Vous êtes sur la page 1sur 22

A DIDÁTICA E A APRENDIZAGEM DO PENSAR E DO APRENDER - A TEORIA

HISTÓRICO-CULTURAL DA ATIVIDADE E A CONTRIBUIÇÃO DE VASILI


DAVÍDOV
José Carlos Libâneo (*)

O presente texto apresenta algumas contribuições teóricas da pesquisa


sobre a psicologia histórico-cultural e a teoria histórico-cultural da atividade para o
pensamento didático. Inicialmente são sugeridos caminhos para linhas de
investigação em didática em relação aos processos de formação de conceitos e
desenvolvimento do pensamento. Em seguida, é apresentado um breve histórico
da teoria histórico-cultural da atividade e de conceitos básicos a partir de Vygotsky
e alguns de seus seguidores. Finalmente, são apresentadas idéias de Vasili
Davídov sobre as relações entre ensino e desenvolvimento mental e as bases do
ensino desenvolvimental voltado para a formação do pensamento teórico.
1. Os desafios da escola e da didática hoje e a contribuição da teoria histórico-
social da atividade
Em face das necessidades educativas presentes, a escola continua sendo
lugar de mediação cultural, e a pedagogia, ao viabilizar a educação, constitui-se
como prática cultural intencional de produção e internalização de significados
para, de certa forma, promover o desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos
indivíduos. O modus faciendi dessa mediação cultural, pelo trabalho dos
professores, é o provimento aos alunos dos meios de aquisição de conceitos
científicos e de desenvolvimento das capacidades cognitivas e operativas, dois
elementos da aprendizagem escolar interligados e indissociáveis.
Com efeito, as crianças e jovens vão à escola para aprender cultura e
internalizar os meios cognitivos de compreender o mundo e transformá-lo. Para
isso, é necessário pensar – estimular a capacidade de raciocínio e julgamento,
melhorar a capacidade reflexiva, desenvolver as competências do pensar. A
didática tem o compromisso com a busca da qualidade cognitiva das
aprendizagens, esta, por sua vez, associada à aprendizagem do pensar. Cabe-lhe
investigar como ajudar os alunos a se constituírem como sujeitos pensantes e
críticos, capazes de pensar e lidar com conceitos, argumentar, resolver
problemas, em face de dilemas e problemas da vida prática. A razão pedagógica
está também, associada, inerentemente, a um valor intrínseco, que é a formação
humana, visando a ajudar os outros a se educarem, a serem pessoas dignas,
justas, cultas, aptas a participar ativa e criticamente na vida social, política,
profissional, cultural.
Este texto apóia-se em duas crenças, uma, que a escola continua sendo
uma instância necessária de democratização intelectual e política; outra, que uma
política educacional inclusiva deve estar fundamentada na idéia de que o
elemento nuclear da escola é a atividade de aprendizagem, lastreada no
pensamento teórico, associada aos motivos dos alunos, sem o que as escolas não
seriam verdadeiramente inclusivas.
Estudos recentes sobre os processos do pensar e do aprender, para além
da acentuação do papel ativo dos sujeitos na aprendizagem, insistem na
necessidade dos sujeitos desenvolverem competências e habilidades cognitivas.
Para Castells, a tarefa das escolas e dos processos educativos é o de desenvolver
em quem está aprendendo a capacidade de aprender, em razão de exigências
postas pelo volume crescente de dados acessíveis na sociedade e nas redes
informacionais, da necessidade de lidar com um mundo diferente e, também, de
educar a juventude em valores e ajudá-la a construir personalidades flexíveis e
eticamente ancoradas (in Hargreaves, 2001, p. 16). Também Morin expressa com
muita convicção a exigência de se desenvolver uma inteligência geral que saiba
discernir o contexto, o global, o multidimensional, a interação complexa dos
elementos. Ele escreve:
(...) o desenvolvimento de aptidões gerais da mente permite melhor
desenvolvimento das competências particulares ou especializadas. Quanto
mais poderosa é a inteligência geral, maior é sua faculdade de tratar
problemas especiais. A compreensão dos dados particulares também
necessita da ativação da inteligência geral, que opera e organiza a
mobilização dos conhecimentos de conjunto em cada caso particular. (...)
Dessa maneira, há correlação entre a mobilização dos conhecimentos de
conjunto e a ativação da inteligência geral. (Morin, 2000, p. 39)
Outros estudos vêm mostrando o impacto dos meios de comunicação na
configuração dos modos de pensar e das práticas sociais da juventude (por ex.,
Porto, 2003; Belloni, 2002; Engestrõm, 2002), das tecnologias e dos meios
informacionais, dos crescentes processos de diversificação cultural, afetando os
processos de ensino e aprendizagem.
É em razão dessas demandas que a didática precisa incorporar as
investigações mais recentes sobre modos de aprender e ensinar e sobre o papel
mediador do professor na preparação dos alunos para o pensar. Mais
precisamente, será fundamental entender que o conhecimento supõe o
desenvolvimento do pensamento e que desenvolver o pensamento supõe
metodologia e procedimentos sistemáticos do pensar. Nesse caso, a característica
mais destacada do trabalho de professor é a mediação docente pela qual ele se
põe entre o aluno e o conhecimento para possibilitar as condições e os meios de
aprendizagem, ou seja, as mediações cognitivas.
O suporte teórico de partida é o princípio vigotskiano de que a
aprendizagem é uma articulação de processos externos e internos, visando a
internalização de signos culturais pelo indivíduo, o que gera uma qualidade auto-
reguladora às ações e ao comportamento dos indivíduos. Esta formulação realça a
atividade sócio-histórica e coletiva dos indivíduos na formação das funções
mentais superiores, portanto o caráter de mediação cultural do processo do
conhecimento e, ao mesmo tempo, a atividade individual de aprendizagem pela
qual o indivíduo se apropria da experiência sócio-cultural como ser ativo. Todavia,
considerando-se que os saberes e instrumentos cognitivos se constituem nas
relações intersubjetivas, sua apropriação implica a interação com os outros já
portadores desses saberes e instrumentos. Em razão disso é que a educação e o
ensino se constituem formas universais e necessárias do desenvolvimento mental,
em cujo processo se ligam os fatores socioculturais e as condições internas dos
indivíduos.
O que está em questão é como o ensino pode impulsionar o
desenvolvimento das competências cognitivas mediante a formação de conceitos
e desenvolvimento do pensamento teórico e por quais meios os alunos podem
melhorar e potencializar sua aprendizagem. Em outras palavras, trata-se de saber
o que e como fazer para estimular as capacidades investigadoras dos alunos
ajudando-os a desenvolver competências e habilidades mentais. Em razão disso,
uma didática a serviço de uma pedagogia voltada para a formação de sujeitos
pensantes e críticos deverá salientar em suas investigações as estratégias pelas
quais os alunos aprendem a internalizar conceitos, competências e habilidades do
pensar, modos de ação, que se constituam em “instrumentalidades” para lidar
praticamente com a realidade: resolver problemas, enfrentar dilemas, tomar
decisões, formular estratégias de ação. Davídov explicita seu entendimento
dessas questões:
O saber contemporâneo pressupõe que o homem domine o processo de
origem e desenvolvimento das coisas mediante o pensamento teórico, que
estuda e descreve a lógica dialética. O pensamento teórico tem seus tipos
específicos de generalização e abstração, seus procedimentos de
formação dos conceitos e operações com eles. Justamente, a formação de
tais conceitos abre aos escolares o caminho para dominar os fundamentos
da cultura teórica atual. (...) A escola, a nosso juízo, deve ensinar às
crianças a pensar teoricamente. (Davídov, in Golder, 2002, p. 49)
O objetivo deste estudo é, assim, explorar as contribuições teóricas da
teoria histórico-cultural da atividade, especialmente a teoria do ensino
desenvolvimental de V. Davídov, para as tarefas da didática em relação à
aprendizagem do pensar e do aprender.

