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Ética, Política e Direito Brasileiro: reflexões para um novo senso comum

* Adriano Monteiro Madruga

*Licenciado em História pela Universidade de Caxias do Sul (UCS); Graduando em Direito pela Universidade de
Caxias do Sul; Professor de Ensino Médio do Estado do Rio Grande do Sul; E-mail: ammadrug@ucs.br

RESUMO: O objetivo deste artigo é questionar o sentido enfático dado à ética no cenário
político brasileiro na atualidade e seus reflexos no direito, já que historicamente a política e o
direito estiveram sempre centralizados aos interesses dos grandes personagens e fatos (Hegel) e
para contrapor essa percepção é pensada a história do Brasil como tragédia repetida por farsa
(Marx) e o sentido de Pasárgada (Santos). A partir disso, re-pensar a ética como diálogo político
(Platão) e a universalidade das leis (Cícero) no direito brasileiro na hodiernidade voltadas para
cidadania através de movimentos de vanguarda refletidos por novos espelhos sociais para um
novo senso comum (Santos).
PALAVRAS-CHAVE: ética, política, direito brasileiro.

ABSTRACT: This article questioning the meaning given to emphatic ethics in Brazilian political
scenario at present and its effect on the right, since historically politics and law have always been
central to the interests of major characters and events (Hegel) and to counter this perception is
thought the history of Brazil as a tragedy repeated farce (Marx) and direction of Pasárgada
(Santos). From there, re-think the ethics and political dialogue (Plato) and the universality of laws
(Cicero) in Brazilian law in modern towards citizenship through avant-garde movements
reflected by new mirrors for a new social common sense (Santos).
KEY WORDS: ethics, politics, Brazilian law.

Introdução

O presente artigo tem por objetivo compreender o sentido enigmático dado à ética que se enfatiza
muito no cenário político brasileiro na atualidade e seus reflexos no direito, lócus que deveria
garantir a valorização do sujeito através da cidadania e da justiça social no país. Esse desafio
proposto segue num interesse de raposa1 por várias coisas, (...) vários fins e objetivos – por vezes
não-relacionados ou até mesmo contraditórios – cuja interconexão não é nem óbvia nem
explícita. (LAFER, 2006: 13) A partir disso, se re-pensar em um novo senso comum que propicie
movimentos de vanguarda refletidos em novos espelhos sociais através de políticas públicas de
segurança pautadas numa nova política judiciária (SANTOS, 1999: 177) de acesso à cidadania a
todos os sujeitos no país, e que o Estado brasileiro de direito de fato cumpra com suas
responsabilidades sociais com os seus cidadãos. Para isso, deve se pensar como as raposas, que
dessa maneira exprimem uma perspectiva centrífuga e pluralista da realidade (LAFER, 2006:
13), de descentralização de verdades absolutas que silenciam as diferenças em nome da ordem e
progresso, uma ordem que na verdade beneficia o progresso de poucos no Brasil: desde a
Colônia, passando pela Proclamação da República até a hodiernidade.

1. Ética como diálogo e universalidade das leis no sistema político-jurídico brasileiro

O discurso enfatizado pelos políticos na sociedade brasileira hodierna está pautado na palavra
ética, cuja origem é o termo grego ethos. Como lembra Leonardo Boff (2003: 33) [grifo do
autor], ethos2 não é primeiramente ética, mas a morada humana. A interpretação de ethos
refletida por Boff, é pensada como ética do cuidado, e destacado o sentido de solidariedade
traduzida nesse artigo como compreensão das experiências históricas na política e no direito e
seus reflexos na sociedade brasileira atual. Já que historicamente a solidariedade foi muitas vezes
silenciada em nome da ordem dos grandes personagens e fatos que lhe interessaram. E, a partir
dessas experiências que muitas vezes foram silenciadas, como a Pedagogia da Libertação, re-
pensar a ética estruturada ao redor dos valores fundamentais ligados à vida, ao seu cuidado, ao
trabalho, às relações cooperativas e à cultura da não-violência e da paz. É um ethos que ama,
cuida, se responsabiliza, se solidariza e se compadece (BOFF, 2003: 32). E, refletindo-se sobre a
ética em uma perspectiva coletiva de valores sociais que constituem a identidade moral de uma

