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O QUE SE DIZIA DAS MULHERES EM 1920: TEXTOS PUBLICADOS NO JORNAL A

UNIÃO (PB)
Maria Lúcia da Silva Nunes (UFRN - UNIPÊ/PB)
Maria Arisnete Câmara de Morais (UFRN)

Este trabalho está vinculado à Base de Pesquisa Gênero e práticas culturais: abordagens
históricas, educativas e literárias, da Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte e ao Projeto integrado “História dos Impressos e a formação das leitoras” CNPq). Na
referida Base, venho desenvolvendo uma pesquisa sobre a educação da mulher na década de 1930,
utilizando como fonte os romances São Bernardo (1934), Angústia (1936) e Vidas secas (1938). A
princípio, pensei em trabalhar também com a década de 1920 e utilizar jornais da época. Dessa idéia
inicial surgiu este trabalho.
O objetivo deste texto é apresentar a visão da sociedade paraibana na década de 1920 sobre
as reivindicações da mulher pelo reconhecimento de seus direitos e, implicitamente, detectar os papéis
atribuídos à mulher e a importância da educação para a definição desses papéis. Para isto, utilizo como
fonte textos publicados no jornal A União (PB), órgão da imprensa oficial do estado da Paraíba.
Penso estar contribuindo para a história da educação e da história da educação da mulher. Se
essa área de pesquisa é relativamente recente e com grande potencial de expansão, observo que na
Paraíba, meu estado de origem, há muito que se fazer no sentido de trazer à tona não só o pensamento
vigente sobre a mulher, a educação destinada a mesma,mas também oferecendo elementos para a
configuração da sociedade paraibana nas primeiras décadas do século XX.

Apresentando a fonte
O jornal A União já nasceu sob a marca da oficialidade. Foi fundado a 02 de fevereiro de 1893,
pelo Presidente da Província Álvaro Machado, conduzido ao cargo pelo Presidente da República Floriano
Peixoto. Dos jornais publicados atualmente no estado da Paraíba, é o mais antigo, tendo completado 110
anos.
Na época a que se refere este texto, o jornal era dirigido pelo poeta Carlos Dias Fernandes, que
ficou na direção durante o período de 1913 a 1928, e, cuja gestão foi marcada pela preocupação e
seleção exagerada do nível dos colaboradores; o cuidado com as regras gramaticais e estilísticas; a
intenção em dar uma feição literária ao jornal; enriquecimento do noticiário e criação de uma página
especial sobre agricultura, veiculada aos sábados. Dos prelos do jornal A União surgiu a revista Era
Nova, “revista de excelente feição gráfica e editorial”.(OCTÁVIO, 2000, p.169).
Atualmente, esse diário oferece à população paraibana o quinzenário Correio das Artes, onde
se expõe a análise e a produção literária locais, através de ensaios, crítica literária e publicação de
contos, crônicas, novelas e poemas.
O acesso à fonte deu-se no Arquivo Público do Estado da Paraíba, localizado no Espaço
Cultural José Lins do Rego/FUNESC, na capital paraibana – João Pessoa, onde se encontram
organizados por semestre, protegidos por uma capa dura e acondicionados em estantes apropriadas.
Os textos que escolhi para expor são num total de seis e contemplam principalmente a opinião
sobra o feminismo, a luta das mulheres pelo reconhecimento de seus direitos.

