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Disciplina
Teoria Geral da Constituição
Aula 5
LEITURA OBRIGATÓRIA
WALTER CLAUDIUS ROTHENBURG
Doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná
Mestre em Direito Público pela Universidade Federal do Paraná
Professor titular da Instituição Toledo de Ensino - ITE
Procurador Regional da República em São Paulo
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Ademais, os princípios constitucionais auxiliam a transitar de uma concepção
sistêmica hermética (pouco permeável) e formal para uma concepção sistêmica aberta e
material (Fischer 1995:25), insuflando o sistema com carga valorativa e possibilitando-
lhe a comunicação com outros meios. Afinal, diz Ricardo L. Lorenzetti (1998:319), a
existência dos princípios "é essencialmente dinâmica e aberta".
Esta maneira de se pensar a normatividade, no campo do direito constitucional, abre a
possibilidade para o estabelecimento duma mitigação do pensamento sistemático,
axiomático e fechado, tributário do positivismo jurídico, sendo ofertada uma abertura do
sistema constitucional aos valores, resultantes do compromisso entre classes sociais
conflitantes em um determinado momento histórico, sendo dado a este compromisso,
positivado em regras e princípios, um estatuto normativo. Em suma: tem-se a
possibilidade de se falar em um sistema constitucional aberto, composto por princípios e
regras, orientado segundo valores, resultantes do compromisso firmado entre classes
antagônicas, no momento constituinte, compromisso este que pode ser refeito em outras
bases, consonantes com as mudanças de interesses e pretensões destas classes, sem que isto
importe na destruição do sistema constitucional.
Deste modo, o pensamento sistemático ganha nova roupagem, não se falando mais em
uma concepção de sistema constitucional tributária do formalismo, mas agora falando-se em
uma concepção principial do ordenamento jurídico constitucional, em uma concepção
axiológico-teleológica do sistema constitucional. (Santos 1995:15 e 20)
Uma apreensão da constituição em toda sua dimensão valorativa faz então
ressaltar o duplo aspecto fundamental dos princípios em relação a uma
concepção sistêmica do Direito: "uma ordenação - refere Carlos A. da Mota Pinto
(1992:81) – que não é apenas formal, mas substancial ou material", ou seja, os
princípios exercendo uma função de ordem formal (concatenação lógica) e
também de ordem material (significado, sentido e harmonização/convivência dos
conteúdos normativos).
É ainda essa abertura que permite o acompanhamento da realidade, dotando o
sistema jurídico de uma "capacidade de aprendizagem" (Canotilho 1993:165) e
esteja em constante sintonia com o ambiente social. Cármen Lúcia A. Rocha (1994:22-
3) ressalta:
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3.1. Princípios implícitos
Consciência tomada da historicidade dos princípios e de seu domicílio na intimidade do
próprio ordenamento jurídico — vale dizer, a rejeição da visão mistificadora que enxerga os
princípios enquanto máximas absolutas, transcendentes da própria humana contingência e
situados para além e acima do Direito posto (nesse sentido: Canotilho e Moreira 1991:71-2) —,
percebe-se que eles podem apresentar-se explícitos (com maior nitidez e segurança, embora
então limitados pelas possibilidades da linguagem) ou implícitos, mas, numa formulação como
na outra, exercendo idêntica importância sistemática e axiológica.
“Como afirma Ferrara — refere Perrini (1996:131) —, ‘o direito não é só o conteúdo
imediato das disposições expressas; mas também o conteúdo virtual de normas não expressas,
porém ínsitas no sistema. ’”. Eros Roberto Grau (1990:125-6) aponta a relatividade da
distinção entre os "princípios positivos do Direito" (que "reproduzem a estrutura peculiar das
normas jurídicas") e os "princípios gerais do Direito" ("não expressamente enunciados em
normas explícitas, descobertos no ordenamento positivo, (que) também configuram norma
jurídica..."). Carlos Ari Sundfeld (1992:144) sintetiza: "Os princípios implícitos são tão
importantes quanto os explícitos; constituem, como estes, verdadeiras normas jurídicas.
Por isso, desconhecê-los é tão grave quanto desconsiderar quaisquer outros princípios."
Ricardo Luis Lorenzetti (1998:320) alerta que a "pertinência jurídica (dos princípios) não se
identifica com um reconhecimento expresso. Há princípios escritos e outros cuja existência se
deduz pela via hermenêutica. Isto permite falar de princípios codificados e outros
provenientes da tradição.”