1
Lafer (2006), nos seus estudos sobre o pensamento de Hannah Arendt, segue à classificação proposta pelo filósofo
e historiador Isaiah Berlin para diferenciar pensadores de perspectiva centrípeta e monista, dos pensadores de
perspectiva centrífuga e pluralista, divisão inspirada do seu verso favorito, do poeta grego Arquíloco: Muitas coisas
sabe a raposa; mas o ouriço uma grande.
2
Boff (2003: 32), reconstitui ethos/ morada humana na perspectiva filosófica grega para contrapor a cultura
dominante (…), materialista, individualista, consumista competitiva, prejudicando o capital social dos povos e
precarizando as razões de estarmos juntos. Ethos/ morada humana é traduzida e refletida como solidariedade para
re-pensar a política e o direito brasileiro, para um novo senso comum emancipatório.
nação (Brasil), percebe-se que esses valores não podem deixar de estar ligados à justiça (Estado
de Direito) através de leis de acesso a todos os sujeitos, garantidos pela cidadania.

O direito não é uma simples idéia, é uma força viva. Por isso a justiça sustenta numa das mãos
a balança com que pesa o direito, enquanto na outra segura a espada por meio da qual o
defende. A espada sem a balança é a força bruta, a balança sem a espada, a impotência do
direito. Uma completa a outra, e o verdadeiro estado de direito só pode existir quando a justiça
sabe brandir a espada com a mesma habilidade com que manipula a balança (IHERING, 2007:
27).

Após essa definição do sentido primeiro da ética e do equilíbrio que deve existir na espada e na
balança no direito, analisa-se a perda desses sentidos por um viés obscuro de ausência de ética.
Para se entender melhor essa reflexão, há uma necessidade de retornar aos gregos e romanos,
mais precisamente a Platão (1980) e Cícero (2004), que acreditavam na superação dessa ausência
de ética somente através do diálogo (princípio grego) e da universalidade das leis (princípio
romano). Teoricamente para se chegar a um amálgama desses princípios, no Brasil atual, é
preciso mudar o sentido semântico político-jurídico de políticas de segurança pública, para
políticas públicas de segurança3. Porque, historicamente no Brasil houve sempre uma
preocupação de manter a ordem dos grandes personagens por meios de leis criadas e garantidas
através das políticas de segurança pública. Por exemplo, na Conjuração dos Alfaiates ocorrida na
Bahia em 1789, o governo português para punir e intimidar a população da cidade de Salvador,
executou quatros líderes rebeldes: detalhe, todos pobres e de origem negra, ou seja, sujeitos
ausentes de cidadania. Já os líderes revoltosos de posição importante na sociedade de Salvador
foram poupados, como o médico Cipriano Barata. Percebe-se que mesmo em situações dessa
natureza a coerção mais severa das leis é aplicada aos sujeitos menos desprovidos de direitos
garantidos pela cidadania. Na atualidade a história continua a se repetir como farsa presente no
discurso da maioria dos políticos pautados nas políticas de segurança pública, de medidas
paliativas de investimentos no setor de segurança: criação de mais presídios para diminuir a
superlotação carcerária, aumento do contingente policial só para ficar nesses dois exemplos. Mas
fica apenas na falácia dos políticos porque na realidade esses projetos ficam apenas na teoria e os
presídios estão cada vez mais superlotados, depósitos dos herdeiros dos quatro líderes rebeldes
pobres executados pela Conjuração dos Alfaiates. E o policiamento é mal remunerado e

3
Essa inversão de Políticas de Segurança Pública para Políticas Públicas de Segurança,é inspirada nas pesquisas
realizadas pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP.
facilmente corrompido pelo crime organizado/ poder paralelo ao Estado. A idéia proposta de
mudança do sentido semântico político-jurídico de políticas de segurança pública, para políticas
públicas de segurança, é de oposição a essa mentalidade histórica que não tem mais
sustentabilidade na sociedade brasileira hodierna.