Contextualização
A década de 1920 assinala a confluência das insatisfações que vinham se manifestando por
todo o período republicano, nos vários setores da sociedade brasileira, no que se refere à política, à
economia, mas também no tocante a comportamento, idéias e valores. A busca por soluções para os
problemas das mais diversas áreas induziu o esforço da intelectualidade, no sentido de dar um novo
caráter ao país, buscando integrar as diversidades. Toda essa movimentação culmina em movimentos
como: o Tenentismo, a fundação do Partido Comunista, o Modernismo e a ampliação do movimento
feminista que intencionava o reconhecimento dos direitos da mulher.
No mesmo ano da Semana de Arte Moderna, 1922, tem-se a Primeira Conferência
Interamericana de Mulheres, em Baltimore, contando com a participação da líder feminista brasileira. Em
seguida, Bertha Lutz lidera a fundação e depois preside a Federação Brasileira para o Progresso
Feminino, associação nacional inspirada na Associação Pan-Americana de Mulheres. Todo o trabalho de
Bertha Lutz, junto com outras mulheres, em prol da emancipação feminina, através de um discurso
comedido, sabendo tirar proveito das amizades para conseguir adeptos a sua causa e fazer progredir o
debate sobre o voto feminino, encontra seu ápice no Decreto 21.076 de 24 de fevereiro de 1932,
estabelecendo junto ao voto secreto, o voto feminino, que seria incorporado à Constituição de 1934.
(SOIHET, 2000).
Um ponto que interessa destacar em relação ao Estatuto da Federação Brasileira para o
Progresso Feminino é sua preocupação com a educação feminina, indicada no primeiro objetivo que
consta nos seus estatutos: “Promover a educação da mulher e elevar o nível de instrução feminina”.
Nesse momento, a educação, de modo geral, era vista como o elemento fundamental para o
progresso humano, conseqüentemente, o domínio da leitura e da escrita era sinal de socialização.
A sociedade da época apresentava posições antagônicas em relação à luta da mulher pela
escolarização e pelo reconhecimento de seus direitos. Por um lado, considerava-se positivo o fato de a
mulher estar ocupando espaços antes predominantemente masculinos e a educação transformava a
mulher em um ser digno de respeito e admiração. Por outro lado, a mulher que adquiria instrução e lutava
por ocupar um lugar no mercado de trabalho, que expunha suas idéias, comportava-se mais livremente,
mudando hábitos e comportamentos, era considerada um perigo para a família, para os homens, e,
conseqüentemente, para a sociedade. A luta pelos direitos da mulher representava para grande parte da
sociedade, homens e mulheres, um elemento ameaçador no conjunto de comportamentos definidos
como específicos e adequados a cada sexo.
Qual a situação da Paraíba nesse contexto de lutas e mudanças da década de 1920?
A Paraíba da década de 1920 caracterizava-se pelo grande incentivo à cultura do algodão e,
nessa época, o Estado era o principal produtor no Brasil; a ampliação da rede ferroviária, que, muito mais
do que benefícios econômicos, contribuiu para o urbanismo e a modernização dos costumes; o
incremento de obras contra a seca; o aparecimento das usinas de açúcar, representantes da introdução
do capitalismo industrial no Estado; o surto de urbanização que beneficiou principalmente a capital.
O espaço sócio-cultural, abrindo-se para as letras e as artes, era encampado pelo jornal A
União e pela revista Era Nova; o Liceu Paraibano e a Escola Normal eram os centros culturais da capital
paraibana, em torno desses órgãos volteavam os intelectuais da época.
Segundo Octávio (2000, p. 170):
A agitação cultural dos anos Vinte expressava ascensão de classe média
que não viria a destruir o patriarcalismo oligarca. Antes se comporia com
ele. Em outras palavras, a pequena burguesia de vivências urbanas não
era revolucionária mas reformista e quando muito, radical .

Mudanças implantadas em outros estados a partir da Proclamação da República, só nesse


