a Caixa de Mobilização Bancária a desenvolver atividades especiais para amparar os
estabelecimentos de crédito afetados.
48. Jornal do Commercio, edição de 26 de abril de 1946, p. 2.

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Naquele e nos anos seguintes, uma das grandes preocupações na área econômica
era o controle da inflação. O governo do general Dutra começou disposto a combatê-la,
baixando o decreto-lei nº 3.159, de 10 de abril de 1946, que regulava a distribuição de lu-
cros, instituía o imposto adicional de renda e determinava a obrigatoriedade de depósitos
bloqueados na Superintendência da Moeda e do Crédito. Além disso, tentou controlar as
finanças, buscando, sobretudo, o equilíbrio orçamentário, mas não obteve êxito.
O relatório do Banco do Brasil, de 1947, trazia resultados animadores, dizendo
que, apesar da forte pressão inflacionista, registrou-se a emissão de apenas Cr$ 100
milhões nesse ano. Em 1950, o governo esteve às voltas com um enorme saldo negativo
no balanço de suas receitas e despesas. Recorreu ao Banco do Brasil que, por sua vez,
não tendo recursos ilimitados, apelou para a Carteira de Redescontos, que recorreu ao
sistema de emissões até obter Cr$ 7,2 bilhões. O total líquido das emissões, no período
de janeiro de 1946 a dezembro de 1950, chegou a Cr$ 1.090.000.000,00. Consequente-
mente, aumentaram o meio circulante e os níveis do custo de vida.
Em 1946, no início do governo Dutra, a preocupação com o aumento do custo de
vida levou à adoção do controvertido sistema do controle de preços, através do decreto-
lei nº 9.125, de 4 de abril. Alegando a “urgência de adotar medidas tendentes a impedir
a elevação do custo de vida no país, impondo a necessidade de reduzir os preços atuais,
de modo a proporcionar ao povo melhores condições de existência”, o decreto instituiu
a Comissão Central de Preços.
O governo Dutra também se propôs a lutar contra o déficit orçamentário, que era
de Cr$ 2.633.000.000,00, em 1946. Mas, em 1947, anunciou um saldo no valor de Cr$
460 milhões. No ano seguinte, anunciou um saldo de Cr$ três milhões, a despeito de
um novo aumento dos servidores públicos. As fontes governamentais proclamaram,
com ufanismo, que este resultado recompunha a boa ordem financeira e abria caminho
para o desenvolvimento econômico. No ano de 1949, houve novo déficit, que, conforme
reconheceu o ministro da Fazenda, subiu a Cr$ 2.810 milhões. Durante o ano de 1950,
o governo procurou conter as despesas, prevendo déficit ainda maior. Coube a Getúlio
Vargas fazer o balanço e anunciar que o déficit chegava a Cr$ 4.297.066.064,70.
A crise da pecuária e o poder de influência dos pecuaristas pressionaram o go-
verno no sentido da decretação da moratória geral. Produziu-se, então, uma série de
decretos-leis e de leis votadas pelo Congresso, outorgando benefícios aos pecuaristas,
até que estes obtivessem a dispensa parcial de débitos, por força da lei nº 1.002, de 24
de dezembro de 1949, a qual, basicamente, definiu com a participação da União Fede-
ral no pagamento das dívidas.
Em março de 1947, o presidente Eurico Gaspar Dutra anunciou que o saldo da
balança comercial permitiu, em 1946, alterações de grande significação na política cam-
bial, entre as quais aquela que assegurou a liberdade de compra e venda de moedas
estrangeiras e aboliu o mercado de câmbio “livre e especial”, que sujeitava as remessas
para viagens e manutenção a uma taxa mais elevada.
Não tardaram, no entanto, a surgir dificuldades, cujo exemplo típico foi o da In-
glaterra, onde o Brasil tinha considerável saldo em libras. O governo britânico decidiu

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não permitir o emprego dos saldos em esterlinos, conforme precisava e desejava. O


Brasil teve, assim, de suspender a compra de libras, através de medida adotada em 28
de fevereiro de 1947 e mantida até fins de maio. Impossibilitados de utilizar os ester-
linos bloqueados na Inglaterra para aquisição de matérias, os importadores brasileiros
transferiram as suas compras para o mercado norte-americano e cresceu, então, a pro-
cura por dólares.
Rapidamente se escoaram as reservas brasileiras da moeda. Já no primeiro trimes-
tre de 1947, na proporção em que a balança de pagamentos do Brasil com os Estados
Unidos acusava déficit crescente, decresciam as disponibilidades em outras divisas con-
versíveis. Terminado o semestre, a balança internacional de pagamentos apresentava
um déficit superior a três bilhões de cruzeiros. Logo foram adotadas medidas de controle
cambial, através da Superintendência da Moeda e do Crédito, que provocaram inevitá-
veis consequências, como o aparecimento do mercado negro, desvios e fraudes.
As pretensões, que durante a guerra tiveram países como o Brasil, que acumula-
ram saldos na área europeia e pretendiam utilizá-los na compra de equipamentos para
reforma, modernização e expansão das suas indústrias, foram frustradas. Só os Estados
Unidos tiveram condições para um pronto retorno à capacidade de produção dos tem-
pos de paz. O Brasil logo se viu encurralado entre a questão da disponibilidade de suas
reservas acumuladas no exterior e o retorno ao problema dos atrasados comerciais.
O governo Dutra foi acusado de ter concorrido para a dissipação de reservas em
moedas estrangeiras, permitindo importações de supérfluos. Mas o que se verificou,
em 1946, e com particular agravamento, em 1947, foram importações dispensáveis,
mas em pequena escala, como comprovaram os percentuais relativos à importação, em
1947: matérias-primas – 69%; gêneros alimentícios, inclusive máquinas, ferramentas e
utensílios – 16,6%, conforme relatório apresentado pelo presidente do Banco do Brasil
aos acionistas em 30 de abril de 1948.
Para reaver os saldos congelados na Inglaterra, o Brasil recorreu a longas e difí-
ceis negociações. Os ingleses pleitearam ao Brasil o perdão para uma parte dos seus
créditos, alegando os sacrifícios que fizeram na guerra pelo bem da humanidade. O
Brasil recusou, mas empregou suas reservas na Inglaterra na encampação de estradas
de ferro e no resgate de títulos da sua dívida e, na França e Tchecoslováquia, na com-
pra de refinarias de petróleo. O governo sofreu duras críticas.
Inicialmente, afirmava-se que o Brasil tinha reservas superiores a Cr$ 750 mi-
lhões no exterior. Mas este valor em dólares não era real. Na verdade, o total era de
Cr$ 643 milhões, dos quais Cr$ 353 milhões estavam convertidos em ouro, depositado
nos Estados Unidos. Quanto aos Cr$ 290 milhões restantes, somente 130 eram dóla-
res realmente disponíveis, enquanto 160 eram em libra e outras moedas europeias e
latino-americanas, em sua quase totalidade indisponíveis. Portanto, em moedas verda-
deiramente disponíveis, o país tinha apenas, em fins de 1945, Cr$ 130 milhões, além
de pouco mais de três milhões em outras moedas fortes49.
49. Jornal do Commercio, edição de 25 de maio de 1949.

175
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Sem dúvida alguma os industriais foram bastante favorecidos pelo controle


de câmbio e pela manutenção oficial do valor do cruzeiro em Cr$ 18,50 por dólar,
não somente porque a concorrência de produtos estrangeiros ficou limitada, como
porque lhes cabiam as vantagens da importação, a preço relativamente baixo, de
matérias e equipamentos. Essa orientação do governo atendia às aspirações de favo-
recer o desenvolvimento industrial. Os investimentos nas instalações de indústrias
encontraram condições bastante propícias e, assim, o pós-guerra tornou-se uma fase
de crescimento econômico.
Pode-se perceber o vulto das vantagens das indústrias quando se considera que,
entre 1945 e 1950, o nível dos preços de importação esteve praticamente estável, as-
sinalando moderada elevação de apenas 7%, ao passo que os preços dos produtos in-
ternamente manufaturados subiram mais de 50%. As importações de equipamentos
industriais cresceram, entre 1945 e 1951, mais de 300%, enquanto as importações au-
mentaram apenas pouco mais de 8%50.

50. Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, 8ª edição, p. 228 a 230.

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177
Capítulo 13
Foto: Acervo Arquivo Histórico do Banco do Brasil
Democracia, inflação e crises

Cliente ao lado de terminal para saque eletrônico (1984).