2. Breve histórico da teoria da atividade e conceitos básicos. O debate dentro da


Escola de Vygotsky
A teoria histórico-cultural da atividade, desenvolvida inicialmente por
Leontiev, Rubinstein e Luria, é geralmente considerada como uma continuidade da
escola histórico-cultural iniciada por Vygotsky. Segundo Leontiev, “a idéia da
análise da atividade como método na psicologia científica do homem foi formulada
nos primeiros trabalhos de L. S. Vygotsky” (1983, p.82). O conceito de atividade é
bastante familiar na tradição da filosofia marxista. A atividade, cuja expressão
maior é o trabalho, é a principal mediação nas relações que os sujeitos
estabelecem com o mundo objetivo. Conforme Vygotsky, o surgimento da
consciência está relacionado com a atividade prática humana, a consciência é um
aspecto da atividade laboral. Escreve Leontiev:
Este enfoque encontrou sua expressão na concepção de atividade psíquica
como uma forma peculiar de atividade, como um produto e um derivado da
vida material, da vida externa, que se transforma (...) em atividade da
consciência. Aqui se põe como tarefa central a investigação da própria
estrutura da atividade e sua interiorização. (Leontiev, in Davídov, 2002)
Na base da idéia de atividade externa está um princípio central da filosofia
materialista dialética: o condicionamento histórico-social do desenvolvimento do
psiquismo humano, que se realiza no processo de apropriação da cultura
mediante a comunicação com outras pessoas. Tais processos de comunicação e
as funções psíquicas superiores envolvidas nesses processos, se efetivam
primeiramente na atividade externa (interpessoal) que, em seguida, é internalizada
pela atividade individual, regulada pela consciência. No processo de internalização
da atividade há a mediação da linguagem, em que os signos adquirem significado
e sentido (Vygotsky, 1984, p. 59-65).
Toda ação humana está orientada para um objeto, de forma que a atividade
tem sempre um caráter objetal. O êxito de uma atividade está em estabelecer seu
conteúdo objetal. O ensino tem a ver diretamente com isso: é uma forma social de
organização da apropriação, pelo homem, das capacidades formadas sócio-
historicamente e objetivadas na cultura material e espiritual. Esta apropriação
requer comunicação em sua forma externa. Em suas formas iniciais, esta
comunicação não está mediatizada pela palavra, mas pelo objeto. “Unicamente
sobre a base das ações objetais conjuntas com o adulto, a criança vai dominando
a linguagem, a comunicação verbal” (Davídov, 2002, p.57). Mas para que isso
aconteça, é necessário que o sujeito realize determinada atividade, dirigida à
apropriação da cultura. Leontiev, citado por Davídov, escreve que a apropriação “é
o processo que tem por resultado a reprodução, pelo indivíduo, das capacidades e
procedimentos de conduta humanas, historicamente formados” (Id., p. 55) .
A cultura desempenha, assim, um papel relevante por permitir ao ser
humano a interiorização dos modos historicamente determinados e culturalmente
organizados de operar com informações. Escreve Davídov:
A apropriação das formas da cultura pelo indivíduo é, a nosso juízo, o
caminho já elaborado de desenvolvimento de sua consciência. Aceita esta
proposição, a tarefa fundamental da ciência será a de determinar como o
conteúdo do desenvolvimento espiritual da humanidade se transforma em
suas formas de desenvolvimento espiritual e como a apropriação dessas
formas pelo indivíduo se transforma no conteúdo do desenvolvimento de
sua consciência. (1988b, p. 61)
A atividade, tanto externa como interna, tem uma estrutura psicológica,
cujos componentes são: necessidades, motivos, finalidades, condições de
realização da finalidade. Ao curso psicológico da atividade corresponde a
realização de diversas ações, cada ação composta por uma série de operações
em correspondência com as condições peculiares da tarefa, conforme veremos
adiante.
Os trabalhos realizados por Leontiev (1903-1979) no período de 1930-40,
foram dedicados à investigação do desenvolvimento do psiquismo humano, dos
processos psicológicos superiores, do processo de internalização, da estrutura da
atividade global e seu desdobramento em outras atividades, das emoções, dos
processos de comunicação. Na seqüência desses estudos, outros pesquisadores
dedicaram-se ao desenvolvimento da teoria da atividade, entre outros, Galperin
(Psicologia Infantil), Bozhovich (Psicologia da Personalidade), Elkonin (Psicologia
Evolutiva e periodização do desenvolvimento humano), Zaporoyetz (Psicologia
Evolutiva), Levina (Psicologia da Educação) (Cf. Golder, 2002).
Piotr Iakovlevich Galperin (1902-1988) formula a teoria do desenvolvimento
psíquico na qual ressalta o papel das ações externas no surgimento e formação
das ações internas, mentais, através do ensino. A “teoria por etapas das ações
mentais” afirma que a formação da mente deve ser planejada e realizada por meio
de uma seqüência de etapas de ações mentais. A formação de uma ação mental
começa com ações com objetos, realizadas com o apoio de objetos externos e
sua representação material, para logo passar por uma série de etapas até
converter-se em ação que se realiza no plano mental (Coletivo de Autores, 2000).
Daniil B. Elkonin (1904-1984), que exerceu forte influência nas pesquisas de
Davídov, destacou-se pelas suas pesquisas sobre a periodização do
desenvolvimento humano e a aprendizagem escolar. Para ele, a aprendizagem é
uma forma essencial de desenvolvimento psíquico e o caminho lógico para
analisar capacidades humanas. A aprendizagem conduz ao desenvolvimento
através da atividade, tendo-se em conta o papel dos fatores externos do
desenvolvimento, com destaque especial à incorporação da cultura vista em sua
formação histórica, não como cultura dada, tema que reaparecerá na obra de
Davídov.
Davídov, em texto recente (1999), relata o desenvolvimento da teoria da
atividade na Rússia nos últimos 20 anos, desde sua formulação inicial por
Rubinstein e Leontiev. Destaca a importância das pesquisas do psicólogo
finlandês Y. Engestrõm e aponta o trabalho de Elkonin como um dos pioneiros no
estudo específico da atividade de aprendizagem e explicita seu próprio
entendimento da teoria histórico-cultural da atividade.
A expansão da teoria da atividade para o norte da Europa, Estados Unidos
e América Latina se dá a partir dos anos 1960. No norte da Europa, são
conhecidos os nomes de Yrjo Engestrõm, Seth Chaiklin, Mariane Hedegaard, Jean
Lave, entrre outros. Nos Estados Unidos destacam-se diversos especialistas em
Vygotsky tais como M. Cole, da Universidade da Califórnia, estudioso relações
interpessoais e interculturais na formação da criança, J. Werstsch, Vera John-
Steiner, Ellen Souberman, Michel Cole, Sylvia Scribner, (os dois últimos
organizaram o livro Formação Social da Mente, publicado no Brasil em 1968),
Louis Moll. Da mesma forma que são encontradas muitas interpretações dentro da
psicologia histórico-cultural, também em relação à teoria da atividade existem
diferentes caminhos interpretativos, ainda que os pontos em comum digam
respeito aos seus fundamentos epistemológicos, vinculados ao materialismo
histórico e dialético.
Os estudos teóricos recentes da teoria da atividade têm realçado temas
como a atividade situada em contextos, a participação como condição de
compreensão na prática (como aprendizagem), identidade, papel das práticas
institucionalizadas nos motivos dos alunos, a diversidade cultural, etc. Na base do
estudo desses temas há a premissa de que todas as ações individuais devem ser
interpretadas tendo em conta questões e fatores que não estão imediatamente
presentes na situação, nem contidos exclusivamente nas pessoas que atuam
nessas situações. Ou seja, na análise das práticas humanas são destacados os
fatores do contexto sócio-histórico em razão de que as práticas humanas são
socialmente situadas, sendo estes fatores decisivos nos processos mediacionais,
já que eles se realizam na e pela participação em atividades socioculturais.
(Chaiklin e Lave, 2001)
Segundo Engestrom, no processo de evolução da teoria da atividade
podem ser estabelecidas três gerações. A primeira geração está concentrada nos
trabalhos de Vygotsky, quando se formula o conceito da atividade como mediação,
gerando o modelo triangular da relação do sujeito com o objetivo mediado por
artefatos materiais e culturais; a segunda toma por base a formulação de Leontiev,
avançando na distinção, no conceito de atividade, de ação coletiva e ação
individual e estabelecendo a estrutura da atividade; a terceira, proposta pelo
próprio Engestrõm a partir dos anos 70, parte do modelo triangular de Vygotsky
expandindo-o para um modelo do sistema da atividade coletiva; neste modelo é
realçado o conceito de contradições internas como força motriz dos sistemas de
atividade e introduz as análises da psicologia transcultural de Cole pelas quais a
teoria da atividade acolhe as questões da diversidade cultural e do diálogo entre
diferentes culturas. (in Zamberlan, s/d)
No Brasil, os estudos e pesquisas sobre a teoria de Vygotsky tiveram um
desenvolvimento intenso, desde que intelectuais brasileiros tiveram acesso às
suas obras na segunda metade dos anos 1980, estando disponível hoje uma vasta
bibliografia. São mais raros, todavia, estudos relacionados com a teoria histórico-
cultural da atividade e, mais ainda, em relação a Davídov. Em relação à teoria
histórico-cultural da atividade, cumpre destacar os trabalhos de Moura e seus
orientandos (Moura 2003, 2002, 2000; Sforni, 2000). Numa orientação
teoricamente diferenciada em relação à produção mais convencional sobre a
psicologia hsitorico-social estão os trabalhos que Duarte, que tem centrado sua
investigação em questões filosóficas e epistemológicas da teoria histórico-cultural
(por ex., 1996, 2003).