momento começavam a tomar forma no estado paraibano. A construção dos coretos foi simbólica nesse
sentido; eles expressavam não só a expansão urbana como também a crescente emancipação da
mulher, saindo do espaço doméstico para o espaço público, através dos passeios. Os novos tempos
eram assinalados por outros costumes com a incrementação de novos espaços: a retreta, o teatro, o pic-
nic, o cinema, os bailes, os concursos de misses, as competições esportivas. Todavia essas novidades
não eram vistas com bons olhos pela sociedade patriarcal paraibana: o acesso ao mercado de trabalho
para a mulher, por exemplo, restringia-se às prendas domésticas e ao magistério. O ideal era que a
mulher arranjasse um casamento. As escolas primárias dividiam-se em duas categorias: para o sexo
feminino, para o sexo masculino, inclusive, os editais dos concursos para a escola pública, ao
apresentarem seus regulamentos, dividiam as vagas: para meninos e para meninas. No Colégio Nossa
Senhora das Neves, na capital paraibana, não se admitia a entrada de meninos, mesmo que fossem
bebês. Em alguns casos, houve a radicalização da separação dos sexos:
A drástica separação de sexos, herdada do colonialismo, era igualmente obrigatória em festas,
retretas, igrejas e até no Jardim Público, como aconteceu no centro da cidade [João Pessoa], onde
estavam situados, de um lado o Liceu Paraibano e de outro a Escola Normal, dirigida pelo piedoso
Monsenhor João batista Milanês. Num assomo de exaltado puritanismo proibiu que rapazes e moças se
falassem nos intervalos das lições. Para tanto, fixou no centro da praça, entre os educandários oficiais,
uma linha imaginária a que ele denominou linha da decência. ( JOFFILY, 1980, p. 21).
Por causa dessa proibição, dois jovens namorados morreram: o rapaz ao tentar atravessar a tal
linha imaginária foi atingido por um tiro dado pelo guarda de plantão; a moça suicidou-se dias depois.
“Sem dúvida, a decência da família paraibana foi completamente salva, mas à custa de duas vidas [... ]”
( JOFFILY, 1980, p. 22).

A imprensa e a luta das mulheres


No momento em que a mulher começou a lutar pelos seus direitos, a expressar suas idéias
publicamente, a exigir a oportunidade de participar nas decisões sobre os rumos do país e ocupar um
espaço no mercado de trabalho, a questionar as relações homem-mulher, surgiram reações adversas no
mais variados setores da sociedade. A imprensa, por exemplo, trabalhava no sentido de corroborar as
posições das instituições sociais responsáveis pela determinação do código de comportamento das
pessoas, como Igreja e Estado. A sociedade utilizava-se de várias estratégias para fazer as mulheres
desistirem de lutar pelos seus direitos e influenciar a sociedade a reagir contra essa luta. A atuação da
Imprensa é significativa, porque procura atingir a mulher pelo ponto em que ela demonstra maior
fragilidade: a beleza. Era comum os jornais exibirem caricaturas de mulheres enfatizando que a mulher
desejosa de participar das decisões políticas e exigente dos seus direitos é feia, por isso não arranjou
casamento, conseqüentemente, torna-se descontente, frustrada e vingativa. Daí questionar sua condição.
É o que afirma Soihet:
Na imprensa a situação não se afigurava mais favorável ao feminismo. Ao longo do tempo, este
vinha sendo objeto de grosseiras caricaturas em crônicas e charges, nas quais se buscava passar a
mensagem do terror e do grotesco que representaria a participação das mulheres em esferas
consideradas próprias dos homens.( 2000, p. 109)
As alegações eram as mais diversas: desordem familiar, inabilidade dos homens para cuidarem
dos filhos, dimensão sacralizada das mulheres através da maternidade, falta de capacidade intelectual da
mulher para a esfera pública, masculinização da mulher que exige seus direitos, entre outros.
Soihet, analisando o modo como as mulheres que lutavam por seus direitos eram
apresentadas, afirma que:
[...]percebe-se um aspecto perverso nessas insinuações, o que me faz enquadrar tais
colocações numa das modalidades de violência simbólica. Isto porque a reiteração da comicidade na
abordagem das reivindicações das feministas tende a difundir uma imagem em voga: a do despropósito
das preocupações femininas, ao contrário das masculinas. (2000, p. 110)
A imprensa paraibana, através dos seus intelectuais, expunha o pensamento da sociedade em
relação à luta da mulher. É o que se vê nesse texto da profª Eudésia Vieira, publicado na revista Era
Nova:
Temos a sufragista. É sempre uma revoltada que procura abafar seus padecimentos querendo
não ser a companheira do homem, mas rival ou mesmo sua antagonista. Merece também compaixão. Foi
a infelicidade que a impeliu à extravagância de proceder para destarte sufocar o sentimento latente.
(Apud JOFFILY, 1980, p. 41)
Esse fragmento remete-me, mais uma vez, ao texto de Soihet (2000, p. 110-111) quando
comenta que era comum, na época, as mulheres incorporarem o discurso dominante e atribuírem à
mulher que lutava por seus direitos o rótulo de frustrada, entre outros, terminando por enquadrá-la no
anti-modelo da mulher ideal.
Também a moda era motivo de discussão na imprensa, como se vê nesse trecho de A
Imprensa, órgão da Diocese, na Paraíba:
Entre nós o decote é exibido pelas mulheres com uma sem-cerimônia pasmosa. As campanhas
moralizadoras das toilletes não encontram a repercussão desejada nos círculos femininos da família.
Consente-se que senhoras e senhoritas, até mesmo entre as que se dizem católicas, usem vestidos
decotados com uma imoderação lamentável. (Apud JOFFILY, 1980, p. 36)
Qualquer alteração no comportamento feminino transformava-se em assunto para debate nos
jornais e revistas da época.
O que se dizia das mulheres ...
Na leitura dos exemplares do jornal A União, selecionei cinco textos que tratam de forma mais
específica sobre a luta do feminismo pelos direitos da mulher, os quais passo agora a comentar.
Em texto intitulado “A força das mulheres”, o autor vê de forma positiva o avanço das mulheres,
colocando o homem favorável a essa mudança. Segundo ele:
[...] já se foi o tempo em que os homens pensavam que o mais
conveniente para eles era manter as mulheres na ignorância e na
servidão. Eles não temem hoje essa força, querem-na sempre maior,
esclarecida, sempre mais perfeita consciente, ativa, empregada em
formar, guiar e corrigir a humanidade sadiamente. (BARBOSA,1922, p.1)

