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O Antropolixo na era do antropoceno

José Lisboa Moreira de Oliveira1

Quem visita o Campus I da Universidade Católica de Brasília (UCB), situado na


cidade de Taguatinga (DF), poderá, se quiser, chegar até o Bloco L e conhecer a Pró-
Reitoria de Extensão. Aqui nesse espaço estão sediados mais de 30 projetos de Extensão
da UCB. Entre os trabalhos de Extensão temos o Projeto de Educação Ambiental
(PEA), cujo objetivo é contribuir para que toda a comunidade universitária desperte
cada vez mais para a questão ambiental e participe ativamente da construção de um
desenvolvimento solidário e sustentável.
Ao chegar em frente à sala do PEA, o visitante é surpreendido por um boneco
em forma humana, tamanho natural, totalmente construído com “lixo reciclável”, obra
dos estudantes do Curso de Engenharia Ambiental. O boneco foi batizado com o nome
de Antropolixo, ou seja, homem de lixo ou homem-lixo. O objetivo do boneco é
despertar os que visitam a sala do PEA, ou passam em frente a ela, para a quantidade de
lixo que é produzido pelo ser humano. Antropolixo é um convite a refletir sobre o
modelo de civilização baseada no consumo desenfreado que gera cada vez mais uma
quantidade maior de lixo. Propõe ao visitante um consumo responsável e sugere maior
cuidado para não permitir que o lixo, inclusive aquele reciclável, termine sendo lançado
no meio ambiente provocando todos aqueles danos que já conhecemos.
O senhor Antropolixo, com o seu jeito desengonçado e sério, termina sugerindo
aos visitantes maior responsabilidade com a vida no planeta Terra, a nossa única
morada. Não há quem não fique pensativo na presença do senhor Antropolixo. Ele
provoca a reflexão e denuncia a irresponsabilidade e a falta de cuidado com a nossa
moradia comum.
Essa referência ao senhor Antropolixo serviu-me de motivação para iniciar essa
reflexão sobre o tema da Campanha da Fraternidade da Igreja Católica programada para
a quaresma deste ano, tendo como tema “Fraternidade e a Vida no Planeta” e como
lema a frase bíblica “A criação geme em dores de parto” (Rm 8,22). Esta campanha
assume dois aspectos interessantes. Por um lado motiva a esperança de que ainda é
possível salvar a Terra de uma tragédia. Mas, por outro, nos leva à certeza de que, se
1
Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Professor de Antropologia da
Religião e de Ética na Universidade Católica de Brasília (UCB), onde é gestor do Centro de Reflexão
sobre Ética e Antropologia da Religião (Crear).
não mudarmos nosso atual estilo de consumo e desenvolvimento, em poucos anos
milhares de espécies, inclusive a humana, estarão completamente extintas em nosso
planeta. Tudo está em nossas mãos. É o que repetem sem cessar os entendidos no
assunto e os que se dedicam com paixão a essa causa. “Depende de nós impedir que as
atuais crises virem tragédias”, afirma Leonardo Boff. É claro que sempre há esperança:
“Não temos medo da noite porque cremos nas estrelas e esperamos a aurora que já se
anuncia”, completa Boff. Mas, usando outra metáfora muito cara a este autor, o avião já
alcançou a velocidade de decolagem e não há mais como detê-lo.
De fato, mudanças estão em curso e o nosso planeta substancialmente alterado.
Tais mudanças são fruto da ação humana e não há como negar isso, embora alguns
ainda tentem minimizar essa responsabilidade. Os dados do organismo das Nações
Unidas para estudo das mudanças climáticas, conhecido como IPCC, não deixam
dúvidas. Essa “crônica de uma tragédia anunciada” poderá ser escrita de outra forma se
mudarmos radicalmente e imediatamente o nosso modo de produzir, de consumir e de
nos relacionarmos com a Terra. Porém, os próprios dados estão mostrando que existe
uma grande resistência por parte daqueles que são beneficiados no momento por esse
modelo devastador de progresso.
As pesquisas indicam que, seguindo os atuais padrões de produção e de
consumo, a humanidade já consome um quarto a mais dos bens que o planeta pode
produzir. Por isso alguns chegam a afirmar que já seriam necessárias duas Terras para
produzir o que hoje gastamos e consumimos. E o pior de tudo é que este modelo de
produção e de consumo continua gerando enormes desigualdades, de modo que ainda é
possível afirmar que cerca de 2/3 da humanidade não tem acesso direto aos bens
produzidos por este modelo suicida de desenvolvimento.
Paul Crutzen, ganhador do premio Nobel de Química em 2000, sustenta a
hipótese de que entramos em uma nova era geológica que ele está chamando de período
