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Vínculos iniciais e desenvolvimento infantil:

TEMAS LIVRES FREE THEMES


abordagem teórica em situação
de nascimento de risco

Early relations and infant development:


theoretical approach in risk birth situation

Evanisa Helena Maio de Brum 1


Lígia Schermann 1

Abstract The present paper brings considera- Resumo O presente artigo traz considerações so-
tions on the development in the infant’s early bre o desenvolvimento nos primeiros anos de vida
years, counterposing important points within the da criança, contrapondo pontos importantes na
psychoanalytic theory and objectal relations theo- teoria psicanalítica e na teoria das relações obje-
ry, as well as focusing contemporary authors. As- tais, bem como enfocando autores da contempo-
pects such as the importance of early relations, a raneidade. São abordados aspectos como a im-
brief history of neonatal care procedures and the portância das primeiras relações, um breve histó-
mother-infant interaction in risk birth situations, rico das práticas de cuidados neonatais e a inte-
especially in cases of premature birth, are ap- ração mãe-bebê em situações de nascimento de
proached. In these situations, the processes of for- risco, especialmente em casos de nascimento pré-
mation of initial links and affection can pose dif- termo. Nestas situações, os processos de formação
ficulties. We mused about the potential interven- dos vínculos iniciais e do apego podem apresentar
tions for promotion and prevention in collective dificuldades. Assim, faz-se uma reflexão sobre
health, directed at families that have their infants possíveis intervenções de promoção e prevenção
hospitalized at the neonatal intensive care unit, em saúde coletiva dirigida às famílias que estão
seeking a better life quality for those involved in com seus filhos internados em Unidade de Tera-
this process. Formulations that may come to pre- pia Intensiva Neonatal, buscando uma melhor
vent the emergence of general developmental dis- qualidade de vida para os envolvidos neste pro-
orders are mentioned, suggesting that they give cesso. Formulações que possam vir a prevenir o
rise to questions to be discussed in the field of col- surgimento de transtornos gerais do desenvolvi-
lective health care. mento são mencionadas, sugerindo-se que deri-
Key words Collective health, Promotion and pre- vem em questões a serem discutidas no âmbito da
vention in health care, Premature birth, Affection Saúde Coletiva.
Palavras-chave Saúde coletiva, Promoção e pre-
1 Programa de Pós- venção em saúde, Nascimento pré-termo, Apego
Graduação em Saúde
Coletiva, Universidade
Luterana do Brasil.
Rua Miguel Tostes, 101 –
Prédio 14, sala 227
Bairro São Luís.
92420-280 Canoas RS.
evanisa@portoweb.com.br
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Brum, E. H. M. & Schermann, L.

Introdução Erik Erikson, psicanalista e teórico de gran-


de influência sobre o estudo do desenvolvi-
A psicanálise sempre foi unânime em reconhe- mento, em seus trabalhos desde 1950 até 1985,
cer a importância das primeiras relações na vi- partilha de alguns aspectos da teoria de Freud,
da de um bebê como a base para o desenvolvi- embora existam diferenças fundamentais entre
mento. As primeiras relações estão vinculadas suas teorias. Erikson (1980) aborda a grande
à formulação de que todos os bebês desenvol- importância dos anos iniciais para o desenvol-
vem um forte vínculo com a mãe ou mãe subs- vimento, porém, não deu ênfase à centraliza-
tituta (cuidador primário). Apesar deste ponto ção dos instintos e impulsos, focalizando, em
ser pacífico, existem divergências acerca de co- seu lugar, o surgimento gradativo de um senso
mo o desenvolvimento destas relações e suas de identidade que ocorre pela interação do su-
vicissitudes se processam. Desde os primeiros jeito com seu meio ambiente. O primeiro dos
trabalhos escritos por Freud, muitos psicana- oito estágios apresenta a crise de confiança bá-
listas e pesquisadores ampliaram a teoria psi- sica versus desconfiança. Expõe que nele o
canalítica, concordando ou divergindo de al- comportamento do principal provedor de cui-
guns de seus pontos. Estas divergências torna- dados (comumente, a mãe) é fundamental ao
ram-se campo fértil para o surgimento de no- estabelecimento, pela criança, de um senso de
vas teorias, entre elas, as advindas dos teóricos confiança básica. Para que ocorra uma finaliza-
das relações objetais. Além disso, o avanço ci- ção bem-sucedida dessa tarefa o genitor preci-
entífico e tecnológico contribuiu para que se sa amar com consistência e reagir de maneira
possa hoje ter uma visão mais ampla sobre o previsível e confiante para com a criança. Aque-
desenvolvimento infantil. les bebês cujos cuidados iniciais foram erráti-
cos ou severos podem desenvolver desconfian-
ça. Seja qual for o caso, a criança carrega esse
A importância das primeiras relações aspecto de identidade básica ao longo de seu
desenvolvimento, influenciando a solução das
Numa perspectiva histórica, encontramos o tarefas contidas nos estágios posteriores.