Então, pensar em políticas públicas de segurança, é buscar igualdade entre os sujeitos através de
direitos iguais garantidos pela cidadania na sociedade brasileira. Principalmente de oposição a
essa mentalidade histórica viciosa de medidas paliativas que em muitos momentos históricos
houve um radicalismo coercivo para manter a ordem estabelecida dos grandes personagens.
Nesses momentos houve punições severas contra os sujeitos ausentes de cidadania, ou seja,
verdadeiros massacres para restituir a ordem. Como exemplo disso tem-se os casos de Canudos
no final do século xix e o massacre do Carandiru no final do século xx. Então, os governantes
(políticos) ao invés de continuarem reproduzindo esse discurso histórico falho de medidas
paliativas que não se sustentam mais deveriam começar a pensar e a elaborar projetos de governo
pautados em políticas públicas de segurança, de caráter preventivo frente as desigualdades sociais
do país que resultam no aumento da criminalidade e da violência na sociedade brasileira.

Já que no discurso político atual enfatiza-se a ética, ela deveria ser pensada como
responsabilidade social de valores fundamentais ligados à vida, ao seu cuidado, ao trabalho, às
relações cooperativas e à cultura da não-violência e da paz (BOFF, 2003: 32). A ética pensada
de maneira homogênea e não heterogênea. Com esse entendimento de ética e políticas públicas
de segurança os governantes (políticos) ao invés de criarem projetos de construções de mais
penitenciárias (teoria) que custam milhões aos cofres públicos para deslotar as existentes
poderiam investir mais, por exemplo, numa educação pública de qualidade que forme cidadãos
conscientes de seus direitos e deveres, fazendo com que as escolas públicas não sejam apenas
depósito de crianças e adolescentes, que não vêm muito atrativo na sua forma de ensino defasado.
O problema é mais visível nas zonas mais periféricas das grandes cidades em que as crianças e
adolescentes pobres, padecendo de um determinismo social têm pouca perspectiva de vida no
sentido de qualidade de vida e ascensão social. Muitas delas são cooptadas pelo crime
organizado/ poder paralelo, já que vivem e convivem entre o poder legal do Estado com suas
políticas sociais falhas (educação, saúde, habitação, direito, etc), mais voltadas para políticas de
segurança e o poder paralelo do crime organizado que faz o papel “assistencial” nessas
comunidades onde o Estado falhou. Mas, esse assistencialismo tem um preço cobrado pela lei do
silêncio, da cooperação forçada e do medo.

Outra alternativa de políticas públicas de segurança (preventiva) entre tantas seria a de


democratização do direito. A partir de então, chegar-se-ia a uma nova política judiciária, que,
conforme a definição do sociólogo Boaventura de Sousa Santos (1999: 177), estaria
comprometida com o processo de democratização do direito e da sociedade. Todavia, não
adianta polemizar a tentativa de criação de leis que não irão solucionar os problemas criminais da
sociedade brasileira gerados pela desigualdade social do país, como, por exemplo, a redução da
maioridade penal de coerção em vão de combate à violência (barbárie). Se não existir um diálogo
e uma universalidade das leis de acesso a todos os cidadãos, que valorize o sujeito. Então, para
que servirá a cidadania?

2. A cidadania como ressurreição dos sujeitos da Pasárgada4 brasileira

Se pensar em cidadania num país em que historicamente a cidadania foi pensada para poucos não
é fácil, é como pensar nos doze trabalhos de Hércules, mas sem ser filho dos deuses. Portanto,
para se entender o papel da cidadania como ressurreição dos sujeitos ausentes de cidadania na
Pasárgada brasileira contemporânea, é necessário compreender a reflexão de Cícero:

[a cidadania só tem legitimidade] se os homens conformassem seus juízos à Natureza5 e ao


pensamento do poeta – ‘nada do que é humano nos é estranho’6 – todos respeitariam por igual
o Direito. Todos receberam da Natureza a razão, e por ela a Lei, que outra coisa não é que a
reta razão, quando ordena e quando proíbe. E, se receberam a Lei, também receberam o
Direito. Pois bem, como a razão foi dada a todos, conclui-se que todos receberam o Direito.
Por isso, Sócrates tinha bons motivos para amaldiçoar o primeiro homem que separou a
utilidade e o Direito, e lamentar o que se tornou, segundo ele, o princípio de todas as desgraças
7
(2004: 53) [grifo do autor].

