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PEQUENAS-MORTES COTIDIANAS
Breve Genealogia da Assimilação Cultural em Casa Grande & Senzala.
SUMÁRIO
Agradecimentos...........................................................................................04
Introdução ...................................................................................................06
Capítulo I – Da simulação encantada..........................................................13
Capítulo II – Um sutil envenenamento .......................................................22
Capítulo III – Da assimilação à ação...........................................................33
Referências Bibliográficas .........................................................................37
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AGRADECIMENTOS
Este trabalho vem revestido de um valor especial, pois representa para nós –
principiantes na busca do saber – um rito de passagem, com direito a todos os requintes
de crueldade que apenas a mente neófita é capaz de criar. Finda esta etapa é chegada a
hora de reavaliar todas as pequenas-mortes cotidianas às quais nos submetemos. Afinal,
o que mais define o processo de aprendizagem senão ganhos e perdas; indagações
suplantando as certezas e a certeza da infinitude do conhecimento diante de nossa
limitada capacidade de conhecer?
Ao longo deste percurso a angústia do conhecimento tornou-se presença
constante. E tal qual água do mar, quanto mais dela bebemos, maior é a sede. Poucos a
compreendem, pois compreende-la significa partilhar do mesmo sofrimento. Nesse
ínterim, muitos foram os estimados mestres que tentaram aplacá-la. Agradeço-lhes.
Maior, porém, é o meu agradecimento àqueles cujas críticas e observações visaram
estimulá-la: Profª. Izabel Ladeira; Prof. Lindivaldo; Prof. Paulo Heimar; Prof Francisco
José Alves e; por último, mas não menos importante; Prof. Jorge Carvalho Nascimento,
meu orientador.
Muitas outras pessoas partilharam comigo desta estrada. Com algumas
permaneci em engarrafamentos; de outras caminhei lado a lado por um período; mas no
devido tempo cada um de nós segue seus próprios caminhos, sob diferentes sóis.
Também estas são dignas de agradecimentos, colegas e amigos, que por serem muitos
prefiro não citar. Sintam-se todos lembrados.
E como não poderia deixar de ser, à minha família. Nem sempre tão
compreensivos, nem sempre tão pacientes, nem sempre tão cientes da importância desta
minha busca devotada, mas me apoiando, a despeito de tudo isso. À minha mãe; fonte
de estímulo incessante, mesmo quando me acomete a vontade de ver o mundo parar. À
Regina; cúmplice de todas as horas. A Marcel; por todo amor e dedicação, me ajudando
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a superar os momentos mais críticos. A Clark Bruno; por tudo, apesar de tudo. E à
minha filha Emily; materialização da felicidade.
Em tempo, congratulemo-nos! Nessa busca seremos sempre neófitos, pois como
diria o filósofo: “Sem crueldade não há festa”.
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INTRODUÇÃO
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Silvio Romero, naquela que ele define como sua primeira fase – a fase do ‘otimismo da infância’ –
admite o seu arianismo, convencido da inferioridade racial do brasileiro. Somente a posteriori procurou
definir um esquema que possibilitou a integração do brasileiro ao desenvolvimento racial da
humanidade.(Ver: Romero, Silvio. A História da Literatura Brasileira, 1886.)
Assim como Silvio Romero, Euclides da Cunha também desenvolveu seu pensamento a partir da relação
entre raça e meio geográfico, admitindo na contribuição das três raças a superioridade da raça branca. O
seu elemento diferencial dar-se-ia na concepção de cruzamento e adaptação ao meio. Também
postulavam a tese da superioridade da raça branca Nina Rodrigues e Oliveira Viana, considerando a
mestiçagem como um processo de degeneração (Ver: Rodrigues, Nina. Os africanos no Brasil. 6ª ed.
1982; e Oliveira Viana. Raça e Assimilação;2ª ed. 1934 )
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Transcrito em Mendonça, Carlos Süssekind. Silvio Romero de corpo inteiro. Ministério da Educação e
Cultura. Serviço de Documentação. Departamento de Imprensa, 1963.