H ist ó r i a d o B a nc o d o B r a s i l

Ao votar, em 23 de fevereiro de 1948, a lei nº 262, o Congresso Nacional subor-


dinou ao regime de licença-prévia da Carteira de Exportação e Importação do Banco
do Brasil o processo de importação e exportação com o exterior, excluídos alguns pro-
dutos. Antes disso, o decreto-lei nº 9.052, de 12 de março de 1946, já havia sujeitado
ao regime de licença-prévia a exportação de artefatos dos metais preciosos. Com a lei
nº 262, regulamentada em 23 de março de 1948 pelo decreto nº 24.697-A, visava-se
restringir, principalmente, a importação proveniente dos países de moeda forte.
O movimento dos financiamentos concedidos pela carteira havia sido, em 1947, de
Cr$ 737.416.000,00 (realizados), Cr$ 758.243.000,00 (liquidados) e Cr$ 248.640.000,00
(títulos existentes em 31 de dezembro). Em 1948, as operações tomaram notável im-
pulso, com a realização de adiantamentos sob contratos de câmbio, financiamentos de
créditos sobre o exterior e empréstimos mediante penhor mercantil. Entre os produtos
com importação financiada destacaram-se veículos, petróleo e derivados, produtos quí-
micos, papel, cobre e máquinas agrícolas. Nesse mesmo ano, ao entrar em vigor a lei
nº 2.062, a carteira passou a exercer a sua atribuição de órgão executor das normas de
controle do comércio exterior.
O ano de 1948 marcou o início do reajustamento da economia nacional, no sen-
tido de um fortalecimento de sua base agrária, sobre a qual se apoiava a indústria ma-
nufatureira. Os agricultores, embora lutando com escassez de mão de obra e outras
dificuldades, conseguiram cultivar área superior em 3,9% à do ano anterior, no total de
16.219.000 hectares, recorrendo cada vez mais ao auxílio das máquinas agrícolas, graças
ao incremento das importações desses instrumentos. Aumentava, também, a importa-
ção de fertilizantes e adubos, com o auxílio da Carteira do Banco do Brasil. Entretanto,
o rendimento por hectare na agricultura continuava baixo. E, embora se mantivesse no
nível do ano anterior, a produção de carne bovina não voltou à normalidade.
Em 1950, registrou-se pequeno crescimento da produção agrícola, com a colheita de
66 milhões de toneladas, contra 63 milhões de 1949. Nos últimos cinco anos, a área culti-
vada ampliou-se, mas o rendimento por hectare manteve-se praticamente estacionário, em
vista do lento avanço da técnica. No grupo das indústrias básicas, o país ainda não conse-
guia suprir senão pequena parcela das necessidades nacionais. A produção de eletricidade,
em 1950, atingiu 7,5 bilhões de quilowatts/hora, com um aumento de 6%, considerado
inexpressivo em face ao acelerado ritmo de crescimento da população e da indústria51.
Voltava à tona o problema da evasão de capitais e mão de obra do campo para os
centros urbanos. A escassez de combustíveis, as dificuldades da navegação e o desgaste
do material ferroviário, reduzindo a capacidade de transporte, reforçavam um paradoxo,
ressaltado na mensagem do presidente da República ao Congresso: “Enquanto em cer-
tas zonas de produção se acumulavam consideráveis estoques de gêneros alimentícios,
nas grandes cidades os cartões de racionamentos e as filas atestavam a insuficiência das
mercadorias colocadas à disposição dos consumidores”52.
51. Relatórios apresentados à Assembleia dos Acionistas pelo presidente do Banco do Brasil, em 30 de abril de 1948, p.
42 e 46; em 29 de abril de 1949, p. 4, 5 e 19 a 21; em 30 de abril de 1950, p. 36, 38 a 40 e 47; e em 30 de abril de 1951,
p. 19 a 23.
52. Mensagem do presidente da República ao Congresso Nacional, em 15 de março de 1948.

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Para o café, o período de 1946 a 1950 foi de boas negociações. Em 1947, o produ-
to valorizou-se com a expansão do mercado americano e com a reabertura do mercado
europeu. Considerando que os estoques em poder do Departamento Nacional do Café
influíam para a instabilidade do mercado e alimentavam a especulação, o governo au-
torizou a sua venda, executada sob o fogo cruzado das críticas, especialmente dos pro-
dutores. Tudo isso refletiu na posição estatística do mercado. O valor médio da saca de
café, que, em 1946, manteve-se em Cr$ 415, em 1947, subiu para Cr$ 523 e, em 1948,
baixou para Cr$ 516, aumentado, em 1949, para Cr$ 599 até disparar, em setembro de
1950, para Cr$ 1.041.
Em 1949, além de atuar como agente financeiro da União para o recolhimento
das receitas, aberturas de créditos e movimentos de fundos por todo o território na-
cional, o Banco já exercia as seguintes atribuições, delegadas pelo governo: execução
e controle das operações de câmbio em todo o país; controle das exportações e impor-
tações, mediante serviço de licença-prévia; operações de redesconto bancário; agente
financeiro da Caixa de Mobilização Bancária; fiscalização bancária sobre operações de
câmbio; controle e liquidação de bens de súditos de países que estiveram em guerra
com o Brasil; compra de ouro (20% da produção das minas nacionais); cooperações
especializadas de assistência ao comércio exportador e importador; operações especia-
lizadas de crédito agrícola, pecuário e industrial; operações de defesa de mercados de
produtos agrícolas.
Pra enfrentar os riscos e ônus decorrentes dessas múltiplas tarefas, o Banco pre-
cisou acumular recursos ponderáveis, desde 1945, dentro da concepção de que sua
função não era a de uma simples empresa mercantil, mas se confundia com a do po-
der público53. Críticas não faltavam. Ignorando-se o fato de que o Banco era um mero
executor de planos governamentais, lançavam-se contra a instituição acusações de res-
ponsabilidade pela escassez de numerário, principalmente quando o governo, em suas
fases de austeridade, continha o fluxo das emissões, ou então quando, ao contrário,
ocorria excesso de crédito com efeito inflacionário.
A presidência do Banco estava, desde 22 de novembro de 1945, sendo exercida
por Manoel Guilherme da Silveira Filho, que a ocupava pela segunda vez e permane-
ceu no cargo até 11 de junho de 1949. Em 29 de julho, tomou posse Ovídio Xavier de
Abreu, que já vinha servindo ao Banco como diretor, atuando na presidência até 18 de
dezembro de 1950.
No período de 1947 a 1950 os totais de reservas e lucros foram, respectiva-
mente, os seguintes: 1947 – Cr$ 2.577.815.320,30 e Cr$ 79.537.162,60; 1948 – Cr$
2.701.212.073,10 e Cr$ 108.421.480,80; 1949 - Cr$ 2.793.688.747,70 e Cr$ 77.612.297,10;
1950 – Cr$ 2.958.262.479,50 e Cr$ 85.180.590,20. Pagou-se aos acionistas, no mesmo
período, o dividendo na base de 20% sobre o capital de Cr$ 100.000.000,00.
As cotações em Bolsa, das ações do Banco do Brasil, oscilavam nessa época acima
do nível de Cr$ 500, enquanto o valor nominal continuava em Cr$ 200. Em 1950, a

53. Relatório apresentado pelo presidente do Banco do Brasil à Assembleia dos Acionistas, em 27 de abril de 1950, p.
24 e 25.

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cotação média chegou a Cr$ 529. O número de funcionários aumentou, em 1947, para
10.536, chegando a 12.405, em 1950. Em 1948, três caixas já estavam em atividade,
para conceder aos funcionários benefícios, empréstimos, assistência e previdência. O
Banco continuava crescendo e já contava, nesse ano, com 279 agências.
As operações da Carteira de Crédito Geral registraram aumentos regulares, de
ano a ano. Em 1947, por exemplo, o saldo médio chegou a Cr$ 9.924 milhões, e o
conjunto dos empréstimos, em 1949, chegou a Cr$ 30.519 milhões de saldo médio. Na
área da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial, permanecia o problema dos recursos
para as aplicações, e as operações dependiam de redescontos e de cobertura da caixa
geral do Banco. Os recursos provenientes dos bônus agrícolas somente cobriam parte
das aplicações totais da carteira.
O governo concluiu, em fins de 1948, que as medidas de restrição adotadas a
partir de 1946 para conter a expansão dos meios monetários estavam dificultando o
crescimento da área rural, conforme relatório do ministro da Fazenda ao presidente
da República, relativo ao exercício de 1949. Para apoiar o crédito rural aprovou-se a
lei nº 482, de 12 de novembro de 1948, autorizando o Poder Executivo a contratar
com o Banco do Brasil, por intermédio da carteira, o financiamento agrícola das en-
tressafras. Manteve-se, ainda, o regime de preços mínimos para o financiamento ou
aquisição de cereais e outros gêneros de primeira necessidade da produção nacional,
nas safras de 1948 e 1951.
O crédito industrial concedido pela carteira expandiu-se nos anos de 1947 a 1950,
de Cr$ 205.373.000,00 para Cr$ 905.590.000,00. Em 1949, o Banco liberou créditos
vultosos para financiar o desenvolvimento do país. Foram, assim, distribuídos recursos
para o reaparelhamento do parque açucareiro nacional; aquisição de combustíveis, ma-
térias e equipamentos destinados a ferrovias; obras rodoviárias, inclusive da estrada de
rodagem do Rio a São Paulo; obras constantes do plano aprovado pelo governo federal
a cargo da Companhia de Carris, Luz e Força do Rio de Janeiro; melhoramentos no
porto de Santos; importação de equipamentos industriais e de navios e instalação de
refinaria de petróleo.
Apesar da criação, em 1945, da Superintendência da Moeda e do Crédito, cres-
cia, no início do governo Dutra, a ideia de criação do Banco Central. Argumentava o
ministro da Fazenda, Correia e Castro, que, apesar do funcionamento satisfatório da
Superintendência, o sistema bancário precisava se aparelhar mais eficientemente para
acompanhar o processo de desenvolvimento e transformação da economia do país.
O governo elaborou, então, um projeto, encaminhado, em 1947, ao Congresso
Nacional, que propunha a criação, como órgão de cúpula, do Conselho Monetário, e
apontava para a necessidade de implantação, não apenas do Banco Central, como tam-
bém de um Banco Rural e Hipotecário e outros de Exportação e Importação Industrial
e Investimentos. Dentro do sistema proposto, o Banco do Brasil figuraria como institu-
to especial de depósitos e descontos.
Já havia sido criada, à época, junto à Superintendência da Moeda e do Crédito, a
Caixa Hipotecária de Liquidação, destinada a ampliar os estabelecimentos de crédito,

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promovendo condições favoráveis à liquidação de créditos bancários a longo prazo,


aplicados na compra de bens e imóveis urbanos até 31 de dezembro de 1945. Essa
instituição, que se extinguiu automaticamente com o resgate da última operação, tinha
a faculdade de emitir cédulas hipotecárias com a garantia específica do imóvel corres-
pondente, transferíveis por simples endosso, aceitas pelo valor nominal em operações
com a Caixa de Mobilização Bancária.
Em 1949, o presidente da República insistiu, em nova mensagem ao Congresso
Nacional, que a reforma bancária era uma exigência inadiável e que o seu objetivo era
realmente o de facilitar o crédito a todas as atividades econômicas, por intermédio de
vários bancos especializados, cabendo ao Banco Central o poder de conter a tendência
inflacionária. A essa altura o projeto arrastava-se, por quase dois anos, em vagarosas
apreciações na Câmara dos Deputados. A complexidade e imperfeição da proposta
governamental e o excesso na criação de novos bancos eram alguns dos pontos mais
criticados do projeto. O economista Eugênio Gudin, por exemplo, em conferência pro-
nunciada em São Paulo, a 23 de abril de 1950, advertiu:

“Como será possível ao Banco Central regular a quantidade de meios de paga-


mento se o governo parece não poder viver sem emitir cerca de um milhão de
contos, em média, por ano? Em 20 anos, de 1930 a 1950, 20 milhões de contos
foram emitidos. O primeiro dever do Banco Central seria o de estancar quais-
quer novas emissões. Teríamos, pois, de início, a colisão entre o governo e o
Banco Central.”

