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|cancro|#2| ananindeua (PA), julho de 2010

publicação independente

editorial: ainda não temos.

capa, transporte coletivo e sem chance de ir além por:


gil vieira costa (PA), humanóide de cabeça grande e ideias pequenas.
http://gilvieiracosta.blogspot.com

as aventuras do professor psycho por:


luis felipe mayorga (ES), animal (ir)racional de espécie desconhecida.
http://felipoe.blogspot.com

passagem, negra, facetas e quase meio dia do lado escuro por:


seres humanos do sexo feminino que não quiseram se identificar, mas que
cederam gentilmente (após as súplicas desesperadas de cancro) os poemas
publicados originalmente nos seus blogs.
o endereço de cada blog está na página do texto das respectivas autoras.
|transporte coletivo|
Fixei meus olhos no olho ao meu lado. De perfil, ele parecia não me notar.
Sequer piscava. Era um olho impresso, falso como tinta no papel. Desisti de
fitá-lo e levantei meu olhar até encontrar os olhos de uma senhora, que
igualmente me fitava. O olhar filosófico através do qual investigo o outro, ao
mesmo tempo sou investigado por ele, e descubro que o outro sabe que estou
a investigá-lo, assim como sei que ele me investiga. Ao encontrar o olhar
daquela mulher não pude fazer outra coisa senão desviar meu foco para a
direita. É desconcertante ser confrontado.
Enquanto o ônibus se locomovia pela cidade eu buscava alguém que me
encarasse. Decidi lançar um olhar penetrante e impassível a todos que
pudesse, protegido pelo conforto da estrutura de metal e vidro do ônibus.
Mas as pessoas nas avenidas não retribuíam. Seus olhos e mentes
procuravam por transportes coletivos, nomes, números, destinos. Não
procuravam por outros olhos. Já não existem pessoas capazes de olhar
dentro das almas das outras. Enxergamos, porém somos cegos.
---
Há uma criança chorando dentro da minha cabeça. Ela me ordena que
abra. Abrir o quê?, tento perguntar a ela. A porta. A criança não está so -
mente na minha cabeça, percebo que ela é real e agoniza espremida entre as
portas traseiras do ônibus. Outros passageiros gritam para que o motorista
abra a porta. Ele abre. A criança ainda vive (eu acho). Ela caminha pelo
ônibus. Eu imagino que alguém que consiga caminhar deve estar vivo, mas,
por mais que me esforce, não encontro nenhum traço de vida na criança. É
apenas um corpo que se locomove e chora.
Já não há criança alguma, somente um amontoado de lágrimas, catarro,
fome e descaso. A criança já não é criança: não teve tempo para tanto,
atropelou-se e amadureceu da forma que conseguiu. Amadureceu com
etílicos, lisérgicos, alucinógenos. Prazer, uma válvula de escape. Mas não
existem saídas. E não existem crianças neste ônibus, nenhum inocente.
Mas a criança ainda chora. Quer comer. "Quero comer" é tudo que
consegue balbuciar, entre lágrimas, gemidos, soluços e uma dor fulminante
nas costelas, causada pelo esmagamento na porta do ônibus, entre outras
coisas. Pés descalços, roupas rotas, pele suja, cérebro anestesiado,
impotência. Vejo muitas moedas. Algumas cédulas. Mulheres desviam o
olhar depois de contemplar a criança por alguns instantes.
A criança desce do ônibus, ainda chorando. A dor já não é tão forte, e as
moedas tilintam em suas mãos e bolsos. Então é assim que funciona. Tentar
resolver séculos de violência social com moedas é uma proposta tentadora.
Que ônibus frequentarão os inocentes? Em quais calçadas dormirão quando
cair a tempestade?
|sem chance de ir além|
A cidade onde eu (e uma porção de outros seres humanos) vivo é cômica.
Não existe lógica ou raciocínio algum no fato de ser um humano civilizado,
racional e judaico-cristão ocidental. As formigas ou as abelhas são mais
racionais do que nós. Nunca ouvi falar em formigas abusando sexualmente dos
próprios filhos ou tacando fogo em formigas idosas por diversão. Mas formigas
e abelhas, de qualquer forma, não parecem se divertir nem existir dentro de
alguma noção de "moralidade", muito menos uma moralidade civilizada e
ocidental. O que não desmerece a comicidade da minha (e talvez sua) cidade.
Não resisti ao jogo de palavras cidade-cômica-comicidade, me desculpem.
O fato é que eu ingeria uma massa marrom esverdeada, meio úmida, dentro
da minha cela (ou casa, se preferirem). Um muro me separava de outras celas
adjacentes. Celas por todos os lados, explosão demográfica. Sem dúvida o
termo "país de terceiro mundo" faz todo sentido quando se pára pra pensar.
Ou melhor, quando há a possibilidade de parar pra pensar em abstrações
triviais.
Alguém chorava em uma das casas ao meu lado. Minha vizinha,
provavelmente. Jovem entre vinte e vinte e três anos, filha de pais religiosos,
estudante de pedagogia em uma faculdade barata. Eu havia prometido não
expor mais a vida de pessoas reais, portanto a partir deste momento
transformar-me-ei magicamente em personagem A, enquanto transformarei
minha vizinha em personagem Z (dada a distância que nos separava).
Z tinha explosões medonhas de choro, sendo confortada por pessoas, das
quais só me chegavam rastros de vozes. Não pude, entre uma colherada e outra
da gosma marrom esverdeada, identificar o assunto daquela conversa tão
emocional. Por isso me coube adivinhá-lo: talvez gravidez, ou término de
namoro, mas o choro parecia mais explosivo; quem sabe uma crise depressiva,
vontade de foder com tudo, profunda desesperança misantrópica. Talvez um
parente próximo ou amigo íntimo falecera, provavelmente um acidente trágico
provocando o dilaceramento da vítima em milhares de pedaços.
Eu queria poder consolá-la. Eu também queria ter uma crise de choro,
dessas em que o catarro escorre fartamente deixando um gosto salgado na
boca. Faz tempo que não acontece nada por aqui. Amazônia é um calor do
caralho. Acho que eu já morri, mas ainda não desencarnei. Talvez as coisas
sempre tenham sido desse jeito, o que me dá ainda mais medo, pois é sinal de
que provavelmente também não acontecerá nada depois. Não lembro muito
bem do dia em que fui encarcerado aqui, mas deve ter sido depois da chuva,
quando os insetos começam a voar e se reproduzir. Só não entendo porque
ainda não fugi. Talvez eu tenha certo medo da liberdade, ou talvez não haja
mesmo nenhuma saída. Nunca saberei.
|fim|
|passagem| |negra|
O estranhamento e a distância Parte gota a gota
em dois passeios uma alegria negra
um na cabeça, um na certeza de pelos curtos
e a chuva deixa mais alvo o caminho do passeio branco e caça prima.
a mesma chuva deixa mais turvo os vidros das minhas
[janelas Parte gota a gota
uma alegria negra
elas já querem alçar vôo de olhos verdes
e vida atenta.
(os devaneios da dúvida)
por quantas horas a resposta não virá por que Negra alegria
simplesmente não foi feita a pergunta? uma parte
gota a gota.