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Radicalismo este muitas vezes não fundamentado, como no caso de Oliveira Viana. Segundo Nelson
Werneck Sodré somente a falsidade de seus métodos adequava-se a sua fidelidade ideológica à chamada
aristocracia brasileira. (ver: Nelson Werneck Sodré, A ideologia do colonialismo; seus reflexos no
pensamento brasileiro). É claro que havia outras posições, que ultrapassavam a mera discussão racial nas
tentativas de construção de uma identidade nacional. Eram, porém, vozes isoladas, como a crítica de
Joaquim Nabuco à instituição da escravidão (Ver: Nabuco, Joaquim. O Abolicionismo); a proposta de
reforma agrária de André Rebouças e, principalmente, a crença de Manoel Bonfim na teoria de
superioridade e inferioridade entre as raças apenas como uma justificativa européia para o domínio do
resto da humanidade, apontando a falta de educação como verdadeira causa do atraso brasileiro e não a
mestiçagem. (Ver: Bonfim, Manoel. A América latina: males de origem.)
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Segundo Leite, Casa-Grande & Senzala e Os Sertões se assemelham em muitos aspectos. Ambos seriam
“pedantes”, “desequilibrados” e “imperecíveis”; a obra-prima de principiantes nas letras, além de
tentarem redimir grupos incompreendidos desprezados pela historiografia; seja ele o negro ou o sertanejo
nordestino.
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É verdade que sua obra dá a impressão de ter sido concebida numa rede, na
varanda de uma casa-grande, impregnando a sociedade patriarcal brasileira não só com
o seu sêmen, mas principalmente com o seu olhar. Segundo Dante Moreira Leite, um
dos mais ferrenhos críticos de Freyre, o seu maior pecado foi
Mas suas críticas não acabam aí. No tocante a sua teoria e método, Leite
enfatiza a necessidade da busca pela objetividade nas ciências humanas, acusando o
subjetivismo freyreano e sua abordagem psico-cultural de deformarem os fatos, mesmo
dispondo de uma teoria certa. Também Carlos Guilherme Mota, embebido pela mesma
crítica, define a obra de Gilberto Freyre como uma colagem técnica, relativizadora, que
em meio a um cenário de crise estamental oferece uma visão folclorizada do Brasil para
consumo político-antropológico. Tal visão seria propiciada, principalmente, pelo uso de
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Foram Spix e Martius que, segundo Nina Rodrigues, teriam criado o erro de supor exclusivamente bantu
a colonização africana no Brasil. ( ver Freyre:1966,418 )
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As principais áreas de cultura elencadas por Freyre seriam estas: “a) hotente, caracterizada pela criação
de gado, pelo uso de bois no transporte de fardos, pela utilização de suas peles no vestuário, pelo longo
consumo de sua carne, etc; b) boximane – cultura inferior à primeira, pobre, nômade, sem animal nenhum
a serviço do homem a não ser o cachorro, sem organização agrária ou pastoril, semelhante nesses traços à
cultura indígena do Brasil, mas superior à esta em expressão artística, em pintura pelo menos, como
demonstram os exemplos destacados por Frobenius; c) a área de gado oriental da África oriental (Bântu),
caracterizada pela agricultura, com a industria pastoril superimposta, tanto que a posse do gado
numeroso e não de terras extensas é que dá ao indivíduo prestígio social; trabalhos em ferro e madeira;
poligamia; fetichismo; d) área do Congo ( também de língua bântu , ainda que na fronteira ocidental se
falem ibo, fanti, etc. ), estudada por Leo Frobenius no seu trabalho Ursprung Afrikanischen Kulturen, em
que salienta as diferenças entre o Congo e as áreas circunvizinhas, de vestuário, tipo de habitação,
tatuagem, instrumentos de música, uso da banana, etc; traços a que Herskovits acrescenta outros: a
economia agrícola, além da caça e da pesca; a domesticação da cabra, do porco, da galinha e do cachorro;
mercados em que se reúnem para a venda de seus produtos agrícolas e de ferro, balaios, etc; a posse da
terra em comum; fetichismo, de que é interessante expressão artística a escultura em madeira, os artistas
ocupando lugar de honra na comunidade ; e) Horn Oriental – região difícil de caracterizar, representando
já o contato da cultura negra do Sul com a maometana do Norte; atividade pastoril; utilização de
numerosos animais - vaca, cabra, carneiro, camelo; organização influenciada pelo islamismo; f) Sudão
Oriental – área ainda mais influenciada que a anterior pela religião maometana; língua árabe; abundância
de animais a serviço do homem; atividade pastoril; grande uso do leite de camelo; nomadismo; tendas;
vestuário de pano semelhante aos berberes; g) Sudão Ocidental – outra área de interpenetração de
culturas, a negra propriamente dita e a maometana; região de grandes monarquias ou reinos – Daomei,
Benin, Axanti, Haúça, Bornu, Iorubá; sociedades secretas de longo e eficiente domínio sobre a vida
política; agricultura, criação de gado e comércio; notáveis trabalhos artísticos de pedra, ferro, terracota e
tecelagem; fetichismo e maometismo”. (Freyre:1966; 431-32)
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O segundo passo seria o próprio contato diário do negro boçal com o negro
ladino – já suficientemente abrasileirado – determinando as suas pequenas mortes
cotidianas;
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como também nas técnicas e na rotina praticada no eito ou no fabrico do açúcar. Por
este lado o batismo; numa interpretação de Koster endossada por Freyre, assumiria um
caráter de direito adquirido pelos neófitos, porquanto, mesmo sem uma total consciência
de sua significação, o ritual representasse a sua inserção num todo social.