Gudin previu, ainda, que o Banco Central seria desmoralizado de início, obri-
gado a emitir para o governo54. O projeto foi finalmente adiado, mas as discussões
levantaram, entre os acionistas, preocupação com os prejuízos que a reforma pudesse
acarretar ao Banco do Brasil. O presidente do Banco, Manoel Guilherme da Silveira Fi-
lho, explicou, na ocasião, que a criação do Banco Central não podia, de nenhum modo,
concorrer para o enfraquecimento do Banco do Brasil, uma instituição centenária, com
relevantes serviços prestados à nação. “Enfraquecer o Banco do Brasil”, advertiu, “se-
ria enfraquecer o próprio Brasil”. Ele esclareceu, também, que os órgãos que o Banco
poderia perder com a criação do Banco Central, como a Carteira de Redescontos, a
Caixa de Mobilização Bancária, a Carteira de Câmbio, a Carteira de Exportação e Im-
portação e a Superintendência da Moeda e do Crédito, não eram fontes decisivas de
lucros e, além do mais, vinham onerando o estabelecimento.
Segundo os relatórios do Banco, no ano de 1948, acentuou-se o movimento de
redescontos, que se elevou a Cr$ 6.618 milhões. Em 1949, atingiram o valor de Cr$
10.490 milhões. A mesma progressão continuou, em 1950, quando ao valor subiu a Cr$
16.876 milhões. A Caixa de Mobilização operava em linha paralela com a Carteira de
Redescontos, com a diferença de que podia operar a longo prazo e, a segunda, somente
a curto prazo.

54. Jornal do Commercio, edição de 23 de abril de 1950.

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O governo do general Eurico Gaspar Dutra chegou ao fim sem ter conseguido
manter uma linha firme e coerente de ação em prol do saneamento financeiro. Mas
concorreu para a restauração democrática e disseminou os benefícios de investimentos
governamentais pelo interior do país, quebrando a linha de prosperidade que os dirigia
maciçamente para os grandes centros. E adotou medidas de planejamento, como o lan-
çamento do plano “Salte”, que previa investimento nos setores de saúde, alimentação,
transporte e energia.
Parecer da Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados, em 27 de julho
de 1950, assinalou que os números comprovavam a crise nas finanças e na economia
nacional. A moeda continuava a se desvalorizar cada vez mais, a dívida flutuante, o
índice do custo de vida e as despesas públicas cresciam de ano para ano, os impostos
ultrapassavam as possibilidades da população, a produção não supria as necessidades
do consumo, a política cambial se mantinha em estado de crise permanente e os títulos
do governo caíam de valor exercício para exercício.
No plano político, o país mantinha obstinada fidelidade à figura carismática do
ditador deposto, em 1945. Durante o processo de escolha do sucessor de Dutra, a opo-
sição udenista lançou novamente a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes. O PSD,
partido do presidente, acabou indicando o mineiro, pouco conhecido e sem liderança,
Cristiano Machado. Enquanto isso Getúlio Vargas, retornando de seu exílio nas fron-
teiras do Sul, revitalizou sua aliança com o líder paulista Adhemar de Barros e foi nova-
mente eleito presidente da República.
Apoiado no voto de quase metade dos eleitores, Getúlio Vargas tomou posse em
31 de janeiro de 1951 e iniciou um governo conturbado, interrompido de forma trágica
três anos depois. Uma forte campanha oposicionista, que se desencadeou na imprensa
e envolveu amplos setores das Forças Armadas, foi desenvolvida contra a pessoa de
Vargas, atingindo acusações, inclusive, de homicídio e corrupção. Sem apoio militar e
na iminência de deposição, Vargas cometeu suicídio dia 24 de agosto de 1954 e a pre-
sidência foi ocupada pelo vice, Café Filho. Seu curto período de governo destacou-se
pelas iniciativas de criação do Banco do Nordeste, da Petrobras e da Carteira de Colo-
nização do Banco do Brasil.
A campanha oposicionista chegou também ao Banco do Brasil, cujo presidente
era, na época, o industrial Ricardo Jafet. Os deputados José Monteiro de Castro, Bilac
Pinto, Aliomar Baleeiro e José Bonifácio, acionistas do estabelecimento, acusaram a
administração do Banco de praticar graves irregularidades e negar informações a res-
peito de vultosos empréstimos, concedidos, por motivos políticos, a pessoas físicas e
jurídicas. Mencionaram, também, a recusa de remessa de um inquérito para apurar
irregularidades ocorridas no Banco. E exigiram a divulgação de informações preci-
sas sobre os negócios das empresas pertencentes ao grupo do presidente Jafet com
o Banco. Em janeiro de 1953, Ricardo Jafet deixou a presidência, substituído pelo
general Anápio Gomes.
Pela presidência do Banco passaram, por curtos períodos, Marcos de Sousa Dan-
tas (18.08.1953 a 06.09.1954), Clemente Mariani Bittencourt (06.09.1954 a 14.04.1955),

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Alcides da Costa Vidigal (14.04.1955 a 15.10.1955), Artur Ferreira dos Santos, interino
(15.10.1955 a 17.11.1955) e Antônio Maria Caldeira Brant, interino (17.11 a 16.12.1955).
Reconhecia-se ao Banco, nessa época, o papel de poderoso agente impulsionador do
progresso nacional, agindo em íntima conexão com a política econômico-financeira do
governo e garantindo ao país os recursos necessários para o desenvolvimento.
Em 1955, Café Filho adoeceu e foi substituído pelo presidente da Câmara dos
Deputados, Carlos Luz. Em 3 de outubro, a população elegeu presidente da Repúbli-
ca, por maioria relativa, Juscelino Kubitschek de Oliveira e, para vice, João Goulart.
Em novembro, o governo, sob influência da UDN, derrotada na eleição presidencial
ao sustentar a candidatura do general Juarez Távora, articulou um golpe de Estado para
impedir a posse de Juscelino.
Com a interferência do ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott,
no entanto, o golpe foi dominado e o presidente Carlos Luz, ministros e colabora-
dores deixaram o Catete e embarcaram no cruzador Tamandaré rumo a Santos. A
Câmara dos Deputados reuniu-se e decretou o impedimento do presidente que se
ausentava, dando posse a Nereu Ramos, presidente do Senado. Do mesmo modo foi
declarado o impedimento de Café Filho, quando, restabelecido, tentar reassumir a
Presidência da República.
Sem choque armado e sem derramamento de sangue, garantiu-se a posse de
Juscelino Kubitschek de Oliveira, no dia 31 de janeiro de 1956. Foi nomeado, então,
para a presidência do Banco do Brasil, Sebastião Paes de Almeida. Em seu primeiro
relatório, apresentado à Assembleia dos Acionistas, em 25 de abril de 1956, o novo
presidente declarou que o quadro da economia brasileira, no fim daquele ano, foi do-
minado por duas ocorrências de efeitos depressivos: a redução, em valor, do comércio
internacional, e a permanência da pressão inflacionária.
Para a queda do intercâmbio brasileiro com o exterior concorreram, de um lado,
as exportações, reduzidas, em 1955, em quase US$ 140 milhões e, de outro, as im-
portações, que caíram cerca de US$ 330 milhões. Apontou-se como causa da queda
das exportações a baixa dos preços do café e do cacau, que não pôde ser compensada
pelo substancial aumento de vendas do principal produtor e de outros de importância
secundária. Nessa época o Banco do Brasil financiava, por intermédio da Carteira de
Crédito Agrícola e Industrial, as produções de algodão, agave, arroz, borracha, café,
cana-de-açúcar, cacau, cera de carnaúba, juta e trigo, além de apoiar também os peque-
nos produtores e a pecuária.
De acordo com parecer do Conselho Fiscal do Banco, em 22 de março de 1956,
relativo ao exercício de 1955, em todos os setores e atividades do Banco assinalou-se,
nesse período, desenvolvimento digno de realce, quer pelo aperfeiçoamento dos servi-
ços, quer pelo incremento dos negócios, que correspondiam às reais conveniências da
economia nacional. Registrou-se, também, expansão na safra nacional de algodão, além
de sensível melhoria na posição do café, em confronto com o exercício precedente.
O Banco, em 1957, continuava cumprindo sua dupla missão de assistir financei-
ramente o poder público e apoiar as atividades privadas, mas mantendo os crescentes