O autor do artigo considera que a obra do sociólogo inglês, Benjamim Kidol, – A ciência do
poder – é a culminância dos estudos sobre a influência da mulher. Nesse livro, o autor põe em contraste
a evolução humana individual, ou inferior, segundo as leis de Darwin, e a evolução humana social, que
ele chama superior, tendo como centro psíquico a mulher. A mulher seria mais voltada para o universal,
ao contrário do homem que se volta para o individual: “A mulher é de fato o protótipo presente de todos
os grandes sistemas e religião, de moralidade, de direito, sobre os quais repousa a civilização em via de
integração. Aí está a força da mulher!”.
O escritor aponta ainda a importância de que esta força da mulher seja usada em prol da
higiene. “As mulheres, pela sua mesma influência, geral sobre a humanidade, devem ser as primeiras
combatentes dessa luta. É preciso que o sejam, sabendo, ensinando, fazendo, corrigindo, guiando.” A
partir desse ponto, o articulista refere-se ao fato de a mulher ser a responsável pelos primeiros dias de
vida do homem, sendo assim, cabe a ela a formação de hábitos higiênicos.
Nesse mesmo ano, 1922, eram bastante comuns no jornal em foco os artigos sobre o combate
à tuberculose. Percebe-se então o caráter utilitário dessa mencionada força da mulher, ou seja, sua força,
seu progresso deveriam estar voltados em benefício da humanidade, e não com uma preocupação
individualista, visando o seu próprio bem.
Em texto intitulado “A mulher na política”, o articulista faz referência à presença na Paraíba da
profª Ana Sirene, paraibana radicada no Pará que, segundo o autor, vem se destacando por seu
temperamento combativo em prol das conquistas das mulheres. O que para o autor parece importante é
que a professora não pleiteia uma situação de liberdade igual para os dois sexos, destacando trechos de
sua entrevista concedida ao jornal:
Está claro que não vou pleitear para mulher uma situação de liberdade igual à do homem. Ela
precisa manter as suas normas de recato, procurando exercer uma atividade profissional tanto quanto
possível compatível com a sua delicada situação nesse particular. Mas a verdade é que os maiores
fatores de prostituição são estes: a ignorância da mulher e o seu aferrolhamento entre as quatro paredes
do lar.” ( A MULHER. . . , 1920, p.1)
No discurso da professora é notável o comedimento em tratar dos direitos da mulher,
enfatizando a necessidade de educação e de mais liberdade de ir e vir entre os espaços privado e
público, porém guardadas as devidas diferenças e assimilando características da mulher que se faziam
presente no discurso oficial sobre o assunto: recato, delicadeza. A colocação mostra-se contraditória,
quando se percebe que, um pouco antes, no seu discurso, afirmara: “Essa história de sexo fraco é tolice.
Tudo depende da educação”.
Júlio Lyra, em artigo intitulado “Voto feminino”, apóia o impedimento de aprovação do Projeto do
deputado federal Chermon, que indicava o direito feminino ao voto. Segundo o autor foi um benefício
para a mulher o seu impedimento em adentrar o “intricado círculo político”. Em sua opinião, a sociedade
não está preparada para “tamanha ousadia”, uma vez que essa mesma sociedade está muito imbuída do
papel que cabe à mulher, qualquer que seja seu estado civil. Apóia seus argumentos em palavras do
deputado Pedro Américo, que, ao opor-se ao voto feminino, apela para a missão da mulher “serena e
angélica do gênero humano, (...) é mais doméstica do que pública, mais moral do que política, com o
dever mais grave de todos os deveres, o governo da família. [...]”. O autor reconhece ainda que muitos
outros recursos serão levantados contra essa empreitada feminina. Finaliza dizendo que:
[...} a promiscuidade das urnas conspurcaria sua alma, caráter, coração;
já porque a mulher normal e típica não é a que vai ao foro, nem à praça
pública, nem às assembléias políticas para defender direitos da
coletividade, mas que fica no lar doméstico, exercendo as virtudes
feminis, base de tranqüilidade da família e por conseqüência da
felicidade social. (LYRA, 1920, p.2)

