Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
Diane Valdez1
A fotografia revela os aspectos fisionômicos, mundos de imagens habitando as coisas mais
minúsculas, suficientemente ocultas e significativas para encontrarem um refúgio nos
sonhos diurnos, e que agora tornando-se grandes e formuláveis, mostram que a diferença
entre a técnica e a magia é uma variável totalmente histórica.
(Walter Benjamin)
Introdução
1
Professora de História da Educação da Universidade Estadual de Goiás, mestra em História pela Universidade
Federal de Goiás (UFG) e doutorando em História e Filosofia da Educação pela Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP) .
2
Foram recolhidas cerca de cinqüenta fotografias das décadas de vinte a década de oitenta. Muitas já em estado
desgastado pelo tempo e pelo não acondicionamento.
2
“Retrato de família”,
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
fontes e matérias para o historiador, incluindo assim novos textos para leituras, como por
exemplo a fotografia.
Uma das primeiras formas de se registrar a imagem fotográfica foi apresentado pelo
francês L. J. M. Daguerre, o inventor do daguerreótipo: o primeiro processo fotográfico bem
sucedido. O invento foi apresentado à Academia de Ciência em 1839. Daguerre fixava a
imagem sobre uma superfície de prata pura, colocada sobre uma placa de cobre fixando assim
a imagem. O daguerreótipo não permitia reproduções, o exemplar era único, foi somente em
1851 que a fotografia permitiu reproduções com seus clichês de vidros e também a
diminuição do tempo da pose que era até então de 20 a 30 minutos.
As primeiras pessoas reproduzidas entravam nas fotos sem nada que a identificasse e a
fotografia ainda não era instrumentos dos raros jornais. “O rosto humano era rodeado por um
silêncio em que o olhar repousava” (Benjamin, 1985:95). Os assessórios dos retratos incluíam
pontos de apoio – como mesas, colunas e outros – devido a longa exposição que o modelo
teria que submeter, é a partir da década de 60 do século XIX que surgem os famosos ateliês
com cortinas e paisagens pintadas, Benjamin (1985:98) exemplifica o que ele ironicamente
chama de “câmara de torturas” com uma foto de Kafka:
O menino de cerca de seis anos é representado numa espécie de paisagem de jardim de inverno,
vestido com uma roupa de criança, muito apertada, quase humilhante, sobrecarregada com
rendas. No fundo, erguem-se palmeiras imóveis. E, como para tornar esse acolchoado ambiente
tropical ainda mais abafado e sufocante, o modelo segura na mão esquerda um chapéu
extraordinariamente grande, com largas abas, do tipo usado pelos espanhóis. (Ibdem, 1985:98)
Nenhuma outra família gastou tanto com fotografia quanto a imperial. D. Pedro II é sempre
lembrado nos livros de história da fotografia como um dos grandes incentivadores dessa
atividade. Segundo Gilberto Ferrez, o imperador, com catorze anos em 1840, época em que o
daguerreótipo chegou ao Brasil, ficou tão entusiasmado coma invenção que adquiriu um
aparelho, tornando-se, provavelmente, o primeiro brasileiro a fazer daguerreótipos. (Ibdem, 997:
197)
De toda maneira, diante da realeza, que traz consigo a idéia da imortalidade, o novo recurso
permitia a ilusão da perenidade das coisas e se transformava em um ícone de época. De um lado
representava a modernidade, de outro facilitava a nosso imperador cientista experimentar-se. Nas
viagens que o monarca passará a empreender, a fotografia o acompanha de perto. (Schwarcz,
1998:355)
As fotografias desse período são fontes preciosas para a História do Brasil Imperial. A
iconografia que antes era representada pelos bicos-de-penas, tintas e outros materiais,
inaugura em meados do século XIX a imagem impressa tal qual ela era. As fontes históricas
ganham mais um instrumento: os retratos em papéis grossos que poderiam ser reproduzido e
percorrer presentear pessoas em diferentes locais e sem muito esforço. Pela fotografia as
famílias poderiam construir imagens de suas histórias e álbuns de fotografias com temas
diversos de famílias, amigos, paisagens, tipos e outros, que se instalaram definitivamente
daquele período histórico se estendendo à contemporaneidade de forma precisa e relevante.
No decorrer do século XX a técnica da fotografia amplia, moderniza e democratiza um
pouco mais, o que permanece é o costume de se colecionar fotos nos preciosos álbuns ou
ainda nos baús e caixas de memórias. Registrar momentos de festas, comemorações, atos
religiosos, nascimentos e outros já faz parte do cotidiano de diversos grupos. Nesse aspecto, o
ambiente escolar passa a ser um local de registros, pois a escola, ou a educação escolar, se
constituí como um espaço privilegiado socialmente.