Por sua vez a casa-grande agiria sobre a senzala como um espaço de imposição
das relações hierárquicas na busca do respeito e da re-afirmação da subalternidade,
capaz de permitir, paradoxalmente, a coexistência de diferentes artifícios dos escravos
em relação a seus senhores, num jogo de negociação e sedução manipulado num cenário
de extrema heterogeneidade cultural (SANSONE: 1996)
Cumpre aqui algumas observações sobre esse processo, a começar pela distinção
estabelecida por Freyre entre o catolicismo ortodoxo e o catolicismo patriarcal: o
primeiro, dogmático, ascético, pregado pelos jesuítas; o segundo, tolerante, permissivo,
quase herético, praticado no interior das casas-grandes. É de Ricardo Benzaquen o mais
consistente estudo sobre o catolicismo na obra de Gilberto Freyre. Em sua interpretação
a Igreja seria o elemento da sociedade colonial que melhor poderia realizar o equilíbrio
dos antagonismos, evitando o esfacelamento da própria sociedade, posto não haver nos
séculos XVII e XVIII
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O sadismo se manifesta em diversas instâncias, seja do sinhozinho sobre o moleque mesmo nas
brincadeiras mais “inocentes”; seja no abuso sexual dos senhores sobre as escravas e em sua conseqüente
sifilização; seja nos castigos impostos pelas senhoras às mucamas, segundo Freyre, de crueldade ainda
maior que a dos senhores no tratamento dos escravos. “Sinhá-moças que mandavam arrancar os olhos de
mucamas bonitas e traze-los à presença do marido, à hora da sobremesa, dentro da compoteira de doce e
boiando em sangue ainda fresco. Baronesas já de idade que por ciúme ou despeito mandavam vender
mulatinhas de quinze anos a velhos libertinos. Outras que espatifavam a salto de botina dentaduras de
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O termo instituição seria definido então como toda crença, todo comportamento
instituído pela coletividade. Numa análise funcionalista um sistema social só se torna
real quando as partes excutam funções essenciais à persistência do todo e, portanto, são
interdependentes e integradas. Apesar deste enfoque poder ser reconstituído até os
fundadores da sociologia, somente com a antropologia ele adquire um status definido.
Para Malinowski cada instituição desempenha ao menos uma função social,
satisfaz uma necessidade social pré-estabelecida. Os seres humanos nascem ou
penetram em grupos tradicionais já formados. Ou, de outro modo, às vezes eles
organizam e instituem tais grupos. O estatuto de uma instituição representaria o sistema
de valores para a consecução dos quais os homens se organizam ou se filiam a
organizações já existentes. Distingue-se da função que é o resultado integral das
atividades organizadas naquilo em que distinguem o estatuto. Dois axiomas são
apresentados: cada cultura precisa satisfazer necessidades biológicas do homem e
prover-se para a regulação do desenvolvimento; por outro lado, cada conquista cultural
representa um aumento no valor instrumental da fisiologia humana, referindo-se direta
ou indiretamente à satisfação de uma necessidade corporal. Ainda segundo Malinowski,
escravas; ou mandavam-lhe cortar os peitos, arrancar as unhas, queimar a cara ou as orelhas”. (FREYRE:
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1966; 470)
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Apesar do constate estado de guerra, o contato humano entre a Europa e a África não impossibilitou a
miscigenação, nem tampouco o intercurso cultural. Em Portugal poder-se-ia facilmente observar a
presença de elementos diversos. A raça não teria um papel fundamental para a estabilidade da sociedade,
mas sim a religião. Segundo Freyre, Portugal é o país do louro transitório ou do meio-louro – crianças que
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nascem louras e depois tornam-se morenas e de cabelos escuros. Pode-se encontrar ainda uma certa
dualidade: homens de cabelos escuros e barba loura ou, ainda, homens morenos de cabelos louros.