início do estudo das primeiras relações no tra- Winnicott, psicanalista inglês e teórico das
balho de Freud. Em seu artigo “Instintos e suas relações objetais, em 1963, descreveu o desen-
vicissitudes”, escrito em 1915, argumenta que a volvimento emocional primitivo em termos da
criança possui necessidades fisiológicas que de- jornada da dependência à independência, pro-
vem ser satisfeitas, sobretudo de alimento e pondo três categorias: dependência absoluta,
conforto, e que o bebê se torna interessado em dependência relativa e autonomia relativa. Para
uma figura humana, especificamente a mãe, ele, é na fase de dependência absoluta que a
por ela ser a fonte de sua satisfação. Na teoria mãe desenvolve o que chamou de preocupação
dos instintos, a vinculação com a figura mater- materna primária (Winnicott, 1956). Este esta-
na é vista como impulso secundário, ou seja, do especial da mãe faz com que ela seja capaz
que o bebê se liga à mãe afetivamente como de compreender o bebê por meio de uma sur-
conseqüência de esta ser o agente de suas satis- preendente capacidade de identificação, consti-
fações fisiológicas básicas. tuindo-se com ele em uma unidade. A mãe, en-
Outro estudioso das relações vinculares e da tão, auxilia-o a se integrar. Diz o autor que, se
formação do apego é o psicanalista René Spitz. na fase de dependência absoluta, não há uma
Trabalhando em um orfanato, Spitz (1945) ob- mãe capaz de se conectar com seu bebê, este fica
servou que os bebês que eram alimentados e num estado de não-integração, tornando-se
vestidos, mas não recebiam afeto, nem eram se- apenas um corpo com partes soltas. De acordo
gurados no colo ou embalados, apresentavam a com as idéias acerca do desenvolvimento pro-
síndrome por ele denominada hospitalismo. postas por Winnicott, é aqui que ocorrem as fa-
Esses bebês tinham dificuldades no seu desen- lhas primitivas no desenvolvimento, acarretan-
volvimento físico, faltava-lhes apetite, não ga- do o surgimento de patologias mentais.
nhavam peso e, com o tempo, perdiam o inte- Bowlby (1969), psicanalista inglês e teórico
resse por se relacionar, o que levava a maioria das relações objetais, descreveu a importância
dos bebês ao óbito. René Spitz descreveu, por- das primeiras relações para o desenvolvimento,
tanto, o resultado da ausência dos pais e do afe- formulando, desse modo, a teoria do apego,
to como fator determinante no desenvolvimen- quando descreve as relações do bebê com sua
to com prognóstico reservado. mãe ou cuidador desde o nascimento até os seis
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anos de idade. Alude que o ser humano herda cimento e começa, com os meses, a adquirir for-
um potencial para desenvolver determinados ça. Bowlby (1969) infere que é improvável que
tipos de sistemas comportamentais, como su- qualquer fase sensível de apego comece antes das
gar, sorrir, chorar, seguir com os olhos. A con- seis semanas. Acrescenta que o apego torna-se
duta instintiva é o resultado do controle desses evidente depois que a criança completa seis me-
sistemas comportamentais integrados, que fun- ses, ficando mais clara sua existência por volta
cionam num determinado ambiente de adap- dos 18-24 meses. Portanto, os dois conceitos
tabilidade evolutiva, em especial, de sua intera- estão distantes de serem sinônimos.
ção com a principal figura deste ambiente, a Bowlby (1969) afirma que existem boas pro-
mãe. Nesta perspectiva, o vínculo da criança vas de que, num contexto familiar, a maioria
com a mãe, chamado por ele de apego, tem dos bebês de cerca de três meses de idade já res-
uma função biológica que lhe é específica e é o ponde à mãe de um modo diferente em com-
produto da atividade destes sistemas compor- paração com outras pessoas. Quando vê sua
tamentais que têm a proximidade com a mãe mãe, um bebê desta idade sorrirá e vocalizará
como resultado previsível. Portanto, ao longo mais prontamente e a seguirá com os olhos por
do desenvolvimento, a criança passa a revelar mais tempo do que quando vê qualquer outra
um comportamento de apego que é facilmente pessoa. Portanto, a discriminação perceptual
observado e que evidencia a formação de uma está presente. Entretanto, será difícil afirmar
relação afetiva com as principais figuras deste que existe comportamento de apego enquanto
ambiente. não houver provas evidentes de que o bebê não
Nessa formulação, não há referência a ne- só reconhece a mãe, mas também tende a se
cessidades fisiológicas e impulsos, sustenta-se comportar de modo a manter a proximidade
ainda que o ato de nutrir desempenha um pa- com ela.
pel apenas secundário no desenvolvimento O comportamento de apego manifesta-se
desses sistemas comportamentais. Desta forma, pelos três meses, tornando-se nitidamente pre-
torna-se claro que, para Bowlby, a formação do sente por volta dos seis meses de idade da cri-
apego não é uma conseqüência da satisfação ança e, em regra, prossegue até a puberdade.
das necessidades fisiológicas básicas como pos- Até recentemente, a maioria dos teóricos
tula Freud. das relações objetais, em seus estudos sobre in-
Esta descrição de Bowlby coincide com as teração mãe-bebê, examinou fatores referentes
formulações de Spitz acerca da síndrome de ao papel da mãe neste processo, enquanto me-
hospitalismo, ou seja, é necessária a existência nos atenção foi dada às contribuições da crian-
de uma relação de afeto e de apego como fator ça. Não há dúvida de que a mãe possui, sim, a
primário para um adequado desenvolvimento. tarefa de se ligar ao bebê e auxiliá-lo em seu de-
Também encontramos respaldo sobre esta ques- senvolvimento. Porém, sabemos, hoje, com o
tão na teoria psicossocial do desenvolvimento respaldo de pesquisadores contemporâneos,
de Erikson, por este autor não se centrar na te- que ao bebê também cabe esta tarefa e que este
oria instintiva freudiana. possui recursos para enfrentar tal empreitada.