5
Para fazer ver, a escola deveria se dar a ver. Daí os edifícios necessariamente majestosos, amplos
e iluminados, em que tudo se dispunha em exposição permanente. Mobiliário, material didático,
atividades discentes e docentes – tudo deveria ser dado a ver de modo que a conformação da
escola aos preceitos da pedagogia moderna evidenciasse o Progresso que a República instaurava.
(Carvalho: 1989, p. 25)
Por mais abstrata que pareça, a fotografia é sempre imagem de alguma coisa, além de que, tudo
que se vê parece estar ao alcance, pelo menos do olhar de quem vê. Contudo, não só os
fotógrafos manipulam as fotografias como, em certa medida, os cientistas sociais estabelecem o
que deve ser visto. E apesar disso, esses acentuam a fé na veracidade fotográfica, e é com base
nela que a fotografia vem invadindo os trabalhos científicos e históricos, até há bem pouco tempo
avessos à documentação que não fosse escrita ou de observação participante. (Ibdem: 2000, 25)
Diante dessa expectativa e cuidados é que nos propomos a discorrer sobre as imagens
recolhidas, tendo como princípio, logicamente uma visão de história dinâmica, reforçando que
analisamos partes da educação do século XX, imagens de um tempo que não é estático, que se
transforma, que se contradiz e parafraseando o poeta “um tempo que não para” e ... quantos
de nós não rimos e retornamos ao passado – alguns saudosistas reclamando o tempo bom de
rígida disciplina – ao olharmos a famosa cena tirada na escola de meio corpo sentada, tendo
como apoio uma mesa, a bandeira nacional, um globo e um mapa do Brasil, as vezes
segurando um lápis com uma borracha na ponta. Símbolos do conhecimento e da escola.
Alguns fotógrafos até permitiam um leve sorriso, outros não, afinal a escola não é lugar de
alegria, é um espaço sisudo e ficar estático com o olhar fixo em um local, sem muitas graças,
eram critérios para uma boa lembrança dos tempos “primários”.
7
Para o Goiás do século XIX3, o descaso em relação à educação não tinha importância,
pois não se desejava nem ansiava por escolas. Os pais que traziam seus meninos para com
eles se embrenharem nos sertões à procura de ouro, como nômades, nem de longe se
interessavam por escolas. Igualmente, mais tarde, quando a sociedade voltou-se para a
produção pecuária, não interessava aos fazendeiros saber ler e escrever, nem aos funcionários
do governo, e muito menos aos portugueses. O ensino era restrito ao lar, exercido por alguns
pais letrados ou pela disposição de alguns fazendeiros que contratavam professores
particulares para educar seus filhos. Goiás não contou com a tutela da Companhia de Jesus na
educação, porém evidenciamos forte disposição da Igreja em catequizar os curumins,
contando para isso, com inteiro empenho do Estado.
Já no século XX, o então Estado de Goiás foi marcado nas três primeiras décadas
especialmente pela “continuidade de um Estado isolado, pouco povoado, quase integralmente
rural, com uma economia de subsistência” (Palacin:1994,p. 89). A Revolução de 30 (trinta)
teve significados importantes para a região principalmente pelo feito da transferência da
capital da cidade de Goiás para a moderna e planejada Goiânia em 1937. A partir de 1940 o
Estado cresce rapidamente em ritmo acelerado culminado pela construção de Brasília em
1959. De acordo com alguns historiadores a década de setenta assiste uma impressionante
explosão urbana com a criação de várias cidades e desenvolvimento de inúmeros tipos de
serviços em especial a educação.
No que se refere a educação, Goiás refletindo o que acontecia no país, rompeu com a
Igreja na Primeira República, porém predominaram até meados do século XX as escolas
privadas religiosas católicas, seja das irmãs Dominicanas, dos padres Redentoristas,
Franciscanos e outros que educaram a elite goiana em diferentes locais. Os retratos, em sua
3
Ver mais sobre o tema no artigo “Lição, palmatória e tabuada: imagens da educação em Goiás no século
XIX” de Valdez, D. publicado pela Revista Educativa, v. 4, n. 1, jan/jun/2001, UCG: Goiânia, p. 99/118.
8
4
Importante lembrar que a elite era a classe preferencial desses colégios, o número de internas pobres era uma
minoria, daí provavelmente o elevado número de fotos desses estabelecimentos, a fotografia não era uma prática
assessível para todas as classes.
5
O número de fotografias de escolas religiosas que não pertenciam à Igreja católica é quase insignificante.
9
reuniam alunos e alunas que pertenciam a mesma família: irmãos, primos e outros que
compunham as numerosas famílias rurais. Aparecem nas cenas paisagens típicas de fazendas
e chácaras como vegetação do cerrado (pés de pequi, guariroba), serras, cercas de madeira,
vacas e bois pastando, cochos de cavalos etc.