No discurso do articulista, são facilmente identificáveis as visões correntes na época sobre a


questão do voto feminino, a participação política da mulher: a inaptidão da mulher para a política, já que
participação no âmbito público não constituía traço feminino; sua responsabilidade principal deveria ser
com a educação dos filhos; respeito às características específicas de homens e de mulheres.
O texto “A mulher em 1940” faz algumas previsões quanto às conquistas femininas e o seu
possível comportamento, porém enfatiza que a mulher tem mudado menos do que o homem. Avalia as
condições da mulher na década de 1920 e prevê como viverá sua filha em 1940. Esse texto, em muitos
momentos, parece favorável ao progresso feminino, indicando os avanços e os direitos que a mulher terá
conseguido, tais como: a mulher se verá livre de preconceitos, das conveniências; votará, a política ser-
lhe-á imposta pelo ambiente; seguirá a profissão que lhe melhor entender; não renunciará a sua ancestral
ocupação, mas a importância do casamento decairá; será mais respeitada; as leis do divórcio serão
simplificadas; será mais intelectual e capaz de manter a si própria.
Mas, no final, o texto termina repetindo os estereótipos da época, e conclui: “ Não se pense,
entretanto, que a mulher apenas será isto: mãe e médica, ou professora, ou engenheira. Não. Como hoje,
nas horas vagas, ela amará, dirá mentiras, ficará zangada, chorará, etc. e também dançará, fará o flirt e
tornará a mentir, depois de já ter mentido.” (A MULHER EM . . . , 1920, p. ) O autor destaca algumas
características da mulher; não daquela considerada modelo pela sociedade, que deve ser sinônimo de
fidelidade, sinceridade e recato. Mas sim da mulher que representa um perigo para a sociedade. Conclui-
se que a intenção do autor é colocar em alerta a sociedade contra a mulher que adquirir esses direitos,
que tiver liberdade, que se destacar na esfera pública; chamando a atenção para uma das características
dessa mulher: ela será uma mentirosa, ou seja, alguém que não merece confiança.
Samuel Duarte, em um artigo intitulado “Feminismo”, considera complicada e perigosa a
questão do feminismo, uma vez que esse pretende dar a mulher o mesmo lugar do homem. O artigo
desenvolve-se entre um tom irônico e debochado. Em certas partes tem-se a impressão que o autor está
apontando defeitos no homem e simpatizando com os anseios femininos. O que se observa, porém, no
desenvolvimento do texto é sua oposição ao projeto feminino de ter seus direitos respeitados. Cito dois
trechos desse artigo que bem exemplificam essa atitude:
Por uma ambição desmedida de mando, por um abuso de força, o homem sempre a conservou
vítima, enclausurada no lar cuidando prosaicamente dos frutos de sua fecundidade, mortificada com
deveres de cujo relaxamento ele dá o escandaloso exemplo. Posições de destaque na política, na
diplomacia, na imprensa, o homem abocanhou-as, egoisticamente faminto, enquanto ela, a eterna
escrava resignada, que se encarregue de lhe fazer o lar alegre, a vida feliz, os filhos bem arranjados, a
ordem doméstica sem perturbações, isolada no insulamento das atividades caseiras, um calunga de
borracha, automática e imbecil, para lhe acalmar as excitações nervosas e o frenesi da natureza
exigente. Não! Começa hoje ela a perceber-se de tanta ignomínia, a compreender que não nasceu