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Sobre a história de Portugal, ver: MATTOSO, José, "O Léxico Feudal", Penélope. Fazer e Desfazer a
História, Lisboa: Quetzal, 1988, n. 1, 11-40; RIBEIRO, Orlando. Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico.
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O Direito romano, por sua vez, acomodou-se sob o domínio visigótico durante
quase três séculos, cujos costumes se enraizaram na antiga província romana. À essas
duas influências somar-se-ia o Direito Canônico, conferindo aos bispos uma autoridade
superior a dos reis, tornando-os aptos a decidirem causas civis.
– definiu-se como o elemento mais apto à colonização dos trópicos, suprindo através de
uma intensa ação genésica a falta de gente branca para a empresa colonizadora. A
miscigenação não surgiu de uma necessidade meramente biológica de homens brancos
por mulheres, mas também de uma ação política calculada e juridicamente estabelecida
O degredo não trouxe para o Brasil somente uma leva de tarados, criminosos e
semiloucos, como se costuma estabelecer. Na perspectiva jurídica do Portugal
Quinhentista, o crime mais hediondo era o perpetrado contra a fé. Estes eram
geralmente punidos com a vida11. Já o degredo era recorrente nos casos de crimes
místicos ou imaginários., levando-se a crer numa povoação empreendida por gente
saudável, ridicularizada pelos critérios jurídicos distorcidos de Portugal, que
transformava cães em lobos.
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“A lei de 7 de janeiro de 1457, de D. Dinis,(...) ‘mandava tirar a língua pelo pescoço e queimar vivos os
que descriam de Deus ou dirigiam doestos a Deus ou aos Santos” (FREYRE: 1966; 27)
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Um critério fundamental para a escolha da escrava negra para ama de menino, por exemplo, era o
higiênico. Como grande parte das mães – casadas ainda meninas – encontravam-se fisicamente incapazes
de desempenhar a função materna plenamente, a amamentação era um papel quase exclusivo das amas.
Alegam-se, para isso, o maior vigor das negras que das brancas, propiciado por questões eugênicas. As
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negras deveriam ter dentes alvos e inteiros; não serem primíparas; não terem sardas; terem filhos sadios e
vivazes.
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A corrupção sexual não deve ser entendida como uma ação meramente moral, seja no julgamento de
senhores ou de escravos. Essa corrupção é explicada através da influência da escravidão sob um sistema
econômico-social que favorece a devassidão “criando nos proprietários de homens imoderado desejo de
possuir o maior número de crias” (FREYRE; 1966, 440)
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Muitas foram as crenças e os sortilégios sexuais oriundos da tradição portuguesa trazidos para o Brasil.
Freyre elenca algumas crenças que encontraram grande aceitação aqui no Brasil, sendo assimiladas pela
camada escrava da população: a raiz de mandrágora capaz de atrair a fecundidade e desfazer malefícios
contra os lares e a propagação das famílias; o hábito feminino de trazer ao pescoço durante a gravidez
‘pedras de ara’ dentro de um saquinho; o cuidado de não passarem, durante a gestação, debaixo de
escadas, sob o risco do filho não crescer; o hábito de cingir-se, quando aperreadas pelas dores do parto,
com o cordão de São Francisco; o de fazer promessas a Nossa Senhora do Parto, do Bom Sucesso, do Ó,
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limitavam apenas aos propósitos amorosos, mas também à proteção dos recém-
nascidos. Proteção contra picada de cobra, contra o ‘mal de sete dias’, contra doenças,
contra o mau-olhado, contra todos os males que a imaginação das mães e amas
pudessem entrever.