4
Sujeitos ausentes de cidadania e que formam um direito paralelo ao oficial.
5
O tradutor da obra (2004) de Cícero do latim para o português, o professor universitário (UCS) e jurista Marino
Kury (2004, p. 21) [grifo do autor], em nota introdutória da respectiva obra estabelece o sentido dado por Cícero ao
conceito de Lei Natural, acima das legislações particulares, inerente à natureza moral do homem e em harmonia
com a estrutura racional do universo, firmadas em princípios ético-jurídicos imutáveis; Lei digna de tal nome, feita
para o bem dos cidadãos e dos Estados, objetivando a segurança, a tranqüilidade e a felicidade dos homens.
6
Kury (2004, p. 53) [grifo do autor], nota de rodapé: Essa frase famosa é atribuída ao cômico Terêncio, imitador do
grego Menandro.
7
Kury (2004, p. 53) [grifo do autor], nota de rodapé: Segundo Clemente de Alexandria (Stromata, II, 21, 3), o
estóico Cleantes atribuiu essa opinião a Sócrates. Na realidade, tais idéias conformam-se com o pensamento do
Sócrates platônico.
Essa passagem de Cícero esclarece o papel fundamental da cidadania para o sujeito, porém, deixa
uma ressalva na voz de Sócrates, da ruptura causada entre utilidade (razão + Lei = reta razão) e o
Direito. E, se pensando em nível de Brasil, como identificar historicamente “todas as desgraças”
dos sujeitos ausentes de cidadania? Para responder essa indagação precisei estabelecer um
diálogo com o Divino8, que expressou em um dos seus diálogos que não são legítimas as leis e as
formas de governo que não forem estabelecidas com vista no interesse da comunidade. As que
forem feitas para vantagem de uns poucos – não direi cidadãos, porém sectários – dar-lhes o
qualificativo de justo é abusar da expressão (PLATÃO, 1980: 126). A resposta do Divino é
divina pois revela as origens dessas desgraças, originadas pelas seitas (sectários)9 dos grandes
personagens10 em detrimento dos sujeitos ausentes de cidadania que formam a Pasárgada
Brasileira. Porque

os grupos dominantes, historicamente, produziram o inusitado: a ‘estigmatização do espaço’


apropriado pelas classes trabalhadoras. Em outras palavras, o favelado é considerado classe
perigosa atualmente por representar o diferente, o Outro, no que se refere à ocupação do
espaço urbano. (...) são classificados, em geral, pelos formadores de opinião, como
pertencentes às ‘classes perigosas’ (CAMPOS, 2005: 63).

A partir dessas reflexões filosóficas, históricas e sociológicas no campo da política e do direito


brasileiro, se compreende melhor a ausência de ética na sociedade brasileira atualmente e seus
reflexos na cidadania. E quem melhor definiu essa ausência de ética foi Guimarães Rosa, na sua
famosa declaração: O político pensa apenas em minutos. Sou escritor e penso em eternidades. Eu
penso na ressurreição do homem (Rosa apud Alves, 2002: 11). Com essa declaração se percebe
que esses minutos simbolicamente se traduzem como ausência de ética para os sujeitos excluídos
de cidadania da Pasárgada brasileira, em benefício da cidadania dos grandes personagens
privilegiados historicamente pela política e pelo direito brasileiro através das políticas de
segurança pública. Isso remonta a chegada portuguesa com o degredo (excluídos do Reino
Português para a Colônia), as escravidões indígena e africana, a Independência do Brasil (1822) e
da República (1889), as ditaduras (Era Vargas – Estado Novo 1937-1945, Ditadura Militar 1964-