Um trabalho especialmente relevante é o livro de Nereide Saviani, Saber
escolar, currículo e didática (1994), que aborda temas como a organização do
saber escolar, a relação conteúdo/método, as bases do desenvolvimento
cognitivo, aspectos lógico-psicológicos da conversão do saber científico em saber
escolar, a unidade entre os campos da didática e do currículo. Em todo o livro há
menções a uma obra clássica de Davídov (1978) mas, especificamente, no
Capítulo III, há uma exposição detalhada de suas idéias sobre o processo de
formação de conceitos e formação do pensamento teórico, com base em
proposições de Vygotsty e Rubinstein.
As avaliações críticas envolvendo a relação entre a psicologia historico-
cultural e a teoria da atividade mostram que há pontos comuns entre os psicólogos
russos, mas há também consideráveis divergências, por exemplo, na interpretação
da expressão “determinação histórica e social da mente humana” ou do papel da
cultura e da linguagem no desenvolvimento humano. Segundo Kozulin, boa parte
das divergências giram em torno do problema da internalização e da relação entre
a atividade externa da criança e as operações mentais correspondentes. Esta
questão, no período 1934-40, teria gerado os motivos do distanciamento do grupo
liderado por Leontiev em relação às idéias de Vygotsky. Para Leontiev, as
operações mentais seriam determinadas pelas relações concretas entre a criança
e a realidade, vale dizer, a familiarização prática com os objetos é que leva a
criança ao seu desenvolvimento cognitivo (i.e., a estrutura dos processos
cognitivos repete a estrutura das operações externas). A relação prática com os
objetos, isto é, a atividade prática, teria muito mais importância do que o modelo
histórico-cultural desenvolvido por Vygotsky. Vale dizer, enquanto Leontiev
acentuaria a atividade prática, Vygotsky acentuaria a cultura, a linguagem, a
mediação simbólica. (Kozulin, 2002, p. 125-132)
Essa mesma questão é discutida por Zinchenko que reconhece a existência
de duas linhas de pesquisa dentro da mesma escola: a psicologia histórico-
cultural, (Vygotsky) e a teoria psicológica da atividade (Leontiev), com pontos de
convergência mas, também, com diferenças. Segundo esse autor:
A principal diferença é que para a psicologia histórico-cultural, o problema
central foi e continua sendo a mediação da mente e da consciência. Para a
teoria psicológica da atividade, o problema central era a orientação-objeto,
em ambas as atividades mentais interna e externa. É claro que na teoria
psicológica da atividade a questão mediação também apareceu, mas
enquanto que para Vygotsky a consciência era mediada pela cultura, para
Leontiev a mente e a consciência eram mediadas por ferramentas e
objetos (Zinchenko, 1998, p.44)
Tais diferenças de abordagem, acentuando-se ora o significado ora a ação,
ora a atividade orientada a objetos ora o sentido, são, obviamente, de cunho
filosófico, gerando diferentes conseqüências teóricas e práticas. Zinchenko sugere
que se dê continuidade às pesquisas e que olhemos para as duas linhas como
complementares, uma se enriquecendo na outra, até que se possa chegar ao
desenvolvimento de uma psicologia histórico-cultural da consciência e da
atividade.
Também Daniels (2003, p.93) destaca as semelhanças e diferenças entre
duas tradições de investigação educacional ligadas historicamente a Vygotsky, a
teoria sociocultural e a teoria da atividade, a primeira focando a mediação
semiótica, especialmente a fala, a outra, acentuando mais a atividade. Ambas
buscam explicar a aprendizagem e o desenvolvimento humano como processos
mediados, ambas fornecem orientações metodológicas para captar processos e
formas pelos quais fatores sociais, culturais, históricos promovem o
desenvolvimento humano e, ambas, especialmente, tratam dos contextos em que
ocorrem as mediações cognitivas. Todavia, os procedimentos metodológicos de
pesquisa e as aplicações na prática pedagógica tomam caminhos bastanrte
diferentes.
As diferentes interpretações da obra de Vygotsky e seguidores no meio
europeu e norteamericano rebatem, também, no Brasil, assumindo peculiaridades
decorrentes das influências teóricas exercidas na investigação educacional e na
prática pedagógica.
3. As contribuições teóricas de Vasili Davídov para a teoria da atividade e o ensino
desenvolvimental
Vasili Vasilievich Davídov nasceu em 1930 e morreu em 1998. Membro da
Academia de Ciências Pedagógicas, doutor em psicologia, professor universitário,
escreveu vários livros, entre eles: Tipos de generalización en la enseñanza,
Problemas de la enseñanz y del desarollo, La enseñanza escolar y el desarollo
psiquico. Pertence à terceira geração de psicólogos russos e soviéticos, desde os
trabalhos do grupo inicial de Vygotsky realizados nas décadas de 1920 e 30 do
século passado.
Conforme vimos, Vygotsky havia mostrado a relevância da escolarização
para apropriação dos conceitos científicos e para o desenvolvimento das
capacidades de pensamento, a partir da assimilação da produção cultural da
humanidade, já que “as funções mentais específicas não são inatas, mas postas
como modelos sociais” (Davídov, 1988c, p. 52). Por sua vez, Leontiev investigou
os fundamentos do desenvolvimento psíquico humano e sistematizou uma teoria
psicológica da atividade e da consciência. A partir dessas bases e de outros
estudos conduzidos pela escola de Vygotsky, especialmente de D. Elkonin,
Davídov destaca a peculiaridade da atividade da aprendizagem, entre outros tipos
de atividade, cujo objetivo é o domínio do conhecimento teórico, ou seja, o
domínio de símbolos e instrumentos culturais disponíveis na sociedade, obtido
pela aprendizagem de conhecimentos das diversas áreas do conhecimento.
Apropriar-se desses conteúdos – das ciências, das artes, da moral – significa, em
última instância, apropriar-se das formas de desenvolvimento do pensamento.
Para isso, o caminho é a generalização conceitual, enquanto conteúdo e
instrumento do conhecimento. Ele escreve:
Uma análise da abordagem de Vygotskii e Leontiev sobre o problema do
desenvolvimento mental permite que cheguemos às seguintes conclusões.
Primeiro, no sentido mais amplo, a educação e o ensino de uma pessoa
não é nada mais que sua “apropriação”, a “reprodução” por ela das
capacidades dadas histórica e socialmente. Segundo, a educação e o
ensino (“apropriação”) são formas universais de desenvolvimento mental
humano. Terceiro, a “apropriação” e o desenvolvimento não podem atuar
como dois processos independentes, pois se correlacionam como a forma
e o conteúdo de um único processo de desenvolvimento mental humano.
(1988 a, p. 54)
A seguir, são apresentados alguns tópicos que buscam trazer uma visão de
conjunto do pensamento desse autor.
a) O conceito psicológico da atividade: a estrutura da atividade
As bases teóricas que fundamentam os componentes da estrutura da
atividade e seu conteúdo foram formuladas por A. N. Leontiev (1992), mas V.
Davídov menciona, também, a contribuição de S. L. Rubinstein e de outros
psicólogos que trabalharam nas décadas de 1920-30. Ele escreve:
A essência do conceito filosófico-psicológico materialista dialético da atividade está
em que ele reflete a relação entre o sujeito humano como ser social e a realidade
externa - uma relação mediatizada pelo processo de transformação e modificação
desta realidade externa. A forma inicial e universal desta relação são as
transformações e mudanças instrumentais dirigidas a uma finalidade, realizadas
pelo sujeito social, sobre a realidade sensorial e corporal ou sobre a prática
humana material produtiva. Ela constitui a atividade laboral criativa realizada pelos
seres humanos que, através da história da sociedade, tem propiciado a base sobre
a qual surgem e se desenvolvem as diferentes formas da atividade espiritual
humana (cognitiva, artística, religiosa, etc). Entretanto, todas estas formas
derivadas da atividade estão diretamente ligadas com a transformação, pelo
sujeito, de um ou outro objeto sob a forma ideal. O sujeito individual, por meio da
apropriação, reproduz em si mesmo as formas histórico-sociais da atividade. (...) A
atividade humana tem uma estrutura complexa que inclui componentes como:
necessidades percebidas, capacidades, objetivos, tarefas, ações e operações, que
estão em permanente estado de interligação e de transformação. (1998a, p.9)
Conforme Leontiev, a atividade surge de necessidades, que impulsionam
motivos orientados para um objeto. O ciclo que vai de necessidades a objetos se
consuma quando a necessidade é satisfeita, sendo que o objeto da necessidade
ou motivo é tanto material quanto ideal. Para que estes objetivos sejam atingidos,
são requeridas ações. O objetivo precisa sempre estar de acordo com o motivo
geral da atividade, mas são as condições concretas da atividade que determinarão
as operações vinculadas a cada ação. Leontiev define como atividade:
(...) aqueles processos que, realizando as relações do homem com o
mundo, satisfazem uma necessidade especial correspondente a ele. (...)