Bowlby e Winnicott deixam clara a impor- Esta interação, portanto, segue um modelo bi-
tância das primeiras relações de um bebê com direcional (Schermann, 2001b), em que não
sua mãe para o desenvolvimento, apesar de ha- apenas o comportamento do bebê é moldado
ver divergência em pontos importantes na teo- pelo comportamento da mãe, mas também o
ria de cada um deles. Estar apegado a uma fi- da mãe o é pelo comportamento do bebê.
gura materna (conceito de Bowlby) e ser de- Autores e pesquisadores contemporâneos,
pendente de uma figura materna (conceito de como Brazelton (1988), Schermann et al. (1994),
Winnicott) são coisas muito diferentes, apesar Schaffer (1996), Wendland-Carro et al. (1999),
de terem como base a relação vincular mãe-be- Klaus & Kennell (2000), Claussen & Crittenden
bê. Nas primeiras semanas, não há dúvida de (2000) e Schermann (2001b), abordam o quan-
que um bebê é dependente de sua mãe para to os bebês recém-nascidos apresentam uma
que possa sobreviver, mas não está ainda ape- impressionante capacidade de responder às in-
gado a ela. De acordo com as idéias de Winni- terações já nos primeiros minutos. Iniciam a
cott, a dependência é máxima no nascimento e vida capazes de fazer discriminações importan-
tende a diminuir ao longo da vida, apesar de tes e de localizar objetos por meio de várias in-
seguir sempre de alguma forma presente. Na dicações perceptivas. São capazes de realizá-las
teoria de Bowlby, o apego está ausente no nas- pelo olhar, de identificar a voz do pai e da mãe.
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Brum, E. H. M. & Schermann, L.

Pelo sexto dia de vida, um bebê já é capaz de Sensitividade materna, de acordo com Ains-
identificar o cheiro da mãe. O paladar também worth et al. (1978), é a habilidade da mãe em
é altamente desenvolvido em bebês após o nas- perceber, interpretar e responder de forma ade-
cimento. Eles gostam do conforto, da proximi- quada e contingente aos sinais da criança. A
dade, e irão com freqüência moldar-se ao cor- mãe muito sensitiva é bastante atenta aos sinais
po de seus pais. Portanto, estes pesquisadores da criança e responde a eles pronta e apropria-
corroboram ao que postulam Bowlby e Ains- damente. No outro extremo, está a mãe muito
worth sobre a existência de uma relação vincu- insensitiva, que parece agir quase que exclusi-
lar estreita entre o bebê e sua mãe já nas pri- vamente de acordo com seus desejos, humores
meiras horas de vida, enfatizando as capacida- e atividades, podendo responder aos sinais do
des do recém-nascido para a interação. bebê, mas fazendo-o com atraso.
Schaffer (1996) diz que a criança com qua- Schaffer (1996) e Claussen & Crittenden
tro semanas já se comporta diferentemente (2000), partindo das definições de Ainsworth e
com sua mãe, seu pai e com estranhos. Expres- Bowlby, dizem que, embora o conceito de sen-
sões emocionais, rapidez de movimentos, res- sitividade materna tenha suporte em pesquisa,
ponsividade, tensões e brincadeiras são estes e sua definição não é clara. Segundo Claussen e
muitos outros atributos que diferenciam as Crittenden, isso ocorre devido ao fato de este
pessoas e ajudam a produzir estilos distintos de conceito abarcar duas questões distintas: pri-
interações. Complementa que as características meiramente, a interpretação dos sinais da cri-
temperamentais da criança, que são inatas, até ança (sensitividade) e, depois, a adequada exe-
mesmo em crianças muito novas, ajudarão a cução de respostas (responsividade). Dizem
determinar o curso da interação e influencia- que, na escala original de Ainsworth, sensitivi-
rão o comportamento da outra pessoa. dade incorpora ambas habilidades, tanto para
Nesse sentido, Bee (1997) cita que, mesmo perceber e interpretar acuradamente os sinais
sendo tão importante, esse programa inato das da criança quanto para responder apropriada-
capacidades da criança depende da presença de mente e prontamente a esses sinais. Destacam
um ambiente mínimo esperado, sendo essen- que, conceitualmente, isso é problemático, pois
cial a formação do elo afetivo e da oportunida- esses são passos diferentes no processo de in-
de de pais e bebês desenvolverem um padrão formação e formação de vínculos afetivos, não
mútuo de entrosamento de comportamento de estando necessariamente vinculados.
apego. As autoras acima referidas conceituam sen-
O trabalho de Ainsworth et al. (1978) foi sitividade como uma construção diádica, foca-
fundamental na identificação dos diferentes lizando o temperamento e as características
padrões de apego, classificação que foi possível únicas tanto da criança quanto do cuidador, e
ser formulada através da “situação estranha”, não somente como uma característica dos pais.
um procedimento que foi elaborado especial- Portanto, alguns pesquisadores têm se concen-
mente para este fim. Consiste, resumidamente, trado mais no conceito de sincronia da díade,
em uma série de sete episódios em laboratório: em vez de apenas dos pais, capturando assim a
a criança, inicialmente, está com a mãe, depois, contribuição de ambos, pais e crianças, para a
com a mãe e um estranho, sozinha com o es- interação.