8
Cícero grande admirador de Platão, a quem chamava de divino, e que dedicou dois títulos dos seus livros: A
República e o Tratado das Leis, escritos em forma de diálogo a maneira do mestre.
9
As oligarquias fundiárias, a aristocracia industrial, as corporações transnacionais.
10
Grandes fatos personagens usados para descrever e diferenciar os privilegiados e detentores do poder na política e
no direito brasileiro, exemplo feriados nacionais: Proclamação da Independência que trocou uma monarquia por
outra, Proclamação da República que substituiu uma elite monarquista por uma republicana nos moldes do
pensamento positivista e das oligarquias regionais.
1985), que deixaram como herança aos sujeitos ausentes de cidadania uma identidade do sempre,
ou seja, sempre dissidentes e deportados (degredo), sempre explorados e coagidos (escravidão),
sempre excluídos da política e do direito (Independência), sempre reprimidos nos movimentos
sociais de vanguarda (ditadura), criando-se para a Pasárgada brasileira uma cultura baseada na
identidade do medo, da mentira, das medidas paliativas. Um medo garantido por um poder
simbólico (BOURDIEU, 2001), perpetuado pelos formadores de opinião, [que julgam os sujeitos
ausentes de cidadania,] como pertencentes às ‘classes perigosas’ (CAMPOS, 2005: 63).
Historicamente, os quilombolas por terem representado, no passado, ameaça ao Império; e os
favelados por se constituírem em elementos socialmente indesejáveis após a instalação da
República (CAMPOS, 2005: 64). Uma tragédia do medo repetida por farsa da mentira: Lei
Áurea, libertou os escravos das senzalas para serem engolidos pelas ovelhas dos enclosures dos
grandes personagens em terra tupiniquim (MORE, 2001). Farsa essa garantida pelas medidas
paliativas das políticas de segurança pública que cercam os grandes latifúndios rurais, garantem a
especulação imobiliária nos grandes centros urbanos industrializados (Caxias do Sul, São Paulo),
e coagindo movimentos sociais gerados pela ausência de ética, como, por exemplo, dos sem-
terra, dos sem-teto, dos sem-educação, dos sem-saúde, enfim, dos sem-cidadania.

Isso lembra um livro escrito em 1902, (CUNHA, 1938) e seus escritos continuam atualizados na
sociedade brasileira. Retrata o choque de civilizações: a civilização dos especialistas da jovem
República em oposição à civilização dos bárbaros dos sertões brasileiros afora e sua identidade
do medo, da mentira e das medidas paliativas. Os bárbaros matutos não se enquadravam nos
moldes políticos do novo país (continuam não se enquadrando), e conseqüentemente, não teriam
direito a participarem da política e, por advertência, foram excluídos da cidadania da ordem e
progresso por serem de raça inferior. Seus únicos direitos eram pagar tributos ao novo país do
futuro, caso contrário, eram conspiradores da monarquia e suas diferenças deveriam ser
silenciadas. Assim, a imensa favela construída no sertão pelos degredados

matutos broncos foram varridos cedo, - surprehendidos (sic), saltando estonteadamente das
rêdes (sic) e dos catres miseraveis (sic), - porque havia pouco mais de cem annos (sic) um
grupo de sonhadores falara nos direitos do homem e se batera pela utopia maravilhosa da
fraternidade (CUNHA, 1938: 448).

Onde foi parar a utopia da Pasárgada brasileira? Nas eternidades, nas ressurreições dos homens,
iluminada na vanguarda dos jardineiros poetas que sonham com grandes jardins de cidadania.
Um político por vocação é um poeta forte: ele tem o poder de transformar poemas sobre
jardins em jardins de verdade. A vocação política é transformar sonhos em realidade. É uma
vocação tão feliz que Platão sugeriu que os políticos não precisam possuir nada: bastar-lhes-ia
o grande jardim para todos. Seria indigno que o jardineiro tivesse um espaço privilegiado,
melhor e diferente do espaço ocupado por todos (ALVES, 2002: 10).

Esse, portanto, é o desafio da utopia vanguardista Brasil, sonhada por novos espelhos sociais,
espelhos para a eternidade de um povo (Brasil), de ressurreição do sujeito e respeito à cidadania.
Porque conheci e conheço muitos políticos por vocação. Sua vida foi e continua a ser um motivo
de esperança (ALVES, 2002: 10) no diálogo e universalidade das leis norteadas por uma ética de
jardineiro com sonhos de cidadania.