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empréstimos ao setor particular sob critério de rigorosa seleção. Em 31 de dezembro


desse ano, já possuía 21.604 funcionários. Em 1959, ativaram-se as providências para
construção da sede e de apartamentos funcionais em Brasília. A Assembleia Geral dos
Acionistas decidiu transferir a sede para a capital federal, prevendo que, em 21 de abril,
já estariam ali funcionando a Agência Central e uma agência na Asa Sul.
Sebastião Paes de Almeida foi nomeado ministro da Fazenda, em 1959, e deixou
a presidência do Banco, substituído por Maurício Chagas Bicalho. O Banco, que já
tinha instalado 435 agências no território nacional e duas no exterior – Montevidéu e
Assunção -, criou nesse ano mais 16 agências no interior e duas no exterior, em Buenos
Aires e La Paz. No ano seguinte, substituindo Maurício Chagas Bicalho, Carlos Cardo-
so presidiu o Banco, de 1º de junho de 1960 a 31 de janeiro de 1961.
O governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira promoveu o desenvolvimento,
a consolidação da ordem democrática e a mudança da capital. Em ritmo acelerado,
construiu-se grande parte de Brasília, ali estabelecendo-se os três poderes da União.
Inaugurada em 21 de abril de 1960, Brasília recebeu, no ano seguinte, o novo presi-
dente da República, Jânio Quadros, e o vice, João Goulart. A posse realizou-se em 31
de janeiro de 1961. Para a presidência do Banco do Brasil foi indicado João Batista
Leopoldo Figueiredo.
O governo de Jânio não completou sete meses. Em 25 de agosto, ele renunciou,
deixando o país submerso numa crise política marcada pela recusa dos militares em
permitir a posse de João Goulart. Após longas negociações, foi feito um acordo paci-
ficador, que resultou na instauração do regime parlamentarista, como garantia para a
posse de João Goulart, que assumiu uma Presidência despojada de grande parte de
seus poderes.
A nova direção do Banco, encabeçada por Ney Neves Galvão, já no governo de
João Goulart, anunciou que mantinha como objetivo contribuir, no âmbito da compe-
tência da instituição, para a restauração do clima de tranquilidade, tão necessário ao
desenvolvimento das atividades econômicas e financeiras. Foram adotadas medidas
de incentivo ao mercado interno, traduzidas nos financiamentos das vendas, no país,
de equipamentos de produção nacional. E, segundo a diretoria, para melhor atender
à distribuição do crédito rural, foi instituído o sistema de agências bancárias volantes,
para apoiar, de forma mais efetiva, os pequenos e médios produtores.

186
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187
Capítulo 14
Foto: Acervo Arquivo Histórico do Banco do Brasil
A reforma bancária de 1964

O logotipo atual do Banco do Brasil foi escolhido em 1968 por meio de concurso
e que passaria por pequenas modificações ao longo do tempo.
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Marcada pela reforma bancária, finalmente aprovada, em 1965, após tramitar


durante 18 anos no Congresso Nacional, a década de 1960 registrou a aprovação de
novas medidas que contribuíram para ampliar o volume de aplicações do Banco, como
o decreto nº 50.411, de 5 de abril de 1961, que fixou os preços mínimos para o finan-
ciamento ou aquisição de cereais e outros gêneros de produção nacional, visando ao
abastecimento interno e a formação de excedentes exportáveis em bases competitivas.
O lucro líquido do Banco chegou, então, a cerca de Cr$ 3,8 bilhões, superior em torno
de Cr$ 2 bilhões ao do exercício anterior.
Foi dada ênfase às atividades rurais, como comprovam os empréstimos concedi-
dos, em 1962, que atingiram 11% dos 3,3 milhões de estabelecimentos agropecuários
recenseados no país, ao passo que no período anterior não ultrapassaram 7%. Houve
preocupação de disseminar o crédito entre pequenos e médios produtores, pois 90%
dos contratos se enquadraram na faixa de até Cr$ 1 milhão. O Banco canalizou maiores
recursos para o Nordeste e Centro-Oeste, visando atenuar os desequilíbrios regionais.
Em 1963, o número de funcionários do Banco chegou a 33.549. Nesse ano, o
presidente João Goulart já governava com poderes presidencialistas, recuperados após
o plebiscito realizado em janeiro de 1963, quando a população optou pela extinção do
parlamentarismo. O país sofria os efeitos do crescimento da inflação e do desequilíbrio
econômico. Agitações estudantis e operárias, revoltas militares e invasões de terra eclo-
diam pelo território nacional e o governo, sem demonstrar autoridade, não exercia uma
eficiente ação repressora.
Em nota reservada aos colegas de farda, o chefe do Estado-Maior do Exército,
general Humberto de Alencar Castello Branco, advertiu que as instituições estavam
ameaçadas e declarou que era necessário manter todos prontos para a defesa da lega-
lidade e dos poderes constitucionais. Temia-se, então, a implantação de uma espécie
de república sindicalista autoritária. As conspirações contra o governo João Goulart
culminaram no golpe militar de 31 de março de 1964, marcado pelo deslocamento das
tropas do Exército de Minas Gerais e Rio de Janeiro e na adesão da maioria das forças
militares. Sentindo-se sem condições de resistir, João Goulart seguiu para o Rio Gran-
de do Sul e se exilou no Uruguai.
O Congresso Nacional, declarando vaga a Presidência da República, deu posse
a Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara dos Deputados, e em seguida elegeu presi-
dente o general Humberto de Alencar Castello Branco, que levou para a presidência do
Banco do Brasil, Luiz de Moraes Barros. O relatório do Banco relativo ao ano de 1964
assim descreveu a situação deixada pelo governo João Goulart:

“Ao assumir a direção dos destinos do país, em 1º de abril de 1964, o governo revo-
lucionário defrontou-se com perspectivas sombrias quanto à situação econômico-
financeira. Depois de registrados aumentos de 55% e 81%, em 1962 e 1963, no
primeiro trimestre de 1964 os preços haviam-se elevado em 25%, admitindo-se
que, em face da sua aceleração, a taxa de inflação pudesse alcançar cerca de 150%
ao final do ano. Cumpria, portanto, adotar programa de contenção do processo

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inflacionário, no sentido de corrigir a contínua deterioração do poder aquisitivo da


moeda e as consequentes distorções na economia.”

O governo militar anunciou que a sua política financeira visaria perseguir, entre
outros, os seguintes objetivos: combate à inflação, retomada do ritmo de desenvol-
vimento econômico do país e regularização da dívida externa. O combate à inflação
seria executado de forma progressiva, por se considerar que uma ação drástica poderia
acarretar consequências imprevisíveis sobre o ritmo do desenvolvimento econômico,
podendo prejudicá-lo.
Em 1965, foi, finalmente, sancionada a lei nº 4.595, que implantou a reforma
bancária. Estabelecendo a política para as instituições monetárias, bancárias e credi-
tícias, incluindo cooperativas e bolsas de valores, a reforma bancária criou o Conselho
Monetário Nacional, em substituição ao Conselho da Superintendência da Moeda e do
Crédito. A função do novo órgão era reger a política monetária do país, a níveis inter-
no e externo, tendo em vista o desenvolvimento harmônico da economia nacional e a
prevenção dos surtos inflacionários ou deflacionários. A lei 4.595 extinguiu, também, a
Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), transformando-a em autarquia, sob
a denominação de Banco Central da República do Brasil, que incorporou a Carteira de
Redescontos e a Caixa de Mobilização Bancária do Banco do Brasil, além de assumir
algumas funções controladoras antes atribuídas à Carteira de Câmbio. O novo órgão te-
ria ampla competência sobre a atividade econômica nacional, destacando-se a emissão
de papel-moeda, execução dos serviços do meio circulante, recebimento de depósitos
compulsórios, operações de redesconto, depósitos das reservas internacionais do país,
controle de capitais estrangeiros e de crédito, sob todas as formas.
A nova lei conceituou o Banco do Brasil como “instrumento de execução da
política creditícia e financeira do governo federal”. Ao Banco, na qualidade de agente
financeiro do Tesouro Nacional, couberam as seguintes funções: receber, a crédito do
Tesouro, as importâncias provenientes da arrecadação de tributos ou rendas federais
e o produto das operações ligadas à colocação de obrigações, apólices ou letras do Te-
souro Nacional; realizar os pagamentos e suprimentos necessários à execução do Orça-
mento Geral da União e leis complementares, de conformidade com as autorizações do
Ministério da Fazenda, as quais não poderia exceder o nível global dos recursos a ele
recolhidos, sendo vedada ao estabelecimento a concessão de créditos de qualquer na-
tureza ao Tesouro. Cumpria-lhe, ainda: conceder aval, fiança e outras garantias, conso-
ante expressa autorização legal; adquirir e financiar estoques de produção exportável;
executar a política de preços mínimos dos produtos agropecuários, ser agente pagador
e recebedor fora do país; executar o serviço da dívida pública consolidada.
Em virtude das novas disposições legais, o Banco do Brasil deixou de realizar as
operações de redesconto e o financiamento das necessidades de caixa do Tesouro Na-
cional. Foram transferidos para o Banco Central o controle e regularização do mercado
do câmbio, as operações com os outros bancos, a fiscalização destes e as ações concer-
nentes às relações do governo com os organismos estrangeiros ou internacionais. As

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atividades desenvolvidas através da Carteira de Crédito Geral e da Carteira de Crédito