tranho, reunida à mãe; sozinha; e, depois, de Desde a década de 1960 esses aspectos vêm
novo, reunida com o estranho; e, então, com a sendo estudados; a pesquisa de Schaffer e Emer-
mãe. Ainsworth sugeriu que as reações das cri- son, realizada em 1964, com 60 crianças esco-
anças a essa situação poderiam ser classificadas cesas, tinha o objetivo de identificar as condi-
em três tipos: seguramente apegados à mãe ções associadas ao fato de o bebê apegar-se à
(70% da amostra); ansiosamente apegados à mãe num alto ou baixo grau de intensidade,
mãe e esquivos (20% da amostra); e ansiosa- medida pelos seus protestos quando a mãe se
mente apegados à mãe e ambivalentes (10% da afastava. Os pesquisadores concluíram que nas
amostra). O estabelecimento dos distintos pa- crianças com alta intensidade de apego às mães
drões de apego vai depender, em grande parte, não havia associação significativa com as variá-
da sensitividade materna às necessidades infan- veis alimentação, desmame, treinamento dos
tis, assim como, a capacidade da criança de us- hábitos de higiene, sexo da criança, ordem de
ar a mãe como base segura, a partir da qual ex- nascimento e quociente de desenvolvimento.
plora o mundo e para onde retorna em situa- Em contrapartida, duas variáveis, relacionadas
ção de perigo ou angústia. ao apego e que envolvem o conceito de sensiti-
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vidade materna, destacaram-se como clara- o mundo como um local seguro. A partir da de-
mente significativas: a presteza com que a mãe pendência nos primeiros meses e a formação
respondia ao choro do bebê e o grau com que de um apego seguro, ocorre a independência
ela própria iniciava a interação social com ele. posterior. Os esforços de pais para levarem seus
Mais recentemente, Wendland-Carro et al. filhos à independência precoce resulta num
(1999) estudaram 36 mães parturientes e seus processo inverso, ou seja, provocam dependên-
recém-nascidos, examinando uma intervenção cia e medos que podem durar a vida toda.
que analisa a influência da resposta sensível da Quando os pais são coerentes em seus pa-
mãe para o seu bebê. Um grupo experimental drões de cuidados e prestam atenção aos sinais
recebeu um programa de intervenção desen- de seu bebê, oferecem um ambiente altamente
volvido para incrementar a interação entre mãe- favorável para a criança senti-los e ao mundo
filho. Foi apresentado um vídeo com informa- como confiáveis e responsivos às suas necessi-
ções acerca das competências dos recém-nasci- dades individuais. Pelo asseguramento repeti-
dos para interação, motivando as mães a se en- do de que suas necessidades físicas e emocio-
volverem e interagirem mais intensamente com nais serão satisfeitas, o bebê começa a desenvol-
seus filhos. Os pesquisadores procuraram dire- ver um sentimento de confiança básica e apego
cionar a atenção da mãe para a importância da que o conduz à construção da independência.
descoberta da individualidade da criança no Assim, a criança pode usar sua curiosidade, pe-
tocante ao temperamento, à preferência para o la base segura formada com seu cuidador, para
contato físico e à reação à situação de pressão. desbravar e experimentar o mundo.
Um segundo grupo recebeu uma intervenção,
também em forma de vídeo, com informações
que davam ênfase à habilidade de cuidados bá- Breve histórico das práticas
sicos. Um mês após, foi feita uma observação de cuidados neonatais
na casa dos bebês para avaliar a sincronia e a
assincronia entre mãe e filho. O primeiro gru- Nas maternidades e nos berçários, nas décadas
po mostrou uma grande freqüência no tocante de 1950 e 1960, havia a preocupação com a pro-
às ocorrências sincrônicas que envolviam as teção de pacientes contra os perigos reais de
trocas vocais, observação dos parceiros e con- doenças contagiosas, o que levou a políticas ex-
tato físico. Havia, também, nesse grupo, dife- tremas de isolamento e separação. O medo da
renças positivas na responsividade das mães disseminação de infecções foi responsável pela
para com o choro e a resposta involuntária da separação física entre as áreas obstétricas e pe-
criança. diátricas nos hospitais. Não só a diarréia era epi-
Acredita-se, portanto, que a qualidade da dêmica, como a infecção respiratória era pre-
interação inicial mãe-bebê é um importante sente nas maternidades e nas unidades infantis
fator mediador entre os eventos perinatais e hospitalares. Como resultado, as maternidades
o desenvolvimento sociocognitivo da criança hospitalares reuniam os bebês a termo em
(Schermann, 2001a). Outros pesquisadores, grandes enfermarias a portas fechadas, e os pa-
também, argumentam que os primeiros meses is e familiares eram excluídos. As regras rígidas
de vida da criança são primordiais para o de- da enfermaria de recém-nascidos foram man-
senvolvimento da conduta de apego entre o be- tidas até o começo da década de 1970, quando
bê e sua mãe (Bowlby, 1969; Ainsworth et al., tiveram início os cuidados centrados na famí-
1978; Schaffer & Emerson, 1964; Brazelton, lia, no que diz respeito ao parto. Foram, então,
1988; Bee, 1997; Wendland-Carro et al., 1999; abertos os portões das unidades obstétricas, e
Klaus & Kennell, 2000 e Claussen & Critten- os pais e outros membros próximos à família
den, 2000). Sendo que quando há o desenvolvi- receberam a permissão para visitar o recém-
mento de apego seguro, como postula Ainsworth nascido no quarto da mãe. Gradualmente, na
et al. (1978), tem-se a idéia de um importante década de 1980, as mães foram estimuladas a
fator no bom prognóstico do desenvolvimento ficar com seus filhos por períodos prolongados.
afetivo, social e cognitivo de crianças. Nos anos 90, novas unidades obstétricas foram
De acordo com o que foi até aqui descrito, construídas e a mãe e o bebê passaram a divi-
as crianças com apego seguro, ou que rumam à dir o mesmo quarto (Klaus & Kennell, 2000).
independência, têm confiança no amor de seus Dois estudos foram fundamentais para que
pais, sabem que podem confiar neles para com- as portas das Unidades de Terapias Intensivas
preender e satisfazer suas necessidades e vêem Neonatais (UTIN) se abrissem para a entrada
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Brum, E. H. M. & Schermann, L.