Por atividade, designamos os processos psicologicamente caracterizados
por aquilo que o processo, como um todo, se dirige (i.e., objeto),
coincidindo sempre com o objetivo que estimula o sujeito a executar essa
atividade, isto é, o motivo”. (1988, p.68)
Há, pois, uma dependência do objetivo em relação ao motivo, ou seja, a
atividade implica um sentido. Por sua vez, a ação “é um processo cujo motivo não
coincide com seu objetivo, mas reside na atividade da qual faz parte” (Ib.).
Conforme explica Leontiev, a atividade de ler o livro somente para passar no
exame, não é atividade, é uma ação, porque ler o livro por ler não é um objetivo
forte que estimula a ação. A atividade é a leitura do livro por si mesmo, por causa
do seu conteúdo, ou seja, quando o motivo da atividade passa para o objeto da
ação, a ação transforma-se numa atividade. É isso que pode provocar mudanças
na atividade principal.
As operações consistem no modo de execução de uma ação, é o conteúdo
necessário de qualquer ação, determinada pela natureza da tarefa. Segundo
Leontiev, uma mesma ação pode ser efetuada por diferentes operações, mas uma
mesma operação também pode realizar diferentes ações, porque uma operação
depende das condições em que o alvo da ação é dado, enquanto uma ação é
determinada pelo alvo (Id. p.74). Ele exemplifica essa relação entre ação, tarefa e
condições numa situação em que o objetivo é decorar versos. A ação é a
memorização dos versos e, para isso, posso agir de duas maneiras. Se a pessoa
estiver sentada em casa, talvez prefira escrevê-los; em outras condições, poderá
recorrer à repetição mental dos versos. Nos dois casos, a ação é a memorização,
mas os meios de executá-la, isto é, as operações, serão diferentes.
A atividade humana é global, mas ela se desdobra em distintos tipos
concretos de atividade, cuja diferenciação é dada pelo seu conteúdo objetal.
Segundo Leontiev, cada tipo de atividade possui um conteúdo perfeitamente
definido de necessidades, motivos, tarefas e ações. Por exemplo, o conteúdo
objetal da atividade do jogo é substancialmente diferente da atividade de estudo
ou da atividade profissional. “O que distingue uma atividade de outra é o objeto da
atividade (...) que confere à mesma determinada direção”. (Leontiev, 1983, p. 83).
Davídov concorda com Leontiev sobre o entendimento de que a atividade é
constituída de necessidades, tarefas, ações e operações, mas acrescenta um
componente que modifica substantivamente a formulação inicial. Trata-se do
desejo enquanto núcleo básico de uma necessidade:
Acredito que o desejo deve ser considerado como um elemento da
estrutura da atividade. (...) Necessidades e desejos compõem a base sobre
a qual as emoções funcionam. (...) O termo desejo reproduz a verdadeira
essência da questão: as emoções são inseparáveis de uma necessidade.
(...) Em seus trabalhos, Leontiev afirma que as ações são conectadas às
necessidades e motivos. Discordo desta tese. Ações, como formações
integrais, podem ser conectadas somente com necessidades baseadas em
desejos - e as ações ajudam na realização de certas tarefas a partir dos
motivos. (...) É esta a estrutura da atividade que tentei apresentar-lhes. (...)
Os elementos são os seguintes: desejos, necessidades, emoções, tarefas,
ações, motivos para as ações, meios usados para as ações, planos
(perceptual, mnemônico, pensamento, criativo) – todos se referindo à
cognição e, também, à vontade. (Davídov, 1999)
A importância deste ponto de vista é óbvia, pois põe em relevo as relações
entre a afetividade e a cognição. A investigação de González Rey (2000) sobre a
integração do cognitivo e do afetivo na personalidade humana na obra de
Vygotsky permite ver aproximações das idéias de Davídov com as de Vygotsky.
Escreve esse autor:
Ao outorgar à emoção um status similar ao da cognição, na constituição
dos diferentes processos e formas de organização da psique, Vygotsky
está sugerindo a independência das emoções, em sua origem, dos
processos cognitivos, e integrando as emoções dentro de uma visão
complexa da psique que representa um importante antecedente para a
construção teórica do tema da subjetividade (2003b, p. 137).
Davídov reforça esta idéia quando escreve que, por detrás das ações
humanas, estão as necessidades e emoções humanas, antecedendo a ação, as
relações com os outros, as linguagens. Isso significa que as ações humanas estão
impregnadas de sentidos subjetivos, projetando-se em várias esferas da vida dos
sujeitos, obviamente também na atividade dos alunos, na compreensão das
disciplinas escolares, no envolvimento com o assunto estudado.
A coisa mais importante na atividade científica não é a reflexão nem o
pensamento, nem a tarefa, mas a esfera das necessidades e emoções. (...)
As emoções são muito mais fundamentais do que os pensamentos, elas
são a base para as todas as diferentes tarefas que um homem estabelece
para si mesmo, incluindo as tarefas do pensar. (...) A função geral das
emoções é capacitar uma pessoa a pôr-se certas tarefas vitais, mas este é
somente meio caminho andado. A coisa mais importante é que as
emoções capacitam a pessoa a decidir, desde o inicio se, de fato, existem
meios físicos, espirituais e morais necessários para que ela consiga atingir
seu objetivo. (1999, p.7)
A relevância das pesquisas de Davídov está precisamente em que, com
base na atividade fundamental que é o trabalho, surgem no processo ontogenético
outras atividades, entre elas a atividade de aprendizagem. Para ele, a questão
central da aprendizagem escolar é o desenvolvimento mental dos alunos por meio
do ensino e da educação, que ocorre com a cooperação entre adultos e crianças
na atividade de ensino.
b) O ensino e o desenvolvimento do pensamento – O ensino desenvolvimental
Na base do pensamento de Davídov está a idéia-mestra de Vygotsky de
que a aprendizagem e o ensino são formas universais de desenvolvimento mental.
O ensino propicia a apropriação da cultura e desenvolvimento do pensamento,
dois processos articulados entre si, formando uma unidade: Podemos expressar
essa idéia de duas maneiras: a) enquanto o aluno forma conceitos científicos,
incorpora processos de pensamento e vice-versa. b) enquanto forma o
pensamento teórico, desenvolve ações mentais, mediante a solução de problemas
que suscitam a atividade mental do aluno. Com isso, o aluno assimila o
conhecimento teórico e as capacidades e habilidades relacionadas a esse
conhecimento.
Para superar a pedagogia tradicional empiricista, é necessário introduzir o
pensamento teórico. O papel do ensino é justamente o de propiciar mudanças
qualitativas no desenvolvimento do pensamento teórico, que se forma junto com
as capacidades e hábitos correspondentes. Em razão disso, escreve Davídov:
Os conhecimentos de um indivíduo e suas ações mentais (abstração,
generalização, etc.) formam uma unidade. Segundo Rubinstein, “os
conhecimentos (...) não surgem dissociados da atividade cognitiva do
sujeito e não existem sem referência a ele”. Portanto, é legítimo considerar
o conhecimento, de um lado, como o resultado das ações mentais que
implicitamente abrangem o conhecimento e, de outro, como um processo
pelo qual podemos obter esse resultado no qual se expressa o
funcionamento das ações mentais. Conseqüentemente, é totalmente
aceitável usar o termo “conhecimento” para designar tanto o resultado do
pensamento (o reflexo da realidade), quanto o processo pelo qual se obtém
esse resultado (ou seja, as ações mentais). “Todo conceito científico é,
simultaneamente, uma construção do pensamento e um reflexo do ser”.
Deste ponto de vista, um conceito é, ao mesmo tempo, um reflexo do ser e
um procedimento da operação mental. (1988b, p.21)
Nesse sentido, de um lado, a aprendizagem escolar é estruturada conforme
o método de exposição do conhecimento científico, mas, por outro, o pensamento
que um aluno desenvolve na atividade de aprendizagem tem algo em comum com
o pensamento de cientistas que expõem o resultado de suas pesquisas, quando
se utilizam abstrações, generalizações e conceitos teóricos. É verdade que não há
uma identidade com o raciocínio dos cientistas, porque as crianças não criam
conceitos, imagens, valores e normas, mas se apropriam delas no processo de
aprendizagem. É o que escreve Davídov:
Embora o pensamento das crianças tenha alguns traços em comum com o
pensamento dos cientistas, artistas, filósofos da moral e teóricos do direito,
os dois não são idênticos. As crianças em idade escolar não criam
conceitos, imagens, valores e normas de moralidade social, mas
apropriam-se deles no processo da atividade de aprendizagem. Mas, ao
realizar esta atividade, as crianças executam ações mentais semelhantes
às ações pelas quais estes produtos da cultura espiritual foram
historicamente construídos. Em sua atividade de aprendizagem, as
crianças reproduzem o processo real pelo qual os indivíduos vêm criando
conceitos, imagens, valores e normas. Portanto, o ensino de todas as
matérias na escola deve ser estruturado de modo que, como escreveu
Ilenkov, ‘seja reproduzido, de forma condensada e abreviada, o processo
histórico real da gênese e desenvolvimento... do conhecimento’. (1988b, p.