Agrícola e Industrial não sofreram alteração de qualquer espécie.
Com a reforma bancária coube ao Conselho Monetário Nacional – órgão de na-
tureza colegiada, encarregado da supervisão de todo o Sistema Financeiro Nacional e
no qual o Banco do Brasil estaria presente na pessoa do seu presidente – assegurar os
recursos que passaram à responsabilidade do Banco Central, mas estivessem, na entra-
da da vigência da lei, em poder do Banco do Brasil, nele permaneceriam escriturados
como um suprimento especial propiciado pelo Conselho.
O Banco teve assegurada também a prerrogativa de ser o depositário exclusi-
vo das entidades públicas federais, em geral, e a sua capacidade de captar depósitos
voluntários do público, limitada apenas pela livre concorrência com os demais esta-
belecimentos congêneres. Assim, não teve reduzida sua importância como instituto
de crédito, permanecendo como o maior do país, misto de banco comercial, rural, de
fomento e de exportação.
O Banco colaborou com diversos setores da administração pública, cedendo
1.317 funcionários a outros órgãos, dos quais 1.054 ao Banco Central e 59 à Presidência
da República. Naquele ano, seu lucro líquido elevou-se a Cr$ 91,9 milhões e foi 90%
superior ao do ano anterior. A pronta capacidade de execução das instruções de deli-
berações das autoridades monetárias conferia-lhe posição de destaque no conjunto da
rede bancária.
Em março de 1967, o general Arthur da Costa e Silva assumiu a Presidência da
República e, no dia 20 do mesmo mês, Nestor Jost tomou posse no Banco do Brasil. Logo
no início do seu governo, Costa e Silva anunciou o propósito de prosseguir no combate
gradual à inflação sem restringir o ritmo de desenvolvimento econômico, preconizando,
entre outras medidas, o incentivo creditício com vistas ao fomento da produção.
Cresceram, no Banco do Brasil, os depósitos voluntários do público e a sua con-
tribuição ao financiamento do setor primário da economia. O Banco alcançou expres-
sivo índice de produtividade, revelado pela expansão de suas atividades, sem precisar
aumentar, em escala equivalente, o seu quadro de pessoal. Entraram, em 1967, apenas
758 servidores, contra 3.293 do último triênio. Contribuíram, além da reforma adminis-
trativa, a racionalização e mecanização de serviços e intenso programa de capacitação e
especialização de pessoal.
O lucro líquido atingiu Cr$ 163 milhões, acusando um acréscimo nominal de
39% sobre os resultados de 1966. Ampliou-se, também, a colaboração do Banco com
o governo, na execução de serviços de interesse do Banco Central, Eletrobrás, Banco
Nacional de Habitação, Comissão de Marinha Mercante, Empresa Brasileira de Turis-
mo e outros.
Até então o Banco instalara poucas agências no exterior. A gestão Nestor Jost
inaugurou uma nova orientação ao lançar o Banco, com maior impulso, no plano inter-
nacional, dando prioridade à abertura de agências na América Latina, a começar, em
fevereiro de 1967, pela filial de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia. Realizaram-se ne-

192
H ist ó r i a d o B a nc o d o B r a s i l

gociações com as autoridades peruanas para instalação de agências em Lima. Cogitou-


se, também, a criação de filiais ou escritórios nas cidades do México, Bogotá, Caracas e
Quito, e autorizou-se a abertura de filial em Nova Iorque, sob a justificativa de serem
os Estados Unidos o país onde se concentrava o maior volume do intercâmbio comer-
cial e financeiro do Brasil com o exterior.
A expansão da economia brasileira em 7% foi considerada sinal de franca retoma-
da do desenvolvimento. A indústria nacional cresceu a uma taxa aproximada de 15%,
a mais alta registrada nos últimos dez anos. Houve aumento recorde das exportações,
sensível melhoria nas finanças públicas, ampliação na oferta de emprego, reativação de
negócios nos mercados comerciais e financeiros. O governo não poupou investimentos
públicos em transportes, comunicações, educação, saúde e habitação.
A reestruturação administrativa, iniciada em 1967, acompanhada de intensiva
modernização de equipamentos e da adoção de técnicas e métodos para a racionali-
zação progressiva dos serviços, imprimiu nova feição ao Banco do Brasil. Tornaram-se
possíveis o melhor atendimento ao público, a captação de recursos em ritmo crescente
e maior expansão operacional, sem aumentar as despesas, registrando-se, ao contrário,
reversão de resultados em bom número de agências até então deficitárias.
Em 1968, o lucro líquido do Banco do Brasil atingiu Cr$ 156,5 milhões, registran-
do, sobre o ano anterior, um acréscimo nominal de 57,3% (25% em termos reais). Em
1969, o Produto Interno Bruto cresceu 8%, elevando em 5% a renda per capita nacional.
Visando o aperfeiçoamento do pessoal, foram ministrados 114 cursos, com a participa-
ção de 3.370 funcionários, destacando-se o Curso Intensivo para Administradores. Os
relatórios de 1970 mostravam que o Banco havia cumprido, no quatriênio da presidên-
cia de Nestor Jost, uma trajetória de avanços em todos os sentidos.
A presença do Banco consolidou-se no exterior, com a inauguração da agência
de Hamburgo e o início de funcionamento dos escritórios do México, Londres e
Tóquio. Foram iniciados gestores para a instalação de filial em Paris e estudos sobre
a agência de Milão. Em 1971, já se somavam 975 agências no território nacional e
14 no exterior. O Banco associou-se a quatro instituições financeiras de prestígio
internacional e criou em Londres o European Brazilian Bank Ltd., nova e importante
empresa de investimentos.
Nas aplicações de capitais no exterior, registrou-se aumento global de 483%, cor-
respondentes à evolução de Cr$ 112,1 milhões em dezembro de 1970, para Cr$ 654,3
milhões em dezembro de 1971. Na captação de depósito o crescimento foi mais signifi-
cativo ainda: 837% no mesmo período, equivalente, em números absolutos, à elevação
de Cr$ 72,1 para Cr$ 676,2 milhões. O lucro de Cr$ 8 milhões representou aumento de
69% em relação ao resultado de 1970.
Para elevar o padrão alimentar dos brasileiros e ampliar a participação nos mer-
cados mundiais, o Banco promoveu financiamentos para o café, cana-de-açúcar, soja,
algodão, arroz, carne, cacau, mamona, amendoim, pimenta, laranja e fumo. Associou-se
a outros organismos, objetivando também maior produção e produtividade do trigo,
milho, feijão e outros cereais, batata, mandioca, frutas tropicais e de clima temperado,

193
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bem como de flores, legumes e hortaliças. Apesar de 1972 ter sido um ano desfavorável
à atividade agrícola, o produto nacional manteve ritmo de crescimento acelerado, com
índice superior, a 10% graças ao dinâmico desempenho dos setores pecuário, mineral e
de serviços. O lucro líquido foi de Cr$ 829 milhões, superior em 35% ao de 1971.
Em 1973, Nestor Jost relatou que sua gestão coincidiu com o período em que
ocorreu a mais profunda e acelerada transformação da história econômica do Brasil, “o
que levou o estabelecimento a constantes revisões das normas operacionais e à perma-
nente atualização de sua estrutura administrativa, para atender com segurança e pres-
teza às exigências da nação, que requeriam soma cada vez mais ponderável de recursos
financeiros para as iniciativas que se multiplicavam em todos os setores”.
Segundo Jost, a expansão do Banco além-fronteiras, correspondendo a objeti-
vos superiores da política de desenvolvimento, tinha assegurado a presença do Brasil
nos maiores centros financeiros do mundo e “evoluía no sentido de consolidar nossa
capacidade de negociação nos mercados internacionais, para que não mais fosse mero
espectador dos grandes acontecimentos mundiais”.
O Banco do Brasil participava, então, das seguintes entidades internacionais,
associado aos maiores bancos do mundo: Eurobraz (European Brazilian Bank P.I.C.)
– Londres, Cia. Arabe et Internationale D’Ivestissement – Luxemburgo, Banque Arabe et
internationale D’Investissemente – Paris e Brazilian American Merchant Bank (de exclusivo
capital do Banco do Brasil), em Grand Cayman.
No Brasil, o Banco popularizou-se ao modernizar e adotar o cheque-ouro, que
representou um grande avanço, os caixas executivos, em que foi pioneiro, e um novo e
moderno logotipo, escolhido por concurso público, que teve mais de 400 concorrentes.
Preparou também funcionários, com especializações a nível de mestrado nos Estados
Unidos e estágios nas agências no exterior, para aproveitamento em setores especiali-
zados. A política de desenvolvimento dos recursos humanos resultou, em cinco anos,
em 20.709 funcionários treinados no sistema próprio do Banco e instituições escolares
do país; e 178 qualificados em universidades estrangeiras.
Em 15 de março de 1974, Ernesto Geisel, eleito por voto indireto, assumiu a
Presidência da República e trouxe para a presidência do Banco do Brasil, Ângelo Cal-
mon de Sá. A crise provocada pela primeira grande escalada dos preços do petróleo
alastrava-se pelo mundo e afetava a posição econômica do Brasil. A taxa de inflação foi
bem superior à de anos anteriores. Para combatê-la e estimular as atividades produtivas
praticou-se amplamente a política de crédito seletivo.
O relatório relativo ao ano de 1975 observava que até os países desenvolvidos
tiveram suas receitas comprometidas com a crise mundial de energia. O Brasil, que
vinha crescendo em ritmo acelerado – com elevada demanda de importação e níveis
ainda não satisfatórios de exportação -, não permaneceu incólume. Seu problema maior
era o balanço de pagamentos. A retomada do processo de incentivo às exportações e
desestímulo à importação e a abertura para os contratos de risco para prospecção de pe-
tróleo representavam parte do esforço despendido pelas autoridades para amenizar os
efeitos da crise. A economia cresceu 4,2%. O Banco já estava presente, então, nos cinco