dos pais e familiares. O primeiro foi realizado na tos para cada 1.000 nascidos vivos. Quanto ao
Universidade de Stanford na Califórnia (Klaus coeficiente de mortalidade pós-natal (de 28 a
et al., 1970): os pesquisadores estudaram, por 364 dias de vida), observa-se um declínio no
dois anos, 44 mães, permitindo que entrassem mesmo período de 16,46 para 5,07 óbitos para
na enfermaria logo após o nascimento do seus cada 1.000 nascidos vivos, destes óbitos 61,2%
filhos para que pudessem pegá-los e alimentá- foram entre o primeiro e o terceiro mês de vida.
los enquanto ainda se encontravam em incu- Entre as afecções do período perinatal, os
badoras. Para avaliar a ameaça de infecções, fo- transtornos relacionados à prematuridade, ao
ram feitas culturas semanais nos bebês. Os re- baixo peso ao nascer e à síndrome da angústia
sultados não mostraram aumento em bactérias respiratória do recém-nascido foram os princi-
perigosas, mesmo com as visitas das mães. pais responsáveis pelos óbitos ocorridos no pri-
O outro estudo foi realizado em 1982, tam- meiro ano de vida (quase 70% dos óbitos ocor-
bém por Klaus e Kennell, no Hospital da Uni- reram nos primeiros seis dias de vida). Dos
versidade de Cleveland. Permitiu-se a um gru- 23.854 nascidos vivos, em Porto Alegre, no ano
po de mães que entrasse nas UTIs para pegar e de 1999, 8,1% eram prematuros e 9,5% com
cuidar seus bebês. As crianças desse grupo tive- baixo peso ao nascer (Sinasc, 1999).
ram um escore mais alto no teste de Stanford- McCormick (1992) e Bee (1997) expõem so-
Binet (que avalia o QI dos bebês), quando com- bre a queda da mortalidade infantil como um
paradas com as crianças do grupo controle, no todo nos Estados Unidos. De 1950 a 1980, hou-
qual as mães não tiveram contato precoce com ve um decréscimo de 29,2 por 1.000 nascidos
seus filhos. vivos, complementando que muito destas mu-
Kleinman (1992), em seu trabalho “The danças tem ocorrido entre mortes no período
epidemiology of low birthweight”, refere sobre neonatal.
as medidas precisas que são feitas rotineira- Kleinman (1992) diz que crianças de baixo
mente por ocasião do nascimento. Uma das peso ao nascer são aproximadamente 50% mais
formas de classificação é feita com os dados so- propensas a terem sérios problemas de desen-
bre peso ao nascer. A medida é composta por volvimento do que outras doenças. Crianças de
um acordo entre idade gestacional e crescimen- muito baixo peso ao nascer (quase todas pré-
to intra-uterino. A classificação usada sobre pe- termo) são de grande risco para mortalidade e
so divide-se em: baixo peso ao nascer (abaixo morbidade. De 1960 a 1987, baixo peso ao nas-
de 2.500 gramas), esta categoria é por sua vez cer baixou em média para 0,8% ao ano entre
dividida em: muito baixo peso ao nascer (me- brancos e 0,3% ao ano entre negros, nos Esta-
nos de 1.500 gramas) e moderado baixo peso dos Unidos. O declínio também tem sido gran-
ao nascer (de 1.500 a 2.499 gramas). No outro de em relação à mortalidade das crianças nas-
extremo da escala, estão os bebês com alto peso cidas com baixo peso. A sobrevivência de crian-
ao nascer (4.500 gramas ou mais). Esta subdi- ças nascidas abaixo de 1.500 gramas mais que
visão tem sido usada para identificar de forma dobrou, tanto para negros quanto para brancos.
mais precisa os bebês com riscos mais sérios. Este declínio da mortalidade infantil e neo-
Em relação à idade gestacional, distingue-se natal torna claro o aumento da sobrevivência
pré-termo (gestação com menos de 37 semanas), de crianças de alto risco, que são aquelas com
a termo (gestação de 38 semanas a 42 semanas) baixo peso ou com muito baixo peso ao nascer,
e pós-termo (gestação com mais de 42 semanas). o que é amplamente atribuído aos avanços da
De acordo com o Sinasc (1999), nos últi- tecnologia e à maior capacidade que temos acer-
mos 20 anos, o Coeficiente de Mortalidade In- ca de informações científicas sobre os cuidados
fantil (CMI) tem mostrado mudanças signifi- necessários para os bebês que necessitam de in-
cativas do perfil epidemiológico da mortalida- ternação em UTIN. O cuidado intensivo neo-
de de crianças no primeiro ano de vida em Por- natal continua a ser efetivo no aumento da so-
to Alegre. Ao se compararem os dados da mor- brevivência de crianças de alto risco (Brazel-
talidade infantil no município referentes a ton, 1988; McCormick, 1992; Kleinman, 1992;
1980 e 1999, observa-se uma queda no CMI de Sinasc, 1999).