22)
As idéias de Davídov sobre o ensino desenvolvimental, lastreadas no
pensamento de Vygotsky, podem ser sintetizadas nos seguintes pontos:
a) A educação escolar, o ensino e a educação que lhe correspondem, é
fator determinante do desenvolvimento mental, inclusive por poder ir
adiante do desenvolvimento real da criança.
b) Deve-se levar em consideração as origens sociais do processo de
desenvolvimento, ou seja, o desenvolvimento individual depende do
desenvolvimento do coletivo. A atividade cognitiva é inseparável do meio
cultural, tendo lugar em um sistema interpessoal de forma que, através das
interações com esse meio, os alunos aprendem os instrumentos cognitivos
e comunicativos de sua cultura. Isto caracteriza o processo de
internalização das funções mentais.
c) A educação é componente da atividade humana orientada para o
desenvolvimento do pensamento através da atividade de aprendizagem dos
alunos (formação de conceitos teóricos, generalização, análise, síntese,
raciocínio teórico, pensamento lógico), desde a escola elementar.
d) A referência básica do processo de ensino são os objetos científicos (os
conteúdos), que precisam ser apropriados pelos alunos mediante a
descoberta de um princípio interno do objeto e, daí, reconstruído sob forma
de conceito teórico na atividade conjunta entre professor e alunos. A
interação sujeito–objeto implica o uso de mediações simbólicas (sistemas,
esquemas, mapas, modelos, isto é, signos, em sentido amplo), encontrados
na cultura e na ciência. A reconstrução e reestruturação do objeto de
estudo constituem o processo de internalização, a partir do qual se
reestrutura o próprio modo de pensar dos alunos, assegurando, com isso,
seu desenvolvimento.
O texto de Davídov concretiza a proposição de Vygotsky, ao afirmar que a
função de uma proposta pedagógica é melhorar o conteúdo e os métodos de
ensino e de formação, de modo a exercer uma influência positiva sobre o
desenvolvimento de suas habilidades (por ex., seus pensamentos, desejos etc.
(Id. p. 32). Esse posicionamento leva a afastar idéias pedagógicas correntes em
vários paises, ora de superpor o desenvolvimento social e emocional ao cognitivo,
de sobrepor a atividade prática ao desenvolvimento do pensamento teórico ou de
promover práticas espontaneístas na educação escolar. Para ele, há uma
especificidade sócio-histórica dos processos em que as crianças reproduzem as
habilidades humanas, de modo a contrapor ao desenvolvimento espontâneo das
crianças o papel determinante da educação e do ensino orientado por objetivos.
(Ib. 38). Escreve Davídov:
É fato conhecido que o ensino e a educação atingem os objetivos
mencionados por meio da direção competente da atividade própria da
criança. Quando essa atividade é interpretada abstratamente e, mais
ainda, quando o processo do desenvolvimento está desvinculado da
educação e do ensino, inevitavelmente surgirá algum tipo de
pedocentrismo ou de contraposição entre as necessidades da “natureza”
da criança e os requisitos da educação (como tem ocorrido, em numerosas
ocasiões, na história do pensamento e da prática pedagógicos). Entretanto,
a situação se altera substancialmente se a atividade “própria” da criança,
de um lado, é compreendida como algo que surge e se forma no processo
da educação e do ensino e, de outro, se é vista no contexto da história da
própria infância da criança, determinada pelas tarefas sócio-econômicas da
sociedade e pelos objetivos e possibilidades da educação e do ensino que
a elas correspondem. (1988a, p.54-55)
Todavia, não se pode extrair daí que a crítica ao espontaneísmo resulte
numa imposição de conteúdos. Trata-se de compreender a articulação entre
apropriação ativa do patrimônio cultural e o desenvolvimento mental humano.
Dadas estas premissas teóricas, o fato de considerar a natureza e os
aspectos específicos da atividade infantil não implica a contraposição entre
o desenvolvimento e a educação, mas a introdução, no processo
pedagógico, da condição mais importante para a concretização das suas
finalidades. Neste caso, segundo as palavras de Rubinstein, o processo
pedagógico, como a atividade do professor-educador, forma a
personalidade da criança em desenvolvimento na medida em que dirige a
atividade da criança, ao invés de substituí-la por uma outra coisa. (Id.,
p.55)
Ainda citando Rubinstein, escreve Davídov:
Qualquer tentativa do educador-professor “de introduzir a cognição e as
normas morais, ignorando a atividade própria da criança no domínio desse
conhecimento e de normas morais, prejudica (...) as próprias bases do seu
sadio desenvolvimento mental e moral, o alimento de suas características e
qualidades pessoais”.(Ib. , p. 55)
c) O desenvolvimento do pensamento teórico
As pesquisas de Davídov tiveram origem na análise crítica da organização
do ensino assentada na concepção tradicional de aprendizagem, que leva à
formação do pensamento empírico, descritivo e classificatório. Segundo ele,
conhecimento que se adquire por métodos transmissivos e de memorização não
se converte em ferramenta para lidar com a diversidade de fenômenos e situações
que ocorrem na vida prática. Um ensino mais vivo e eficaz para a formação na
personalidade, deve basear-se no desenvolvimento do pensamento teórico. Trata-
se de um processo pelo qual se revela a essência e desenvolvimento dos objetos
de conhecimento e, com isso, a aquisição de métodos e estratégias cognitivas
gerais de cada ciência, em função de analisar e resolver problemas e situações
concretas da vida prática. O pensamento teórico se forma pelo domínio dos
procedimentos lógicos do pensamento que, pelo seu caráter generalizador,
permite sua aplicação em vários âmbitos da aprendizagem.
Como se observa, essa proposta parte da idéia-chave de Vygotsky
relacionada com o papel do ensino no desenvolvimento das potencialidades
intelectuais do ser humano. Davídov não faz pouco caso da escola tradicional, ao
contrário, reconhece seus méritos em propiciar aos alunos um certo sistema de
conhecimentos e modos de ação na prática cotidiana. Todavia, entende que ela é
insuficiente para assimilar o espírito da ciência contemporânea e os princípios de
uma relação criativa, ativa, e de profundo conteúdo com a realidade (Davídov,
1987, p.144), propondo a superação de um tipo de pensamento empírico pelo
pensamento teórico.
Para Davídov, o pensamento teórico se caracteriza como o método da
ascensão do abstrato para o concreto. Não se trata de pensar apenas
abstratamente com um conjunto de proposições fixas, mas de uma
instrumentalidade mediante a qual se desenvolve uma relação principal geral que
caracteriza o assunto e se descobre como essa relação aparece em muitos
problemas específicos. Isto é, de uma relação geral subjacente ao assunto ou
problema se deduzem mais relações particulares, tal como ele próprio explicita:
Ao iniciar o domínio de qualquer matéria curricular os alunos, com a ajuda
dos professores, analisam o conteúdo do material curricular e identificam
nele a relação geral principal e, ao mesmo tempo, descobrem que esta
relação se manifesta em muitas outras relações particulares encontradas
nesse determinado material. Ao registrar, por meio de alguma forma
referencial, a relação geral principal identificada, os alunos constroem, com
isso, uma abstração substantiva do assunto estudado. Continuando a
análise do material curricular, eles detectam a vinculação regular dessa
relação principal com suas diversas manifestações obtendo, assim, uma
generalização substantiva do assunto estudado.