simplesmente para a missão de esposa e mãe (essa pieguice tão banalmente decantada pelo
sentimentalismo ridículo e estragado de vinte gerações), nem deve viver pela vaidade de trazer pasmos
canalhas e idiotas, com a impudicícia do decote, que dia a dia avança na ânsia de revelar a nudez. A
mulher já está cansada de cerzir meias, dar ordens à criadagem, tocar valsas chorosas ao piano
doméstico, animar crianças e passear submissamente ao braço do marido. Precisa alargar a esfera de
sua influência na sociedade, romper definitivamente com os intransigentes, sediços preconceitos que
desde vinte séculos a trazem aferrolhada dentro de quatro paredes, como numa jaula um animal
perigoso. (DUARTE, 1922 p.2)
Em seguida, esse discurso, aparentemente favorável à luta feminina, é desconstruído, num tom
irônico, entremeado de avisos à sociedade sobre o perigo iminente que representa a ascensão da
mulher, conforme se vê no trecho abaixo:
Sejamos imparciais, falemos sem rebuços. Esse tal feminismo é uma beleza de sistema.
Imagine-se uma senhora numa cátedra de história natural, uma senhora deputada, uma senhora num
concílio internacional, decidindo questões graves de diplomacia . . . [...] Terão oportunamente motivo os
deuses imortais para fazer ressoar, através céus e terras, gargalhadas homéricas, que eles reservam
para apreciar os sucessos mais burlescos do Universo, porque realmente seria desopilante o espetáculo
que oferecerá a permuta de situações de tal natureza. Os curiosos que não aderirem ao feminismo, se
por uma clemência da senhora encarregada de chefiar a polícia puderem respirar livremente, terão a
deliciosa oportunidade de observar ‘o homem-marida’ em sua casa, cuidando dos arranjos domésticos,
deitando os pimpolhos, puando o carrinho aos pequenos trôpegos, fazendo crochê, pintando as faces,
ou, de travesseiro às janelas, observando a chusma feminina que passa dos ministérios, das
administrações, de outros centros burocráticos, fumando charutos caros, ou no café defronte alagando-se
de cerveja e conhaque. (DUARTE, 1922, p. 2)
Nesse trecho é possível perceber toda a visão do autor a respeito da luta feminina: para a
mulher ocupar um espaço na esfera social ela estaria tomando o lugar do homem, invertendo os papéis;
não há lugar para os dois, a não ser dentro do que já está estabelecido como específico a cada um. Se a
mulher vai para a rua, o homem vê-se forçado a ir para a casa, realizar as tarefas que eram
desenvolvidas pela mulher, assumindo então as suas funções e mudando inclusive suas características.
É notória também uma crítica aos hábitos femininos. Por outro lado, o que fica bem nos homens não fica
bem para as mulheres. Fica claro então o perigo que as conquistas femininas representam para a
sociedade. No caso específico do Brasil, os sérios homens da lei são alertados para que não apóiem nem
se envolvam com tal questão, pois estariam correndo o risco de colocar a nação numa situação ridícula
que seria alvo de chacota e vitupério para os países vizinhos, exemplificado com a Argentina, que no
dizer do articulista: “ já andam a espreitar a nossa atitude ante o feminismo, os patifes! . . .”
E mais: “É oportuno dizer à mulher brasileira que, desatenta às solicitações da vaidade, deve
ela contentar-se com as muitas liberdades que se lhe concederam.”