37,24 para 12,19 óbitos para cada 1.000 nasci- Desta forma, os autores predizem que este
dos vivos. Isso representa um decréscimo de, aumento de sobrevivência, especificamente em
aproximadamente, 67%. Em relação aos óbitos relação aos bebês com muito baixo peso ao
neonatais (de 0 a 27 dias de vida) de 1980 para nascer, poderia ter um pequeno, mas perceptí-
1999, houve uma queda de 20,00 para 7,12 óbi- vel impacto na prevalência de deficiências no
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desenvolvimento neurológico e mental de cri- ra o bebê, apesar de indispensáveis para sua so-
anças (McCormick, 1992 e Kleinman, 1992). brevivência, encontramos pais assustados e in-
McCormick (1992) coloca em pauta os li- seguros acerca da sobrevivência de seus filhos e
mites dos efeitos da tecnologia neonatal, aler- em relação a que tipo de ajuda podem oferecer
tando que os resultados de vários estudos co- a estas pequenas crianças.
meçam a sugerir que a sobrevivência abaixo de Estes bebês, apesar de enfermos e com ris-
500 gramas e 23 semanas de gestação é extre- co, possuem capacidades para se recuperarem
mamente rara, em parte porque podemos estar se as interações sociais e tecnológicas apropria-
nos aproximando de limites biológicos. damente incentivadoras forem iniciadas quan-
Portanto, passos consideráveis têm sido da- do ele é pequeno (Brazelton, 1988; Rauh &
dos no sentido da melhora tanto da média de Brennan, 1992; Gross et al., 1992; Beckwith &
sobrevivência quanto da qualidade de vida de Rodning, 1992; Klaus & Kennell, 2000; Scher-
bebês prematuros muito pequenos, quando to- mann, 2001b). Os bebês prematuros, mesmo
das as técnicas modernas são empregadas. Os nas primeiras semanas, já são responsivos a al-
avanços nos cuidados obstétricos e neonatais e gumas formas de estímulos sociais (Schaffer,
na tecnologia levaram, gradualmente, a uma 1996; Schermann, 1994). Um fator de previsão
melhora considerável na qualidade de sobrevi- positiva é a capacidade dos pais de se relacio-
vência para até mesmo os bebês de muito bai- narem com o bebê e trabalharem em sua recu-
xo peso. peração (Brazelton, 1988; Rauh & Brennan,
1992; e Klaus & Kennell, 2000).
A necessidade de os pais se envolverem com
A interação mãe-bebê em situações seus bebês, auxiliando-os no processo de recu-
de nascimento de risco peração, torna-se, muitas vezes, um fator com-
plicador, pois os pais, diante do nascimento pre-
Os dados históricos e epidemiológicos refe- maturo de seus filhos, vêem-se roubados da eu-
ridos demonstram as grandes evoluções que foria em que se encontravam e mergulham em
ocorreram no atendimento e cuidados às mães um ambiente de preocupação e agitação. Dian-
e seus bebês em relação a avanços tecnológicos, te desta situação, sentem-se desorganizados,
biológicos e psicológicos. As pesquisas e desco- desnorteados, ansiosos e terrivelmente cansa-
bertas a respeito dos cuidados perinatais e neo- dos, sendo incapazes de compreender o que es-
natais, acrescidas aos esforços para amenizar o tá acontecendo e de responder adequadamen-
trauma do bebê e de sua família, tiveram um te. A este respeito, Brazelton (1988) alude que
efeito direto na transformação de UTIs neona- o luto dos pais, depois do nascimento prema-
tais em ambientes mais humanos. turo, é inevitável. Os pais não somente de-
Além disso, de acordo com o até aqui expos- monstram esta reação pela perda do bebê per-
to sobre a importância das primeiras relações feito que esperavam, mas também lamentam o
para o desenvolvimento e da existência das ca- bebê que produziram, culpando-se consciente
pacidades dos recém-nascidos para a interação ou inconscientemente. Complementa dizendo
já nos primeiros minutos de vida, o que pode- que nessa situação de risco é muito difícil para
mos pensar quando este vínculo entre a mãe e os pais manterem seu vínculo com o bebê, o
o bebê é de alguma forma dificultado pela in- que numa situação como essa podemos consi-
ternação do bebê em UTIN? Em que ponto a derar normal.
teoria do desenvolvimento nos instrumentaliza A este respeito, Alfaya & Schermann (2001)
para que possamos lidar e dirimir as conse- estudaram a depressão materna em três gru-
qüências deste trauma? Como podemos ajudar pos: 20 mães de bebês prematuros e 14 mães de
o bebê e sua mãe para que encontrem a melhor bebês a termo que necessitaram de cuidados
forma de passar e viver este momento de risco intensivos neonatais, bem como 24 mães de be-
e conseguirem formar um apego seguro? bês a termo sadios. Utilizaram o Inventário de
Quanto aos aspectos psicológicos, várias Depressão de Beck para verificar a depressão
pesquisas têm sido realizadas no sentido de materna e encontraram que as mães dos bebês
compreender os processos que envolvem o be- prematuros apresentaram uma incidência mai-
bê e sua família numa situação de nascimento or entre os níveis moderado e grave para a de-
de risco. Portanto, neste contexto de interna- pressão. Este resultado indica, portanto, rela-
ção de um bebê em UTIN, cheia de estímulos, ção entre o evento do nascimento prematuro
muitas vezes hiperestimulantes e agressivos pa- com indicadores de depressão materna.
464
Brum, E. H. M. & Schermann, L.

