Análise de Senhora, de José de Alencar o dinheiro que os sentimentos humanos, a
idealização das personagens reflete o
Senhora foi publicado em 1875. O romance universo romântico presente na obra. O pode ser considerado uma das obras- desenlace configura, por si só, a vitória do primas de seu autor e uma das principais Romantismo em Alencar sobre a da literatura brasileira. Uma vez que trata possibilidade realista. do tema do casamento burguês, ou seja, baseado no interesse financeiro, pode ser Para melhor entendermos a obra, devemos considerada precursora do Realismo ou perceber as interações do artista que a pré-realista. criou. Alencar acreditava sinceramente na vitória do homem na reforma de si mesmo Alencar classifica a obra dentro de seus e da sociedade. Não havia nele ainda o “perfis de mulher”, já que concentra na traço de pessimismo profundo e de mulher o papel mais importante dentro da ceticismo que tantas páginas maravilhosas sociedade de seu tempo. Aurélia é a fizeram nascer em Machado de Assis. É protagonista do romance, uma jovem dessa crença nos sentimentos mulher dividida entre o amor e o ódio, o humanitários que bruta o Romantismo desejo e o desprezo pelo homem que ama. alencariano, do qual bruta a força vital de Essa personalidade dividida apresenta um suas personagens. Divididos entre o ódio e desvio psíquico ocasionado a partir do o perdão, a necessidade financeira e os rompimento do noivo, Fernando Seixas, e apelos do coração, vencem sempre os que causou um certo caso de esquizofrenia segundos. O mesmo caso pode ser na personagem. observado na construção do romance Lucíola, mas com um final trágico. Em A personagem Aurélia Camargo é ambos os romances a premente idealizada como uma rainha, como uma necessidade do dinheiro, veículo central de heroína romântica, pelo narrador. De "régia uma sociedade aristocrática e burguesa, fronte, coroada de diadema de cabelos obriga personagens a trocarem seus castanhos, de formosas espáduas", essa sentimentos por dinheiro. O grande vilão, o personagem, no entanto, é ao mesmo antagonista, é sempre a sociedade e seus tempo "fada encantada" e "ninfa das hábitos doentios e seus costumes imorais. chamas, lasciva salamandra". Ao Se é essa a pretensão do autor, o seu estereótipo da "mulher-anjo" romântica, o recado para a sociedade de seu tempo, narrador acrescenta, assim, um elemento devemos classificar Senhora com um demoníaco, elemento que, em vez de romance de costumes. Se o cenário das explicitar, deixa sugerido, "sob as pregas personagens é o Rio de Janeiro da do roupão de cambraia que a luz do sol segunda metade do século XIX, podemos não ilumina", e também "sob a voz também considerá-lo como um romance bramida, o gesto sublime, escondendo o urbano com traços de psicologismo e critica frêmito que lembrava silvo de serpente" ou social. quando "o braço mimoso e torneado faz um movimento hirto para vibrar o supremo Estrutura da obra desprezo". Tal maneira de caracterizar a personagem - pelos elementos exteriores - Senhora é um romance dividido em quatro é típica do narrador observador. Tal partes e não obedece uma ordem caracterização, por sua vez, humaniza a cronológica, isto é, a primeira parte (O personagem, afastando-a do maniqueísmo Preço), narra os episódios atuais, enquanto romântico e acrescentando-lhe traços que a segunda parte (Quitação), fala-nos realistas. do passado de Aurélia, seguem os capítulos: Posse e Resgate. A narrativa é O conflito entre os protagonistas gera feita por um narrador que parece penetrar momentos de grande emoção e sofrimento. na alma de Aurélia Camargo para transmitir É desse embate entre o desejo de suas confidências mais intimas. vingança e o desejo de amar em plenitude que nasce a ação psíquica que se Esses títulos contrariam ostensivamente o transforma em enredo. Se a temática e o espírito de uma história de amor, como psiquismo da obra representam efetivamente é o romance Senhora. Mas, antecipações realistas, ambos fortemente como se trata de um amor contrariado consolidados pela evidente critica de uma pelos hábitos sociais, fica clara a idéia de sociedade que valoriza mais a aparência e que os títulos foram assim escolhidos para hipertrofiar a metáfora contida no livro. Eles Intensifica-se também a transformação de explicitam, em tom caricatural e hiperbólico, Fernando, que não usufrui da riqueza de a idéia de que a compra efetuada por Aurélia, tornando-se modesto nos trajes, Aurélia é uma metáfora do casamento por assíduo na repartição onde trabalhava, e interesse, muito corrente na época, mas assim adquirindo, sem perder a elegância, sempre disfarçado por elegantes e frágeis uma dignidade de caráter que nunca tivera. encenações sociais. No final, Fernando, um ano após o Enredo casamento, negocia com Aurélia o seu resgate. Devolve-lhe os vinte contos de Na primeira parte, O Preço, Aurélia réis, que correspondiam ao adiantamento Camargo dá a conhecer para o leitor: do montante total do dote com o qual jovem de 18 anos, linda e debutando nos possibilitava o casamento da irmã, e mais o bailes. A principal ação desta primeira parte cheque que Aurélia lhe dera, de oitenta do romance começa quando Aurélia pede contos de réis, na noite de núpcias. ao tio que ofereça ao jovem Fernando Seixas, recém-chegado na corte após uma Separam-se, então, a esposa traída e o longa viagem ao Nordeste, a sua mão em marido comprado, para se reencontrarem casamento. Entretanto, uma aura de os amantes, a última recusa de Seixas mistério cobre o pedido, pois Fernando não sendo debelada quando Aurélia lhe mostra deve saber a identidade da pretendente e, o