Conclusões preliminares
Pelos textos apresentados, percebe-se claramente como a sociedade da época temia que a
mulher viesse a ocupar um espaço na sociedade, saísse do privado para o público, conquistasse direitos
antes predominantemente masculinos. Ao tempo em que se via a educação como sinônimo de progresso
e que se queria uma mulher instruída, capaz de educar bem os futuros homens, constata-se que
qualquer direito para a mulher teria que ser em função dos benefícios que isso iria trazer para a
sociedade patriarcal, que tinha no homem o seu fulcro. É possível identificar toda a astúcia do discurso
veiculado na imprensa com o objetivo, geralmente explícito, mas às vezes nas entrelinhas, de intimidar a
sociedade para os perigos que representaria apoiar qualquer movimento que tivesse o interesse de
defender os direitos femininos. Apelava-se para a ciência, para a religião, para a natureza. Qualquer
recurso era válido no sentido de explicitar que não havia um espaço a ser dividido, todo o espaço público
era destinado ao homem, dividir era impossível, onde cabia um, só cabia um. Os textos do jornal A União
corroboram os textos veiculados na imprensa nacional da época, conforme podemos ver em estudos já
realizados neste sentido, como os de Soihet (2000) e Maluf Mott (1997).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A MULHER EM 1940. A União, João Pessoa, p. 04 dez. 1920.
MULHER NA política. A União, João Pessoa, p. 1. 20 maio 1920.
BARBOSA, Plácido. A força das mulheres. A União, João Pessoa, p. 1. 05 jan. 1922.
DUARTE, Samuel. Feminismo. A União, João Pessoa, p. 2. 17 maio 1922.
JOFFILY, José . Anayde Beiriz: paixão e morte na Revolução de 30. Rio de Janeiro: Companhia
Brasileira de Artes Gráficas, 1980.
LYRA, Júlio. Voto feminino. A União, João Pessoa, p. 2. 21 maio 1920.
MALUF, Marinaç MOTT, Maria Lúcia. Recônditos do mundo feminino. In: SEVCENKO, Nicolau (Org.).
História da vida privada no Brasil: República: da belle époque à era do rádio. São Paulo: Companhia
das Letras, 1998. p. 368-421.
OCTÁVIO, José. História da Paraíba: lutas e resistências. 6. ed. João PessoaÇ Editora
Universitária/UFPB, 2000.
SOIHET, Raquel. A pedagogia do espaço público pelas mulheres e a militância feminista de Bertha Lutz..
Revista brasileira de educação, Campinas, SP, n. 15, p. 97-117, set./out./nov./dez. 2000.

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