Rauh & Brennan (1992), Schaffer (1996) e de levar a um desenvolvimento com dificulda-
Pickle (2000) também pontuam que o luto e a des. Winnicott (1971) diz que, passando pela
depressão materna nessa situação têm um pa- fase de se ver refletido no rosto da mãe, o bebê
pel significativo na saúde emocional e no bem- conseguirá chegar à individualização de uma
estar da criança. Desta forma, as necessidades forma mais facilitada.
psicológicas da criança, a conexão emocional É claro, pela literatura observada, que o lu-
entre a díade e o comportamento de apego po- to e a depressão materna têm um impacto na
dem ficar comprometidos e, muitas vezes, os direção da prática de cuidados para com a cri-
cuidados que a mãe pode oferecer acabam não ança e no relacionamento mãe-criança. Por-
sendo suficientes para o estabelecimento de uma tanto, nessas situações, pode haver enorme es-
adequada comunicação entre ambos. A não res- tresse por parte dos pais para acompanharem o
ponsividade da mãe, então, pode ser esperada nascimento de um bebê com baixo peso ao
como tendo enormes conseqüências para a cri- nascer (Field, 1997). Intervenções podem ser
ança. Estas crianças podem acabar tendo muito designadas para monitorar e tratar tal situação
mais riscos de apresentarem resultados adver- especial. Portanto, nessa situação, os pais ne-
sos no estabelecimento do apego precoce e no cessitam de apoio. Uma primeira questão a ser
desenvolvimento emocional se uma ação de in- trabalhada é permitir que os pais expressem
tervenção não for tomada. abertamente sua tristeza; desta forma surge
Schaffer (1996) expõe que, com cerca de uma possibilidade maior de se adaptarem me-
dois meses de idade, há um aumento significa- lhor a situação. Brazelton (1988) e Klaus &
tivo na acuidade visual do bebê. Como resulta- Kennell (2000) citam que a mãe que tem con-
do, as crianças tornam-se mais atentas ao meio dições de enfrentar junto com seu bebê as difi-
ambiente externo, em particular, para com ou- culdades e de colocá-la em palavras, trabalhan-
tras pessoas. Ressalta que um bebê, diante da do seus sentimentos de culpa, tende a lidar de
face inexpressiva da mãe, apresenta-se pertur- forma mais rápida e fácil com a situação. A ex-
bado e aborrecido, refletindo o estado depres- pressão dos sentimentos conduz à ligação com
sivo da mãe. o recém-nascido.
Encontramos respaldo, também, para esta Rauh & Brennan (1992) dizem que inter-
questão na teoria de Winnicott (1971). O autor venções com crianças nascidas pré-termo, mais
refere que, nas primeiras fases do desenvolvi- especificamente crianças de muito baixo peso,
mento emocional do bebê, um papel vital é de- apresentam maior sucesso quando as mães ex-
sempenhado pelo meio ambiente. Ao olhar pa- pressam maior necessidade de suporte. Estas
ra a mãe, o bebê se vê refletido no rosto dela, mães mostraram-se mais aptas em seu proces-
como se fosse um espelho e que diante de sua so de adaptação maternal aos seis meses de vi-
imagem refletida o bebê sentiria algo como o da do bebê. Portanto, para as mães que expres-
descrito: Quando olho, sou visto; logo, existo. saram uma baixa necessidade de suporte, as in-
Posso agora me permitir olhar e ver (Winnicott, tervenções tiveram um efeito negativo. Os au-
1971). tores encontraram em uma amostra de crian-
Se o rosto da mãe não reage, o bebê tem a ças de alto risco, que mães com baixo suporte
experiência de não receber de volta o que está social eram mais resistentes à intervenção que
dando. Olha e não se vê. Este é um fato que aquelas com altos níveis de suporte.
ocorre quando as mães se encontram em de- Programas de intervenção precoce são fun-
pressão pós-parto, ou em luto por estarem tem- damentais neste período, minimizando o sofri-
porariamente impossibilitadas de se conecta- mento psíquico materno causado pelo conflito
rem com o mundo. Diante das adversidades da em gerar um filho, muitas vezes, percebido co-
vida, esses bebês encontram outras vias para mo incompleto, auxiliando os pais no manejo
realizarem o processo de desenvolvimento, a destas situações e oferecendo apoio psicológico
partir do ambiente. Neste sentido Winnicott (Schermann & Alfaya, 2000).
(1971) sugeriu, por exemplo, que na ausência Outro fator importante para o estabeleci-
da reação materna o bebê aprende ao longo dos mento da interação é que os pais sejam capazes
meses a decifrar as várias feições da mãe numa de entender o bebê e as capacidades que traz
tentativa de predizer seu humor, buscando as- consigo ao nascer para a interação e conseqüen-
sim comportar-se de acordo com o que decifra temente para recuperar-se. Nesse sentido, a pes-
e afastando suas necessidades pessoais tempo- quisa de Wendland-Carro et al. (1999), já cita-
rariamente, o que, de acordo com o autor, po- da, demonstra que fornecer informações às mães
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sobre as capacidades dos recém-nascidos para mente responsivas às influências do ambiente.
a interação é uma ação capaz de fomentar a Tal plasticidade por parte da criança, assim co-
sensitividade e responsividade materna, po- mo a importância do ambiente embasam uma
dendo auxiliar na sincronia da díade e conse- geração inteira de estudos de intervenção pre-
qüentemente na formação de um apego segu- coce dirigido a sistemas familiares de crianças
ro. Estes dados comprovam que se pode conse- de baixo peso e pré-termos. Os autores com-
guir uma maior qualidade de vida tanto para o plementam que o suporte adicional às famílias
bebê quanto para sua família com ações sim- de bebês de alto risco somado ao contexto so-
ples em saúde. cial destas famílias tem enorme influência no
Expressar sentimentos, assim como obter desenvolvimento posterior destas crianças.