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continentes, com a criação de escritórios de representação em Sydney, na Austrália, e


Lagos, na Nigéria.
Apesar da crise econômica, em 1976, registraram-se alguns indicadores favorá-
veis: o PIB cresceu 8,8%, a indústria 11%, as reservas cambiais elevaram-se a US$
6,47 bilhões e o déficit da balança comercial não ultrapassou US$ 2,2 bilhões, número
satisfatório se comparado com os US$ 4,7 bilhões de 1974 e os US$ 214,115 milhões,
equivalentes a 96,6% do total dos empréstimos do Banco. O Banco dispensou maior
atenção à agropecuária, destinando-lhe, em 1976, Cr$ 114.201,5 milhões.
Como sempre, o Banco prestou especial assistência financeira aos produtores ru-
rais do Norte e Nordeste, que tiveram suas atividades comprometidas por estiagens e
enchentes. Manteve-se a meta de abrir agências nas regiões mais carentes, contribuin-
do para um processo de integração nacional; assim, 92% das agências estavam locali-
zadas em cidades do interior. No exterior, além de associar-se em empreendimentos
diversos, a grandes banqueiros, elevou para 36 unidades o número de agências. Em
1977, o Conselho de Administração do Banco aprovou a transformação das suas ações
em ações sem valor nominal.
Em fevereiro de 1977, assumiu a presidência Karlos Rischbieter, que sugeriu,
no ano seguinte, a criação de Postos Avançados de Crédito Rural, unidades de custo
administrativo reduzido, aptas a amparar o pequeno produtor e dar-lhe orientação téc-
nica e comercial. A meta era instalar em pouco tempo 500 desses postos. As pequenas e
médias empresas sempre representaram prioridade para o Banco, pela sua importância
para o equilíbrio e estabilidade da economia nacional, já que permitem larga absorção
de mão de obra e contribuem para a desconcentração industrial e a redução de dese-
quilíbrio regionais.
O Banco ampliou o apoio à pesquisa tecnológica e científica, mediante convênio
com universidades, instituições da área e empresas privadas. Rischbieter preocupou-
se, internamente, em desobstruir os canais administrativos, através de maior delegação
de autoridade e da elevação das alçadas decisórias.
Eleito por via indireta, o general João Baptista de Oliveira Figueiredo assumiu
a Presidência da República, em 15 de março de 1979. No dia seguinte, assumiu a pre-
sidência do Banco, Oswaldo Roberto Colin, veterano funcionário da Casa, onde por
vários anos serviu como diretor-administrativo. Naquele período, o recrudescimento
da crise energética desequilibrava a economia. O novo presidente advertiu que 1979
era um ano de inquietações, e o governo, alterando a condução da política econômica,
passou a adotar a estratégia de reversão da tendência inflacionária com a retomada do
crescimento econômico. Sintonizado com a decisão governamental de eleger a agricul-
tura como meta prioritária, o Banco preocupou-se fundamentalmente com o acesso do
mini e do pequeno produtor ao crédito rural.
Com a elevação das taxas de juros, ocorreu retração das indústrias, reduzin-
do-se o nível de emprego. A inflação de três dígitos com que o país passou a se
defrontar no final do ano de 1980 trouxe preocupações. No campo da energia, re-
gistrou-se o desempenho do Pro-álcool – em grande parte financiado pelo Banco

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do Brasil -, que superou todas as metas fixadas para 1980, mostrando ainda amplas
perspectivas para 1981.
Na área internacional, a atuação do Banco contribuiu para a expansão do inter-
câmbio comercial e para a captação, através de empréstimos e lançamento de bônus,
das divisas de que o país necessitava. Só a título de empréstimo, conseguiu levantar
nada menos que US$ 2.206 milhões. Nada seria possível se o Banco não contasse com a
performance da sua rede externa, então com 61 unidades, além de três subsidiárias sob
seu controle. Presente em Viena e inaugurada a dependência de Macau, no Extremo
Oriente, já cogitava a instalação do Banco em Varsóvia.
Em 1981, a escalada das taxas de juros no mercado internacional ainda penaliza-
va fortemente o Brasil e outros países, obrigados a recorrer a recursos externos. Entre-
tanto, foi possível reduzir a inflação a nível de dois algarismos, após 16 meses de resis-
tência. Obteve-se notável desempenho do setor exportador, que cresceu 16%, numa
vigorosa demonstração de força num ano difícil para o comércio mundial. A política de
substituição do combustível importado, particularmente significativa pelo que repre-
sentava em termos de alívio cambial, foi impulsionada com o incremento registrado na
produção interna de petróleo e na incorporação de sucedâneos nacionais.
No relacionamento com o exterior, para onde o Banco se voltou com decidido
empenho, destacaram-se: a atenção especial para com a região do Caribe, onde se inau-
guraram duas novas dependências; ultimação dos estudos para reforçar a posição no
Extremo Oriente, onde logo o Banco contaria com cinco filiais; e a expansão na África,
com a prevista elevação para 12 do número de representações. Criou-se o Banco Bra-
sileiro Iraquiano, primeiro banco binacional integrado ao Banco do Brasil, que via na
experiência forma viável de penetrar seguramente na região.
O Banco caminhava para se transformar em ágil conglomerado internacional.
Em 1982, firmou contrato com a Petrobras para arrendamento de plataformas de
prospecção submarina, no valor aproximado de Cr$ 800 milhões, com reflexos posi-
tivos sobre a balança comercial. Constituiu, para operar especialmente nesse tipo de
negócio, uma subsidiária – a BB-Leasing Company Ltd., sediada em Grand Cayman.
Na África Mediterrânea, abriu dependências no Cairo, Casablanca e Túnis; ao sul
do Saara, em Dakar e Libreville. Inaugurou também o BB-Tours-Voyages Et Touris-
me, empresa sediada em Paris, visando basicamente à ampliação do ainda incipiente
fluxo turístico para o Brasil.
Em meados do mesmo ano, o Banco e o Ministério das Relações Exteriores
celebraram convênio para a implantação do programa Comércio, Desenvolvimento
e Cooperação Internacional, com o objetivo de promover as exportações brasileiras.
Reformulou-se o programa assistencial prestado aos servidores e seus familiares, que
passaram a dispor de Centro de Assistência ao Pessoal – Ceasp, em todas as capitais,
além de postos de assistência em cidades do interior.
O destaque do ano ficou por conta da autorização do Conselho Monetário Nacio-
nal, obtida pelo presidente Oswaldo Colin, para o Banco instalar 1.134 novas agências,
em sua quase totalidade situadas nas mais remotas regiões do Brasil. A participação do

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Banco revelou-se decisiva não apenas na produção de alimentos básicos, como também
no amparo à lavoura canavieira e à produção de borracha, que registrou a maior safra
de todos os tempos. Os recursos do Banco eram, preferencialmente, direcionados às
empresas de menor porte.
Em 1983, como reflexo da crescente racionalização organizacional e de austera
política de gastos, verificou-se o acentuado declínio na relação despesas administra-
tivas/receita total auferida, que, ao logo do último biênio, foi reduzida de 33% para
26,8%. O lucro líquido de Cr$ 489,9 bilhões foi 175,8% superior ao obtido no final do
exercício anterior, de Cr$ 177,6 bilhões.
Na área de serviços, ressaltou-se a expansão do Sistema de Apoio integrado às
Micro, Pequenas e Médias Empresas (Sebrae), que abrangia mais de 13 mil empresas
em todo o país. Destacaram-se, ainda, a consolidação do saque eletrônico, em Brasília,
com adesão de 40 bancos comerciais, já programado para estender-se ao Rio de Janeiro
e São Paulo; a implantação da Compensação Nacional; e as atividades dos fundos es-
peciais instituídos pelo Banco.
De 1983 para 1984, o ativo total subiu em milhões de cruzeiros, de 52.208.379
para 151.017.735; os empréstimos, de 46.103.113 para 128.927.501; os depósitos, de
24.450.951 para 57.820.954; o patrimônio líquido, de 3.280.562 para 12.325.801; o capi-
tal social, e 461.203 para 2.152.967; o lucro líquido, de 489.881 para 1.826.090.
Em 1984, o rígido controle sobre as aplicações possibilitaram a expansão dos
saldos de empréstimos em apenas 130% e a queda real do volume das aplicações não
afetou os padrões de rentabilidade do Banco – situados acima da média da rede bancá-
ria em virtude de austera fiscalização sobre as despesas administrativas. O lucro líquido
atingiu Cr$ 1.226 bilhões, crescendo 272,8% em relação a 1983.
Para democratizar o capital da empresa, o Banco fez a oferta pública de 2,9 bi-
lhões de ações, no montante de Cr$ 174 bilhões, incorporando, em apenas 13 dias, 273
mil novos acionistas. Realizaram-se, naquele ano, os primeiros acordos com os órgãos
classistas dos bancários, inaugurando, no âmbito estatal, forma de aberta negociação
entre empregado e empregador.
Nos seis anos de gestão do presidente Oswaldo Roberto Colin, o Banco instalou
cerca de dois mil postos de atendimento – quase metade no Nordeste. Em 1984, o
Banco já reunia mais de 116 mil servidores em ininterrupto processo de treinamento –
cerca de 3.600 cursos, com 113 mil participantes nos últimos três anos.