A identificação conceitual entre princípios implícitos e princípios gerais de Direito (veja-
se também Farias 1996:29 e 38) não é necessária. Caracterizando-se estes justamente
pela generalidade, pode-se encontrá-los de forma expressa ou não. Assim, por exemplo,
com o princípio da boa-fé, que também se exprime como princípio da confiança, sendo
um princípio geral do Direito, mas expresso em diversos momentos. Referindo-o como
um princípio geral (de onde se infere não estar necessariamente expresso), a ser
considerado pelo órgão julgador nas situações concretas derivadas de ato normativo
declarado inconstitucional através de fiscalização abstrata de constitucionalidade, mitigando-
se, assim, os rigores do efeito retroativo (ex tunc) dessa declaração, pronuncia-se com
maestria Clèmerson Merlin Clève (1997:297-8 e 306). Como princípio expresso, a boa-fé
aparece, quanto às relações de consumo, nos artigos 4°, III, parte final, e 51, IV, do Código
de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990).
R. Alexy (1993:104) assevera:
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República, quanto no parágrafo único deste preceptivo, segundo
o qual todo o poder emana do povo, como ainda no art. 5º, XXXV,
que assegura o direito à apreciação judicial nos casos de ameaça ou
lesão de direito. É que o princípio da motivação é reclamado, quer
como afirmação do direito político dos cidadãos ao esclarecimento
do “porquê” das ações de quem gere negócio que lhes dizem
respeito por serem titulares últimos do poder, quer como direito
individual a não se assujeitarem a decisões arbitrárias, pois só têm
que se conformar às que forem ajustadas às leis.
Por isso que os princípios nem estão naturalmente dispostos numa unidade perfeita
(completa) nem se harmonizam espontaneamente (coerência), nem tampouco possuem
idêntica importância. "A "unidade" é ou pode ser uma "tarefa" a realizar, mas não é,
certamente, uma estrutura já "preparada" ontologicamente, na qual se vai
"integrar" uma constituição entendida como elemento ordenados de algumas dimensões
do processo de integração", adverte Canotilho (1994:144), com lastro em Hesse e
Heller (contudo, reflete aquele autor português: "Problema é de saber se o topo"
unidade da constituição" não se reconduz, neste plano, à interpretação sistemática e
ao pensamento da concordância prática" – 1994:145 –, perguntando se "as questões
que com este “topos categorial” pretendem ser resolvidas não serão, afinal,
susceptíveis de solução a partir da própria especificidade da positividade normativo-
constitucional" – 1994:146).
"Embora se tenha afirmado que todas as normas constitucionais têm o mesmo
valor hierárquico – assinala Barroso (1991:26) –, elas nem sempre desempenham o
mesmo papel... Eles (os princípios) variam na amplitude de sua aplicação e mesmo na
sua influência." Não é outra a impressão de Bastos e Brito (1982:66):
Nessa linha, ainda, Romeu F. Bacellar Filho (1998:147-8) sustenta que, dentro da
Constituição, não existe hierarquia normativa entre os princípios e as outras normas, mas
há uma prevalência axiológica daqueles:
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de domicílio, privacidade etc.)". A dignidade da pessoa humana, na Constituição brasileira
de 1988, vale mais que o princípio da solução pacífica das controvérsias internacionais
(basta pensar nos embargos e outros modos drásticos de pressão contra países que des-
respeitam direitos fundamentais). A fiação social da propriedade deveria preponderar
sobre a livre iniciativa. Larenz (1989:579) aponta tranquilamente ser "claro que a Lei
Fundamental (e se refere à Constituição de Bonn) atribui um nível mais elevado à vida, à
liberdade e à dignidade humana do que aos bens materiais".