3. O Direito dos grandes personagens e a Pasárgada brasileira

Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na
história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a
primeira vez como tragédia, a segunda como farsa (MARX, 1997: 21). Essa reflexão de Marx
vai contra ao pensamento hegeliano, revelando o ponto crucial onde a história é construída para o
interesse de poucos, no discurso simbólico dos grandes personagens que, através dos fatos que
lhe interessam, o regularizam em leis. E trazendo essa repetição dos grandes personagens e fatos
a Pasárgada brasileira através do poema de Manuel Bandeira (2007: 147), se podem destacar os
seguintes versos: Vou-me embora pra Pasárgada11/ Em Pasárgada tem tudo/ É outra civilização/
Tem um processo seguro/ De impedir a concepção. Esses versos refletem a falta de identidade e
crença na política brasileira dos grandes personagens e fatos, que se consolida no descompasso da
balança e da espada nas mãos do direito e leva à perda da ética como ethos de morada humana.
Esse descompasso do direito e da falta de ética reflete em um poder paralelo dentro do Estado
brasileiro atual; contexto estudado por Santos numa favela carioca12, denominada
metaforicamente de Pasárgada. O estudo de Santos (2002) demonstrou a crise do sistema
político-jurídico brasileiro, de hipertrofiação das leis em favor dos grandes personagens em
detrimento aos sujeitos menos privilegiados pela cidadania do Estado de Direito Brasileiro.

11
Capital do antigo Império da Pérsia de Ciro II, significa campo dos persas ou tesouro dos persas.
12
Estudo de tese de doutoramento apresentado na Universidade de Yale (EUA), realizado na favela do Jacarezinho
(Rio de Janeiro), no início da década de 70 do século XX. Nesse estudo do sociólogo Boaventura de Sousa Santos é
analisado um direito paralelo entre esses moradores ao oficial do país. Que pode se dizer que é o reflexo na
atualidade de facções criminais e divulgadas na impressa como poder paralelo.
Historicamente, para compreender os grandes personagens e fatos brasileiros em oposição aos
sujeitos não-cidadãos (Pasárgada) que reflete na atualidade brasileira, basta pegar o caso do
Quilombo dos Palmares, de Zumbi, símbolo dos sujeitos não-cidadãos que formaram um direito
paralelo/ poder paralelo, ou seja, a Pasárgada; do governador de Pernambuco, Souto Maior,
símbolo da aristocracia dos grandes personagens detentores do poder político oficial e o
bandeirante Domingo Jorge Velho, símbolo do direito das políticas de segurança pública contra
os menos favorecidos (sujeitos não-cidadãos do Estado brasileiro). A tragédia da Pasárgada
brasileira no período Colonial (Quilombo dos Palmares) se repete como farsa em Canudos e no
Contestado, seus direitos paralelos foram silenciados pelas políticas de segurança pública, em
nome da ordem e progresso dos especialistas e das oligarquias regionais (coronéis) no período da
República Velha. Com esse exemplo do Quilombo dos Palmares, Canudos e Contestado, há uma
compreensão melhor desses poderes paralelos que estão institucionalizados ou não-
institucionalizados na atualidade brasileira, onde uma escória produz outra.

Hodiernamente a história continua a se repetir como farsa no Estado brasileiro fruto da corrupção
política e ausência de ética, exemplo disso: a promessa de uma Reforma Agrária que não se faz
por incompetência administrativa do Estado, fruto de interesses particulares dos grandes
personagens. A partir disso, aumenta o êxodo rural fruto desses jogos de interesses, desenfreando
a migração interna de explosão demográfica sem planejamento urbano nos grandes centros, e por
fim, gerando caos social: favelas, desemprego em massa, presídios com super lotação etc; que
conseqüentemente, produzem frutos tais como Pasárgadas institucionalizadas e não-
institucionalizadas com seus próprios direitos: Esquema PC, Anões do Orçamento, Mensalão,
Comando Vermelho, Primeiro Comando da Capital e outras facções onde uma escória legal
produz outra paralela. Isso é simplificado no aforismo de Cunha (1938: 218) [grifo do autor], o
jagunço, saqueador de cidades, succedeu (sic) ao garimpeiro, saqueador da terra. O mandão
político substituiu o capangueiro decahido (sic).