Dessa forma, as crianças utilizam consistentemente a abstração e a
generalização substantivas para deduzir (uma vez mais com o auxílio do
professor) outras abstrações mais particulares e para uni-las no objeto
integral (concreto) estudado. Quando os alunos começam a usar a
abstração e a generalização iniciais como meios para deduzir e unir outras
abstrações, eles convertem as estruturas mentais iniciais e um conceito,
que representa o “núcleo” do assunto estudado. Este “núcleo” serve,
posteriormente , às crianças como um princípio geral pelo qual elas podem
se orientar em toda a diversidade do material curricular factual que têm que
assimilar, em uma forma conceitual, por meio da ascensão do abstrato ao
concreto. (1988c, p. 22)
Conforme Davídov, portanto, um ensino baseado na generalização teórica
significa: analisar, de maneira autônoma, os dados da tarefa; separar neles as
conexões essenciais; considerar cada tarefa como uma variante particular daquela
que havia sido resolvida inicialmente por meios teóricos (1987, p. 154; 1988b, p.30
e 49). Sobre a base das generalizações teóricas formula alguns princípios do
ensino escolar (1987, p.153):
a) A assimilação dos conhecimentos de caráter geral e abstrato precede a
familiarização com os conhecimentos mais particulares e concretos; é a
partir daqueles que se deduzem estes, correspondendo às exigências da
ascensão do abstrato ao concreto.
b) Os conceitos de uma disciplina escolar devem ser assimilados por meio
do exame das condições que os originaram e os tornaram essenciais, ou
seja, os conceitos não se dão como “conhecimentos já prontos”, devendo
ser deduzidos a partir do geral e do abstrato.
c) No estudo da origem dos conceitos os alunos devem, antes de tudo,
descobrir a conexão geneticamente inicial, geral, que determina o conteúdo
e a estrutura do campo de conceitos dados.
d) É necessário reproduzir esta conexão em modelos objetivados, gráficos
e simbólicos (literais) que permitam estudar suas propriedades em “forma
pura” (por ex., a estrutura interna das palavras pode ser representada com
a ajuda de esquemas gráficos especiais).
e) Há que se formar nos alunos ações objetivadas que lhes permitam
revelar no material de estudo e reproduzir nos modelos as conexões
primarias e universais do objeto de estudo, de modo que se garantam as
transições mentais do universal para o particular e vice-versa.
f) Os escolares devem passar paulatinamente e no seu devido tempo da
realização de ações no plano mental para a realização de ações no plano
externo (objetivadas) e vice-versa.
O que se constata nestes princípios é, obviamente, uma clara alusão ao
movimento que vai do geral para o particular, encetado pelo pensamento,
conforme a lógica dialética, e uma similaridade com o método genético. Com
efeito, para Davídov (1988b, p.24), os componentes de uma tarefa de
aprendizagem apresentada pelo professor são: a) a análise do material factual
para descobrir nele alguma relação geral que tenha uma conexão regular com as
diversas manifestações desse material; b) a dedução, em que as crianças
deduzem determinadas relações no conteúdo estudado, formando um sistema
unificado dessas relações, isto é, o “núcleo” conceitual; c) o domínio do modo
geral pelo qual o objeto de estudo é construído, mediante o processo de análise e
síntese. Junto com isso, o método genético refere-se às condições de origem dos
conceitos científicos, isto é, aos modos de atividade anteriores aplicados à
investigação dos conceitos a serem adquiridos. Para isso, segundo Davídov, é
necessário que “os alunos reproduzam o processo atual pelo qual as pessoas
criaram conceitos, imagens, valores, normas”. (1988b, p.21-22)
Estas duas estratégias de ensino e aprendizagem representam, talvez, o
núcleo mais rico da abordagem teórica de Davídov. Elas buscam superar a
conhecida dicotomia entre a ênfase nos conteúdos escolares e o desenvolvimento
dos processos mentais, ou seja, entre a formação dos conceitos científicos e o
desenvolvimento das capacidades do pensar. Nesse sentido, desenvolver nos
jovens o pensamento teórico é o processo pelo qual se revela a essência e
desenvolvimento dos objetos de conhecimento e com isso a aquisição de métodos
e estratégias cognoscitivas gerais de cada ciência, em função de analisar e
resolver problemas cotidianos e profissionais.
A idéia é de que a apropriação dos conceitos (no sentido de
“instrumentalidade”) requer que o indivíduo reproduza, na sua própria atividade, as
capacidades humanas desenvolvidas historicamente. Nessa atividade reprodutiva,
“a criança implementa a atividade que é semelhante (não idêntica) à atividade
encarnada pelas pessoas nestas capacidades” (1988a, p. 56). Davídov, aqui, cita
Leontiev, que escreve que o processo pelo qual a criança se apropria da
experiência social “é um processo que tem como resultado a reprodução pelo
indivíduo, de atributos, capacidades e modos de comportamento humanos
formados historicamente”. E conclui Davídov:
Esta reprodução das capacidades, da atividade, com os instrumentos e
conhecimentos, pressupõe que a “criança deve realizar em relação a elas
uma atividade prática ou cognitiva que seja proporcional (commensurate)
(ainda que não idêntica) à atividade humana incorporada nelas”. (Ib., p. 23)
É importante assinalar, nessa frase, que trata-se de atividade semelhante,
proporcional, mas não idêntica à atividade social-histórica anterior. Ou seja,
“quando as crianças aprendem, executam ações mentais comensuráveis às ações
pelas quais esses produtos da cultura espiritual tiveram historicamente sua
origem” (Ib.). Ainda insistindo na unidade entre apropriação e desenvolvimento,
entre o conhecimento e o processo de aquisição do conhecimento. Tal como já
assinalamos, “a tarefa fundamental da ciência será a de determinar como o conteúdo do
desenvolvimento espiritual da humanidade se transforma nas formas de desenvolvimento
espiritual e como a apropriação destas formas pelo indivíduo se transforma no conteúdo
do desenvolvimento de sua consciência”. (Id., p. 61).
Davídov recrimina no ensino tradicional a transmissão direta aos alunos dos
produtos finais da investigação, sem que possam aprender a investigar por si
mesmas. Todavia, a questão não está em descartar os conteúdos, mas em
estudar os produtos culturais e científicos da humanidade, seguindo o percurso
dos processos de investigação, ou seja, reproduzindo o caminho investigativo
percorrido para se chegar a esses produtos. O procedimento prático de se realizar
essas estratégias são as ações de aprendizagem. Por meio de atividades de
abstração e generalização e exercícios escolares, representativos da disciplina,
pode-se ensinar às crianças o modo como aprender a manejar seus processos
cognitivos.
É clara a vinculação desta idéia – apropriação dos modos de pensar a que
as disciplinas científicas recorrem – com duas tendências fortes na pedagogia
contemporânea: o método de resolução de problemas e o método do ensino com
pesquisa. As ações mentais, segundo Davídov, implicam a resolução de tarefas
cognitivas, “que devem ser baseadas em problemas” (1988b p.29). Eis como
Davídov se posiciona quanto a isso:
(...) podemos entender que a implicação geral e o papel geral da
tarefa de aprendizagem no processo de assimilação serão os
mesmos (a princípio) que os da educação baseada em problemas.
(...) Observamos que, assim como a aprendizagem, a educação
baseada na resolução de problemas está internamente associada
ao nível teórico da assimilação do conhecimento e pensamento
teórico. (Ib.)
A idéia do ensino com pesquisa é a de que o professor faça pesquisa
enquanto ensina, presente na noção de ensino como “experimentação formativa”,
em que o professor intervém ativamente por meio de tarefas nos processos
mentais das crianças e produz novas formações por meio dessa intervenção.
d) A atividade de aprendizagem e as ações de aprendizagem
Segundo Davídov, a aprendizagem é a atividade principal das crianças em
idade escolar cuja função é propiciar a assimilação das formas de consciência
social mais desenvolvida – a ciência, a arte, a moralidade, a lei. As crianças
incorporam tanto o conhecimento e as habilidades relacionados com os
fundamentos dessas formas de consciência social como também as capacidades
construídas historicamente para desenvolver a consciência e o pensamento
teóricos. O conteúdo da aprendizagem, em outras palavras, é o conhecimento
teórico (usando o termo, para significar uma combinação unificada de abstração
substancial, generalização e conceitos teóricos). (1988b, p. 3 e 19)
Ainda conforme Davídov, a base do ensino desenvolvimental é seu
conteúdo, do qual derivam os métodos (ou procedimentos) para organizar o
ensino:
Esta proposição exemplifica o ponto de vista de Vygotskii e Elkonin. “Para
nós, escreveu Elkonin, tem importância fundamental sua idéia (de Vygotskii
– VD) de que o ensino realiza seu papel principal no desenvolvimento
mental, antes de tudo, por meio do conteúdo do conhecimento a ser
assimilado”. Concretizando esta proposição, deve-se observar que a
natureza desenvolvimental da atividade de aprendizagem no período
escolar está vinculada ao fato de que o conteúdo da atividade acadêmica é
o conhecimento teórico. (Ib.)
Para que isto ocorra, faz-se necessária uma estrutura da atividade do
aprender incluindo uma tarefa de aprendizagem, as ações de aprendizagem e
ações de acompanhamento e avaliação, visando à compreensão do objeto de
estudo em suas relações. O resultado disso é que os alunos aprendem como
pensar teoricamente a respeito de um objeto de estudo e, com isso, formar um
conceito teórico apropriado desse objeto para lidar praticamente com ele em
situações concretas da vida.
Estas idéias deixam transparecer no pensamento de Davídov, o caráter
ativo da aprendizagem e, especialmente, a idéia de que a educação escolar
constitui-se numa forma específica de atividade do aluno. A meta da atividade de
aprendizagem, incluindo a parceria adulto-criança e crianças-crianças, é a própria
aprendizagem, ou seja, o objetivo do ensino é ensinar aos estudantes as
habilidades de aprenderem por si mesmos, ou seja, aprender a pensar.