As mães negras representaram um papel fundamental na educação dos meninos
brancos e, conseqüentemente, na formação do ethos nacional. Modificando as tradições
portuguesas, adaptando as canções de ninar e as histórias portuguesas à realidade local,
criando novas representações no imaginário infantil.
da Conceição, das Dores no sentido de um parto menos doloroso e de um filho saudável, muitas vezes
batizando a criança com o nome do santo para pagar a promessa, entre outras.
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O Quibungo foi um dos personagens do imaginário africano inteiramente transplantado para o Brasil.
Definido como uma aberração híbrida de homem e de animal, com uma cabeça enorme e um buraco nas
costas que se abre quando ele abaixa a cabeça, engolindo os meninos através deste. (FREYRE: 457)
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Dentre os personagens originais do imaginário local encontram-se o Cabeleira, fantasma de um bandido
dos canaviais de Pernambuco que ali fora enforcado; o ‘papa-figo’, Senhor de Recife que, não podendo
comer outra coisa senão fígado de crianças, mandava os seus escravos à captura dos meninos para servir-
se de sua guloseima, bem como a estória do negro velho do surrão.
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“A ama negra fez muitas vezes com as palavras o mesmo que com
a comida: machucou-as, tirou-lhes as espinhas, os ossos, as
durezas, só deixando para a boca do menino branco as sílabas
moles” (Ibidem, 461)
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A reduplicação das sílabas tônicas conferiu um caráter peculiarmente africano à língua portuguesa;
dodói; pipi; neném, papá; cocô; bambanho... O mesmo acontecendo com os nomes próprios,
transformados em apelidos: Totonhas; Ioiôs; Nonocas; Toninhos...
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Vários, porém, foram os fatores que contribuíram para a crescente mortalidade infantil, quase todos
basicamente de ordem social decorrentes dos vícios e costumes subjacentes ao sistema econômico da
escravidão. A falta de educação física, moral e intelectual das mães; a desproporção na idade dos
cônjuges; a freqüência de nascimentos ilícitos; o regime impróprio de alimentação; o aleitamento por
escravas nem sempre em condições higiênicas de criar; a sífilis dos pais ou das amas, bem como a
negligência no combate de várias doenças – inflamação do umbigo; tinha; sarna; sarampo; bexiga;
verminoses; catapora – ou ainda remédios e preventivos antecipando-se às doenças.
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Segundo Freyre, no engenho Monjope, em Pernambuco, houve não só banda de música , como também
um circo de cavalinhos no qual os escravos representavam palhaços e acrobatas.
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“Os escravos (...) se tornaram literalmente os pés e as mãos dos senhores: andando por eles,
carregando-os de rede ou de palanquin. E as mãos – ou pelo menos as direitas; as dos senhores se
vestirem, se calçarem, abotoarem, se limparem, se catarem, se lavarem, tirarem os bichos dos pés”.
( IDEM: 1966; 598)
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uma política de poder. A sua moral religiosa é lassa, permissiva; servindo aos interesses
escravistas.
A concepção religiosa em Casa-Grande & Senzala; assinalada pela vitalidade,
pelo sexo, pela propensão bélica e pela festividade; promoveria o culto a um Cristo
atípico, singularmente dionisíaco – na concepção nietzscheana. A sua concepção de
pecado pareceria cingida de um significado positivo, quase uma virtude. Isso se
explicaria pela submissão da igreja aos senhores de engenho.
O desenvolvimento do saber humano deve ser entendido como o resultado de
uma vontade de poder pela qual a espécie humana amplia seu controle e domínio sobre
o mundo externo. O conhecimento seria, então, o principal instrumento de poder –
ainda que não intencionalmente – utilizado pelos escravos negros no jogo de
negociação e sedução (SANSONE: 1996) a fim de tornar suas condições de vida sob o
sistema escravista menos opressivas.
Nietzsche afirma em Vontade de Potência que, para uma determinada espécie se
manter e aumentar o seu poder, a sua concepção da realidade deve atingir o suficiente
do que é calculável e constante para que ela baseie nisso um esquema de
comportamento. Desta forma, a medida do desejo de saber dependeria da medida do
crescimento da vontade de saber em uma determinada espécie. Isso lhe permitiria
apoderar-se de uma certa porção da realidade para ter domínio sobre ela. Ao manter
vivas muitas de suas manifestações culturais, adapta-las às novas condições sócio-
econômicas e difundi-las, o escravo negro brasileiro, apoderou-se de uma parcela da
realidade amenizando as suas condições miseráveis sob a escravidão.
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