A partir disso, a pergunta que não pode calar remete a Rousseau (2001) com seu princípio de
comunidade que leva à participação (cidadania) e à solidariedade (sujeito). Então, onde elas
foram parar ao longo da História do Brasil? Será que Nietzsche (1999: 51) estava certo ao afirmar
que o Estado chama-se o mais frio de todos os monstros. Mente também friamente, e eis que
mentira rasteira sai da sua boca: ‘Eu, o Estado, sou o povo’. A mentira do Estado brasileiro de
direitos iguais a todos se justifica na própria bandeira nacional com slogan “ordem e progresso”
idealizando um poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido
com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o
exercem (BOURDIEU, 2001: 7-8). Isso é legalizado através de leis criadas e aprovadas pelos
representantes do povo que reprimem movimentos sociais, e conseqüentemente, garantem aos
grandes personagens direitos herdados das Capitanias Hereditárias através das políticas de
segurança pública na contemporaneidade do Estado brasileiro.

O próprio Rousseau (2001: 83), admitiu que “nunca existiu verdadeira democracia, nem jamais
existirá”. Mas, segundo os gregos, que criaram o mito da Caixa de Pandora13, caso houvesse
crença na esperança nem um mal poderia acontecer por inteiro e aos sujeitos ausentes de
cidadania da Pasárgada brasileira resta uma esperança nos movimentos de vanguarda como, por
exemplo, as políticas públicas de segurança.

Essa expressão sinaliza que as políticas de segurança devem estar articuladas às diferentes
áreas de atuação do poder público: saúde, educação, e habitação, para ficar em apenas alguns
exemplos. Portanto, nas democracias consolidadas, a segurança pública está sendo pensada
cada vez mais numa dimensão multidisciplinar. Sem dúvida, essa abordagem condiz com a
defesa integral dos Direitos Humanos. Mas, no Brasil, segurança social é uma idéia que está
em seus primeiros passos (ALVAREZ; SALLA, 2006: 2) [grifo nosso].

Entretanto, resta a esperança em um novo senso comum através de movimentos de vanguarda


refletidos em novos espelhos sociais conduzidos, por exemplo, nas políticas públicas de
segurança e na utópica democracia participativa de ideal rousseauniana.

4. A utópica democracia participativa como novo espelho no multiculturalismo brasileiro

Para Montesquieu (2000: 19) [grifo do autor], na república, o povo em conjunto possui o poder
soberano, trata-se de uma Democracia. Quando o poder soberano está nas mãos de uma parte
do povo, chama-se uma Aristocracia. Sobre a Democracia, seu princípio é a virtude moral: uma
virtude de respeito às leis presentes na sociedade. E, refletindo o seu papel como regime oficial
da Republica Federativa do Brasil, que garante aos sujeitos a cidadania e a igualdade perante a
lei, basta pegar a Constituição Federal de 1988 (2001: 03), no seu artigo 5º que diz: Todos são

13
Caixa de Pandora: da qual todos os males do mundo saíram, apenas ficando presa a esperança.
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Mas, quando se perde essa referência
democrática como a expressa no artigo 5º da Constituição Federal por viés de um poder
simbólico, o povo passa a se alienar e vai perdendo aos poucos os sentimentos que possuem como
sujeitos donos de uma cidadania; e, conseqüentemente o poder soberano passa a ser conduzido
nas mãos de poucos (Aristocracia). Entretanto, na definição de Montesquieu, essa falta de
referência não pode conduzir a uma crítica da razão indolente14, pois, essa indolência leva ao
medo, acarretando as perdas dos direitos políticos-sociais e do espírito solidário de comunidade
do povo. Na definição de Santos:

Quando isso acontece, a sociedade entra numa crise que podemos designar como crise da
consciência espetacular: de um lado, o olhar da sociedade à beira do terror de não ver
reflectida (sic) nenhuma imagem que reconheça como sua; do outro lado, o olhar monumental,
tão fixo quanto opaco, do espelho tornado estátua que parece atrair o olhar da sociedade, não
para que este veja, mas para que seja vigiado (2005: 48).