Mas não se trata do “aprender fazendo”. Se for enfatizado apenas o caráter
concreto da experiência da criança, pouco se conseguirá em termos de
desenvolvimento mental. Na expressão de Lipman (1997), as crianças ficam
subnutridas conceitualmente. Segundo Davídov, “aos conhecimentos (conceitos)
empíricos correspondem ações empíricas (ou formais) e aos conhecimentos
(conceitos) teóricos, ações teóricas (ou substanciais)”, ou seja, se o ensino nutre a
criança somente de conhecimentos empíricos, ela só poderá realizar ações
empíricas, sem influir substancialmente no seu desenvolvimento intelectual.
e) A atividade da aprendizagem e a comunicação
Esse tópico discute a questão da influência de fatores sociais e culturais,
especialmente, da comunicação, no desenvolvimento mental. Daniels (2003, p.9)
aponta duas formulações dessa questão no âmbito da teoria da atividade, a da
interiorização e da participação. Na orientação que prioriza o processo de
internalização, a cultura é fonte do desenvolvimento psíquico à medida que o
sujeito realiza uma determinada atividade dirigida à apropriação das capacidades
sociais objetivadas em forma de instrumentos, linguagem, obras de arte, etc. Essa
atividade somente pode ser realizada em comunicação permanente com outras
pessoas. Escreve Leontiev:
A comunicação em sua forma externa inicial, como aspecto da atividade
conjunta das pessoas, quer dizer, em forma de “comunicação imediata” ou
em forma interna, interiorizada, conforma (...) as condições indispensáveis
e específicas do processo de apropriação, pelos indivíduos, dos êxitos do
desenvolvimento histórico da humanidade. (in Davídov, 2002, p. 57)
Todavia, a comunicação da criança com outras pessoas não está
mediatizada pela palavra, mas pelo objeto.
A relação da criança com o objeto está mediatizada inicialmente pelas
ações objetais diretas do adulto (...) As ações da criança estão dirigidas
não só ao objeto, mas ao adulto que se encontra presente; por isso a incita
à comunicação. Unicamente sobre a base das ações objetais conjuntas
com o adulto, a criança vai dominando a linguagem, a comunicação verbal.
(...) o exame do processo de transformação da atividade externa conjunta
da criança em atividade individual, regulada agora pelas estruturas internas
(em outras palavras, o estudo da interiorização da atividade conjunta e das
funções psíquicas a ela ligadas), tem uma importância capital para
compreender o desenvolvimento psíquico da criança. (...) Mas a criança
não pode elaborar e realizar de forma autônoma esta atividade; ela sempre
deve ser reestruturada (na criança) pelas pessoas que se encontram em
interação e comunicação com ela. (...) Mais à frente, o avanço autônomo e
criador do pensamento somente será possível sobre a base da experiência
histórica já interiorizada” (Id., p. 58)
Na posição de Davídov, é notória a ênfase ao conhecimento teórico
formalmente organizado como base da atividade de aprendizagem, pelo que
privilegia o “social” e menos o “interativo”. Por se basear na natureza teórica da
aprendizagem formal, a cultura aparece como algo a ser reproduzido, para o que
se torna imprescindível a comunicação entre as pessoas, no sentido de
comunicação da experiência social. Ou seja, a interiorização consiste no processo
de transformação da atividade coletiva em uma atividade individual. Todavia, em
artigo recente, Davídov destaca o que, para ele, é o núcleo da atividade,
ressaltando a comunicação com o outro:
O primeiro componente do núcleo da atividade é a transformação da
realidade pelo sujeito coletivo, no curso da atividade coletiva deste
individuo. (...) Toda atividade coletiva é sempre observada em vários tipos
e formas de comunicação material e espiritual. (...) Mas, no processo de
comunicação, seja material ou espiritual, surge um princípio básico do qual
todos estamos conscientes (...) que é o desempenho coletivo de uma certa
atividade pelos indivíduos. (...) O apelo a outras pessoas ocorre na
estrutura da atividade coletiva, a atividade que é provida de problemas dos
indivíduos ou da equipe. A propósito, o apelo aos outros é a base da qual
surgem padrões num coletivo; e os padrões são protótipos culturais. (...)
Assim, no núcleo da atividade (...) temos os seguintes pontos: primeiro, a
unidade da atividade consciente inclui a natureza coletiva da realização de
uma atividade pelo indivíduo coletivo ou uma equipe; em outras palavras, o
que chamamos de comunicação prática (metódica), no sentido literal da
palavra, não no metafórico. O segundo ponto é o apelo das pessoas umas
pelas outras, refletindo sobre suas próprias ações e significados e sobre
ações e significados de outras pessoas. O terceiro aspecto do núcleo da
atividade está incluído no plano ideal e na imaginação. O quarto, é a
atividade consciente individual de uma pessoa individual. (Davídov, 1999,
p.10-11)
Essa citação permite visualizar o caráter coletivo da atividade em geral e,
também, da atividade de aprendizagem. Embora não apareça nessa citação a
valorização dos aspectos interacionais no ensino, tal como desejariam autores que
acentuam na aprendizagem mediada as práticas de participação, fica clara a
posição do autor sobre o caráter social e coletivo das aprendizagens, incluindo a
atividade conjunta dos alunos.
Conclusão
O objetivo deste trabalho foi o de apresentar contribuições da teoria
histórico-cultural da atividade para a didática, especialmente para a aprendizagem
do pensar e do aprender, com base na obra de V. Davídov. Apresentamos um
esboço do desenvolvimento teórico da teoria da atividade desde sua formulação
no período inicial da psicologia histórico-cultural, bem como as bases teóricas do
ensino desenvolvimental formuladas por Davídov, que propiciam o conhecimento
teórico da teoria do conhecimento e da psicologia marxistas em função de uma
teoria de ensino adequada às exigências do mundo contemporâneo.
A teoria da atividade de aprendizagem tem como premissa uma afirmação
bem pontual de Davídov: “é possível, por meio do ensino e da educação, formar
numa pessoa certas capacidades ou qualidades mentais”. Uma análise concreta
do mundo atual põe-nos frente a problemas reais como as mudanças nos
processos de produção e nas demandas de qualificação profissional, o
desenvolvimento da microeletrônica, a complexificação dos meios de
comunicação e informação, o poder desmedido das mídias na formação das
subjetividades, a intelectualização do processo produtivo, etc., ainda que
reconheçamos a manutenção das características mais marcantes do capitalismo.
Há, efetivamente, mudanças no mundo do trabalho que afetam substantivamente
a vida dos trabalhadores de todos os níveis e, uma proposta democrática de
escola, não pode excluí-los de uma formação compatível com essas mudanças.
Considerando-se que a educação escolar vincula-se estreitamente ao
desenvolvimento cognitivo – entendendo que todos os seres humanos precisam
internalizar conhecimentos e desenvolver suas capacidades cognitivas como
condição de sua existência social – é desejável esperar dela ações em resposta
às demandas postas por essas novas realidades
Entender, pois, o papel da educação escolar no mundo contemporâneo
implica saber que a aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento de
capacidades mentais dos alunos inclui o conhecimento teórico, juntamente com o
desenvolvimento de competências cognitivas complexas. Na introdução à edição
espanhola de seu último livro, escreveu Davídov:
Os pedagogos começam a compreender que a tarefa da escola
contemporânea não consiste em dar às crianças uma soma de fatos
conhecidos, mas em ensiná-las a orientar-se independentemente na
informação científica e em qualquer outra. Isto significa que a escola deve
ensinar os alunos a pensar, quer dizer, desenvolver ativamente neles os
fundamentos do pensamento contemporâneo para o qual é necessário
organizar um ensino que impulsione o desenvolvimento. Chamemos esse
ensino de “desenvolvimental”. (Davídov, 1988, p.3)
A teoria da atividade presta-se a muitas finalidades, mas especialmente
pode auxiliar nas formas de desenvolvimento do pensamento teórico (valendo
para os alunos, mas também para os professores); na compreensão da estrutura
da atividade docente; na explicitação dos procedimentos e definição de ações e
tarefas de aprendizagem para aumentar a eficácia das aprendizagens; na
proposição de métodos e procedimentos de estudo e análise das práticas, em
especial, os contextos socioculturais da atividade, para promover a transformação
de espaços institucionais. Nesse sentido, para além das idéias aqui
sistematizadas, há que se buscar outros elementos teóricos associados à teoria
da atividade para melhor compreensão, por exemplo, das ações subjetivas e seu
sentido, das formas de participação guiada nas ações e tarefas de aprendizagem,
da pesquisa cultural, das influências socioculturais do contexto na ação orientada
para o objeto, dos critérios de análise das práticas em contextos institucionais e
sua transformação em direção a objetivos emancipatórios. São apostas muito
promissoras para uma visão mais contemporânea e mais plurifacetada do
conteúdo da didática e para o enriquecimento das propostas de currículos e
metodologias de formação de professores, uma vez que os objetivos de
aprendizagem que esperamos dos alunos devem ser, antes, objetivos da
formação de professores.