|http://adrielecss.blogspot.com|
|http://antimonotoniah.blogspot.com|
|facetas| por Honny e Gio.
Você pode me ver do jeito que quiser,
já não me importo com a sua opinião.

Eu posso ser mil pessoas, posso ser movimento, tato, paladar,


pensamentos em um só corpo, em um lugar apenas.
Não me agrada andar só,
pois temo que a maquiagem se desmanche e meus medos voltem à tona.

Não possuo proteção nesse exato instante,


sou fragilidade com um quê de exatidão.
Pois agora tudo parece desabar, e eu aqui espatifada
juntando os cacos caídos no chão.

Ser do avesso do que eu era até certo ponto, parece-me interessante,


ando me surpreendendo comigo, me vendo de variadas formas, ângulos,
[modos.
Tomei ciência de que algumas coisas tendem a morrer
para que outras possam nascer.
|http://antimonotoniah.blogspot.com|
E agora eu sinto estas feridas, eu calculei desde o início do fim,
eu arquitetei o meu presente, só não pude ver como evitar.
Eu tiro forças da fraqueza, do que já não me pertence mais.
Eu que não sabia ser exata, nem imaginava ser fraca, me encontro
com uma imagem paralela da que eu criei.

|quase meio dia do lado escuro| por Gio.


Nunca viram ninguém triste? Por que não me deixam em paz?
As guerras são tão tristes e não tem nada demais...
Deixem-me.
Sou um bicho acuado por um inimigo imaginário correndo atrás dos carros
[como um cachorro otário.
Me deixem. Sou um ataque equivocado por um falso alarme.
Quebrando objetos inúteis como quem leva uma topada.
Não escondam suas crianças, não. Nem chamem o síndico
Não chamem a polícia, nem chamem o hospício.
Eu não posso causar mal nenhum a não ser a mim mesma, a não ser a mim...
cancro é uma publicação alternativa que se pretende mensal e gratuita
(sempre que o capitalismo neoliberal assim o permitir).

cancro está aberta a colaborações de qualquer espécie, tais como: textos,


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