Então, esses espelhos, que foram transformados em estátuas precisam ser derrubados e
substituídos por novos espelhos, para um novo senso comum, de redescoberta do ethos e para
universalidade das leis, mas sempre respeitando o multiculturalismo (diferenças regionais dentro
do Brasil) que se opõem ao silêncio e a diferença através do diálogo por meio da teoria da
tradução que sirva de suporte epistemológico às práticas emancipatórias, todas elas finitas e
incompletas e, por isso, apenas sustentáveis quando ligadas em rede (SANTOS, 2005: 30) [grifo
do autor]. Essas práticas emancipatórias, no caso Brasil, de comprometimento com a cidadania
social, sempre foram silenciadas em vários momentos históricos do país em nome da ordem. Em
Canudos, por exemplo, a diferença era silenciada pela

degollação (sic) era, por isto, infinitamente mais pratica (sic), dizia-se nuamente. Aquillo (sic)
não era uma campanha, era uma xarqueada (sic). Não era a acção (sic) severa das leis, era a
vingança. Dente por dente. (...) devia-se queimar. (...) devia-se degollar. (sic) A repressão
tinha dous (sic) polos (sic) – o incendio (sic) e a faca (CUNHA, 1938: 569).

Tragédia que se repetiu como farsa escrita da mesma forma, com os mesmos versos clássicos da
literatura de repressão. Dessa vez, os inimigos não eram mais os bárbaros matutos monarquistas
excluídos pela Lei Áurea e pela nova República dos especialistas detentores da ordem histórica
para o progresso dos grandes personagens. Os versos repetidos eram em nome da Marcha da Família

14
A razão indolente que penso em Montesquieu (2000) é proposta na obra de Santos (2005), autor que se inspirou
em Leibniz, no Prefácio do seu Ensaio de Teodicéia sobre a bondade de Deus, a liberdade do homem e a origem do
mal, 1710.
com Deus pela Liberdade, onde as políticas de segurança pública foram adicionadas pela
Ditadura Militar (1964-1985) que reprimiu movimentos sociais de novos espelhos como a
Pedagogia da Libertação freiriana e que retirou dos currículos escolares disciplinas essências
para uma sociedade consciente de sua cidadania: Latim, Grego, Filosofia e Sociologia. Toda essa
violência contra os menos desprovidos de direitos e cidadania sempre foi justificada em nome da
diferença e ordem histórica dos grandes personagens conduzidos pelos grandes fatos.

É como se o espelho passasse de objecto (sic) trivial a enigmático super-sujeito, de espelho


passasse a estátua. Perante a estátua, a sociedade pode, quando muito, imaginar-se como foi
ou, pelo contrário, como nunca foi. Deixa, no entanto, de ver nela uma imagem credível do
que imagina ser quando olha. A actualidade (sic) do olhar deixa de corresponder à actualidade
(sic) da imagem (SANTOS, 2005: 48).

Mas, os novos espelhos sociais a serem pensados e construídos por um “novo senso comum”
devem ter como reflexo uma democracia participativa, de ética solidária no respeito às diferenças
regionais traduzidas por diálogo e universalidade das leis compreendidas por todos os sujeitos e
ligadas em rede para construção do direito brasileiro de valorização da cidadania social. Essa
cidadania pensada pelo povo brasileiro para o povo brasileiro, através de uma dimensão
multidisciplinar comprometida com o processo de democratização do direito e da sociedade
(SANTOS, 1999: 177); e não mais pensada por uma aristocracia para uma aristodemocracia
mascarada pelos grandes personagens e fatos que lhe interessam e que usam a democracia e o
direito, por meio da corrupção e da falta de ética social de uma parcela de políticos que servem
aos seus interesses particulares dentro do Estado brasileiro de direito democrático.

Conclusão

Vem-me à mente o verso da poetisa Cecília Meireles (2003: 64), - Em que espelho ficou perdida
a minha face? Esse é o desafio da busca de novos espelhos sociais na ética tão falada, mas pouco
entendida pelos políticos na sociedade brasileira hodierna que reflete no direito. Então, a ética
que historicamente na política e no direito brasileiro sempre foram como o verso acima para os
sujeitos não-cidadãos ao longo da história da Pasárgada Brasileira, deve seguir por novos
espelhos sociais de movimentos de vanguarda para “transformar-se num novo senso comum, um
senso comum emancipatório. Não há vanguardas senão na cabeça dos vanguardistas” (SANTOS,
2005: 17). Esse é o desafio proposto nesse artigo. E, ficando como reflexão as palavras de Ihering
(2007: 27): A vida do direito é a luta: luta dos povos, dos governos, das classes sociais, dos
indivíduos.

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