testamento que fizera, quando casaram, além disso, a quantia do dote proposto revelando-lhe o seu amor e destinando-lhe deve ser irrecusável: cem contos de réis ou toda a sua fortuna. mais, se necessário. O enredo deste romance mostra A habilidade mercantil de Lemos, que claramente a mistura de elementos chega a ser caricata, e a péssima situação romanescos e da realidade. Foco narrativo financeira de Fernando - moço elegante, - O romance é narrado em terceira pessoa mas pobre, que gastou o espólio deixado por um narrador onisciente, ou seja, que pelo pai e que precisava restituí-lo à família tudo sabe sobre as personagens, para a compra do enxoval da irmã - fazem penetrando em seus pensamentos e em com que dêem certo os planos de Aurélia. sua alma. Esse narrador é também intruso, já que interfere em vários momentos, Na noite de núpcias, Fernando se apresentando-se ao leitor. A técnica surpreende ao ver nas mãos de Aurélia, um narrativa empregada por Alencar em recibo assinado por ele aceitando um Senhora é sem dúvida bem moderna, se adiantamento do dote. Aurélia se enfurece, tomarmos como base suas obras acusa-o de mercenário e venal. E ela anteriores, já que o autor utiliza digressões. começa a contar a vida e os motivos que a levaram a comprá-lo. Tempo - O tempo é cronológico, tomando como base o século XIX, durante o Na segunda parte, Quitação, conhecemos Segundo Império. Entretanto, não há a vida de ambos os protagonistas. Aqui há linearidade, já que a história é contada a um retorno aos acontecimentos em suas partir de flash-back. vidas, o que explica ao leitor o procedimento cruel de Aurélia em relação a Espaço Fernando. O espaço central da narrativa é Rio de Na terceira parte, Posse, a história retorna Janeiro. ao quarto do casal. Vemos Fernando arrasado de vergonha, mas Aurélia toma o Personagens seu silêncio como cinismo. É o início da fase de hipocrisia conjugal. As personagens são bem construídas e já apresentam certa profundidade psicológica. Na quarta parte, Resgate, temos o Ao contrário de várias personagens desenrolar da trama. Intensificam-se os românticas, não constituem meros tipos caprichos e as contradições do sociais, já que são capazes de atitudes comportamento de Aurélia, ora ferina, inesperadas. mordaz, insaciável na sua sede de vingança, ora ciumenta, doce, apaixonada. 1. Fernando Seixas: Jovem estudante de Estilo de época e individual Direito, bem vestido e apreciador da vida em sociedade. A falta de dinheiro o conduz Alencar não destoa do Romantismo em a acreditar que a única maneira de evitar a voga. A sua visão de mundo é baseada na ruína final é casando-se com um bom dote. emoção, e o mundo urbano, com seus Envolvido pelo amor de Aurélia, chega a problemas políticos e econômicos, o pensar em abandonar os hábitos caros, aborrece, por isso foge para o passado; mas acaba percebendo que não consegue escapa para os lugares selvagens. Suas viver longe da sociedade. Depois do obras procuram retratar um Brasil e casamento por interesse, é humilhado, personagens mais ideais do que reais, arrepende-se e consegue resgatar o mais como ele gostaria que moralmente dinheiro que recebeu a Aurélia. fossem (românticos e moralistas) do que objetivamente eram (realistas). Senhora é 2. Aurélia Camargo: Moça pobre. Aurélia é um romance de características definidas de decente e apaixonada por Fernando forma romântica, mas que já traduz uma Seixas. A decepção amorosa transforma-a temática realista: a crítica ao casamento num mulher vingativa e fria, mas que não burguês. consegue disfarçar seu verdadeiro sentimento por Seixas. Seu comportamento Problemática e principais temas é típico de uma esquizofrênica, já que se vê dividida entre sentimentos contraditórios O conflito amoroso entre os protagonistas até o final do romance. O amor parece ser nasce desse choque entre os sentimentos sua salvação, redimindo-a de perder o e o interesse econômico. Aurélia Camargo homem que ama por causa de seu orgulho. é uma mulher de personalidade forte, carregada de sentimentalismo romântico. 3. Dona Emília: Viúva, mãe de Aurélia. Daí sua contradição, sua personalidade Mulher honesta e séria, que amargou marcada por extremos psíquicos: dá maior imenso sofrimento por causa de seu amor valor aos sentimentos, mas vale-se do por Pedro Camargo. dinheiro para atingir seu objetivo de obter o grande amor de sua vida, Fernando Seixas. 4. Pedro Camargo: Pai de Aurélia, filho Dessa forma, o dinheiro acaba impondo o natural de um rico fazendeiro do interior de valor burguês que lhe era atribuído na São Paulo, de quem nutria grande medo. sociedade do século XIX. A realização Morre à mingua por não conseguir amorosa só se cumpre depois de Aurélia confessar seu casamento contra a vontade vencer a aparente esquizofrenia que do pai. parece conduzi-la á dúvida quanto às intenções de Fernando Seixas. O 5. Lourenço Camargo: Avô de Aurélia. Pai comportamento esquizóide manifesta-se de Pedro. Homem duro e rústico, mas que nas atitudes antitéticas de desejar o amor procura ser justo depois que descobre a do marido com todas as suas forças, mas existência do casamento do filho. lutar contra o mesmo até suas últimas reservas. 6. D. Firmina: Parente distante de Aurélia e que lhe serve de companhia quando fica rica.
7. Lemos: Tio de Aurélia. “Velho de
pequena estatura, não muito gordo, mas rolho e bojudo como um vaso chinês. Apesar de seu corpo rechonchudo tinha certa vivacidade buliçosa e saltitante que lhe dava petulância de rapaz, e casava perfeitamente com seus olhinhos de azougue.” Foi escolhido por Aurélia como tutor porque a moça podia dominá-lo facilmente.