197
Capítulo 15
Foto: Acervo Arquivo Histórico do Banco do Brasil
Na era da
ciência e tecnologia

Fachada do prédio do Centro Cultural Banco do Brasil em Brasília,


Distrito Federal.
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A mobilização nacional em torno do restabelecimento das eleições diretas para a


Presidência da República marcou o ano de 1984. Apesar das reivindicações terem se es-
tendido do norte ao sul do país, formando o movimento que se tornou conhecido como
“Diretas Já!”, que envolveu todos os segmentos da população, a proposta de emenda à
Constituição, restabelecendo as eleições diretas em todos os níveis no Brasil, apresen-
tada pelo deputado Dante de Oliveira, foi derrotada no Congresso. Organizou-se, entre
as lideranças políticas, o movimentado “Aliança Democrática”, integrado pelas van-
guardas políticas engajadas no processo de redemocratização do país e do qual brotou
a candidatura à Presidência do governador peemedebista de Minas Gerais, Tancredo
Neves. Para vice foi escolhido o senador maranhense José Sarney, que já havia sido
integrante da UDN, presidente do PDS e acabava de ingressar no PMDB.
Integrada pela maioria dos parlamentares, a Aliança Democrática – apoiada
em massa pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Partido da
Frente Liberal (PFL), por uma dissidência do Partido Democrático Social (PDS) e
por partidos menores, como o Partido Comunista Brasileiro (PCB) -, como se espe-
rava, derrotou por grande margem de votos a chapa do PDS, liderada pelo deputado
Paulo Maluf, na eleição do Colégio Eleitoral, realizada no dia 15 de janeiro de 1985.
Tancredo Neves, no entanto, não chegou a tomar posse. Hospitalizado na véspera
– 14 de março -, sofreu várias intervenções cirúrgicas e faleceu no dia 21 de abril do
mesmo ano, em São Paulo. O vice José Sarney foi, então, empossado na Presidência
da República, de acordo com a Constituição.
O novo governo nomeou o economista Camillo Calazans de Magalhães para a
presidência do Banco do Brasil. Veterano funcionário e diretor da instituição, Calazans
já era conhecido e conceituado como dirigente financeiro e administrativo. Em 12 de
agosto de 1985, durante o Seminário de Administradores do Banco do Brasil, área inter-
nacional, realizado em Brasília, Calazans revelou os danos que a empresa havia sofrido
devido à crise de liquidez internacional que se alastrou a partir de setembro de 1982.
Segundo afirmou, “estreitaram-se os corredores das negociações, restringiram-se ope-
rações financeiras, uma vez que nossas atividades estavam condicionadas pela partici-
pação nos acordos de refinanciamento da dívida externa do Brasil e nos compromissos
assumidos pelo governo com a comunidade financeira internacional”.
Discrepando do frequente estilo otimista dos relatórios internos do Banco, Cala-
zans explicou que, “ao assumir a presidência, logo pôde perceber a predominância de
inquietação onde as dívidas eram muitas e o futuro incerto” e que “o Banco do Brasil
possivelmente encontrava-se no auge do processo de desgaste a que fora submetido ao
longo dos últimos cinco anos”.
Apontou os dados que ilustravam essa inquietação:

“Os nossos ativos representam, em termos reais, cerca de 78% da posição registra-
da, em 1978; o volume de créditos concedidos no ano passado igualava-se, tam-
bém em termos reais, ao valor de 1972; a empresa, que se posicionara durante
vários anos entre os 20 maiores bancos do mundo, passou ao 39º lugar; segundo a

200
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revista The Banker, a prudência e moderação nas decisões da Carteira Internacio-


nal foram insuficientes para evitar que os ativos no exterior baixassem aos níveis
registrados no início desta década, enquanto os depósitos situavam-se em volume
ligeiramente superior ao do final de 1979”.

Ao relatar o primeiro ano de sua gestão, Camillo Calazans enfatizou o trabalho


para recuperar espaço que o Banco perdeu no sistema financeiro e, consequentemen-
te, restaurar a sua capacidade de contribuir, efetivamente, para o desenvolvimento do
país. Na área externa, a sua linha de atuação teve o objetivo de transformar a instituição
em autêntico banco internacional. Houve, assim, mudança de ritmo operacional, em
que a tônica deslocou-se para as operações financeiras e de comércio exterior. Para um
ajuste à nova realidade no mercado mundial, foram desativadas 18 dependências, de
modo que o Banco pudesse concentrar esforços e recursos em áreas prioritárias.
Em sintonia com as diretrizes governamentais e o compromisso maior com a área
social, o Banco procurou ampliar o fomento às atividades produtivas, dentro do obje-
tivo de contribuir para a redução dos descompassos sociais e regionais, sobretudo nas
regiões mais carentes. Deu apoio à produção de alimentos para o mercado interno, à
formação de excedentes exportáveis e a atividades geradoras de maior número de em-
pregos, com ênfase na assistência ao pequeno produtor rural e urbano. Para reduzir o
custo do dinheiro, em duas ocasiões baixou as taxas de juros no desconto de duplicatas,
embora por tradição elas já fossem as mais baixas do mercado.
Os resultados não se fizeram esperar: as aplicações do Banco – depois de muitos
anos – voltaram a apresentar crescimento superior ao da inflação, com expansão real de
19,1% na execução da política de crédito rural; o Banco respondeu sozinho por aplica-
ções equivalentes a 70% dos créditos destinados ao custeio e à comercialização da safra
nacional; a massa de depósitos à vista e a prazo que lhe foi confiada alcançou a expressiva
soma de Cr$ 47,1 trilhões, apresentando crescimento real de 34%; manteve o tradicional
padrão de desempenho, pois o lucro líquido de Cr$ 8,5 trilhões superou em 367,5% o
do exercício anterior, e o patrimônio líquido chegou a Cr$ 45,5 trilhões; a lucratividade
anual, propiciada pelos papéis do Banco nas bolsas de valores, atingiu 900%.
Pretendendo ampliar a sua presença em outros setores, o Banco criou a Fun-
dação Banco do Brasil, passo importante para assegurar apoio financeiro à pesquisa
científica e tecnológica e às iniciativas nas áreas social, cultural, educacional e de ações
comunitárias, a qual absorveu o Fipec, o segundo maior agente financeiro nacional de
fomento àquela pesquisa. Triplicou o número de comunidades assistidas pelo Fundo
de Desenvolvimento Comunitário (Fundec) e, no âmbito das atividades meio, promo-
veu a descentralização do processo decisório e modernizou métodos e equipamentos
de trabalho. As mudanças estenderam-se à Carteira do Comércio Exterior (Cacex),
para torná-la mais eficiente na execução da política de comércio exterior.
O reforço tecnológico na área de informática – que levou o Banco da 9ª para a
1ª posição em capacidade de armazenamento de informações e velocidade de proces-
samento – passou a fornecer o suporte logístico para a automação dos serviços, cujo

201
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produto mais avançado, os terminais de atendimento on-line, integrou-se ao cotidiano


das agências das capitais no final de 1986.
Além de colocar o Banco em posição de vanguarda na corrida rumo ao atendi-
mento mais completo ao cliente, essas modificações constituíram preparação para a
introdução de novas medidas relativas ao seu relacionamento com o Tesouro Nacional
e o Banco Central. Segundo Calazans, esse seria um grande desafio – novos métodos
de trabalho a serem adotados, novas fontes abertas -, mas não significava nada se o
funcionalismo do Banco não tivesse capacidade e competência para enfrentar e ven-
cer, “experimentado e vitorioso que é de tantas lutas travadas em prol da grandeza do
país”. Com o novo ciclo de progresso a ser vivido, acentuou Calazans, “o futuro voltou
a simbolizar a esperança de melhores dias para milhões de brasileiros”.
A partir de março de 1985, o Banco do Brasil começou a inverter a involução que
vinha sofrendo desde 1978. A participação do Banco nos empréstimos ao setor priva-
do, que alcançava 31,3% do total nacional, reduziu-se a 9,7%, em dezembro de 1984,
e atingiu seu nível mais baixo, em março de 1985, com 7,4%. Um ano e meio depois,
porém, a tendência à recuperação já se delineava plenamente, com o Banco do Brasil
respondendo por 15,7% dos empréstimos, índice alcançado em outubro de 1986.
Esse processo sofreu um forte impacto, em 30 de janeiro de 1986, quando o
Conselho Monetário Nacional aprovou o voto nº 045/86, extinguindo a chamada “conta
movimento”. Essa providência já se delineava com a entrada em vigor do Orçamento
Geral da União para 1986, que passava a incluir, como orçamento fiscal, as despesas de
conta do Tesouro Nacional antes realizadas via orçamento monetário.
A proposta para essas alterações, apresentada pelos ministros João Sayad, do Pla-
nejamento, e Dílson Funaro, da Fazenda, assim justificava:

“Diversas medidas têm sido adotadas com vistas a permitir acompanhamento e


controle mais efetivos das finanças públicas, com o objetivo de reduzir o déficit
do governo federal. Em especial, destaca-se por sua importância a unificação or-
çamentária, assim entendida a inclusão no orçamento fiscal de despesas de conta
do Tesouro Nacional anteriormente realizadas através do orçamento monetário.
Tal providência, de grande importância para o disciplinamento pretendido, teve
seus efeitos práticos iniciados, em 1º de janeiro de 1986, com a entrada em vigor
do orçamento geral da União para o corrente exercício.
Deve-se registrar que, a despeito das dúvidas que antecederam a tomada dessa
decisão, o disciplinamento obtido não trouxe qualquer prejuízo à realização das ope-
rações programadas, conforme tem sido demonstrado através dos resultados da exe-
cução orçamentária até o presente momento. Torna-se oportuno, então, prosseguir
com o processo, com vistas a disciplinar as operações reembolsáveis de interesse
do Tesouro Nacional realizadas pelo Banco do Brasil, as quais deixaram de ser in-
cluídas na unificação orçamentária, dada a sua natureza peculiar. Assim, propomos
que todas as operações de crédito de interesse do Tesouro Nacional, realizadas pelo
Banco do Brasil S.A., sejam efetivas mediante suprimentos específicos àquele Ban-
co, sob adequada remuneração, na forma do §1º do art. 19 da lei nº 4.595/64.”