antropoceno. Diferentemente do passado, as atuais mudanças climáticas não são o
resultado de um fenômeno natural, mas da ação direta e indireta do ser humano. Isso
nos permite fazer um diagnóstico cruel: cerca de 50% da superfície do nosso planeta já
se encontra modificada em virtude das atividades da humanidade. Mesmo assim as
classes mais abastadas permanecem insensíveis e dispostas a consumir cada vez mais,
arrasando completamente o planeta. Para reverter essa situação seria indispensável uma
diminuição do consumo. Mas não vemos sinais disso. A proposta de modificar o Código
Florestal Brasileiro, atualmente em tramitação no Congresso Nacional, é só um dos
inúmeros exemplos que poderíamos citar. E o mais triste de tudo isso é que partidos
historicamente comprometidos com as causas dos empobrecidos estão aderindo a essa
proposta.
Podemos, então, afirmar que, se não houver uma reação e uma mobilização por
parte das pessoas, as condições para a vida em nosso planeta irão se deteriorando cada
vez mais e em pouco tempo estaremos seriamente ameaçados e caminhando para a mais
completa extinção.
E nessa história toda onde ficam e como ficam os cristãos e as cristãs? Hoje não
há mais como negar a responsabilidade do judaísmo e do cristianismo nesse processo de
degradação da vida na Terra. Infelizmente falsificamos as primeiras páginas da Bíblia.
Confundimos o convite do Criador a cuidar do Jardim do Éden com o exercício
agressivo e devastador do senhorio e do domínio. As “civilizações” cristãs de matriz
européia devastaram o mundo arrancando dele todos os seus recursos. Em nosso país,
por exemplo, a devastação começou com o pau-brasil, passou pelo extermínio de
milhões de indígenas, pelo saque de nossos minérios e continua ainda hoje através da
ação de multinacionais que implantaram aqui seus projetos ambiciosos e poluidores de
geração de bens de consumo. De vez em quando se sabe através do noticiário da mídia
que eles ainda pretendem continuar nos devastando, enviando para cá o lixo produzido
por lá e que não sabem onde colocá-lo.
As comunidades cristãs precisam resgatar essa dívida com a humanidade.
Precisam se engajar seriamente nos diversos programas voltados para o cuidado do
planeta e para a busca do desenvolvimento sustentável. Não podem continuar
indiferentes, como se elas não tivessem a responsabilidade pelo que está acontecendo no
mundo. Não basta que se realize nas igrejas um trabalho de conscientização. É
indispensável que as suas lideranças estimulem e animem as pessoas a se tornarem
ecologicamente responsáveis. Elas devem com toda clareza indicar formas concretas de
participação nesse processo de reversão da situação em que nos encontramos.
Além disso e, talvez, mais do que isso precisam recuperar aquele espírito de
sobriedade e de simplicidade do cristianismo primitivo. Vários cientistas falam hoje da
necessária e urgente ascese ecológica, entendendo com esse termo um estilo de vida que
se contente com o essencial para viver dignamente. Eles acreditam que sem retorno a
uma vida simples, sem consumo desenfreado, não há como salvar o planeta. O
cristianismo pode contribuir com esse processo, uma vez que na sua origem está essa
“ascese ecológica”. De fato, dizem os textos bíblicos, os primeiros cristãos tomavam
“alimento com alegria e simplicidade de coração” (At 2,46). O próprio Jesus convida os
discípulos a olhar para os pássaros e para as plantas e a aprender com a natureza um
estilo de vida que se contente com o indispensável (Mt 6,25-34).
As dioceses, as paróquias e todas as outras formas de comunidade cristã não
podem cruzar os braços, deixando a outras instituições a responsabilidade pela vida no
planeta. Precisam imediatamente partir para a ação, constituindo-se em espaços
ecológicos que sirvam de referenciais para quem quiser se engajar em projetos em favor
da sustentabilidade do planeta. No Brasil a Campanha da Fraternidade 2011 se constitui
num momento único e propício para isso.
O que se espera é que os cristãos, especialmente os católicos, não percam essa
oportunidade. Se não forem capazes de um compromisso sério poderão passar à história
como responsáveis diretos pela destruição da nossa casa comum, a Mãe-Terra. E que tal
construir um “Antropolixo” e colocá-lo na entrada de cada igreja, pelo menos enquanto
durar a Campanha da Fraternidade? Penso que falará às pessoas muito mais do que
certas pregações e discursos.

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