informações sobre as capacidades dos recém- Bee (1997) também argumenta que o apoio
nascidos, torna mais fácil a aproximação dos aos pais é positivo para o desenvolvimento do
pais com seus bebês. No trabalho de Brazelton bebê. Os pais que sentem possuir um apoio
(1988) e Klaus & Kennel (2000), encontramos adequado apresentam maior probabilidade de
respaldo para a questão. Os autores expõem terem filhos com apego seguro. São mais capa-
que se um bebê pequeno e prematuro é tocado, zes de manejar o esforço extra de um bebê de
embalado e acariciado diariamente ou se con- baixo peso ao nascer ou de um bebê com tem-
versamos com ele durante sua permanência na peramento difícil. Os pesquisadores Jacobson
enfermaria, ele poderá apresentar menos falhas & Frye (1991) designaram, aleatoriamente, 46
na respiração, ganho de peso e um progresso mães de classe social mais pobres, a um grupo
mais rápido em algumas áreas do funciona- de controle ou a um grupo de apoio experi-
mento cerebral que pode persistir por meses mental. A intervenção ocorreu no período pré-
depois da alta hospitalar. O simples fato de aca- natal e depois durante o primeiro ano após o
riciar um bebê prematuro por cinco minutos a parto. Esses bebês aos 14 meses foram avalia-
cada hora altera a motilidade intestinal, o cho- dos quanto ao apego. Jacobson e Frye descobri-
ro, a atividade e o crescimento. Portanto, é im- ram que os bebês cujas mães eram parte do gru-
portante que tanto quanto possível, as mães to- po de apoio estavam mais seguramente apega-
quem e falem com seus bebês prematuros, pois dos do que aqueles cujas mães não receberam
o grau com que uma mãe pode cuidar de seu essa ajuda especial.
bebê, durante o período em que ele estiver na
enfermaria de cuidados intensivos, irá, obvia-
mente, influenciar seu relacionamento com ele Conclusão
e facilitar para que seu desenvolvimento se
processe de forma satisfatória. A mãe de um bebê de risco necessita de um
Os pais, neste contexto, necessitam de apoio, ambiente onde, primeiramente, ela possa ser
sendo necessário, portanto, enfatizar que eles acolhida em seu inevitável processo de luto,
têm um papel fundamental no cuidado com que este possa ser verbalizado e recebido como
seus bebês prematuros; mesmo que estes este- adequado e necessário pela equipe que traba-
jam sendo cuidados por outros, há algo que só lha com os pais e seus bebês. Aos poucos, os pa-
os pais são capazes de fazer de forma única pe- is devem passar a receber informações sobre as
lo seu bebê. Os pais estarão mais prontos para capacidades dos recém-nascidos para interação
enfrentarem a situação se tiverem tempo e e o importante papel da sensitividade e respon-
apoio para realizar o trabalho de luto e se sou- sividade materna nesse processo de formação
berem que podem ligar-se totalmente a seus do vínculo afetivo. Desta forma, busca-se ame-
bebês como se tivessem vivido a experiência nizar o trauma no qual a díade está inserida,
comum do vínculo, embora o processo possa preparando a mãe para que possa encontrar o
exigir mais tempo (Brazelton, 1988; Klaus & caminho de uma interação precoce com seu
Kennell, 2000; Pickle, 2000). bebê, capacitando-a para a tentativa da cons-
Rauh & Brennan (1992) ao escreverem so- trução de um apego seguro no seu filho.
bre as perspectivas intervencionistas com cri- Os pais de um bebê prematuro necessitam,
anças de baixo peso ao nascer referem estudos além de um pronto acesso a seus filhos, orien-
em que foi encontrada uma significativa rela- tação da equipe e apoio emocional durante o
ção entre ambiente e desenvolvimento em cri- trabalho de parto e no período pós-natal, quan-
anças nascidas pré-termo, ou seja, nestes estu- do sejam oferecidos cuidados e suporte para
dos as crianças nascidas pré-termo foram alta- que os pais possam sentir-se seguros, cuidados
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Brum, E. H. M. & Schermann, L.

e amparados. Se isto ocorrer, poderão repassar A partir das idéias expostas sobre a impor-
estes cuidados aos seus próprios filhos, ofere- tância das primeiras relações para o desenvol-
cendo-lhes, por sua vez, esse ambiente, auxili- vimento, da necessidade de intervenções de
ando assim no desenvolvimento de um apego promoção e prevenção em saúde coletiva, em
seguro. Portanto, trata-se aqui da criação de situações nas quais existe maior probabilidade
uma “cadeia”, na qual um dispositivo pode tor- de ocorrer falhas no desenvolvimento, buscou-
nar-se capaz de desencadear outros e assim su- se realizar reflexões das ações de intervenção
cessivamente. Pais assustados, desamparados e possíveis em políticas de saúde mental. Ações
inseguros diante do nascimento prematuro de que abarcam o trabalho com as interações vin-
seus bebês e que não encontrem o apoio e a se- culares mãe-bebê, em situações de nascimento
gurança de que necessitam sentir-se-ão inade- de risco, para que se possa prevenir o surgimen-
quados e não saberão o que fazer com seus be- to de transtornos gerais do desenvolvimento.
bês em situação de risco.

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