Um outro detalhe que nos chamou atenção foi o número elevado de professores do
sexo masculino. Até a década de sessenta, os professores homens dominavam a profissão em
Goiás. As mulheres aparecem nas imagens muito mais a partir da década de sessenta. Isso
também serve para o número de alunos em relação ao de alunas. Em uma sociedade
tipicamente rural, o ensino para as meninas não tinha importância, de acordo com as imagens,
o acesso do público feminino nas escolas em Goiás torna-se considerável a partir da década de
sessenta.
Já nos retratos que registraram cenas de desfiles escolares, festas comemorativas e
outros, datam com bastante intensidade a partir da década de cinqüenta ocupando maiores
espaços no período da ditadura militar – 1964/1985 – as décadas de sessenta e setenta
apresentam alunos e alunas em diferentes locais, ruas, pátios etc., desfilando com roupas de
militares, com bandeiras, honras e muita disciplina no alinhamento da fila e da marcha. Os
pés levantados juntos, a meia abaixo do joelho, o uniforme bem passado e engomado, as
roupas de ginástica, as meninas separadas dos meninos, os olhares de orgulho dos pequenos
militares com quepes e sapatos brilhantes, a presença de cavalos, além de muitos outros
detalhes, estão presentes nesse período da história na qual a escola foi um instrumento
primordial na divulgação de idéias militares instigada pelo golpe que aconteceu no país.
Quanto às fotos de meio corpo, tiradas como lembrança do tempo primário, elas não
são recentes. Na década de quarenta já encontramos fotos de crianças sentadas atrás de uma
mesa ou carteira, segurando lápis ou com as mãos apoiadas em cadernos e livros, o globo ou o
mapa sempre presente, algumas trazem um vaso de flor e muitas outras fotos, especialmente
nas décadas de sessenta e setenta, apresentam um novo elemento: um aparelho de telefone, o
símbolo da modernidade contrastando com o velho globo e claro, acima o escrito “República
dos Estados Unidos do Brasil” e “Lembrança do ensino primário”. E como foi preciosa essa
lembrança para os poucos que freqüentavam escolas na região.
Os inúmeros cenários que as fotos revelam dão pistas do ensino público dos Liceus e
dos Grupos Escolares, das escolas dos meninos sérios com jeito de adultos, das meninas
enfileiradas ordenamente e uniformizadas até no corte do cabelo e no laçarote do lado certo,
das escolas militares com seus orgulhosos alunos e seus imponentes oradores, das escolas
mistas de sexo, cor e idade, dos mestres que dominaram o ensino durante um tempo, das
10
freiras mestras com ares de severas, dos desfiles e festas cívicas, da disciplina invocada no
alinhamento e na seriedade, do poder dos mestres no centro das fotos e muitas outras imagens
que podem nos dar pistas de vários ensinos, de várias escolas, de inúmeras infâncias e
adolescências, de diferentes prédios escolares, enfim um pouco da história da cultura escolar
em Goiás que deve ser complementada com outras fontes, cruzada com outras indicações que
possam nos levar a entender um pouco mais sobre esse espaço tão dinâmico e tão importante
que é o espaço escolar.
Bibliografia
ANDRADE, C.D. Poesia completa e prosa em um volume. Rio de Janeiro: Companhia José
Aguilar editora, 1973.
BENJAMIN, W. Pequena história da fotografia. In: BENJAMIN, W. Obras escolhidas:
magia e técnica, arte e política. Vol. I. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 91-107.
BRETAS, G. História da instrução pública em Goiás. Goiânia: CEGRAF/UFG, 1991.
CARDOSO, C.F. e MAUAD, A.M. História e imagem: os exemplos da fotografia e do
cinema. In: CARDOSO, C.F e VAINFAS, R (orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria
e metodologia. Rio de Janeiro: Campus,1997, p.401-418.
CARVALHO, M.M.C. A escola e a República. São Paulo: Brasiliense/Tudo é História, 1989.
DEMO, P. Pesquisa: princípios científico e educativo. São Paulo: Cortez, 2000.
HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.
LEITE, M.M. Retratos de família. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000.
MAUAD, A.M. Imagem e auto-imagem do segundo Reinado. In: ALENCASTRO, L.F.
(Coord.) História da vida privada no Brasil: Império. São Paulo: Companhia das Letras,
1997, p. 181-232.
PALACIN, L. e MORAES, M.A.S. História de Goiás. Goiânia: UCG, 1994.
VALDEZ, D. Lição, palmatória e tabuada: imagens da educação em Goiás no século XIX. In:
Revista Educativa, v. 4, n. 1, jan/jun/2001, UCG: Goiânia, p. 99/118.
11