Referências bibliográficas

BELLONI, Maria L. (Org.) A formação na sociedade do espetáculo. São Paulo: Loyola, 2002.
CHAIKLIN, Seth. Developmental Teaching in upper-secondary scholl. Internet, 2003;
http://www.maro.newmail.ru/
CHAIKLIN, Seth y LAVE, Jean (Comps.) Estudiar las prácticas – Perspectivas sobre actividad y
contexto. Buenos Aires:, Amorrortu Editores, 2001.
CHAIKLIN, Seth. Correspondência pessoal, 2003.
COLETIVO DE AUTORES. Didactica Universitária. Universidade de la Habana – Centro de
Estúdios para el Perfeccionamiento de la Educación Superior. Anápolis (GO): Curso de Mestrado,
2001. Texto de uso didático.
DANIELS, Harry. Vygotsky e a pedagogia. São Paulo: Loyola, 2003.
DANIELS, Harry (Org.). Uma introdução a Vygotsky. São Paulo: Loyola, 2002.
DAVÍDOV, V. Analisis de los princípios didacticos de la escuela tradicional y possibles principios de
enseñanza en el futuro proximo. In: SHUARE, Marta. La Psicologia evolutiva y pedagogia en la
URSS. Antologia. Moscu: Editorial Progreso, 1987.
DAVYDOV, V.V. Problems of developmental teaching – The experience of theoretical and
experimental psychological research. Parte I – Cap. 1 - The basic concept of contemporary
psychology. Cap. 2 - Problems of children’s mental development Soviet Education, New York, Aug.
1998a.
DAVYDOV V.V. Problems of developmental teaching – The experience of theoretical and
experimental psychological research. Parte II – Cap. 5 - Learning activity in the younger school age
period. Cap. 6 - The mental development of younger school children in the process of learning
activity. Soviet Education, New York, Sep. 1998b.
DAVYDOV.V.V. Problems of developmental teaching – The experience of theoretical and
experimental psychological research. Parte III – Cap.6 - The mental development of younger school
children in the process of learning activity (continuação). – Conclusion – Appendix. Soviet
Education, New York, Oct. 1998c.
DAVÍDOV, Vasili. La enseñanza escolar y el desarrollo psíquico. Prefácio. Moscu: Editorial
Progreso, 1988.
DAVÍDOV, V.V. A new approach to the interpretation of activity structure and Content. In:
Hedegard, Mariane e Jensen Uffe Jull. Activity theory and social practice: cultural-historical
approaches. Aarhus (Dinamarca): Aarthus University Press, 1999.
DAVÍDOV, Vasili V. El aporte de A . N. Leontiev al desarrollo de la psicología. In: GOLDER, Mário.
Angustia por la utopia. Buenos Aires: Ateneo vigotskiano de la Argentina, 2002.
DAVÍDOV, V.V., Radzikhovskii, L.A., Vygotsky theory and the activity-oriented approach in
Psychology. In: Wertsch, James (Org.). Culture, communication and cognition: vigotskian
perspectives. New York: Cambridge University Press, 1988.
DAVÍDOV, Vasili. V. Tipos de generalización en la enseñanza. Havana: Pueblo y educación, 1978.
DUARTE, Newton. Educação escolar, teoria do cotidiano e a escola de Vigotski. Campinas:
Autrores Associados, 1996.
DUARTE, Newton. Sociedade do conhecimento ou sociedade das ilusões? Campinas: Autores
Associados, 2003.
DUARTE, Newton. Vigotski e o “aprender a aprender” – crítica às apropriações neoliberais e pós-
modernas da teoria vigotskiana. Campinas: Autores Associados, 2000.
ENGESTROM, Yrjo. Non Scholae sed vitae discimus: como superar a encapsulação da
aprendizagem escolar. In: Daniels, Harry (Org.). Uma introdução da Vygotsky, São Paulo: 2002,
Loyola.
GOLDER, Mário. Angustia por la utopia. Buenos Aires: Ateneo vigotskiano de la Argentina, 2002.
GONZÁLES Rey. El lugar de las emociones en la constitución social de lo psiquico: el aporte de
Vigotski. In: Educação e Sociedade, Ano XXI, n. 70, abr/00.
GONZÁLEZ Rey, F. Sujeito e subjetividade. São Paulo: Thomson, 2003.
HARGREAVES, Andy. O ensino como profissão paradoxal. Pátio, Porto Alegre, ano IV, n. 16,
fev/abr 2001.
HEDEGAARD, Marianne. A zona de desenvolvimento proximal como base para o ensino. In:
DANIELS, Harry (Org.). Uma introdução da Vygotsky, São Paulo: Loyola. 2002.
HEDEGAARD, Mariane. Institutional practices, cultural positions, and personal motives: imigrant
turkish parent’s conceptions about children’s school life. In: Hedegard, Mariane e Jensen Uffe Jull.
Activity theory and social practice: cultural-historical approaches. Aarhus (Dinamarca): Aarthus
University Press, 1999.
KOZULIN, Alex. O conceito de atividade na psicologia soviética: Vygotsky, seus discípulos, seus
críticos. In: DANIELS, Harry (Org.). Uma introdução da Vygotsky, São Paulo: 2002, Loyola.
LERNER, I.Y. e SKATKIN, M.N Tareas e contenido de la enseñanza geral y politécnica. In:
DANILOV, M.A. e SKATKIN, M.N. Didáctica de la escuela média. Habana: Editorial Pueblo y
Educación, 1984.
LEONTIEV, Alexis N. Actividad, conciencia, personalidad. La Habana: Editorial Pueblo y
Educación, 1983.
LEONTIEV, Alexis N. Uma contribuição à teoria do desenvolvimento da psique infantil. In:
VIGOTSKII, L.S., LURIA, A . R. e LEONTIEV, A . N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem.
São Paulo: Ícone Editora, 1992.
LIBÂNEO, José C. Fundamentos teóricos e práticos do trabalho docente – Estudo introdutório
sobre pedagogia e didática. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1990. Tese de
Doutorado.
LIPMAN, Matthew. Natasha – Diálogos vigotskianos. Porto Alegre: 1997. Artes Médicas.
MARAGLIANO, Roberto et alii. Teoria da Didática. São Paulo: Cortez Editora/Autores Associados,
1986.
MOURA, Manoel O. O educador matemático na coletividade de formação. In: Tiballi , Elianda F.A.
e Chaves, Sandramara M. (Orgs.) Concepções e práticas em formação de professores: diferentes
olhares. Rio de Janeiro: XI Endipe/DP & A, 2003.
MOURA, Manoel O. A atividade de ensino como ação formadora. In: CASTRO, Amélia D. de e
Carvalho, Ana Maria P. (Orgs.) Ensinar a ensinar: didática para a escola fundamental e média. São
Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.
MOURA, Manoel O. A educação escolar como atividade. IN: Encontro Nacional de Didática e
Prática de ensino, IX. Anais. Olhando a qualidade do ensino a partir da sala de aula. Águas de
Lindóia: FEUSP, 1998.
MOURA, Manoel O. de. O educador matemático na coletividade de formação: uma experiência
com a escola pública. São Paulo: Tese (Livre Docência em Educação) - Universidade de São
Paulo, 2002.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez/Unesco,
2000.
PÉREZ Gómez, A. La cultura escolar en la sociedad neoliberal. Madrid: Morata 1999.
PIMENTA, Selma G. e GHEDIN, Evandro (Orgs.). Professor Reflexivo no Brasil – Gênese e crítica
de um conceito. São Paulo: Cortez, 2002.
PORTO, Tania M. E. (Org.) Redes em construção: meios de comunicação e práticas educativas.
Araraquara: JM Editora, 2003.
SAVIANI, Nereide. Saber escolar, currículo e didática – Problemas da unidade conteúdo-método
no processo pedagógico. Campinas: Autores Associados, 1994.
SFORNI, Marta S. de Faria. Aprendizagem conceitual e organização do ensino: contribuições da
teoria da atividade. São Paulo: FEUSP, 2003. Tese de Doutorado.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Papirus, 1984
ZINCHENKO, Vladimir P. A psicologia histórico-social e a teoria psicológica da atividade:
retrospectos e prospectos. In: WERTSCH, James V., DEL RÍO, P., ALVAREZ, Amélia (Orgs.).
Estudos socioculturais da mente. Porto Alegre: Artmed, 1998.

Vous aimerez peut-être aussi