Há poucos anos, houve o seguinte caso: dois homens viviam juntos. Um deles, que tinha
um emprego melhor remunerado (enquanto o outro dedicava parcela de seu tempo às
atividades domésticas), adquirira o imóvel em que ambos moravam. Com o falecimento do
primeiro, sua mãe reivindicou, na qualidade de herdeira única, a propriedade do imóvel,
obtendo sucesso junto ao tribunal. Este, através da assessoria de imprensa, deu conta do
episódio à mídia, sob a manchete de que o Direito pátrio não reconhecia a união homossexual
para todos os efeitos. Os repórteres investigaram e descobriram que o falecido morrera
vitimado por AIDS, bem como que o segundo também havia contraído a doença. A partir
daí, este alegou que passou sofrer danos – sobretudo de ordem moral – em sua esfera
pessoal, pretendendo uma indenização. Verificou-se um conflito entre os princípios da
publicidade dos atos e decisões judiciais (Constituição brasileira de 1988, artigo 93, IX; Código
de Processo Civil brasileiro, artigos 155 e 564) e da liberdade de informação (Constituição,
artigo 220), por um lado, e por outro, o princípio da reserva da intimidade/privacidade
(Constituição, artigo 5°, X e LX; Código de Processo Civil, artigo 155), sem mencionar os
demais princípios implicados (como o da igualdade ou não-discriminação).
Mais recentemente, num processo de investigação de paternidade, discutiu-se a
possibilidade de exame compulsório de DNA (conflito entre o direito do pai em não
ter devassada sua pessoa e o direito do filho ao reconhecimento de sua filiação),
tendo o Supremo Tribunal Federal assim decidido:
Tanto existe uma importância maior de uns princípios em detrimento de outros, que os
conflitos resolvem-se mediante a "ponderação de bens" quando da aplicação a casos
concretos, conforme lembra Karl Larenz (1989:490 e s.), no que é secundado por Marques
Neto (1995:43):
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Isso obriga a uma consideração ponderada do princípio hermenêutico da unidade
hierárquico-normativa da constituição, segundo o qual todos os princípios (todas as
normas, enfim) de uma constituição devem ser tidos como igualmente importantes,
sem predomínio de uns sobre outros – “todas as normas contidas numa constituição
formal têm igual dignidade (não há normas só formais, nem hierarquia de supra-infra-
ordenação dentro da lei constitucional)”, ensina Canotilho (1993:191) –, e todos
harmonizados numa unidade coerente (reciprocamente implicados) – Hesse (1992:45-6),
Canotilho (1993:226-9).
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A conscientização quanto a essa dimensão sensível do fenômeno jurídico permite ficar
"consciente da (pré)-compreensão" da constituição e apreender-lhe o sentido integral,
chegando-se a "resultados sólidos, racionalmente fundamentáveis e controláveis" – é o dizer
de Hesse (1998:68-9), que prossegue:
Com efeito, sendo os princípios manifestação primeira dos valores constitucionais, é certo
que estão carregados de sentimentos e emoções. Ignorá-lo seria desconsiderar a importância
simbólica da constituição e seu significado histórico enquanto projeção de expectativas da
comunidade. Vai daí que é impossível uma compreensão exclusivamente intelectual dos prin-
cípios: eles também são "sentidos" (experimentados no plano dos afetos).
O acesso aos princípios não se dá apenas por intermédio da razão, mas também da emoção.
Dito de outro modo: o acesso à constituição não é só intelectual; também é afetivo. Os
princípios, que não conseguem ser perfeitamente formulados e compreendidos através da
linguagem, conseguem, porém, traduzir sentimentos. Quiçá por isso a apreensão que se tenha
dos princípios é, muita vez ou em parte, intuitiva; e uma impressão.
Todavia, a mera percepção sentimental dos princípios ou a "impressão intuitiva de sua
correção ou evidência" – Alexy (1993:123), advertindo, antes (1993:121), que a "referência
ao evidente significaria dar uma resposta racionalmente não controlável e conduziria a um
intuicionismo jusfundamental" – não bastam: a imprescindibilidade desse recurso não há de
significar sua suficiência. Para que o fenômeno de aplicação do direito não descambe para
a irracionalidade (e acabe, talvez, por assentar-se no lastro da força bruta, econômica ou
física), impõe-se; após a revelação e aceitação dessa dimensão não-intelectual dos valores,
uma fundamentação racional e razoável.
Este seria, na arguta visão de R. Alexy (1993:150-1), o modo de escapar-se do
subjetivismo (algo aleatório) a que conduziria o "intuicionismo", teoria assim
apresentada pelo autor em relação aos valores:
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realiza-se, pois, em funções e atos específicos que são diferentes
toto coelo de toda percepção e pensamento e constituem o único
acesso possível ao mundo dos valores".
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