202
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As medidas propostas, que, segundo os ministros, não atingiriam a estrutura do


Banco nem prejudicariam as suas atribuições, facultando, ao contrário, a prática de to-
das as operações próprias das instituições financeiras, observada a legislação em vigor,
eram as seguintes:

a) as emissões e recolhimentos de papel-moeda passarão a ser efetuadas através da


conta das Reservas Bancárias do Banco do Brasil S.A.;
b) a sistemática de nivelamento automático das Reservas Bancárias do Banco do Bra-
sil S.A. à sua exigibilidade de recolhimentos compulsórios estabelecidos através
dos expedientes Coger/Dimco – IV-79/1625-1249, de 22 de novembro de 1979,
do Banco do Brasil S.A., e Deban/Dipla-80/126, de 10 de abril de 1980, do Banco
Central do Brasil, será eliminada;
c) o Banco do Brasil S.A. é autorizado a praticar quaisquer operações ativas, passiva e
acessórias, permitidas às instituições financeiras caracterizadas no art. 17 e no §1º
do art. 18, da lei nº 4.595/64, observada a legislação em vigor;
d) o Banco do Brasil S.A. passará a ter acesso ao mecanismo de redesconto de liqui-
dez, em igualdade de condições com os demais estabelecimentos bancários;
e) o conceito de base monetária será redefinido, restringindo-se às suas contas do
Banco Central, o que permitirá maior liberdade de captação e aplicação de recursos
pelo Banco do Brasil S.A.;
f) a inclusão do Programa Global de Aplicações e Recursos do Banco do Brasil S.A.
no Orçamento Monetário, prevista no art. 20 da lei nº 4.595/64, far-se-á sem conso-
lidação com as contas do Banco Central do Brasil, observado o disposto no art. 22,
§ 1º da mesma lei;
g) a posição líquida diária decorrente do balanceamento das contas devedoras e cre-
doras vinculadas à execução do Orçamento Geral da União, inclusive as contas de
depósitos titularizadas pelos órgãos do governo federal, será objeto de constituição
de reserva bancária específica do Banco do Brasil S.A. no Banco Central, fazendo-se
a constituição inicial dessa reserva no expediente do dia mencionado no item 9;
h) o Banco Central e o Banco do Brasil S.A. examinarão em conjunto as medidas
necessárias à adequação das operações de câmbio deste à orientação do presente
voto, inclusive os ajustes e acertos relacionados com as operações “em ser”, sub-
metendo essas medidas à deliberação deste conselho até o dia 28 de fevereiro de
1986.”

O voto do Conselho provocou, como seria de se esperar, uma grande agitação


no mercado financeiro – e, particularmente, entre os acionistas e os funcionários do
Banco do Brasil. Afinal, retiravam-se do BB – sigla que o popularizou – suas funções
restantes de autoridade monetária, introduzindo-se um novo padrão no seu relacio-
namento com o governo.

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A essa altura, o Banco do Brasil já acelerava seu Projeto de Banco Múltiplo, que
visava justamente reagir ao progressivo esvaziamento constatado no período anterior.
O projeto alcançava sua maior significação no que se referia à atuação do BB como
banco comercial: pretendia-se que ele estendesse sua operação aos diversos segmentos
do mercado financeiro, sem abandonar suas demais funções de agente financeiro do
Tesouro Nacional, de banco de fomento do setor privado, de banco internacional e de
banco social.
Até então, a única incursão do Banco do Brasil no segmento não-monetário con-
sistia na colocação de Recibos de Depósito Bancário, depois Certificados de Depósito
Bancário, no mercado interno, operação iniciada, em 1980. Seu peso, todavia, era muito
pequeno pois no momento de extinção da “conta movimento” atingia apenas 1,9% do
total de haveres do sistema financeiro.
É de se lembrar que os demais bancos haviam-se lançado, particularmente após
dezembro de 1983 – quando a inflação brasileira ultrapassou 200% -, na intermediação
de recursos de curto prazo, como o open market, transformado na grande opção para os
aplicadores. Puderam, assim, ampliar seus contingentes de pessoal e investir em infor-
mática, com o objetivo de intensificar a captação de recursos. O Banco do Brasil estava
impedido de participar desse esforço.
A essa altura fizeram-se sentir também os efeitos de dois decretos-leis, os de nú-
meros 2.283, de 27 de fevereiro, e 2.284, de 10 de março, que implementavam o plano
de estabilização financeira conhecido como Plano Cruzado. Eles significaram uma re-
versão do processo, na medida em que bloquearam o avanço da inflação e extinguiram
a correção monetária. Sobre o sistema bancário, essas medidas tiveram um impacto
forte, traduzido na inédita e violenta retração do mercado não-monetário.
Notou-se aí, mais uma vez, a dimensão de banco social do Banco do Brasil. As
instituições financeiras de capital particular optaram por fechar agências e demitir pes-
soal. Já o Banco do Brasil, com agências espalhadas em todos os pontos do país, inclu-
sive nas áreas mais carentes e desatendidas, manteve sua rede. O enxugamento de
despesas deu-se apenas em áreas consideradas supérfluas – principalmente no exterior
-, sem se proceder à dispensa de funcionários, mas sim ao estímulo às transferências,
além de sustar a criação de novas dependências.
Como um efeito da revisão a que vinha procedendo, o Banco do Brasil reorien-
tou a política operacional da área internacional, concentrando seus esforços em áreas
consideradas supérfluas. Enquanto isso, passava a operar em outras áreas, dentro da
política delineada no Projeto Banco Múltiplo.
Operações como as de seguros, arrendamento mercantil, factoring, cartões de
crédito e crédito direto ao consumidor constituem esse plano. Os primeiros passos
no sentido da operacionalização do projeto foram a instalação da BB Distribuidora
de Títulos e Valores Mobiliários; o lançamento do Fundo Mútuo de Investimentos
Ações-Ouro; e o lançamento da Caderneta ouro, com recursos destinados ao crédito
rural, a partir de autorização concedida, a 14 de agosto de 1986, pelo presidente da
República.

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Essa diversificação ainda não havia produzido seus frutos quando, no segundo
semestre de 1986, o Banco do Brasil pôde demonstrar um lucro de aproximadamente
Cz$ 7,7 bilhões, antes da correção monetária, do imposto de renda e das participações
estatutárias, resultado positivo em um momento no qual as demais instituições finan-
ceiras encontravam dificuldades só mais tarde superadas.
A correção monetária de balanço apresentou um impacto líquido negativo de
Cz$ 4,834 bilhões. Assim, deduzido o imposto de renda, obteve-se um resultado de
Cz$ 2,449 bilhões, dos quais se destinou Cz$ 1,934 bilhão para a constituição de reser-
vas e as participações estatutárias e Cz$ 397 milhões para a distribuição de dividendos.
O dividendo correspondeu, portanto, a Cz$ 6,01 por lote de mil ações.
Ao longo da história podemos observar que os números refletidos em diferentes
estatísticas de desempenho demonstram que o Banco do Brasil sempre foi capaz de
enfrentar as incertezas provocadas por adversidades econômicas da história do país,
adaptando-se à circunstâncias políticas e superando crises. Tem sido esse, com efeito,
o escopo do Banco do Brasil, desde sua fundação.
Essa agilidade, no entanto, não se obteve à custa da consciência social que deve,
necessariamente, orientar os passos de uma instituição que, antes de tudo, pertence à
sociedade. O Banco do Brasil sempre buscou demonstrar que essa consciência social
não é, de forma alguma, incompatível com a eficiência. É que o processo de competi-
ção tonifica o sistema financeiro, beneficiando principalmente o consumidor de pro-
dutos e serviços bancários.
O Banco tem desempenhado, no curso da história, o papel de instrumento do
desenvolvimento, estabelecendo regras de competitividade no mercado sem ter como
único objetivo o lucro, mas, ao contrário, promovendo o repasse de benefícios sociais
a todos os brasileiros. Tradicionalmente, é forte aliado da livre iniciativa, com índole
privatizante que privilegia todos os segmentos econômicos.
A partir de 1986 deixou de operar a Conta Movimento. Assumiu, entretanto,
características que o equiparam aos grandes conglomerados financeiros, recebendo au-
torização para lançar a Poupança-Ouro (Caderneta Rural), o Ourofix (Fundo de Renda
Fixa), o OuroCard (Cartão de Crédito) e o Caixa-Ouro. Com um leque de novos pro-
dutos, o Banco ampliou a ofensiva de conquista de mercados. Consolidou-se, assim,
o embrião da “Família-Ouro”, que aproveita o marketing do Cheque-Ouro, o cheque
garantido mais conhecido e popular do mercado. Isso aumentou o raio de ação do Ban-
co e, também, melhorou substancialmente os serviços que presta a seus clientes tradi-
cionais. Começou, aí, uma nova e significativa etapa na vida do Banco do Brasil como
instituição competitiva que não perde de vista seus objetivos.
É nessa dinâmica que vive o Banco do Brasil. Uma instituição privatizante, cujos
lucros são distribuídos a toda a sociedade. Um Banco que se moderniza a cada dia,
preparando-se para atender às crescentes exigências do desenvolvimento socioeconô-
mico do Brasil.

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O livro
História do Banco do Brasil
foi composto pela tipologia Casablanca, corpo 11
e impresso em papel Pólen Soft 80g

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